3.4 - A "DOLARIZAÇÃO" NO BRASIL.
No Brasil não houve a dolarização da economia (apesar de alguns setores, tais como o imobiliário e em alguns momentos o automobilístico, terem os seus preços indexados ao dólar) basicamente por causa da grande instabilidade econômica, pelo alto grau de monetização da economia, e também por causa do grau de abertura da economia, que era muito baixo.
Quanto ao grau de instabilidade da economia , foram observadas várias tentativas de estabilização da economia brasileira, no decorrer da década de oitenta, via combate à inflação.
Das várias tentativas de estabilização da economia brasileira, as mais marcantes foram: o Plano Cruzado (28 de fevereiro de 1986); o Plano Bresser (12 de junho de 1987); e finalmente o Plano Verão (14 de janeiro de 1989).
O plano Cruzado estabeleceu o cruzado como padrão monetário nacional. Os salários foram convertidos em cruzados, tomando por base o poder de compra médio dos últimos seis meses. Com exceção das tarifas industriais de energia elétrica (que aumentaram 20%), os preços foram congelados por tempo indeterminado. A taxa de câmbio foi fixada em cruzados no nível vigente em 27 de janeiro de 1986. Esse plano tinha como meta a "inflação zero".
Porém o plano Cruzado não estabelecera regras ou até metas para o comportamento das políticas monetária e fiscal com a finalidade de complementar o programa de estabilização proposto. E por causa disso esse plano começa a amargar o seu fim, com um aumento significativo da inflação seis meses após o seu lançamento.
O plano Bresser, por sua vez, congelou os salários por um prazo máximo de três meses, instituiu a Unidade de Referência de Preços (URP) como base de indexação salarial para entrar em vigor após o congelamento, e os preços também foram congelados pelo prazo máximo de três meses. Como esse plano não visava a "inflação zero", nem a desindexação da economia (como era visado no plano Cruzado) a taxa de câmbio não foi congelada.
As pressões inflacionárias levaram o governo a ser mais flexível para com o congelamento de alguns preços, e assim permitir os reajustes de preços. Essas medidas foram responsáveis pelo enfraquecimento do programa de estabilização, e em pouco tempo, a inflação começou a atingir patamares mais altos. "As taxas de inflação registradas em novembro e dezembro de 1988 foram 26,9% e 29,8% respectivamente".
O plano Verão promoveu uma nova reforma monetária, na qual instituiu o cruzado novo como a nova unidade básica do sistema monetário nacional. Os salários foram convertidos para cruzados novos, tomando como base o poder de compra médio dos últimos doze meses. Os preços foram congelados nos níveis vigentes em 15 de janeiro de 1989, por tempo indeterminado. E a cotação do dólar foi fixada em 1 cruzado novo (desvalorizando o cruzado em 18%).
O plano Verão não correspondeu as expectativas do governo brasileiro, e a inflação voltou a "reinar" na economia brasileira.
Apesar das várias tentativas de estabilização da economia brasileira, os planos Cruzado, Bresser, e Verão apenas conseguiram retardar um pouco a escalada da inflação, pois nem os problemas dos conflitos distributivos de renda e nem os desequilíbrios estruturais da economia foram sanados, e assim a inflação continuou persistente e em elevação.
A tabela 22 do capítulo 02 (pp 62) mostra como se comportou a inflação na década de oitenta. De 1981 a 1985 a inflação sobe de 93,5%a.a. para 239,1%a.a., em 1986 ela tem uma queda justamente por causa do congelamento de preços implementados pelo plano cruzado, mas logo em 1987 a inflação atinge o patamar de 394,0%a.a., em 1988 volta a subir, atingindo 900,0%a.a., ficando em 1.201,0%a.a. em 1989.
Quanto ao grau de abertura da economia é observado que apesar de se ter consciência da necessidade de abrir a economia nacional para o comércio exterior desde fins da década de 70, circunstâncias relacionadas à mudança no comando da política econômica no segundo semestre de 1979, juntamente com o aprofundamento da crise do setor externo no início dos anos oitenta, impediram que idéias tais como: reforma da tarifa aduaneira, eliminação de regimes especiais de importação, redução gradual dos controles administrativos, pudessem ser implementadas.
Somente com o plano Collor se deu início políticas de abertura da economia brasileira. "No início de 1991 foi anunciado um cronograma de redução das alíquotas do imposto de importação até 1994".
Apesar do plano Collor iniciar um processo de abertura total da economia, ele não estimulou o processo de capacitação das empresas nacionais, no intuito de suportar a competição externa, ou seja, antes o que havia era o protecionismo à indústria brasileira, e com o plano Collor, a estrutura industrial brasileira sai da proteção para a competição externa sem passar por uma capacitação (investimento do governo em recursos humanos e tecnologia).
Com relação ao alto grau de monetização da economia brasileira, pode-se dizer que a demanda por moeda nacional se manteve sempre em um nível relativamente alto, mesmo em períodos de inflação elevada, principalmente devido à existência de títulos públicos indexados ao câmbio-dólar. Estes títulos públicos eram atrativos tanto por causa da sua alta rentabilidade como também por causa da sua alta liquidez.
Um dos primeiros títulos a serem criados, 16 de julho de 1964, foram as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN). Com o plano Cruzado, em 1986, as ORTN deram lugar para as obrigações do Tesouro Nacional (OTN), que mais tarde foram substituídas pelo Bônus do Tesouro Nacional (BTN).
Nos anos oitenta com o aumento da inflação, os agentes financeiros procuraram, de todas as maneiras, um meio de não perderem com a desvalorização da moeda nacional. Houve então uma queda na demanda por M1, porém a demanda por M4 manteve-se relativamente estável, por causa do lançamento dos títulos públicos, indexados ao dólar, no mercado financeiro.
De acordo com a tabela 23, o M1, que era de 5,04% do PIB em 85, diminuiu para 2,21% em 89, enquanto que M2 que era de 16,66% do PIB em 85 ficou em 15,42% em 89, basicamente por causa dos títulos públicos federais que subiram de 11,62% em 85 para 13,21% em 89.
TABELA 23
MEIOS DE PAGAMENTO (% DO PIB) 1985-1989
|
ANO |
M 1 |
Títulos federais |
M 2 |
M 3 |
M 4 |
|
1985 |
5,04 |
11,62 |
16,66 |
26,45 |
33,16 |
|
1986 |
11,55 |
9,09 |
20,64 |
29,00 |
36,39 |
|
1987 |
4,91 |
10,88 |
15,79 |
26,27 |
30,83 |
|
1988 |
2,90 |
10,67 |
13,57 |
24,40 |
28,77 |
|
1989 |
2,21 |
13,21 |
15,42 |
22,35 |
25,53 |
Fonte:Relatório anual do Banco Central 1990.
As elevadas taxas de inflação brasileira na década de oitenta fez com que a moeda nacional começasse a perder a sua função de reserva de valor para os títulos públicos (a ORTN e seus substitutos). Por causa disso, se torna fácil perceber porque que na economia brasileira, o dólar não substituiu a moeda nacional como reserva de valor, meio de pagamento e unidade de conta, como ocorreu com a Argentina, que também enfrentou uma inflação crônica.
Os títulos públicos foram muito importante no processo de indexação da economia brasileira, pois eles serviam tanto para financiar o endividamento externo ,pois o governo se nutria da poupança privada para suprir o seu déficit ( ver capítulo 02), como também para inviabilizar (não deliberadamente) o processo de dolarização da economia brasileira, justamente por causa do grande atrativo que os títulos públicos possuíam, alta rentabilidade e alta liquidez.