1.4- O IMPACTO DOS CHOQUES INTERNACIONAIS NA ECONOMIA BRASILEIRA (1979-1982).
Por causa do grande aproveitamento do II PND, em termos da capacidade de exportação, o Brasil começa esse período com muito otimismo, pois o déficit da balança comercial havia sido reduzido, a capacidade de produção de bens de capital estava se ampliando, e a economia continuava a crescer. Contudo, ainda em 1979, o Brasil se depara com dois acontecimentos que iriam abalar profundamente a sua economia. São eles:
- O segundo "choque" do petróleo e;
- O "choque" das taxas de juros internacionais.
O 2° choque do petróleo abalou a economia brasileira, pois as despesas com as importações cresceram sensivelmente resultando novamente no aumento significativo no déficit da balança comercial brasileira. De acordo com a tabela 11, o preço da tonelada de petróleo, que era de US$ 91,9 em 78, passou para US$ 126,1 em 79, e continuou a subir atingindo US$ 215,2 em 1980. As despesas de importação consequentemente aumentaram, passando de US$ 13.083 milhões em 78, para US$ 18.084 em 79, e aumentando para US$ 22.955 em 80. Por causa desse extraordinário aumento das importações, a balança comercial apresentou um aumento do déficit, que era de US$ 1.024 milhões em 78, para US$ 2.839 milhões em 79, e US$ 2.823 milhões em 80.
TABELA 11
Influência do preço do petróleo nas importações e na Balança comercial 1978-1982
|
Ano |
Preço ton. Petróleo US$ (*) |
Export. US$ milhões |
Import. US$ milhões |
Bal. Comercial US$ milhões |
|
1978 |
91,9 |
12.058 |
13.083 |
-1.024 |
|
1979 |
126,1 |
15.244 |
18.084 |
-2.839 |
|
1980 |
215,2 |
20.132 |
22.955 |
-2.823 |
|
1981 |
252,7 |
23.293 |
22.090 |
+1.202 |
|
1982 |
238,5 |
20.175 |
19.395 |
+780 |
Fonte: BACEN.
Extraído: GOLDENSTEIN, Sérgio. A dívida externa brasileira - 1964/1983: evolução e crise. Rio de Janeiro, 1986. Ed. Guanabara. Quadro 41. pp. 140.
(*)Quadro 36. pp. 124.
O choque financeiro se deu basicamente em virtude da política norte-americana posta em prática pelo governo Reagan. "Essa política constituiu no aumento extraordinário das taxas de juros nos Estados Unidos, no contexto da aplicação da teoria do lado da oferta (supply-side economics) sobre a gestão do orçamento fiscal (redução de impostos), articulada a um rígido controle monetário".
Com a política de aumento das taxas de juros implementadas pelos Estados Unidos (sobrevalorização da moeda norte-americana), os bancos europeus da Alemanha e Inglaterra também aumentaram as suas taxas de juros para evitar que houvesse uma corrida de capitais em direção aos Estados Unidos. Essas medidas resultaram em um aumento geral nas taxas de juros cobrados pelos empréstimos bancários internacionais. De acordo com a tabela 12 observa-se que a prime-rate (EUA) passou de 11,8% em 78 para 21,5% em 80, e a libor (Inglaterra) passou de 12,3% em 1978 para 17,5% em 1980. Como a grande maioria dos empréstimos contraídos no exterior foram feitos à taxas de juros flutuantes, o aumento das taxas de juros internacionais inevitavelmente iria aumentar sensivelmente o custo da dívida externa brasileira.
TABELA 12
Taxas de juros internacionais 1977-1982 - médias anuais
|
Ano |
Prime-rate (%) |
libor (%) |
|
1977 |
7,8 |
7,5 |
|
1978 |
11,8 |
12,3 |
|
1979 |
15,3 |
14,4 |
|
1980 |
21,5 |
17,5 |
|
1981 |
18,7 |
13,8 |
|
1982 |
14,6 |
9,2 |
Fonte: BACEN.
Extraído: GOLDENSTEIN, Sérgio. A dívida externa brasileira - 1964/1983: evolução e crise. Rio de Janeiro, 1986. Ed. Guanabara. Quadro 37. pp. 124.
Com a alta geral das taxas de juros internacionais observou-se no Brasil um aumento significativo dos custos de manutenção da dívida externa. A tabela 13 mostra que o juros da dívida aumentou de US$ 2.696 milhões em 78 para US$ 11.353 milhões em 82, e o serviço da dívida que era de US$ 7.919 milhões em 1978 passou para US$ 18.305 milhões em 1982. Com relação ao PIB, o serviço da dívida aumentou de 4% para 7% no mesmo período. Em 1982 o serviço da dívida (juros + amortizações) aumentou de tal maneira que passou a representar 91% das exportações brasileiras, o que significou uma elevada transferência de recursos para o exterior.
TABELA 13
Serviço da dívida - 1978-1982 - US$ milhões
|
Ano |
Amort. |
Serv.div. |
Serv.div./ PIB % |
Serv.div./ export.% |
Juros |
|
1978 |
5.223 |
7.919 |
4 |
63 |
2.696 |
|
1979 |
6.385 |
10.571 |
5 |
69 |
4.186 |
|
1980 |
5.010 |
11.321 |
5 |
56 |
6.311 |
|
1981 |
6.241 |
15.402 |
6 |
66 |
9.161 |
|
1982 |
6.952 |
18.305 |
7 |
91 |
11.353 |
Fonte: BACEN.
Extraído: GOLDENSTEIN, Sérgio. A dívida externa brasileira - 1964/1983: evolução e crise. Rio de Janeiro, 1986. Ed. Guanabara. Quadro 44. pp. 141.
Por causa de todos esses acontecimentos, o Brasil foi levado a implementar uma política de endividamento externo voltada principalmente para suprir as suas obrigações financeiras internacionais. O aumento nas obrigações financeiras se deu basicamente em função dos juros da dívida que aumentou, de 1979 a 1981, a uma taxa anual de aproximadamente 50%, enquanto as amortizações permaneceram praticamente em um mesmo patamar. Pode-se observar, na tabela 13, que os juros da dívida em 79 eram 4.186 milhões de dólares, aumentando para 6.311 milhões de dólares em 80, ficando em 81 em 9.161 milhões de dólares, enquanto que as amortizações da dívida, que eram de 6.385 milhões de dólares em 79, passaram para 5.010 milhões em 80, e atingiram 6.241 milhões de dólares em 81, o que significou que os recursos para amortizar a dívida externa eram relativamente estáveis.
Nesse período de grandes dificuldades financeiras no Brasil, foi constatado um aumento vigoroso da inflação juntamente com um constante aumento da dívida externa. Com relação ao aumento da dívida externa a tabela 14 mostra que em 1979 a mesma se encontrava em 49.904 milhões de dólares, passando para 53.848 milhões em 1980, aumentando para 61.411 milhões de dólares em 1981, e em 1982 passando para 70.198 milhões de dólares. Com relação à inflação é observado que em 79 era de 77,2%, tendo um grande aumento em 80 chegando a 110,2%, em 81 ficou em 95,1% e aumentou ainda para 99,7 em 82.
TABELA 14
Dívida externa (médio e longo prazo) e taxa de inflação 1979-1982
|
Ano |
Dívida externa (US$ milhões) |
Inflação (IPC) (%) |
|
1979 |
49.904 |
77,2 |
|
1980 |
53.848 |
110,2 |
|
1981 |
61.411 |
95,1 |
|
1982 |
70.198 |
99,7 |
Fonte:(coluna 1):CARDOSO, E. FISHLOW, A. Macroeconomia da dívida externa. Brasiliense. São Paulo. 1982. pp. 179.
(Coluna 2):SOUZA, P. R. Quem paga a conta? Brasiliense, São Paulo, 1989, pp. 30.
Por causa desses aumentos, tanto da dívida externa como da inflação, os bancos internacionais começaram a reduzir o volume de capital a ser emprestado para o Brasil, mantendo esse volume de empréstimos apenas o necessário para reciclar a dívida externa. Isto mostra que houve um crescimento financeiro autônomo da dívida externa brasileira que nada tinha a ver com a esfera comercial ou produtiva.
Esse processo de autonomização da dívida externa revela como a dívida adquire ritmo próprio, ou seja, o serviço da dívida é financiado por novos empréstimos que dependem da taxa externa dos juros flutuantes.
Os empréstimos que foram contraídos a partir de 1979 não eram suficientes para financiar a balança de pagamentos. Esse processo se tornou mais agravado no ano de 1982 quando o Brasil necessitava de US$ 23.262 milhões em divisas para o financiamento de sua balança de pagamentos, mas conseguiu apenas US$ 12.515 milhões em empréstimos externos de médio e longo prazo, e US$ 991 milhões em investimentos externos diretos (ver tabela 15).
TABELA 15
Necessidade de financiamento da balança de pagamentos e a evolução das reservas cambiais, 1978-1982 - US$ milhões
|
Ano |
Neces. Finan. BP |
Novos emprst. |
Invest. diretos |
Reservas cambiais |
|
1978 |
12.213 |
13.810 |
1.071 |
11.895 |
|
1979 |
13.375 |
11.228 |
1.491 |
9.689 |
|
1980 |
15.752 |
10.596 |
1.121 |
6.913 |
|
1981 |
17.975 |
15.553 |
1.584 |
7.506 |
|
1982 |
23.262 |
12.515 |
991 |
3.994 |
Fonte: BACEN.
Extraído: GOLDENSTEIN, Sérgio. A dívida externa brasileira - 1964/1983: evolução e crise. Rio de Janeiro, 1986. Ed. Guanabara. Quadro 45. pp. 142.E quadro 48. pp. 148.
Com isso é fácil perceber como esse processo de aquisição de novos empréstimos para pagar os empréstimos (e os juros desses empréstimos) que iam vencendo, estava sendo extremamente penoso para a economia brasileira e principalmente para o montante de reservas cambiais de que o Brasil dispunha. Pois para conseguir saldar os seus compromissos externos, o Brasil passou a utilizar as suas reservas internacionais, que eram de US$ 9.689 milhões em 79, diminuindo para US$ 6.913 milhões em 80, e caindo mais ainda para US$ 3.994 milhões em 82 (ver tabela 15). Posteriormente o Brasil foi obrigado a aumentar a sua dívida mobiliária interna, resultando assim no crescimento do défict público e no descrédito da política governamental.