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Epílogo às minhas foto reportagens e videos de Chernobyl

O meu interesse em Chernobyl começou em 1992-1993, aquando das minhas primeiras viagens através das aldeias Bielorrussas a norte do reactor. Tinha 18 anos e fiquei impressionada. O que mais se destacou foi alguma da beleza sombria dos lugares; a beleza que outros não conseguiam ver.

Uns anos mais tarde comprei a minha primeira mota e Chernobyl era o meu destino favorito. Postava as minhas fotos de Chernobyl em fóruns de motas na internet desde 1998. François de La Rochefoucauld disse que frequentemente nos envergonharíamos das nossas boas acções se as pessoas vissem todas as motivações subjacentes que levaram a elas. Muito boa observação. As minhas motivações subjacentes para postar fotos de Chernobyl na internet eram a piada de provocar e entreter os amigos da comunidade das motas. Muitos motociclistas apenas podiam sonhar andar através de uma área totalmente deserta do tamanho de um estado sem o perigo de atingir algo vivo. Nos anos 90 as estradas na Zona Morta eram bastante boas e nunca tive problemas com a polícia. Os tipos nos postos de controlo sabiam que eu era a filha de um cientista qualquer, portanto deixavam-me passar.

Muitas das minhas fotos desse tempo ainda circulam pela internet. Não me lembro como as minhas fotos e as minhas histórias primeiro apareceram em forma organizada, acho que alguém dum fórum coligiu algumas das minhas fotos com comentários e pô-las num só sítio.

Mais tarde as matérias foram transferidas dos meus fóruns de motas para o website angelfire, e dei-lhe o nome de Cidade Fantasma. O meu site tornou-se muito popular em 2003-2004 e foi aí que os problemas começaram. A minha conta foi bloqueada e perdi o controlo do meu website. Jornais de todo o mundo começaram a escrever que eu era um truque comercial, anúncio a jogo de computador, photoshop etc.. Em casa, tive problemas com as autoridades pelo que tive de mudar de local de residência.

Estava orgulhosa, de como a minha pedra atingira o monstro mesmo no olho. O efeito positivo foi que consegui lembrar o mundo de Chernobyl, que naquele tempo estava absolutamente esquecido. Em 2004 não estava ciente de toda a política por trás de Chernobyl portanto não podia entender porque a minha "Cidade Fantasma" estava sob ataque e tanta gente não apreciava os meus esforços. Agora, eu entendo, é porque Chernobyl é de origem humana e nunca acaba.

Deixei os fóruns de motas e durante seis meses não fiz nada. Estava à espera que a tempestade acabasse com a esperança de voltar à vida normal. Pensava que era o fim da história mas estava inquieta. Não conseguia encontrar paz e eventualmente compreendi que não podia simplesmente deixar tudo assim. Sentia que a minha história estava inacabada. Foi este o sentimento que tive durante todos os anos do meu trabalho sobre Chernobyl. Mas, consegue-se acabar uma história sobre um desastre que nunca acaba?

Restaurei o meu site na internet, agarrei a câmara, a mota e retomei as minhas viagens através dos ermos para continuar com a segunda parte da história de Chernobyl, "Terra dos Lobos".

Quanto mais tentaram desacreditar o meu site, mais duro trabalhei para fazer novas foto reportagens.

Chernobyl sempre foi o meu passatempo e nunca o escrevi por dinheiro.

Desde 2004 as coisas mudaram para mim em Chernobyl. Nunca tive permissão para visitar a Zona Morta. Foi-me negada a entrada e o meu nome esteve em listas negras em todos os postos de controlo. Viajei sempre ilegalmente... esgueirando-me para áreas proibidas. Escondendo-me de toda a gente, fugindo da polícia e da radiação. Tinha sorte, vinha para casa com muitas fotografias, videos, novas impressões e experiências. Adorava filosofia e sempre tive uma real paixão por ela. Em Chernobyl encontrei uma inexaurível mina de ouro de pensamentos que foi o mais valioso achado para mim.

Em nova, era absolutamente temerária com a minha vida e andava frequentemente no limite com a velocidade na mota e outras coisas. Tive sorte em manter-me viva e pensava que Plutão, deus dos mortos, me estava a conceder crédito para jogar. Isto continuou até descobrir Chernobyl, que é a pátria de Plutão e o seu reino de morte. Isso abrandou-me porque em Chernobyl para ficarmos vivos temos que pensar e jogar por regras. O meu instinto de auto preservação foi ligado. Estou certa de que se não fosse Chernobyl teria acabado morta. Chernobyl fez-me cair em mim e tornou-se-me uma fonte de inspiração. Tem enchido a minha vida com um propósito. Ironicamente, Chernobyl salvou-me a vida enquanto levou muitas outras. Pode soar estranho, mas talvez não o pareça tanto se nos lembrarmos que Yama, o deus brâmane da morte tem duas faces, uma muito amigável, outra muito sombria. Em sânscrito, o seu nome significa "gémeo". Acho que tive a sorte de ver a face amigável do "gémeo".

Por estes dias viajo frequentemente através dos ermos com um grupo de amigos e a minha família. Entre nós, temos uma larga variedade de interesses em Chernobyl, desde explorar a radiação na parte mais baixa da troposfera á recolecção de organismos geneticamente mutados. A maioria das pessoas no meu grupo são cientistas reformados. Einstein disse uma vez "A ciência é uma coisa maravilhosa se não tivermos que ganhar a vida dela". Isso é verdade. Todos no meu grupo parecem começar a gostar de explorar Chernobyl depois de se reformarem, e eu gostei toda a minha vida.

Esta foto mostra o carro da era soviética "velhote" de Chernobyl com o nosso grupo dentro. Só guiamos este carro pelas áreas mais contaminadas dos ermos, fora isso trocamo-lo pelo nosso carro de todos os dias. Costumava mantê-lo na minha base em Chernobyl. Na minha foto reportagem intitulada Últimas Pessoas conto a história da minha velha base e dos amigos que lá viviam. Tristemente, essa base e essas queridas pessoas já não existem.

Últimas Pessoas conto a história da minha velha base e dos amigos que lá viviam. Tristemente, essa base e essas queridas pessoas já não existem. Este carro apareceu à venda numa aldeia vizinha, mas ninguém o queria comprar porque o falatório da aldeia dizia que quem o tivera antes morrera em circunstâncias suspeitas. De facto, enquanto alguns carros vêm com características extra, este era fornecido com anos de mau karma acumulado. Dizia-se que pessoas tinham sido torturadas neste carro, tinham feito viagens só de ida para a prisão, ou hospitais psiquiátricos neste carro. Essa conversa desencorajou todos os potenciais compradores. Mas o meu amigo não conseguia dormir; ficava a pensar em comprar este carro. O seu passatempo era restaurar antiguidades. Uma manhã ele decidiu-se e disse que queria comprar este velhote, restaurá-lo, e dá-lo ao nosso grupo para que pudéssemos viajar confortavelmente nas nossas visitas a Chernobyl. Fiquei entusiasmada. Pensei que um carro com uma história tão sombria condiria perfeitamente com a maldade de Chernobyl. Seria uma tão bela oferenda a Plutão! O único problema é que alguém de entre nós teria de se tornar o novo dono oficial deste carro, mas quem quereria ser o dono de um carro cujos donos anteriores de acordo com a lenda da aldeia tinham partido desta vida como um bando de gansos? Ninguém se voluntariou, então eu propus partilhar a propriedade entre nós e ver o que acontecia. Duplicámos chaves para que todos tivessem a sua. O meu amigo trouxe-o e restaurou-o, e eu providenciei um lugar para o estacionar. Outro tipo guiava-o nas nossas viagens, e o carro foi registado em nome de uma quarta pessoa do nosso grupo. Desta maneira, não se podia determinar uma pessoa em particular como dona desta besta do destino. Tinha razão acerca do nosso velhote ser bem vindo e bem recebido em Chernobyl. Dá-nos alguns problemas menores, mas nunca nos falha. De facto, a maioria das coisas pode ser arranjada pelo caminho. Ainda, a polícia não confiscará velhos veículos radioactivos cujo valor monetário é zero. Este velhote nunca terá novos donos: agora pertence a Plutão. Após meio século a torturar pessoas encontrou finalmente paz. Agora apenas tortura mecânicos de carros modernos uma vez que já se esqueceram de como trabalhar com chave e martelo. Uma vez o mecânico dum serviço de reparações encontrou dois microfones escondidos atrás do painel da porta. Ele perguntou "que raio é aquilo?" eu disse "não é nada, só alguns ecos do passado".

No vídeo O Mal Menor eu guiava este carro. Nesse vídeo revisitei algumas aldeias em Chernobyl 12 anos depois com o propósito de voltar a medir a radiação a ver se haviam mudanças nos níveis de radiação. Estava bastante confiante de que não haveriam quaisquer mudanças porque da leitura de mapas eu sabia que essa área estava envenenada com plutónio 238 + 239 + 240. O plutónio foi nomeado a partir de Plutão. O nome só por si sugere que as hipóteses de recuperação da área não existem. Poderiam haver mudanças positivas se, por exemplo a área estivesse poluída apenas com césio-137 cuja meia-vida é de 30 anos enquanto a meia-vida do plutónio-239 é superior a 24000 anos. Áreas fortemente poluídas com césio estarão melhor a longo prazo do que áreas ligeiramente envenenadas por plutónio como aquela neste vídeo. Usualmente se uma área recebeu uma dose letal de plutónio já não se conta mais nada, ninguém se importa com uma quantidade adicional de césio. É tal como prisão adicional não fazer diferença para alguém que foi sentenciado a perpétua sem condicional.

No vídeo Cara ou Coroa um potro mutante com 8 pernas tem lâmpadas instaladas nos olhos. Há muito mais nessa história. Tipos que recolhiam mutantes em Chernobyl providenciavam excursões não oficiais através da zona morta. Tinham de ganhar dinheiro para pagar o custo das viagens e para comprar mais mutantes a agricultores, guardas florestais... tinham de pagar a médicos de abortos ilegais por embriões humanos deformados, tinham de pagar por serviços de embalsamador ou taxidermista... para tudo isto eles precisavam de dinheiro e foi muito antes da indústria do turismo começar em Chernobyl. Eles precisavam dum qualquer tipo de sítio de atracção turística. A certa altura os meus amigos tiveram a ideia de fazer um tipo de disneylândia de Chernobyl. Costumavam fazer a piada de que na disneylândia deles o Rato Mickey e o Pato Donald de tamanho humano seriam reais. Essa ideia não resultou, mas alguns bonecos ainda têm cabos e lâmpadas nos olhos. O senhor Konovalov apoiou este projecto, ele tentou sempre pôr os seus mutantes em exposição pública. Costumava manter um punhado de bezerros com duas cabeças na varanda do seu apartamento em Zhitomir o que causava uma relação tensa com os vizinhos. Depois dele perder o emprego e se ter mudado a vizinhança suspirou de alívio. No fim da sua vida viu-se forçado a livrar-se da sua colecção. Fez o anúncio de que enterrara mais de 100 peças de mutantes algures nos bosques. Bem, estou certa de que fez este anúncio apenas para os media. A colecção era o trabalho da sua vida e um homem como o senhor Konovalov faria tudo para assegurar o seu trabalho e protegê-lo para posterior pesquisa. Com este anúncio ele apenas terminou a sua promoção.

O video Chernie à Noite foi duma nossa viagem de mota. A noite é o tempo mais seguro para viajar. Ninguém nas estradas. Nos postos de controlo dormem. O único problema é que leva um pouco de tempo a habituar a este lugar assustador. Sem carro, armas de fogo, aparelhos de visão nocturna a pessoa que vai pela primeira vez numa viagem nocturna de mota terá uma experiência muito chocante. Sente-se muito desprotegida. Há sempre algo a caminhar perto, ouve-os mas numa completa escuridão, não vê nada e tem sempre aquela sensação de estar a ser observada. Como à noite numa selva, não há sítio onde se esconder. Edifícios são mais uma armadilha que um abrigo e o ominoso clique do contador Geiger não a faz sentir-se melhor. Chernobyl de noite leva os humanos ao mais alto nível de medo que a maioria das pessoas não experimentou antes. Isto também se pode relacionar com o sentimento de ser presa, e de iminente predação. O medo primevo faz com que os humanos queiram apenas sair deste lugar amaldiçoado o quanto antes. A minha filha, como pode ser visto no seu vídeo estava desconfortável, mas não tinha um medo profundo, primevo. Isto porque ainda estava numa idade em que os miúdos estão sob protecção dos seus pais. O instinto de sobrevivência dela não estava activado pelo que conseguiu filmar o vídeo sem muito tremor. Uma vez um anterior passageiro que levei de mota numa viagem nocturna a Chernobyl, disse-me que neste lugar temos que ter uma arma ou ter garras.

A promessa de "dinheiro grande" a tirar na indústria de energia atómica atrai naturalmente poderosos interesses políticos e empresariais que se estão nas tintas acerca da segurança dos reactores e da saúde das pessoas. Motivados exclusivamente pela sua imprudente e ilimitada codícia, a sua única preocupação é retirar lucro, sem atender ao custo para a saúde pública. Eles ordenham a proverbial vaca, incitam-na com o chicote e ordenham-na sem limite! O resultado é sempre o mesmo - junto com o leite eles estão a espremer sangue.

Não sou uma activista pró ou anti nuclear, sou apenas uma autora pró humana que acredita que a significância de Chernobyl é a de que foi o começo do envenenamento massivo do nosso planeta com radiação. É a primeira entrada séria na história dos casos, e o fito do meu trabalho é passar esta valiosa informação ao futuro. Estou certa de que a nossa azarada posteridade quererá saber como tudo chegou a acontecer..

Não penso que o átomo em si seja mau. Só se torna mau em mãos humanas. Nas condições certas, os átomos em algumas formas podem servir os humanos, na condição de não haverem guerras, quando o átomo não pertencer a comunistas, capitalistas, Islamistas, ou terroristas. O problema é que a vida das nações não é senão guerras e tumultos; e os comunistas, capitalistas, Islamistas e terroristas são sempre os primeiros que se tentam apossar do átomo. Eles dizem - foram erros indesculpáveis na concepção dos reactores que tornaram o átomo perigoso e eu digo - SÃO ERROS INDESCULPÁVEIS NA CONCEPÇÃO DOS HUMANOS que tornam perigosas essas tecnologias.

Numa página sobre o "Bosque Vermelho". Quando disse, brilharia no escuro, estava a brincar. A radiação não é vista. É só uma maneira nossa de falar. Radiação extremamente alta pode ser vista em alguns vídeos, dependendo do tipo de película. Aparece como pequenas centelhas. A radiação vê-se no vídeo, "Último dia de Pripyat" O autor desse vídeo, Michail Nazarenko, estava a fazer um filme sobre uma central atómica e calhou a estar em Pripyat. Ele também filmou a evacuação que lá teve lugar.

Fukushima foi o mais horrível evento da minha vida. Depois de 3/11 apercebi-me de que Fukushima é a minuta para todos os futuros acidentes nucleares. A história de Chernobyl é de luta, deu à luz um forte movimento de protesto. Muitos reactores e projectos de construção de reactores foram fechados por todo o mundo. Fukushima por outro lado foi uma completa e profunda derrota para a humanidade. Nós as pessoas perdemos esta batalha por Fukushima principalmente porque nas últimas décadas, as indústrias andaram a fortalecer-se e a humanidade a ficar mais parva. Também ao tempo do acidente de Chernobyl o Ocidente estava contra a União Soviética. Ganhar a guerra fria era matéria de primeira prioridade, portanto para derrotar a URSS, as Potências Ocidentais alinharam com as vítimas do acidente. Desta maneira Chernobyl tornou-se um desastre internacional enquanto Fukushima é para ser ignorado porque o Japão é aliado e portanto as Potências Ocidentais alinham com o governo japonês.

Lembro-me da cobertura noticiosa no seguimento do desastre de 2011 em Fukushima. Foi incansável e a toda a hora por cerca de duas semanas e então, como se um interruptor tivesse sido accionado, limitou-se a parar! As verdadeiras notícias para nos informar pararam completamente, com apenas notícias falsas deixadas a trabalhar para nos desinformar. Fukushima apanhou as autoridades com as calças em baixo, e levou à indústria nuclear duas semanas inteiras a magicar como esconder as notícias verdadeiras e depois a desligar tudo. Na próxima vez estou certa de que reagirão muito mais depressa. À medida que a tensão cresce ao redor do mundo os governos irão provavelmente manter ambas as mãos no interruptor para matar a informação a todo o tempo.

Em Setembro de 2017 a minha filha fez um vídeo chamado "Voando sobre Rossokha" É acerca dos maiores ferros-velhos radioactivos em Chernobyl. Mais de 1400 veículos do exército, camiões de bombeiros, tanques, helicópteros desapareceram deste sítio e nenhuma explicação foi dada pelo nosso governo. Apenas disseram que alguns desses veículos foram reparados e enviados para a guerra no leste da Ucrânia. Se for verdade, explica-se então porque a Ucrânia perdeu 10% do seu território. Na verdade os separatistas não precisam de desperdiçar balas, só têm de esperar que os soldados dentro desses tanques caiam pela radiação. Tanto quanto me lembro os níveis em alguns desses veículos eram 700-800 vezes mais que o normal. O meu pai disse-me que a leitura do seu contador Geiger perto de alguns tanques ia acima dos 20-30 miliroentgens que é 2000-3000 o normal. Agora todos esses metais estão fundidos e vendidos mundo fora. Alguém no Canadá, China ou Austrália está agora a morrer sem fazer ideia de que se tornou mais uma vítima não contabilizada de Chernobyl.

Foto deste lugar. Diz contaminado acima de 7 miliroentgens, que é 700 vezes mais que o normal.

"Cidade Fantasma" e "Terra dos Lobos" descrevem como eu vi Chernobyl entre 17-19 anos depois do acidente, portanto não actualizei qualquer informação sobre níveis de radiação, número de pessoas a viver na área, etc.

Algumas das fotos não são minhas. Coloquei-as no meu site com permissão dos seus respectivos autores. Tenho a agradecer a todos os que me ajudaram com este site e àqueles que ainda ajudam.

Tentei evitar usar terminologia científica e estava basicamente a tentar falar de temas sofisticados com palavras simples, se algo não for claro, por favor consultem o Glossário

Os detalhes científicos de Chernobyl - especialmente os relacionados com a radioactividade - representam um campo incrivelmente complexo que está além da compreensão da maioria das pessoas. Aprender sobre radiação em laboratório é como aprender táctica militar numa carreira de tiro. A radioactividade na vida é uma forma de combate. Chernobyl foi uma guerra, e foi uma guerra com o pior tipo de oficiais e comandantes... graduados em escolas militares aos quais faltava qualquer experiência real. Os seus soldados rasos (também conhecidos como liquidadores) eram para eles apenas carne para canhão. Podem ver as pessoas no comando da resposta de emergência ao desastre num raro vídeo que não passa na TV. "Aqui está esse vídeo." Dois anos depois deste vídeo ser filmado, as vidas de mais de meio milhão de liquidadores estava nas mãos desses cultistas do suicídio no comando.

Se quiserem saber quem de entre os autoproclamados "peritos" nucleares é verdadeiramente um perito, limitem-se a verificar se ainda por cá andam dentro dum par de décadas. Muitos clamaram ser "peritos" e fizeram vídeos a mostrar leituras de alta radiação, mas não fizeram vídeos de si mesmos a morrer da radiação a que se expuseram. Com o envenenamento nuclear, ao tempo que alguém percebe que está a experimentar sintomas, é já muito tarde e estão na reta final da sua partida. Parece que o mantra dos "peritos" é "não estamos mortos, não estamos mortos, não estamos mortos" e então de repente há muita gente morta! Aqueles que estão fora do jogo não eram peritos. Nunca aceitarei conselhos para salvar a vida daqueles que não souberam como salvar a sua própria vida.

Reais peritos em Chernobyl são muito raros. Isso porque a radiação acaba com as pessoas antes que elas acabem de treinar para perito. Como é possível tornar-se um perito se apenas se pode passar uma quantidade limitada de tempo no sítio? Por exemplo dentro do sarcófago há lugares onde as pessoas podem trabalhar apenas uma hora na sua vida. Nas minhas viagens notei que os guias de Chernobyl são sempre novos e sempre jovens. Sejam de agência governamental ou ilegais autodidactas, não interessa, há sempre caras novas. Guias velhos já seriam peritos por esta altura, mas já tiveram a sua vez e estão fora de Chernobyl. Assim o jardim está sempre verde. O fruto cai antes de estar maduro e o território dos ermos atómicos está reservado aos sempre jovens e sempre incompetentes. Se começarem a trabalhar em idade madura, não terão tempo para aprender e se começarem a aprender jovens nunca chegarão à idade em que amadurecem.

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Em 2010-2011 quis fundar uma colónia de artistas em Chernobyl. Fukushima matou esse projecto. O fluxo de artistas parou desde 3/11. Antes viajavam com dinheiro de governos, algumas bolsas e a seguir a Fukushima o financiamento foi cortado e portanto eles tinham de viajar com dinheiro próprio coisa que os artistas nunca têm. Com este projecto conheci muitas pessoas interessantes de todo o mundo.

Quando a estupidez de Chernobyl colide com a arte e os artistas produz sempre histórias interessantes. Como esta - Trabalhei neste projecto de colónia em Chernobyl com um tipo da Suiça. Era um actor de teatro. Tínhamos de ir a Chernobyl com grande frequência e não havia absolutamente maneira de ele viajar legalmente portanto, este tipo foi a uma loja de roupa em segunda mão e comprou um fato dois números abaixo, um qualquer chapéu elegante, pô-lo "ao lado" e fomos para Chernobyl. A partir daí ele viajou comigo fazendo-se passar por deficiente. Quando a polícia nos parava ele punha a língua de fora, agarrava-se a uma grinalda de cemitério e deixava-me falar. A conversação normal com a polícia soaria mais ou menos como isto:

"Quem é o atrasado e onde o levas?"

Eu respondia "Ele é meu irmão e vou levá-lo à campa da nossa avó, ele adorava a avó."

"Mas, vocês não parecem irmão e irmã," dizia o polícia.

"É porque somos de pais diferentes."

"Ele tem alguns documentos?"

"Não, está internado para toda a vida no hospital psiquiátrico, portanto não tem documentos."

"Ele fala?"

"Não, não com esta medicação."

"Ele é agressivo?"... e por aí em diante e em diante por aí...

Uma manada de javalis selvagens. Alguns dos primeiros javalis na coluna podem ser perigosos, são javalis guerreiros - destemidos e agressivos. Não sei como são chamados em português, nós chamamos-lhe javalis sekach. São javalis mais velhos com as capacidades reprodutivas em declínio, e passam portanto a proteger a sua manada. São apenas os macacos e os humanos que mandam os seus mais jovens morrer primeiro, na natureza selvagem não se desbarata o património genético. Os javalis jovens não são perigosos, os machos só se batem entre eles por oportunidades para acasalar e as fêmeas podem ser bastante amigáveis. A fêmea dominante que é, por norma, sempre a maior e mais velha pode ser muito perigosa ao proteger os seus recém-nascidos. Encontrar uma mãe javali selvagem a amamentar num espaço fechado, dentro dalguma casa vazia é um cenário muito mau. Ouvi histórias acerca de tipos a saltar de janelas depois de um encontro face a face com uma mãe javali a amamentar. Pela minha parte olho sempre à volta antes de entrar em cada nova sala numa casa e planeio sempre o meu caminho pela casa de maneira à porta de entrada estar atrás de mim e não atrás do animal.

Nunca trabalhei para qualquer organização. Para mim o maior prazer é poder dizer o que penso e sempre soube que seria uma ave livre desde que trabalhasse sozinha. Se deixasse alguma organização patrocinar o meu trabalho permitiria que me pusessem numa jaula e me silenciassem. Teria de contar aquilo que me pagassem para dizer, não aquilo que penso ou que vejo.

Estava na mente de La Rochefoucauld que nem o sol nem a morte podem ser olhados firmemente. Chernobyl é a morte na mais pura das formas aqui na terra portanto em alguns períodos tive de fazer pausas. O meu trabalho em Chernobyl estava a andar em círculos. Era como o hotel "California", onde se pode pedir a conta quando se queira, mas donde não se pode sair.

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Tenho de partilhar as minhas experiências com outros fotógrafos e escritores. A maioria dos fotógrafos vai a campo e tira as fotos, depois escreve comentários. Também o faço assim algumas vezes, mas é mais frequente já ter os comentários na mente, e vou a Chernobyl à procura de fotos a condizer com esses comentários. Do ponto de vista da maioria dos fotógrafos, isto soa a pôr os bois à frente da carroça, mas sinto-me mais escritora que fotógrafa, portanto comigo a ideia está primeiro e as fotos seguem-se para ilustrar a ideia. De cada foto reportagem ou livro que produzi, tenho centenas de fotos de sobra que nunca usei, mas nunca tenho pensamentos ou percepções de sobra. Chernobyl dá oportunidades quase ilimitadas para fotografias para um número muito limitado de ideias, portanto é muito mais fácil encontrar uma foto para os comentários do que é escrever comentários de qualidade para as fotos já tiradas.

Calibro sempre o meu processo de pensamento com as obras de filósofos antigos, mas quando faço a minha própria escrita, então tenho de fechar os livros e parar de ler pois ler outros livros é muito prejudicial à minha própria reflexão.

O inglês (do qual foi extraída a presente tradução portuguesa) não é a minha língua nativa. Por isso uso com frequência metáforas e similares. Ajudam-me a ilustrar os meus pontos de ordem ao explicar uma relação desconhecida com uma conhecida na sua mais simples, mais visível e quase tangível forma. Este método de escrita é muito dinâmico e é simplesmente uma assinatura de autor que não pode ser copiada ou passada a outros; pois encontrar um similar apropriado implica um olho para semelhanças entre coisas de naturezas muito diferentes, e entre casos largamente apartados entre si. Enquanto uma relação me é conhecida como existindo apenas num caso singular, não tenho senão uma ideia individual dela... por outras palavras, eu tenho informação, mas assim que vejo a mesma relação em dois casos diferentes, tenho uma ideia geral da sua natureza completa, o que ilustra as percepções. O fito do meu trabalho de Chernobyl é converter informação em percepções e o caminho mais curto para o conseguir é à maneira metafórica de pensar e aprender.

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Durante 2016-2018, a minha filha juntou-se-nos em muitas destas viagens, proporcionando-lhe a fonte de material para o vídeo blog que produziu. Em Maio de 2018 o nosso canal de YouTube foi encerrado sem quaisquer explicações.

O "Pé de Elefante" é apenas a maior formação, mas é realmente uma pequena parte de todo o combustível que estava no reactor. A explosão forçou a base do reactor para baixo e material derretido escorreu para fora da nave do reactor e entornou-se para as salas e corredores abaixo. Assim, o reactor está vazio e o combustível não está concentrado num só lugar. Isto é uma boa notícia, porque reduz as hipóteses de outra reacção em cadeia. As imagens abaixo tornam mais fácil compreender como o reactor foi construído e onde o combustível está agora.

Esse magma radioactivo tem aparência vítrea, porque o combustível foi misturado com areia que foi desordenadamente amontoada à volta da nave do reactor.

Quem quiser saber mais, clique aqui para o vídeo filmado no fundo da cave do reactor N4 que mostra o "Pé de Elefante".

A quantidade de combustível ainda debaixo do sarcófago é objecto de discussão entre cientistas. É difícil explorar todas as salas e corredores, porque os níveis de radiação podem ir até aos 1000 Roentgens ou mais. Os cientistas correm, quando passam por um sítio tão altamente radioactivo. 1000 Roentgens mata uma pessoa em apenas uma hora. Os fatos protectores não são eficazes. Não há meios que possam proteger humanos deste nível de radiação.

Até ao fatídico dia de 26 de Abril de 1986, a central de energia de Chernobyl era um sucesso. A sua produção de energia excedia todas as expectativas e o seu registo de segurança estava limpo. O Engenheiro Chefe que concebeu o reactor de Chernobyl costumava gabar-se de que este tipo de reactor é tão seguro, que poderia ter sido construído na Praça Vermelha em Moscovo.

A central de Chernobyl fornecia electricidade a 2 milhões de pessoas e a noite era a melhor altura para fazer o teste, porque o consumo de energia era mais baixo. Quando o teste de segurança foi agendado para esse dia os operadores dos controlos estavam a postos para fazer o seu trabalho com a mesma confiança de sempre. O propósito do teste era avaliar a capacidade de resposta do reactor a uma perda de corrente eléctrica. Mas o que não conseguiram perceber foi o quão instável se iria tornar o modelo soviético de reactor quando a operar a baixa potência. Todos os reactores operam sob o seguinte princípio: Na presença de combustível de urânio os neutrões dividem os átomos de urânio e estabelece-se o que é chamada reacção em cadeia auto sustentável. A energia libertada aquece o combustível, água circula sobre este combustível e alguma evapora-se e o vapor vai impulsionar a turbina que gera a electricidade. Então toda a água é reciclada e é usada para arrefecer o núcleo.

No reactor número 4 de Chernobyl o urânio estava contido em mil e setecentos tubos separados envolvidos em blocos de grafite que ajudavam a reacção em cadeia a prosseguir. Varetas de controlo absorvem os neutrões e abrandam a reacção em cadeia. São levantadas do núcleo para aumentar a potência e baixadas para a diminuir. Como medida de segurança um mínimo de 30 varetas de controlo devem permanecer no núcleo em qualquer altura. Esta regra é imperiosa... Em todas as fases de operação de um reactor, a sua capacidade de geração de energia nuclear não pode exceder a das varetas de controlo para suprimir a reacção em cadeia. Essas 30 varetas estão localizadas na zona onde têm o maior efeito na capacidade do núcleo gerar energia. A água de refrigeração absorve os neutrões em excesso e ajuda a regular a taxa da reacção em cadeia. O perigo deste modelo de reactor é que se a água se perde ou ferve os neutrões em excesso podem acelerar a reacção em cadeia até o reactor estar fora de controlo. Foi isso que aconteceu em Chernobyl.

Depois da ruptura das linhas inferiores de comunicação de água, que levavam a água de refrigeração ao núcleo, o reactor nuclear foi deixado inteiramente sem água. As explosões ocorreram primeiramente nos canais de combustível do reactor, quando estes começaram a desfazer-se devido a um massivo aumento na pressão. Não é claro quantas explosões de vapor houve. Alguns dizem ter sido três ou mais, então veio a final, mais terrível explosão da detonação do gás no núcleo.

A explosão maior foi causada principalmente por uma combinação dos seguintes factores: 1) Haviam na altura apenas umas poucas (talvez menos de 10) varetas de controlo no reactor em condições de serem instantaneamente movidas para conter uma irrupção da reactividade. 2) As varetas de controlo entraram lentamente- com uma aceleração de cerca de um quarto da que teriam em queda livre (g/4) em vez de serem inseridas muito depressa como deveriam ter sido. 3)Para poupar dinheiro a ponta (1 metro) das varetas de controlo eram em GRAFITE! Isso provocou um pico positivo instantâneo de reactividade que não pôde ser contrariado durante talvez 1/20 de segundo.

Entre outros defeitos, falhas e falhanços dignos de mencionar estão a ausência de tampa (contenção secundária) que evitou uma catástrofe similar em Three Mile Island nos Estados Unidos. Os Soviéticos foram avisados muitas vezes que centrais atómicas sem tampa eram perigosas, mas continuaram a construí-las, porque eram 30% menos caras.

Depois da explosão, a única maneira de abrandar a reacção em cadeia foi bombardear o reactor a partir de helicópteros com absorventes de neutrões e outros químicos, logo a seguir, muitos dos bravos pilotos morreram. As suas fotos e vídeos sobreviveram. Clique aqui para um vídeo a partir de um helicóptero.

Don't Não percam o vídeo de 6 minutos de Vladimir Shevchenko, chamado "Crónica dos Dias Severos"

Aqui um vídeo que mostra os "biorobots" a trabalhar, é a fase final da limpeza do telhado.

Abaixo estão fotos do nosso desfile do miliroentgen do 1º de Maio. Foi provavelmente o único desfile sem patrões do partido e membros das suas famílias a tomar parte. Como sempre, os passageiros de primeira classe deixaram o navio naufragado primeiro e as suas famílias deixaram Kiev a 26 de Abril, assim que souberam da explosão na central nuclear.

Ninguém foi punido por esconder a verdade do povo.

Punidos foram apenas alguns dos tipos da central nuclear. Fotos de um julgamento. Um grupo de seis funcionários da central atómica foram condenados a penas entre 2 a 10 anos. Apenas o engenheiro Chefe Adjunto admitiu parcialmente a sua culpa. "Eu fui culpado mas o sistema também foi" disse ele.

Em 1991, a União Soviética desmoronou-se. Desde então, algumas coisas mudaram: comunistas tornaram-se democratas, líderes do Komsomol (organização da juventude comunista) tornaram-se homens de negócios, juízes e acusadores tornaram-se ministros. O que aconteceu às pessoas que em tempos confiaram nos seus líderes e foram limpar a área à volta do reactor? Agora cada um, deixado só com o seu cancro, sabe que vai morrer e que depois da sua morte, a contagem de vítimas vai permanecer em 31. !!!

Os materiais deste site podem ser impressos, copiados e traduzidos ou usados para quaisquer fins, não há direitos sobre eles. O meu objectivo é mostrar estas páginas ao maior número possível de pessoas.

Obrigada, a todos por lerem.

Elena Filatova

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