Relatório Chernobyl(Volume1)
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Pedras e bombas

Tenho seguido os recentes eventos trágicos dos atentados bombistas em Londres. Lamento constatar quão barata é a vida humana e como as contagens de corpos são agora coisa quotidiana. Interrogo-me se algum cidadão ou autoridade alguma vez considerou o que aconteceria se terroristas entrassem em instalações nucleares. Entrem no meu site de Chernobyl e verão o que é feito da terra se forem libertados na atmosfera apenas uns 10% da radiação, o resto ainda está sob o sarcófago. Com os preços altos do petróleo, as centrais nucleares vão surgir como cogumelos depois da chuva. Por estes dias todos têm telhados de vidro e os nossos líderes mundiais não devem lançar as bombas....

Agosto, 2005.

Relatório da ONU

2006 é o ano do 20.º aniversário do desastre nuclear de Chernobyl. Poderosas forças pró-nucleares estão comprometidas em produzir "novas edições" positivas e "relatórios" para minimizar o impacto negativo.

Abaixo está um extracto de uma edição de notícias num dos tais relatórios oficiais do Fórum de Chernobyl que teve lugar em Viena, em setembro de 2005:

"O número de pessoas mortas pela radiação em resultado do desastre de Chernobyl, o pior acidente nuclear do mundo, é até então 56...disse a ONU na segunda-feira."

Não há muito tempo atrás, as autoridades estavam a ponto de admitir 4.000 mortos de Chernobyl, mas com a alta recorde dos preços do petróleo a procura por mais "energia atómica barata" é tão grande que eles tiveram que colocar um número muito menor.

Agora, nós vemos o desespero e esperteza das autoridades pró-nucleares. Eles subiram o número de mortes de 31 para 56 almas. Podem agora gabar-se aos críticos que o novo relatório quase duplica a contagem oficial de mortos de Chernobyl, mas um truque desses é um insulto a todos nós.

Qualquer tentativa de estabelecer uma contagem de mortes para o acidente de Chernobyl é pura especulação, ninguém sabe quantas foram ou quantas serão no final - nem mesmo aproximadamente.

O meu vizinho que trabalhava em Chernobyl morreu de cancro com 56 anos, como diabo sabemos nós se ele contraiu esse cancro em Chernobyl e se devemos incluí-lo na lista de vítimas. Contudo, há pessoas que deveriam necessariamente ser incluídas tais como os trabalhadores da limpeza, bombeiros, pilotos de helicópteros, soldados... o que é feito deles? Porquê nenhuma contagem oficial de mortes os reconhece como baixas do desastre de Chernobyl?

Aqui estão mais dois trechos oficiais que estão tão longe da verdade como a contagem oficial de mortes:

"Muitas áreas evacuadas são agora seguras e a área das zonas classificadas como contaminadas é demasiado grande. Tirando os ainda fechados, altamente contaminados 30 quilómetros (19 milhas) em redor do reactor e alguns lagos fechados e florestas restritas, os níveis de radiação retornaram na sua maioria a níveis aceitáveis."

É-nos impossível contar as vítimas, mas podemos viajar e contar as centenas de quilómetros de ermo nuclear que se desenrolaram atrás de nós. Eles falam apenas sobre a área que está 30 quilómetros (19 milhas) em redor do reactor, mas isso é apenas 1/8 da área total que foi envenenada pela radiação. Tenho ummapa. no meu site, que mostra a área total do tamanho de um país europeu. Não há informação sobre a Bielorrússia, nada é conhecido sobre a parte russa de Chernobyl. Essas áreas estão fechadas a visitantes.

Quanto aos níveis que retornaram a padrões aceitáveis, os níveis caíram porque em 1986 a radiação estava à superfície. No verão de 1989, três anos após o acidente, 90% da radiação estava 2 cm dentro do solo, agora ela entrou 20 cm dentro do solo, o que torna qualquer processo de descontaminação impossível. Agora, o solo respira radiação vinda do seu interior profundo e algumas vezes o elemento seguinte no ciclo de decomposição não é mais seguro do que o anterior, como no caso do Amerício

O relatório da ONU soa como se as pessoas estivessem a postos para começar a povoar essa parte da terra onde, de acordo com a ONU os níveis de radiação em sua maioria retornaram a níveis aceitáveis. Deixem-me asseverar, nada desse tipo está realmente a acontecer. Cada ano eu viajo e vejo mais e mais vilas e cidades desoladas. Toda a área está a morrer. Uma das razões pelas quais as pessoas não se querem instalar nas áreas próximas de Chernobyl é porque o sarcófago construído apressadamente está em risco de entrar em colapso.

Quase 20 anos passaram desde o acidente e eles ainda não começaram a construir-nos um sarcófago decente. Como pode a indústria mais rica não ser capaz de encontrar dinheiro para construir um novo sarcófago? Eles têm meios suficientes para construir novos reactores, para subornar os media noticiosos e políticos pelo mundo todo. Eles são ricos o suficiente para manter a contagem de mortes tão baixa por tantos anos, mas não têm meios, nem vontade política de proteger os povos da Europa de uma fusão nuclear.

Mais adiante, o relatório da ONU afirma:

"Os benefícios oferecidos às 'vítimas' foram expandidos para 7 milhões de pessoas agora elegíveis para pensões, subsídios especiais e benefícios de saúde. Estes precisaram de ser diminuídos ou orientados apenas a grupos de alto risco, apesar de isso ser impopular, diz"

Pensões não vale a pena mencionar, nós todos sabemos quão "generosas" são as autoridades pós-soviéticas com pensões, subsídios especiais e benefícios de saúde... Esses benefícios mal valem um bilhete de eléctrico para ir levantá-los.

As vítimas de Chernobyl estariam muito melhor se tivessem recebido o dinheiro que o governo gastou organizando tanto seminário e fórum falso.

De qualquer maneira, eu apenas gostaria que todos soubessem onde estamos nós em relação à verdade sobre Chernobyl em vésperas do seu vigésimo aniversário.

Chernobyl não é apenas parte do nosso passado. O que as autoridades governamentais estão escondendo pode ser o futuro do nosso planeta, porque algum dia, teremos de pagar por todas as mentiras, hipocrisias e ganância do nosso sistema.

Setembro, 2005

O Silêncio Ensurdecedor

Eu cresci na União Soviética e, mesmo de quando era muito jovem, lembro-me claramente da inescapável opressão de uma sociedade totalitária. É como ter um piano muito bem afinado e tentar tocar com uma orquestra que está deliberadamente fora de tom porque o Estado determinou que há demasiadas notas na escala musical, e então algumas são postas fora da lei.

Cinco anos após o acidente, a economia da União Soviética entrou em colapso. Isso foi uma coisa boa. Parecia por um momento que a harmonia do mundo poderia estar no horizonte. Mas essa esperança foge agora da vista e tudo à nossa volta está novamente a ficar fora de tom, como as guerras e a loucura atómica reverberem em sobretons discordantes e o tique-taque do metrónomo da nossa inevitável ruína soe mais alto a cada dia.

Isso torna mais importante do que nunca que mergulhemos na solene tarefa de calmamente afinarmos as nossas almas num tom perfeito e esforçarmo-nos por ouvir os suspiros de harmonia de outros como nós - arqueando-nos sobre a parede de barulho, antes que todos nós sejamos cercados por nada mais que o silêncio ensurdecedor da última oportunidade desaparecida.

Dezembro, 2005

Suicídios de Chernobyl

Logo nos primeiros anos depois do desastre de Chernobyl, foi reportado um índice muito alto de suicídios. O pensamento suicida vai-se infiltrando quando os terrores da vida se sobrepesam ao terror da morte. Quem poderia duvidar que Chernobyl supriu toda a humanidade com mega terrores à espreita de um beco sem saída?

Agora, a culpa oficial foi colocada naqueles funcionários que tiraram as suas próprias vidas, tal como Valery Legasov, ou o primeiro secretário do Partido Comunista da Ucrânia, Sherbitsky. Eu realmente acredito que essas pobres almas que cometeram suicídio após Chernobyl não eram completos patifes. Por quê? Porque verdadeiros patifes são conhecidos por terem tendências homicidas - não suicidas.

Dezembro, 2005

Sobre a política da ONU. (Extraído de entrevista à revista online Bikernet)

Pergunta: Eles acreditam realmente que as pessoas ao redor do mundo vão acreditar nos seus relatórios? Eles presumem que a pessoa média é completamente idiota? O que podem fazer as pessoas que leem isto: para terem a certeza de que o desastre de Chernobyl não é varrido para baixo do tapete e esquecido?

Resposta: Sim, todos os que conheço ficaram chocados com o relatório da ONU de setembro de 2005. Mesmo que nós saibamos, eles tratam-nos como tolos, ninguém poderia esperar que a mentira deles fosse tão óbvia e ofensiva, mas então, olhe para o que aconteceu no Iraque. Essa guerra é justamente o resultado de toda política da ONU e da forma como tratam o mundo árabe como um grande e obtuso posto de gasolina, com os seus relatórios de comida por petróleo e um relatório falso sobre o Iraque possuir armas químicas. Agora, os iraquianos que não tinham nenhuma arma de destruição em massa vão tentar obtê-las logo que as tropas internacionais deixem o Iraque. Eles não tinham nada a ver com a Al Qaeda, agora a Al Qaeda está no Iraque. No Irão querem desesperadamente obter Plutónio para armas nucleares. O que é pior é que agora, que Osama se tornou um herói para milhões, Bin Laden não é o chefe de um gangue de bandidos e assassinos como ele era há uns anos atrás, ele é agora líder de uma grande facção política do mundo árabe. 60% do mundo árabe tem uma idade abaixo dos 20. Isso são 840000000 de adolescentes. Muitos deles querem ser exactamente como Osama. Ele é o seu "Elvis", que traz uma AK-47 em vez de uma guitarra. Mas eles não querem aprender a tocar guitarra e ficar sem gasolina num filme de drive in num encontro de baile de finalistas. Eles querem encher o carro de dinamite e matar todos os que não recitem as palavras do Corão à letra. Agora, eles odeiam-nos amargamente, todos os dias morrem pessoas por nenhuma razão que se aproveite e esse é o resultado de todos os relatórios da ONU. O melhor que todos podem fazer para manter a história de Chernobyl activa é passar o link da minha história aos seus amigos...

Janeiro, 2006

Novos reactores

A Ucrânia construirá novos reactores. Foi uma das primeiras decisões do novo parlamento. Eles chamam-lhe soberania da energia e combustível. Nós já produzimos mais electricidade do que precisamos e fornecemos países vizinhos com eletricidade das nossas centrais nucleares. Eles apenas querem vender mais. Fazem dinheiro à custa da saúde dos próprios cidadãos e os cidadãos não podem fazer nada para impedir isso. Isto porque na minha parte do mundo a energia nuclear vai encontrar apoio parlamentar, independentemente de que partidos ganham as eleições. Há algo que é preciso explicar para tornar isto claro.

Olhando para o parlamento da Ucrânia, no começo e à primeira impressão a vida política é fervilhante. Mais de 50 partidos continuamente em separação e formando novas coligações. Muita agitação, aglomeração e enxameação em todas as direções. Continuando a olhar nota-se que, ano após ano, essa massa de deputados não produz nenhuma mudança. É porque nós temos as mesmas pessoas na política que tínhamos durante os anos soviéticos, mas agora acompanhadas dos seus parentes e protegidos. Não interessa quem forma cada novo parlamento, as mesmas pessoas estão sempre presentes, como combinações num caleidoscópio: a cada volta uma nova figura salta aos olhos; pode-se pensar que algo mudou; e contudo, na realidade, vêem-se somente novas combinações dos mesmos pedaços de vidro que se viam antes. Assim, o nosso parlamento é sempre o mesmo e aqueles deputados que há alguns anos estavam prestes a abandonar as suas ambições nucleares agora promovem novamente o nuclear.

Nós falhámos porque devíamos eleger novos deputados e não ouvir as promessas dos mesmos calhaus velhos, pois quando eles prometem deixar voluntariamente o poder e as suas posições em prol da paz e da harmonia social, a sua razão é sempre a necessidade e assim que lhes é oferecida uma hipótese de voltar às suas posições anteriores, deixam para trás a sua muito propalada paz e harmonia e agarram as coisas antigas com a mesma fúria com que o fogo agarra madeira oleosa.

Abril, 2006

Cabo Verde

Hoje fui a uma feira do livro, porque queria ver o que havia disponível sobre Chernobyl. Encontrei prateleiras cheias com toda a sorte de revistas coloridas sobre crime, sexo, rock and roll e moda, mas nem um único livro sobre os ermos que se estendem a poucas centenas de quilómetros a norte de Kiev.

No outono de 2005 voltei à vila de Cabo Verde, onde anos atrás costumava andar na minha mota. Mas a vila não está mais lá e eu soube que foi demolida. Depois da explosão de Chernobyl, estando localizada a apenas 50 quilómetros a Sul do reactor, a pobre Cabo Verde tornou-se outra estatística nuclear. Nem um simples prédio foi lá deixado, nenhum memorial, nada que indique que a vila lá estava. Ela foi apagada da face da Terra - exactamente da mesma maneira que os livros sobre Chernobyl desapareceram das lojas de livros.

Na primavera de 2006 vejo que ainda mais vilas e aldeias foram apagadas - todas baixas de Chernobyl. Eu acho que no futuro, as autoridades da Ucrânia vão demolir todas as vilas e aldeias remanescentes na área e arrastar o entulho radioactivo restante para um local próximo do reactor.

Turismo em Chernobyl não tem futuro, porque tudo está coberto de plantas e os edifícios começam a ruir. A ideia de turismo não vai encontrar nenhum suporte das autoridades estatais, porque os lucros das companhias de turismo que oferecerem excursões por Chernobyl não podem sequer começar a equilibrar as perdas da indústria nuclear, portanto todos os vestígios de cidades fantasma em Chernobyl terão de ser eliminados nesta geração. Eventualmente, eles terão até que enterrar Pripyat, a maior das cidades fantasma.

Quem estará lá para dizer as últimas palavras sobre ela e quais serão elas? "Das cinzas às cinzas, pó ao pó, isótopo ao isótopo...?"

Março, 2006

Luto das autoridades

Luto patrocinado pelo Estado, e acima de tudo as cerimónias oficiais, são magníficas produções dramáticas, e deveriam haver prémios para as actuações mais convincentes. Talvez lhes possam chamar Prémios da Academia Russa ou Ucraniana. Como um filme de Hollywood, elas são ilusões meticulosamente encenadas - e o requiem de Chernobyl a cada 26 de abril parece trazer ao de cima o melhor dos melhores das suas capacidades de representação.

Depois da meia-noite, uma grande multidão de políticos de aspecto sombrio reúne-se no Memorial às Vítimas de Chernobyl em Kiev. Eles permanecem em longas filas, cada um deles segurando a sua vela, e todos tentando ultrapassar-se uns aos outros nas suas tristes demonstrações de compaixão fingida pelos mortos e não nascidos de Chernobyl

Com as cabeças levemente curvadas eles caminham em frente lentamente e desfiam as suas bem ensaiadas profissões de devoto pesar. Esta cena lamentável de hipocrisia vergonhosamente oca é protagonizada pelas mesmas exactas pessoas que foram directamente responsáveis pela tragédia de Chernobyl, ainda ocultam a verdade, e ainda enchem os próprios bolsos como negociadores de poder e dinheiro para novas instalações nucleares.

Para o crescendo final, essa multidão aperaltada de oligarcas e ministros apressa-se para uma igreja cheia de câmaras cuidadosamente posicionadas - mas não para se penitenciarem pelos seus actos pecaminosos, e sim para dar à sua desprezível pose um ar de solene dignidade. Anos atrás, eles costumavam enviar cristãos para instituições psiquiátricas e campos de trabalho, mas os novos padrões do Estado requerem agora fingir a crença na religião.

Então eles ficam, velas na mão, parecendo humildes no seu santuário temporariamente adoptado. Comunistas, marxistas e ateus todos, eles benzem-se da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, então o patriarca da igreja, um antigo espião do KGB, aparece para lhes dar uma bênção final.

"Cristãos" como eles fazem-nos a todos desejar que Jesus realmente voltasse.

Abril, 2006

De entrevista ao Dagens Nyheter, no dia anterior à publicação do meu livro

Porquê você devota tanto da sua vida a esta catástrofe?

Algum dia aquelas vilas e aldeias serão demolidas e eu não quero que a sua memória desapareça. Quero deixar um registo em imagens, vídeos e pequenas histórias de como eu vi Chernobyl. Eu tenho a certeza, no futuro as pessoas apreciarão os meus esforços.

Como descreveria a vida nessa área, quando você era criança?

Vivi toda a minha vida em Kiev, que dista 130 quilómetros de Chernobyl para o sul. Eu não estive presente na área de Chernobyl antes da catástrofe. A minha primeira visita foi à parte bielorrussa de Chernobyl, em 1992. Mais tarde viajei através da parte russa e fiquei impressionada com a imensidão do território total que foi envenenado pela radiação.

Como é esta questão, a catástrofe de Chernobyl, debatida em seu país hoje?

Infelizmente, o custo humano da catástrofe de Chernobyl já não é mencionado frequentemente. Removê-lo da memória tem sido a política do nosso governo por todos estes anos. É impossível comprar um livro sobre a história de Chernobyl. Agora vemos somente os filmes e documentários sobre Chernobyl a 26 de abril. Ainda assim, eles mostram apenas a ciência fria das reações nucleares e a engenharia falhada

A Revolução Laranja na Ucrânia, em 2004, não nos trouxe nenhum progresso. As autoridades apenas elevaram o número oficial de mortes de 31 para 56 pessoas. A Ucrânia não quer depender do petróleo e do gás russos e construirá agora mais reactores. O nosso presidente orgulha-se quando diz que a Ucrânia já exporta electricidade para a Moldávia e a Bielorrússia.

Como, acha você, é que Chernobyl afectará as gerações vindouras? Fisica e mentalmente?

Esta primavera visitei diferentes partes da área de Chernobyl. Vi novas aldeias mortas localizadas 60-90 km a oeste do reactor. Lugares desertos podem ser vistos a tão longe quanto 250 km a norte do reactor. As pessoas estão a partir. Parece que os lugares que foram afectados pela radiação não têm qualquer hipótese de sobreviver. Mais cedo ou mais tarde as pessoas deixarão todos eles. Isso é o mais triste, vilas com mil anos ricos de história estão agora em ruínas. Isso é só o que podemos ver. Não podemos ver que efeito Chernobyl está a ter na saúde humana. Todas as estatísticas sobre o assunto são muito controversas. Eu estou certa de que Chernobyl afecta tanto fisica como mentalmente aqueles que ainda vivem nas áreas contaminadas. Não afecta pessoas que vivem noutras partes da Ucrânia. A decisão de construir novos reactores foi tomada sem quaisquer debates públicos ou protestos. Os moradores das cidades onde vão construir novos reactores estão mais preocupados com toques de música para telemóveis - estando aparentemente mais desejosos de vender o seu futuro genético colectivo por uns poucos empregos e dinheiro rápido. Ouro dos tolos, penso eu. Não sou uma activista antinuclear, eu sou apenas alguém que pensa que deveríamos aprender com os erros do passado e consequentemente não construir mais nenhum reactor perto de centros populacionais.

Pode contar-me, em detalhe, o que estava você a fazer naquele exacto dia, 26 de abril de 1986?

A 26 de abril nós não soubemos nada sobre o acidente na central nuclear de Chernobyl. Eu era muito jovem e brincava nas ruas com outras crianças. No dia seguinte, um domingo, os meus pais quiseram visitar a nossa casa de campo, mas não havia autocarros. 1200 autocarros tinham sido enviados para evacuar as pessoas de Pripyat e várias centenas mais para evacuar pessoas de outras aldeias próximas do reactor. Nessa noite foi feito o primeiro anúncio oficial na TV e durou apenas 14 segundos. O meu pai é um físico nuclear, portanto no dia seguinte ele trouxe um aparelho detector de radiação do emprego para casa. Era grande como uma mala. Nos dois dias seguintes as leituras de radiação permaneceram normais. Por essa altura a Suécia já havia sido afectada, mas em Kiev tudo estava ainda normal. O vento sul poupou-nos. Então, no primeiro de maio, o vento mudou de direcção, e nessa manhã a leitura em nossa casa mostrou 1 miliroentgen por hora, o que é 100 vezes maior que o normal... nunca me vou esquecer da cara do meu pai - ele limitou-se a agarrar em mim e na minha irmã e pôs-nos num comboio a caminho da casa da minha avó, seguramente longe da radiação.

Abril, 2006

Usura do Tempo

Se alguma região particular ou civilização em geral quiser sobreviver, ela tem de viver em função dos juros, não do capital, da natureza. Marcadores ecológicos sugerem que desde a criação do mundo e até aos anos 1980, os humanos apenas usavam recursos renováveis; no início dos anos 80 cruzámos o ponto em que começámos a gastar o capital. Alcançámos 100 por cento de uso do que a natureza produz anualmente; e em 2006 íamos nos 130 por cento. Seriam necessários 16 meses para regenerar o que foi consumido este ano. Tais números podem ser imprecisos, mas eles indicam claramente que estamos a caminho da falência.

De acordo com o novo programa de desenvolvimento industrial, nos próximos 15 anos a Ucrânia vai construir 15 novos reactores. O crescente apetite sugere que entrámos na época da Renascença Nuclear e não apenas aqui, mas no mundo inteiro. A energia atómica está a ser apresentada como a panaceia para todos os problemas económicos, como uma fonte de energia ambientalmente limpa que nos salvará da falência. Infelizmente, eles fracassam em compreender que nós apenas recebemos outro empréstimo e agora tornamo-nos vítimas dum tipo pior de usura, a usura do Tempo. É apenas uma questão de tempo até que tenhamos de pagar uma taxa de juro mais ruinosa do que qualquer outro credor poderia exigir.

Maio, 2006

Mais sobre a Usura do Tempo

Deixem-me trazer-vos uns poucos exemplos da Usura do Tempo. Não é realmente difícil encontrá-los. Como, por exemplo, o desportista que toma esteróides anabolizantes. Tal pessoa coage o Tempo a conceder-lhe um empréstimo para financiar riqueza física no presente. Contudo o juro será acumulado e cobrado mais tarde na sua vida sob a forma de alguma trágica fraqueza ou doença crónica

Alguém que instale um turbo na sua motocicleta pode pilotar mais rápido, mas não por muito tempo. Motores turbo comprimidos não duram muito.

É possível, por exemplo, fazer uma árvore dar frutos em poucos dias, mas essa será a única boa colheita dessa árvore. Mais tarde ela vai definhar

Foi ainda considerado possível postergar a crise alimentar no planeta com a mudança para sementes híbridas e agricultura química. Meio século de interferência governamental e corporativa no fornecimento da alimentação humana produziu apenas pouco sucesso por um grande custo para o solo, e perda da diversidade genética. O impacto a longo prazo para a saúde humana é ainda desconhecido, mas a obesidade já se tornou uma praga internacional - um exemplo gráfico dos juros exorbitantes que a espécie humana paga por forçar as plantas a padrões de crescimento anti naturais

Alguém que vá comprar comida ou remédios, ou que esteja cerca de votar por novas fontes de energia, vai querer avaliar a sua segurança. Todos deveriam levar em linha de conta a máxima de aplicação universal atribuída ao Imperador Napoleão: "tudo o que não é natural é imperfeito". Não façam pouco caso dessa velha regra de Napoleão, porque tudo o que não é natural é não apenas imperfeito e perigoso para consumo, mas é também muito lucrativo de produzir.

Hoje em dia, a crença cega no progresso, com todos os seus aparentes milagres, cria uma forma de arrogância. Na maioria desses milagres, a violação dos princípios naturais para se atingir ganho a curto prazo vai acumular uma grande dívida a ser paga no futuro.

Maio, 2006

Sobre a dívida para com a Natureza e a natureza das dívidas

Dickens teceu considerações muito claras e verdadeiras sobre endividamentos: "Se um homem tiver 20 libras de rendimento por ano e gastar 19 libras, 19 xelins e 6 dinheiros, ele será feliz, mas se ele gastar 20 libras e um dinheiro ele será um miserável"

É realmente simples com endividamento de indivíduos, com a natureza não é, pois não há escala para medirmos onde estamos com a nossa dívida. É por isso que a humanidade vive fora do seu limite de "cartão de crédito ecológico" e a natureza é constantemente abusada. Há sintomas contudo, como guerras por petróleo, corridas para construir novas centrais atómicas - eles indicam que nós estamos já no ponto em que as oportunidades para energia fácil secaram. Esses sintomas ainda não são catastróficos, mas a sua tendência é clara - eles demarcam o caminho para a miséria.

Ao longo dos anos 90, especialistas de diversas áreas começaram a ver o mesmo fechamento de janelas de possibilidades para tornar o sistema planetário de energia auto sustentável.

Metade dos laureados com o Nobel tem avisado que estes são os últimos poucos anos em que a civilização ainda tem a riqueza e o tempo para fazer mudanças positivas, para definir os limites económicos de acordo com os limites naturais.

Pessoas sábias são uníssonas na opinião de que é melhor ter um padrão de vida e de consumo de energia reduzidos do que nenhuma vida. Elas têm alertado de que a falha em adoptar medidas apropriadas agora significará o risco de desintegração da nossa civilização, porque se não fizermos essas coisas agora, enquanto ainda vivemos na terra da abundância, nunca seremos capazes de o fazer quando as coisas saírem das nossas mãos. Só podemos escolher enquanto prosperarmos, o declínio na prosperidade reduz as nossas opções - mendigos não podem ser escolhedores.

Agora, tal como no passado, os sábios alertam sobre os desastres que estão a caminho. A ONU foi constituída presumivelmente por homens sábios, e deveria ser o instrumento para inverter a situação de deterioração do mundo. Em vez disso, a ONU agora serve egoisticamente os interesses do monstro nuclear e dos seus patronos corporativos.

Maio, 2006

Nota pós vigésimo aniversário

O vigésimo aniversário do desastre de Chernobyl não nos trouxe qualquer solução duradoura para o monstro nuclear. Houve muito barulho na TV e outros meios de comunicação transmitidos, e muita pancadaria na imprensa... A maioria disto foi apenas trabalho de boca, sendo patrocinado por numerosas organizações e barões nucleares locais com nenhum outro objectivo que o de desorientar o público.

Os únicos dias em que o assunto recebe publicidade e em que as pessoas ouvem falar de Chernobyl são os dias do aniversário e esta é exactamente a época em que a fonte fica especialmente lamacenta com tanta agitação, e assim não há maneira de o público chegar ao fundo das questões ou tirar alguma conclusão.

Aqui estamos nós, no meio de Junho de 2006, apenas um par de meses mais tarde, e tudo o que restou para nos lembrar da tragédia de mil anos são uns poucos livros de fotos e um par de filmes. Há mil vezes mais atenção a ser dada agora ao campeonato do mundo de futebol do que alguma vez houve ao vigésimo aniversário de Chernobyl.

É impossível ao governo de um Estado manter a verdade sobre os acidentes nucleares escondida do resto do Mundo. Ainda assim, o relatório da ONU de Setembro de 2005 é uma prova de que todos os governos dos estados membros suportam e fomentam a mentira da energia nuclear segura. O verdadeiro problema com Chernobyl é que para continuarem a sua vida as pessoas precisam desta ilusão e ninguém quer encarar a sua realidade. Nem aqui na Ucrânia, nem na Rússia, nem na América ou em qualquer parte da Europa. Temos diferentes sistemas económicos e políticos, mas a ganância nas altas esferas é a mesma em todo o lado e o seu legado controla-nos a todos.

Nem nós devemos esperar qualquer avanço para a verdade no futuro. O tempo não é nosso aliado aqui porque ele rouba as nossas memórias. Ano após ano a memória de Chernobyl desvanece. A única forma de mantê-la viva para as gerações futuras é infundir música, literatura e arte com a temática de Chernobyl, entrelaçá-la nas esferas da criatividade artística, a qual pode até sobreviver a alguns dos seus malévolos elementos nucleares. Infelizmente, o todo da arte e literatura modernas aparentemente não tem outro propósito senão obter uns poucos dólares dos bolsos do público.

Como podemos preservar o conhecimento para as gerações futuras se não conseguimos sequer interessar os nossos contemporâneos em fazê-lo?

A maioria dos autores preferem evitar Chernobyl e as suas trágicas consequências, pois todos entendem que Lichtenberg estava certo quando disse, que se pode fazer uma vida boa a dizer a sina mas não a dizer a verdade.

Todos os que escrevem por dinheiro têm de anunciar nos grandes jornais, os quais são todos politicamente correctos e controlados pela ganância. Grandes agências de notícias e jornais não anunciarão obras relativas a Chernobyl, excepto aquelas que sirvam os seus interesses egoístas. Tal produção raramente é objetiva

A próxima oportunidade de relembrar as pessoas sobre Chernobyl será daqui a cinco anos, no 25.º aniversário, mas haverão ainda menos memórias suas sobrevivendo então. Menos ainda que se possam opor à sempre maior procura por energia nuclear barata, e haverá outro campeonato do mundo

Junho, 2006

Canção "Terra Negra"

As únicas alturas em que a nossa TV passa programas e filmes interessantes e precisos acerca de Chernobyl é por volta dos seus aniversários, mas apenas fora de horas. Por exemplo como nos décimo e vigésimo aniversários quando passaram programas relativos ao assunto entre as 2 e as 5 da manhã, exactamente às horas em que a nossa maioria de pensamento tradicional dorme.

Por causa disto tenho que passar as madrugadas de todos os aniversários acordada à procura de programas que possam ser novos e apresentados honestamente.

No vigésimo aniversário dei com um bom programa de arte criativa de pessoas que vivem nas áreas contaminadas. Histórias, poesia, pintura, e canções daqueles que vivem nas aldeias próximas de Chernobyl

O programa deixou-me o gosto forte, metálico a radioactividade e a amargura – não admira que tenha sido agendado para o meio da madrugada. O mais notável foi a assombrosa canção de uma rapariga autista, com cerca de 11 ou 12 anos de idade, que ela chamou "Terra Negra"

Ela cantou-a na linguagem bielorussa, um dialecto que eu acho difícil de entender, mas o sentimento que me deixou não foi apenas por causa da sua letra ou melodia. Eu diria que teve a aura de uma liturgia pagã, cheia de místicas telúricas, onde se pode ouvir o eco das regiões desoladas, algo dos tons murmurados e a aparência furtiva da solidão. Foi um hino do abandono, um cântico para desfazer a maldição da alvorada nas aldeias do absinto. Nas suas notas vibrou um novo e perigoso tipo de silêncio – de enterrar algo em silêncio. Esta canção foi absolutamente inumana e pôde apenas ser a destilação de uma mente nascida e criada no meio das ruínas de Chernobyl.

Os miúdos são como o vinho, absorvem o aroma do seu ambiente. Quando um rapaz ou rapariga se vai sentando sozinho, com a sua alma em completa discórdia, ano após ano, dia após noite sem qualquer esperança de alguma vez verem a luz, as suas mentes encetam a busca duma nova harmonia que é completamente diferente do ruído corrente da vida. Começam a escavar passagens e labirintos fundo em si próprios, e eventualmente os seus conceitos adquirem a cor crepuscular das catacumbas. Pode ser uma mina de carvão ou uma mina de ouro, a pessoa pode tornar-se num urso das cavernas ou num caçador de tesouros. Similarmente um monstro ou um caçador de monstros.- nunca sabemos..

Eles emitem esse peculiar odor de um mergulhador acabado de regressar das profundidades. São honestos, as suas opiniões não são cópias, as suas palavras não são uma máscara e a sua arte criativa não se destina a enganar.

A nossa sociedade devia dar-lhes uma hipótese de se expressarem abertamente, no entanto a maioria da sociedade está a dormir quando a sua obra é mostrada. Assim, durante o dia e em boa consciência, todos podem ver programas e filmes patrocinados pelo governo que são realizados e pagos pela indústria nuclear.

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Chernobyl é esquecido tão facilmente porque era conhecido só por nós mesmos. Nos primeiros anos depois do acidente não queríamos partilhar a nossa história com o mundo, agora não podemos partilhá-la, nós próprios já mal nos lembramos. Tudo o que resta do trágico acontecimento é uma memória, fraca e desfigurada pelo tempo. No futuro, a indiferença das pessoas vai abafar as últimas brasas restantes até que por fim também elas se extingam. Depois disso Chernobyl permanecerá sempre do conhecimento de uns poucos indivíduos eminentes e propriedade única da natureza.

As minhas publicações de primavera

In Em Abril de 2006 planeei apresentar os meus materiais sobre Chernobyl a tantos leitores fora da Internet quanto possível. As minhas publicações foram apresentadas ao público em mais de 20 países através de jornais, revistas, livros e documentários televisivos. Eventualmente, acabei por ficar insatisfeita com isto porque na maioria dos casos os meus materiais foram editados em fragmentos. Os meus pensamentos foram excluídos da maioria das publicações.

A visão pessoal é o centro de gravidade de qualquer trabalho, seja um livro um filme ou um website na internet, mas parece que muitos apenas querem fotos grátis, vídeos, alguma informação, mas não uma visão pessoal. A informação é meramente um meio para alcançar a visão pessoal e pode ser facilmente distorcida e alterada para servir os interesses de grupos políticos, financeiros ou dos media. A visão pessoal, por outro lado é um produto final do intelecto, não pode ser alterada ou pervertida, apenas a visão pessoal pode servir a verdade, e a visão pessoal não tem tido procura.

Junho, 2006

Consumismo Pós-totalitário.

Na minha parte do mundo, o Novo Programa de Energia tornou-se possível graças às mudanças por que a nossa sociedade passou durante as duas últimas décadas.

Quando a URSS entrou em colapso, em 1991, as pessoas encheram as ruas com protestos tanto religiosos como ambientais. O povo procurava avidamente pela verdade. O interesse público pela filosofia e história era reavivado, a liberdade estava no ar... Ainda, o povo era pobre, a ferida de Chernobyl era recente, e os preços dos recursos energéticos não atómicos eram baratos. Essa era acabou agora.

Esses rebentos tenros de liberdade e democracia reais foram arrancados. As coisas mudaram tremendamente. No estado totalitário, o governo mantinha a informação longe do povo, agora, no "estado livre", o povo mantém a informação longe de si mesmo. Hoje, no "estado livre" o povo obtém mesmo pão, não ódio que era o substituto dos comunistas para o pão, portanto por estes dias todos parecem estar mais felizes por fora, bem alimentados, melhor vestidos e abrigados... Quaisquer protestos são agora somente políticos. No fim, todos são enganados por um partido ou outro.

Os verdadeiros soberanos no país são os grupos financeiros que fazem propaganda em massa dos seus assuntos com as mesmas técnicas psicológicas que os negócios desenvolveram para vender mercadorias. Os seus candidatos políticos escolhidos, como corcundas, mostram-nos apenas os seus melhores lados e pressionam botões nos receptores que apelam somente às fraquezas das massas. Parece, por isso, que eles buscam predominantemente que as pessoas fiquem com as cabeças fracas, e fazem todo o possível para conseguir isso

Eles conseguem e o resultado dessa política já é bem visível: o estudo da História está em declínio acentuado e a filosofia mais popular é aquela que nos ajuda a obter somente riqueza material. Orwell foi presciente, é feito através da televisão. A maioria das pessoas agora concorda em viver somente a pão e programas de TV... O que serve aos nossos "líderes" é uma sociedade onde a decisão de construir novas instalações nucleares pode ser tomada sem quaisquer debates... Adolph Hitler exclamou certa vez: "Que sorte para os líderes que o povo não pense!". Hoje, tal como antes as pessoas que preferem não pensar são avidamente bem vindas pelos soberanos cuja poder se apoia na perpetuação da ignorância pública.

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Todos os regimes totalitários vão eventualmente entrar em colapso, porque as suas ideologias estão enraizadas em ódio e inveja - esses são vícios humanos secundários e podem ser derrotados, enquanto o consumismo está enraizado internamente na natureza humana, está enraizado na avareza, orgulho e luxúria, em vícios cardinais (primários), para os quais não há escapatória.

É surpreendente ver até que extraordinário grau a vida é a mesma em qualquer lugar: a incapacidade para resistir aos interesses das corporações, tanto na Ásia, Europa ou América. É como se agora estivéssemos todos na mesma sala, a única diferença entre nós sendo que entrámos em tempos diferentes, através de portas diferentes.

Junho, 2006

Dois tipos de autores

Há basicamente dois tipos de autores que escrevem sobre Chernobyl; e eles estão separados pelas suas motivações. Alguns escrevem para manter viva a memória de Chernobyl, mas de longe muitos mais escrevem num esforço para fazer de Chernobyl um meio de vida.

Um é marcado pelo firme, sóbrio e tranquilo ritmo dum registo permanente. E o outro prossegue no galope completo do sensacionalismo, com cada autor tentando gritar mais alto do que o outro, porque o nível de ruído que eles fazem corresponde diretamente à quantia de dinheiro que eles acumulam a partir de uma tragédia nacional. Mas quando a algazarra que eles criam ecoa a perder de vista, eles não estão onde sejam encontrados, porque já debandaram a caminho doutro sensacionalismo que possam transformar num belo e gordo cheque.

E por causa dos seus textos serem cuidadosamente escritos para evitar ameaçar o sistema, e pisar qualquer pé ao monstro nuclear, os media alardeiam avidamente as suas obras, tanto os pró como os antinucleares; eles não são perigosos, a sua acção é sempre baseada num cálculo. e, por isso, fragmentária e transitória.

Os nomes dos autores envolvidos na lenta e metódica pesquisa de Chernobyl - e por motivos não monetários - continua pouco conhecida. E parte da razão para isso é porque o seu detalhe e permanência colocam um perigo aos homens poderosos que o causaram. Um exemplo admirável disso é o documentário "Missão suicida a Chernobyl" (Suicidal mission to Chernobyl) - um filme pelo qual muitas pessoas têm procurado desde 1991. Para onde se sumiu ele, e porquê? Também tenho muita consideração pelas obras da escritora de Chernobyl Irene Zabytko, e as fotografias de Igor Kostin.

Há provavelmente outros, mas não há como saber com certeza, porque todas as obras realmente importantes são ocultadas do público. E em seu lugar há apenas tolas distrações populares como "O código Da Vinci".

Junho, 2006

P.S.

Devo provavelmente elaborar sobre os meus pensamentos acerca dos "Dois tipos de autores" para explicar porque Chernobyl assusta a maioria desses tipos criativos.

Qualquer obra sobre a temática de Chernobyl somente pode ser uma obra humanitária, onde o autor pode esperar pouca, se alguma, recompensa. Sobre esse assunto nenhum feito será favoravelmente recebido e permanecerá na obscuridade até ao tempo em que a terça parte do mundo se torne em absinto.

A maioria dos autores trabalha por uma ou duas razões: ou para serem pagos ou por reconhecimento (fama). Existe um dito de incomparável fineza de Séneca, que a fama (reconhecimento) segue o mérito tão certamente quanto o corpo projecta uma sombra; algumas vezes para a frente e outras vezes para trás.

A maioria dos autores somente vai trabalhar se virem coisas boas adiante de si. Mas Chernobyl apresenta um caso onde, não importa quão grande seja o seu alcance literário ou investigativo, os problemas vão sempre estar à espreita à frente deles enquanto a sombra da fama vai sempre demorar-se atrás, muito atrás.

Junho, 2006

Caridade Hoje

Em abril de 2006, o meu livro "Tjernobyl" foi publicado na Suécia, e eu decidi vender 50-60 livros no eBay com a intenção de enviar o dinheiro arrecadado para o orfanato N1, em Kharkov (Ucrânia). O meu leilão caritativo foi banido do eBay no segundo dia. A razão foi puramente política. E banindo o meu livro desse leilão, a eBay privou aqueles órfãos de laranjas, bolas de futebol e bicicletas que aquele dinheiro poderia ter comprado.

Não é nenhuma admiração que tantos passem fome e crianças comam de latas do lixo, quando uma tentativa honesta de ajudá-los é sabotada por razões de políticas sujas.

Junho, 2006

Exportação nuclear

Há uma expansão nas exportações de tecnologias nucleares para países do terceiro mundo, e especialmente para o Médio Oriente. Há uma acirrada competição para construir centrais nucleares no Irão, Paquistão, Índia, Turquia e Egipto e muitos outros países.

Contudo, os países que exportam essas tecnologias, e têm lidado com instalações atómicas desde há muitos anos, têm gradualmente passado por uma evolução no processo de desenvolvimento de diferentes tipos de reactores e têm desenvolvido uma escola de cientistas e profissionais qualificados que mantêm os reactores relativamente seguros. Ainda, a maioria dos países exportadores tem uma estrutura social democrática, que permite que toda a coisa aconteça em pratos limpos, mas os países para os quais essas tecnologias nucleares têm sido exportadas vivem frequentemente à beira da guerra.

Quando o progresso os apanha desprevenidos e os alça a uma posição alta sem lá terem chegado passo a passo, é quase impossível manter a posição em segurança. Muitos países podem exportar tecnologias, mas nenhum deles pode exportar experiência.

Com os acidentes nas estradas é a mesma coisa. as estatísticas afirmam que a maioria dos motoristas que morrem são inexperientes e guiavam carros e motocicletas velozes. Eu digo sempre: "Se você quiser que alguém morra, compre-lhe uma motocicleta veloz, mas se você quiser ver todos mortos, construa-lhes um reactor atómico".

Junho, 2006

De volta ao relatório da ONU..

A conferência em si não é algo de novo, ela foi organizada pelos governos da Ucrânia, Rússia e Bielorrússia, patrocinada pela AIEA e foi conduzida nas melhores tradições de todos os relatórios oficiais soviéticos. Tudo o que é novo é que agora os regimes pós totalitários e os governos do ocidente falam como um só, numa voz enlatada para esconder a verdade do desastre de Chernobyl. Agora, os representantes das democracias ocidentais devem fazer todos exactamente como os seus colegas do leste europeu lhes pedem. Devem papaguear todos as mesmas mentiras pois não querem nenhum confronto aberto uns com os outros. Hoje em dia o Ocidente não precisa de mais inimigos, já têm muitos, e todos compreendem que se os países doadores da ex União Soviética fossem hostis aos seus colegas ocidentais, e se o fluxo normal de matérias-primas fosse deliberadamente interrompido, as nações do Ocidente se veriam numa situação muito má, mesmo. O seu sistema industrial entraria em colapso. Claro, sob tais condições, os "Poderes de facto" podem facilmente encontrar aprovação entre os políticos e agora eles constroem novos reactores também no Ocidente. O seu principal argumento é que o átomo pacífico os ajudará a escapar a uma nova ditadura económica, e os tornará imunes contra conspirações da OPEP, etc. No entanto, a verdade é que eles já são manipulados e cantam assim no coro dos mentirosos, onde em tempos sibilaram os Stalins e os Khrushevs.

Quem quer que diga que as democracias do Ocidente não são tão acusáveis ou responsáveis do que as suas equivalentes pós soviéticas precisa apenas de olhar para as assinaturas por baixo desse relatório da ONU. Estamos todos reduzidos ao mesmo "denominador comum" quando se trata de assuntos de expediente nuclear. Se nós deixarmos a ONU safar-se, sem desafio, com esta e outras mentiras, então a globalização será apenas um processo de adopção mútua de deficiências, de nivelamento por baixo, uma involução universal à mentalidade dos países do terceiro mundo.

Julho, 2006

Jornalistas

Desde mesmo no começo, e até mesmo ao dia de hoje, o assunto do desastre de Chernobyl está fora dos limites para cientistas e pesquisadores sérios. Aos jornalistas nunca é negada a entrada na área de Chernobyl, e esse acesso fácil faz com que relatem, equivocadamente, que a região está aberta também a pesquisadores.

O problema da maioria dos jornalistas é que não conseguem ver para lá dos seus próprios narizes. Eles acreditam usualmente nas informações que escrevem, mesmo que estas lhes sejam dadas à colher pelas autoridades. A entrada deles é permitida em Chernobyl pela mesma razão que aos eunucos era permitido visitar as esposas dos sultões, eles são estéreis e os seus escrevinhados não apresentam um perigo real para o sistema.

Devido à curteza de vista os jornalistas são completamente incapazes de escrever qualquer coisa substancial. Os seus artigos vivem como mosquitos por apenas um dia e todos compreendem que os furos de notícias e as manchetes são o coro estridente para o drama dos eventos correntes. Todo o repórter procura, pelo bem do seu ofício, ser um alarmista e fazedor de ruído. Exagero em todos os sentidos é tão essencial como para escrever uma novela de cordel. Eles gritam e berram tanto quanto possível em todas as ocasiões e ninguém presta realmente muita atenção ao seu bradar. O objetivo é berrar mais alto que todos os seus companheiros, e os leitores rapidamente ficam surdos a qualquer alarme real que possa soar.

A razão pela qual a batalha por Chernobyl está a ser perdida é porque jornalistas e repórteres de TV são aqueles com a melhor oportunidade de contar a verdade a seu respeito às pessoas, enquanto escrever para jornais e revistas não tem nenhum impacto a longo prazo. é como escrever na areia, onde cada nova onda de publicações lava todo o conhecimento prévio.

Ainda há mais hipóteses de encontrar uma boa reportagem sobre Chernobyl em jornais locais e programas de TV de pequenas agências de notícias. Eles têm que competir no duro. Dão volta a tudo para obter quanto for possível de toda a ocorrência, sem os limites normais que estrangulam os media principais.

As maiores agências de notícias do mundo são mais contidas e reivindicam serem profissionais, mas a real razão pela qual elas parecem contidas é que elas não têm que competir. São patrocinadas pelo Estado e fazer dinheiro não é objetivo seu.

Eles precisam de poucos ou nenhuns anúncios publicitários nos principais canais de TV e podem dar os seus jornais quase de graça. O que eles produzem não precisa de ser lucrativo, é somente uma forma de alimentar a sua audiência cativa com a agenda estatal. Diz-se que somos o que comemos, e por isso nós o povo somos tanto o alvo como o produto final do seu bufete estragado.

Milhões, talvez biliões, de pessoas enganadas acreditam agora que estão "seguras" quando a qualquer momento elas podem-se tornar carne para o canhão da instalação nuclear mais próxima.

Agosto, 2006

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Na área de Chernobyl, as pessoas que vivem e trabalham numa parte não fazem ideia do que se passa na outra. Funcionários em Pripyat não sabem o que se passa na Bielorússia, os funcionários na Bielorússia não têm qualquer ideia de como as coisas estão na Rússia e por aí adiante. Assim Chernobyl apresenta-se como uma caverna escura e inexplorada, que apenas jornalistas podem visitar. Nos artigos dos jornalistas encontramos no máximo apenas o que eles nos querem mostrar. Em contraste, a obra do pensador sistemático, que abarca tudo mentalmente, mostra-se como uma paisagem alargada. Vemos o todo e como tudo se conjuga. O jornalista procura e encontra a sua agulha ao feixe de uma lanterna que produz uma luz, e isso tenuemente, apenas no local para onde calha a estar apontada. Enquanto que a mente de um pensador de primeira categoria acende mil lanternas que inundam toda a caverna com luz. Chernobyl está fechado a investigadores sérios porque ninguém quer realmente ver a luz nesta caverna.

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"Há mentes que brilham no escuro como os olhos do lince, e são mais claras onde há mais escuridão." (Balthasar Gracian)

Capitães, ratos e passageiros de primeira classe

O reactor nuclear de Chernobyl explodiu à 1:23 da manhã. Os primeiros fugitivos eram parentes de chefes do partido e ministros. Os seus aviões já descolavam às 6 da manhã, apenas umas poucas horas após a explosão. O resto de nós soube do acidente vários dias depois.

Há um velho ditado que diz que os ratos são os primeiros a abandonar um navio que se afunda. Chernobyl ilustra que isso pode não ser verdade, porque durante ele, tanto quanto durante o desastre do Titanic os passageiros de primeira classe fugiram ainda antes.

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e foi tocada música no Titanic para acalmar os passageiros fazendo todos acreditar que o navio não se afundaria enquanto os passageiros da primeira classe embalavam as bagagens e partiam.

Agosto, 2006

Última nota

A política de Chernobyl é a ferramenta perfeita para fazer uma raio-x da nossa vida: ela revela toda a hipocrisia do mundo, a sua falsidade, ganância e superficialidade geral dos assuntos humanos.

Olhem para a conferência da ONU, onde os membros parecem tão brilhantes e distintos. Olhem para todos aqueles eruditos professores de ciência e medicina. Vejam como as autoridades do governo acolhem cada novo relatório seu, e quão vigorosamente eles aplaudem... Mas na realidade, cada um deles dorme e começa a aplaudir somente quando veem um ou dois outros à volta aplaudindo - uma reacção em cadeia de mentes fracas. São somente essa uma ou duas pessoas que acompanham a conferência, como um despertador eles estão sempre lá para acordar os outros e assegurar o mais sonoro aplauso para o orador mais pobre

Olhem, durante o requiem de Chernobyl, uma multidão de autoridades aproximando-se tão lentamente, velas na mão, quão melancólicos eles parecem! Que fila interminável de carros caros! Mas olhem nos seus olhos - são todos vazios, eles são apenas fatos que desfilam para comemorar as suas próprias vítimas.

Que retrato mais eloquente da hipocrisia e oquidão da nossa vida! Um exemplo realmente perfeito do legado de Chernobyl é a desolação nas almas das pessoas, a extrema devastação da sociedade. Triunfo da idiotice.

Agosto, 2006