A AUTONOMIA DO ESTADO NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO *

THE AUTONOMY OF THE STATE IN THE GLOBALIZATION PROCESS

Raquel Lorensini Alberti **

Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira ***

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar a relação Estado-Mercado e o tipo de definição da ordem global a fim de identificar os condicionantes e reflexos da perda de autonomia do Estado-nação, bem como concluir sobre a questão da cidadania frente a "nova" relação Estado-Mercado. A interpretação, permitiu-nos concluir que a mudança na relação estado-mercado e a conseqüente perda de autonomia do Estado-nação levam o mesmo a um questionamento complexo e paradoxal, entre a eficiência dos mercados e a questão social. Acreditamos que a proposta que se aponta como de "dimensão pública" diz respeito a um processo de democratização da sociedade enquanto generalização de um padrão básico de cidadania. Isto porque, o mercado mundial, apresentado como o grande "administrador" da economia, tem se mostrado inoperante sob a questão social. Quanto aos condicionantes da perda de autonomia do Estado-nação, referimo-nos basicamente a globalização dos mercados financeiros e a formação de espaços globais de produção e avanço do comércio mundial, o que poderia ser resumido como a financeirização da economia, e neste processo quem "comanda" a economia global é cada vez mais o mercado financeiro, e em última análise, são as grandes corporações, e não os governos, que decidem sobre a política econômica.

Palavras-chave: Globalização, Relação Estado-Mercado, Autonomia.

Abstract

This article has the objective of analysing the state-market relationship and the definition of the global order with the purpose of identifying the variables and consequences of the loss of autonomy of the nation-state, as well as to come to a conclusion about the role of the citizenship facing the "new" state-market relationship. The interpretation, has allowed us to conclude that the change in this relationship and the loss of autonomy of the state-nation take it to a complex and paradoxal doubt, betweem the market-efficiency and the social aspect. We beliene that the propositon which appears as "public dimension", is telated to a democratization process in the society seen as a basic pattern of citizenship. This happens because the world market, presented as the big "economy adminstrator" has been inoperantive as for as the social aspect is concerned. As to the variables related to the loss of autonomy of the nation-state we are referring basically to the globalization of the financial market and to the growing of global spaces of production and the advance of the world trade, which could be summed up as the "financialization" of the economy, and this process "rules" global economy.

Key-words: Globalization, state-market relationship, autonomy.

* Artigo publicado na Revista do CCEI - Centro de Ciências da Economia e Informática - ISSN 1415-2061 - Vol. 08 - N º 13 - Março de 2004 - URCAMP - Bagé - RS.

** Mestre em Economia Rural (UFV) - Assessora de Pós-graduação da UNIFRA e Professora do Curso de Economia da UNIFRA.

*** Doutor em Educação (UFSM) - Mestre em Educação (UFSM) - Professor Adjunto - Departamento de Sociologia e Política –UFSM


Introdução

Atualmente, observamos profundas transformações na economia mundial que atinge com inusitada velocidade as formas de existência dos estados, as relações entre eles, e o cotidiano dos indivíduos. Existe uma intensa reestruturação das relações de poder, da divisão internacional do trabalho e da riqueza, das regulações que determinam o grosso das relações entre países, regiões ou blocos de países. As estruturas da época da Guerra Fria desapareceram e são substituídas por um novo ordenamento, em nível mundial e em nível interno de cada país.

Evidenciamos com isso o quanto o capitalismo globalizado pode desestabilizar a economia mundial e de como as capacidades de resposta à "desordem" iminente são muito diferentes, nos países desenvolvidos e nos países emergentes, sendo que nestes revela-se patente como a própria autonomia na formulação da política econômica vai ficando comprometida.

Tomamos a globalização como resultado de mutações estruturais no movimento secular de internacionalização, por isso é forma nova da evolução capitalista e não apenas uma outra fase da internacionalização. Segundo BRAGA (2001), o fato do capitalismo ter sido sempre mundial no sentido da interconexão das economias relevantes, através do fluxo de mercadorias, capital e serviços, não deve conduzir ao equívoco de que a globalização é um fenômeno antigo. Antiga é a internacionalização dos mercados domésticos mesmo quando ocorriam industrializações nacionais comandadas a partir do Estado.

Concordamos com WANDERLEY (2001) que uma análise de conjuntura implica necessariamente transitar pelas variações dadas pelos determinantes, no passado e no presente, nos âmbitos mundial e nacional. Daí o postulado "que a globalização sempre existiu" pouco nos diz, se não mostrarmos as mudanças de fundo ocorridas num delimitado espaço de tempo e num dado lugar, e indicarmos como certos elementos de forma mais determinantes ou hegemônicos num período podem estar em parte ou totalmente superados, redefinidos, incompatibilizados, e outros elementos se fizeram presentes com maior ou menor intensidade.

Deste modo, é inegável que o processo de globalização fragiliza o Estado-nação, não apenas no que se refere à capacidade de implementar políticas específicas relativas aos mercados, mas também, e talvez principalmente, a determinadas capacidades "estruturais" relativas à questão social. Para nós, estes acontecimentos revelam o potencial de desordem da dinâmica que se vem implantando, nas últimas décadas, sob o impulso da competição entre grandes grupos multinacionais e o patrocínio da hegemonia das grandes potências e corporações na difusão das políticas de desregulamentação dos mercados.

A prioridade do Estado era o bem-estar. Nas últimas décadas, a prioridade modificou-se, no sentido de adaptar as economias nacionais às exigências da economia mundial, e o Estado tem se tornado meramente uma ponte entre a economia mundial e a economia nacional, através da qual os grandes conglomerados transnacionais são os beneficiados.

No plano econômico, a globalização caracteriza-se pela desnacionalização financeira com intensa mobilidade internacional do capital, isto facilitado por um mercado que tem como característica relevante a facilidade de comunicação, transmissão e processamento de informações.

No plano político, o maior desafio refere-se a perda de autonomia do Estado nacional, uma vez que a globalização conduziu a uma concentração significativa do poder econômico decorrente do poder de decisão. Este poder de decisão concentra-se nas mãos de um pequeno grupo de grandes empresas transnacionais e instituições econômicas mundiais.

Deixando reinar a lei do mercado e querendo se opor a toda intervenção estatal em matéria econômica, os promotores da globalização se inspiram em uma ideologia que eles mesmo não praticam. O capitalismo preconiza um mercado livre, no entanto segundo KAUFMANN (1999), conta e sempre contou com as intervenções governamentais que lhe são vantajosas, ao mesmo tempo em que condena de modo categórico as intervenções que não lhe favorecem. As intervenções, que fornecem lucro a longo prazo, não têm sido jamais a prioridade dos financiadores. Deixa-se tais investimentos por conta do Estado, pagos de modo que este se endivida mais, o que cria em grande parte sua dependência frente aos mercados financeiros. Além disso, tal endividamento monopoliza os recursos financeiros em detrimento do desenvolvimento econômico, pressionando assim as taxas de juros para cima, para o maior benefício aos credores. Tem-se então um exemplo da lógica que conduz à engrenagem, ou à prensa, na qual se encontram os governos e os cidadãos que devem fazer frente à globalização.

Acreditamos que os Estados-nação estão em questão, particularmente no que diz respeito à eficácia de suas políticas econômicas, em virtude da globalização da economia capitalista. A soberania dos Estados estaria ameaçada por serem crescentes os problemas enfrentados para controlar de forma eficaz suas economias.

Também pensamos que com o enfraquecimento do Estado-nação, a crescente transnacionalização da economia não só reorienta, como limita o poder de decisão do governo nacional. Em praticamente todos os setores da economia, as injunções externas são decisivas no modo pelo qual o governo adota diretrizes.

Estas questões motivaram então a nossa análise sobre a relação Estado-Mercado e o tipo de definição da nova ordem global, a qual teve por base alguns questionamentos como: estamos frente ao enfraquecimento ou a uma redefinição do papel dos Estados-nação? Será possível tornar os Estados-nação atores de políticas que privilegiam o desenvolvimento socioeconômico, ou isto depende agora dos novos movimentos sociais e políticos, em uma ordem que nutre-se da exclusão social, das privatizações e de uma cada vez maior desregulamentação dos mercados?

Sendo assim, o objetivo geral deste trabalho é interpretar analiticamente, a relação Estado-Mercado e o tipo de definição da ordem global. Especificamente pretende-se: a) Identificar os condicionantes da perda de autonomia do Estado Nacional; b) Analisar os reflexos da perda de autonomia do Estado Nacional no campo sócio econômico; c) Concluir sobre a questão da cidadania frente a "nova" relação Estado-Mercado.

Adotou-se como método de abordagem o método analítico descritivo. O método de procedimento contou basicamente de revisão bibliográfica, utilizando como referências básicas KAUFMANN (1999) e VIEIRA (1997).

Buscamos com este estudo, contribuir com o esforço dos trabalhos e pesquisas que vêm sendo desenvolvidas, no sentido de oferecer diagnósticos que possam estimular o questionamento de premissas "envelhecidas" a respeito da "nova ordem global".

No entanto, a problemática abordada é de extrema complexidade. Ela envolve não só a caracterização da "nova ordem mundial" e perda de autonomia do Estado-nação, como também a análise das implicações no campo sócioeconômico, com ênfase, na questão de cidadania. Logicamente, não se trata aqui de examinar essa problemática em toda sua amplitude e profundidade. Pretende-se apenas interpretar analiticamente informações disponíveis de modo a ver com mais clareza os conteúdos e contornos da atual conjuntura global.


2. Relação Estado X Mercado

A crescente transnacionalização da economia não só reorienta como reduz a capacidade decisória do governo nacional, em praticamente todos os setores da economia. No campo dos transportes, habitação, saúde, educação, e meio ambiente, cresceram muito as "sugestões" (para não falar imposições) de organizações multilaterais, dentre as quais destacam-se o Fundo Monetário Internacional (FMI), e o Banco Mundial.

Ressaltamos que muitas vezes, as diretrizes dessas organizações articulam-se com os interesses das corporações transnacionais ou dos países dominantes no âmbito do capitalismo, alterando-se a autonomia relativa do Estado-nação. Neste cenário, também revela-se uma nova forma de capitalismo, a qual de acordo com SIQUEIRA (2002) é chamada de tecnocapitalismo, e expressa o contexto global formado pela síntese das tecnologias de informação, de comunicação e de entretenimento. Em termos de economia política, o tecnocapitalismo se caracteriza pelo aumento do poder do mercado e pelo declínio do Estado-nação acompanhado do crescente poder das corporações transnacionais no mundo-como-um-todo.

A hegemonia, em suas diferentes modalidades de expressão e realização, tem o Estado cada vez mais sob o controle das organizações multilaterais e das corporações transnacionais. Essas instituições habitualmente detêm poderes econômicos e políticos decisivos, capazes de se sobrepor e impor aos mais diferentes Estados. Por meio de sua influência sobre governos ou por dentro dos aparelhos estatais, burocracias e tecnocracias, estabelecem objetivos e diretrizes que se sobrepõe e impõe às sociedades civis, no que se refere às políticas econômico-financeiras.

Os agentes mais dinâmicos da globalização não são os governos que formaram mercados comuns em busca da integração econômica, mas os conglomerados e empresas transnacionais que dominam a maior parte da produção, do comércio, da tecnologia e das finanças internacionais. Diante desta "nova ordem global"

"...O Estado-nação como espaço da regulação econômica, torna-se enfraquecido, e sua autonomia e competência, incertas. Isso acaba comprometendo a capacidade de coordenação política e de promoção do desenvolvimento por parte dos Estados, e os governos tornam-se menos efetivos na formulação de políticas sociais que venham ao encontro das necessidades geradas pela lógica do mercado" (SIQUEIRA, 2002, p. 04).

O que podemos observar, na verdade, além da desestatização, da desregulamentação, da privatização e abertura dos mercados é a monitorização das políticas econômicas nacionais pelas tecnocracias do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, entre outras organizações multilaterais e transnacionais.

O impacto sobre a esfera política nos preocupa muito no que tange ao enfraquecimento do Estado em todos os países, embora em alguns mais do que em outros, o Estado vem perdendo poder, recursos e funções. Faltam-lhe, cada vez mais, condições para controlar suas finanças já que preços cruciais como os do câmbio, dos juros, das tarifas e das commodities, assim como o tamanho do déficit nos orçamentos e no balanço de pagamentos, não constituem matérias suscetíveis de serem definidas por meio de decisões exclusivamente internas e soberanas.

Para SIQUEIRA (2002), a relevância dessas corporações justifica-se por sua influência (além dos meios de informação, comunicação e entretenimento) também na organização dos trabalhadores através da internacionalização da produção e, principalmente, nos processos econômicos, no comércio global e nos mercados financeiros. Elas buscam o megamercado, no qual o padrão do progresso técnico, conjugado com a preferência dos consumidores e com as políticas locais, favorece a mobilidade dos fatores produtivos e financeiros, e fazem convergir para suas sedes (nos países desenvolvidos) os fundos de investimento e receitas e estão relacionadas à globalização financeira da década de 90 com seus fluxos instantâneos e globais de megarrecursos de investimento.

Therborn (In: Ibanez 1997:219) refere-se a este fato afirmando que "os Estados-nação tornaram-se muito menores do que este novo mercado financeiro mundial, ao mesmo tempo em que passavam a depender da confiança desses mercados, para implementar grande parte das políticas estatais".

O mercado tornou-se a matriz estruturadora da vida social e política da humanidade, sobrepondo-se às fronteiras nacionais, e suas "virtudes" são recuperadas como valor universal, e não mais como identidade nacional. Quem comanda a economia global é cada vez mais o mercado financeiro, pois, em última análise, são as grandes corporações, e não os governos, que decidem sobre o câmbio, taxa de juros, rendimento da poupança, dos investimentos, preço das commodities. Dessa forma o que é decisivo para a autonomia das políticas nacionais é a forma e o grau de dependência em relação aos mercados financeiros sujeitos à instabilidade das expectativas.

Afirmamos que o efeito econômico da globalização é a instabilidade dos mercados. Fenômeno fácil de compreender na medida em que a ampliação do espaço, ao mesmo tempo que ele enriquece as possibilidades de escolha e uma certa eficiência econômica, intensifica a divisão do trabalho, e por conseqüência mina a confiança dos operadores e os leva a contar com terceiros, as agências de rating, notação financeira antes de tudo, mas também cada vez mais notação societária em que as empresas são apreciadas segundo a relação que mantêm com a sociedade.

Com a desregulamentação dos mercados e a tendência de acentuar-se cada vez mais as imperfeições e ineficiência dos mercados, o que observamos é uma situação em que, nas palavras de Petrela (In: Chesnais, 1996: 297), " a mundialização da economia de mercado, privatizada, desregulamentada e liberalizada, está ‘liberando’ o capitalismo das regras, procedimentos e instituições que haviam permitido, à escala nacional, construir o ‘contrato social’...".

Com base nestas questões, reafirmamos então que as transnacionais, bem como os organismos internacionais são os agentes mais dinâmicos do processo de globalização que em última análise acabam "monitorando" as políticas econômicas nacionais.


3) A autonomia do Estado-nação diante da nova ordem global

A internacionalização dos mercados financeiros, a formação dos espaços globais de produção e o avanço do comércio mundial diminuem sobremaneira a capacidade de os Estados controlarem, através de políticas monetárias, fiscais e creditícias, suas economias. A especulação desenfreada em escala mundial, da qual participam bancos, empresas, investidores individuais, etc., e a capacidade de transferências de recursos de uma praça financeira a outra tornam a crise uma possibilidade permanente, e setores capitalistas exigem uma nova regulamentação. O fantasma de um colapso semelhante ao de 1929, segundo CORSI (1997), ronda a economia mundial, e foi evitado até agora, em grande medida, pelo fato de os bancos centrais continuarem a garantir, em última instância, o sistema, e pela coordenação das políticas dos países ricos.

A dimensão financeira da globalização localiza-se nos mercados financeiros transnacionais, em que o capital especulativo circula eletronicamente em alta velocidade, erodindo progressivamente a capacidade regulatória dos Estados-nação. Segundo COSTA FERREIRA e VIOLA (2000), as instituições de Bretton Woods tornam-se cada vez mais limitadas para lidar com o fenômeno da globalização financeira, e a volatilidade da circulação de capital especulativo constitui-se na maior ameaça para a estabilidade e previsibilidade do sistema.

A integração de cada país numa circulação globalizada de créditos, aplicações financeiro-monetárias e mercadorias aparece, ao mesmo tempo, como um fato incontornável e como a maior responsável pela atual desordem econômica. A globalização desempenha um papel paradoxal. Por um lado, é o "bode expiatório" (COCCO), ao qual os governos podem imputar a falência de suas políticas; por outro lado, é nas instituições (FMI, BM, etc.) e nos mercados (pelas políticas cambiais, das taxas de juros, etc.) da globalização que se buscam as receitas e os remédios para a crise. Neste sentido COCCO (2002:21), ressalta que:

"Mais uma vez, a tragédia confunde-se com a farsa. Atribui-se à ‘globalização’, como fenômeno genérico, as responsabilidades pela crise para, ao mesmo tempo, entregar definitivamente à mãos da ‘globalização’, como preciso conjunto de instituições transnacionais a definição e gestão das políticas para se sair da crise".

O processo de globalização do capital vem sendo imensamente facilitado pelos novos sistemas de telecomunicação por satélite, a microeletrônica e as novas tecnologias de processamento de informações. Conforme observa Chesnais, (In: Martins, 1992:02): "..tais avanços dos meios de comunicação, monitoramento e controle, permitem a expansão, praticamente ilimitada da propensão representada pela capacidade de investir e desinvestir, empregar e desempregar, contratar e destratar".

De modo geral, notamos então que o efeito mais evidente da globalização é seguramente a interdependência dos sistemas financeiros nacionais num contexto de crescente internacionalização dos mercados financeiros, dotado de um alto grau de volatilidade. A especulação desenfreada em escala mundial tornam a instabilidade financeira uma possibilidade permanente.

O que é decisivo para a autonomia das políticas nacionais é a forma e o grau de dependência em relação aos mercados financeiros sujeitos à instabilidade das expectativas. Países "periféricos" em razão da grande dependência econômica, financeira e tecnológica, acabam perdendo o poder de manobra da política monetária, além de acuar a política fiscal pelo crescimento dos encargos financeiros nos orçamentos públicos. Do ponto de vista comercial, a "inserção internacional" dos países corresponde a padrões muitos distintos. Enquanto uns são protagonistas ativos na expansão do comércio internacional, mantendo taxas de crescimento de suas exportações acima da média mundial, outros ajustam-se passivamente, perdendo participação nos mercados.

O processo de globalização em marcha acabou com os limites geográficos, pois, através de suas relações, ações e reações, dissolve fronteiras. O que se observa é o declínio do Estado-nação, mesmo o metropolitano, dispersando-se os centros decisórios por diferentes lugares, empresas, corporações, conglomerados, organizações e agências transnacionais.

No âmbito econômico, com as suas implicações sociais, políticas e culturais, o processo de globalização continua a desenvolver-se. Expressa de modo claro, a progressiva subordinação do Estado-nação aos movimentos e às articulações do capital, ou melhor, a dinâmica do capital revela-se diferente da dinâmica do Estado-nação, seja ele dependente, associado ou dominante. São nítidos os indícios de que os aparelhos estatais nacionais são também agências da economia política mundial.

Desta forma as políticas econômicas nacionais tornam-se reféns deste processo que vai ao ponto de retirar-lhes a capacidade de promover o gasto autônomo dinamizador do investimento, da renda e do emprego. Conforme observa (MARTINS, 1992):

"Estados, empresas e classes têm que se submeter às decisões dos mercados financeiros e arcar com as conseqüências daí resultantes, não podendo mais seu destino transcorrer independentemente, à revelia do movimento do dinheiro no mercado mundial. Quem dita os rumos, sejam quais forem as conseqüências para a vida das sociedades, é o interesse do lucro financeiro" (pg. 08).

Diante das grandes transformações que vem atravessando os Estados-nação, estamos de acordo com ANDERSON (1999, p.169) que:

"...a busca é por instituições supranacionais e subnacionais, com formas institucionais que possam acomodar pacificamente as enormes mudanças que estamos experimentando [...].Isso não significa que o Estado-nação esta obsoleto. [...].o Estado-nação se torna o mediador necessário entre os movimentos irresponsáveis da economia mundial e as populações reais [...]".

O Estado tende a perder uma de suas principais prerrogativas: o controle das políticas econômicas e do espaço econômico nacional, que, a rigor, tende a se dissolver em uma economia mais ampla. Contudo, continua tendo uma atuação importante na criação de "vantagens comparativas" como parceiro das grandes empresas, nas políticas anticíclicas e na sustentação do mercado financeiro. Observamos portanto que há uma mudança na natureza do gasto público.

Esta mudança diz respeito a uma tendência à redução dos gastos sociais em nome do combate ao déficit público e à inflação, ao mesmo tempo em que ocorre uma explosão da dívida pública relacionada, em grande medida, à sustentação e especulação financeira. Enquanto isso, segundo CORSI (1997), os neoliberais, passando por cima da realidade, continuam recitando as suas receitas de redução de gastos e direitos sociais e de redução da intervenção do Estado na economia, através das privatizações e da desregulamentação, como forma de se chegar à auto-regulação da economia e da sociedade pelos mercados.

O paradigma clássico do Estado-nação está posto com causa. Não desapareceu, mas está agora subordinado à sociedade global, em um movimento permeado de contradições, e no qual manifestam-se ações do global, e reações do regional e do local, novas condições de vida com inclusões e exclusões de indivíduos, grupos e classes, e isto acaba gerando então outras possibilidades e outros obstáculos às formas, como já dizia Gramsci, de ser, viver, pensar e agir.

Portanto acreditamos que, na verdade, a globalização apesar de apresentar um dinamismo bastante importante do ponto de vista tecnológico e econômico, se mostra incapaz de atenuar os problemas sociais, pelas próprias especificidades do comportamento do mercado.


4. Conclusão

A globalização trata da efetiva transformação do espaço e do tempo, com ressalvas importantes, como, por exemplo, a de que a globalização não deve ser equacionada exclusivamente como fenômeno econômico ou como um processo único, mas como um fenômeno complexo, repleto de processos contraditórios, produtores de conflitos e de novas formas de estratificação e poder.

Com base nisso, afirmamos que a globalização expressa uma crescente interdependência das economias nacionais e a emergência de um sistema transnacional (financeiro, produtivo e comunicativo) que é dominante, e cujo fortalecimento coincide com o enfrequecimento da soberania dos Estados-nação.

De modo geral a globalização representa à nova forma gerada nas últimas décadas pelo processo de acumulação e internacionalização do capital e às restrições crescentes que seu funcionamento e suas forças dominantes (corporações transnacionais e detentores do capital financeiro) impõe à soberania e autonomia dos Estados-nação.

Acreditamos que o mercado tornou-se a matriz estruturadora da vida social e política da humanidade, sobrepondo-se às fronteiras nacionais. O mercado não é nacional, mas sim universal. Quem comanda a economia global é cada vez mais o mercado financeiro. Em última análise, são as grandes corporações, e não os governos, que decidem sobre o câmbio, taxa de juros, rendimento da poupança, dos investimentos.

Com a desregulamentação dos mercados e a tendência de acentuar-se cada vez mais as imperfeições e ineficiência dos mercados, observamos uma situação de financeirização da economia em que o mercado passa ser o grande comandante.

Concluímos portanto que, na "nova ordem mundial" a hegemonia nacional, tem ficado cada vez mais sob o controle das organizações multilaterais e das corporações transnacionais com poderes econômicos e políticos decisivos, capazes de se sobrepor e impor aos Estados-nação. A redução de gastos e direitos sociais e a redução da intervenção do Estado na economia, através das privatizações e da desregulamentação dos mercados, têm sido apresentadas como forma de se chegar à auto-regulação da economia e da sociedade pelos mercados. Neste sentido o mercado mundial é tratado como um mecanismo global comum para a alocação da renda, da riqueza e de oportunidades, neste sentido é uma precondição da produção mundial.

Verificamos que os condicionantes da perda de autonomia do Estado-nação referem-se a globalização dos mercados financeiros e a formação de espaços globais de produção e o avanço do comércio mundial. Diante do cenário observado, atribuir o problema social ao processo de globalização seria preconceito tecnocrático. Portanto, é necessário ir muito além, ou seja, se os Estados não estão em condições de representar os efeitos nefastos da globalização, devemos considerar outras vias como, entre as quais destacamos os novos movimentos sociais e políticos, os quais canalizam os interesses e energias de muitas comunidades locais, e cuja repercussão não raras vezes se torna global.

Neste sentido, o principal desafio desta nova geração é mobilizar seu poder de participação para tornar a vida mais democrática, mais solidária, mais segura e mais sustentável. O mundo precisa de uma nova visão que estimule todas as pessoas a atingir níveis mais altos de cooperação nas áreas em que compartilhem os mesmos interesses.

Em suma, ressaltamos que a globalização não é somente mercado, inclui também a ação social no mundo-como-um-todo. O que estamos vivendo é uma globalização de opções, que não deve ser encarada, logicamente, como forma de opção por mais ou menos desigualdade de recursos e direitos, mas sim de "opções" de cidadania.

Em um contexto abrangente, cremos que as tendências alocativas na dimensão econômica devem convergir com a dimensão social. Assim exigimos com legitimidade, a necessidade de ações estratégicas para uma sociedade mais justa.

Neste contexto, somente uma política de globalização "por baixo" orientada por um espírito de solidariedade e de cidadania ampliada, para além das fronteiras nacionais, poderá aglutinar forças e pressionar governos na luta pela construção de uma sociedade mais justa.

Na realidade, do mesmo modo que o processo de globalização em curso não está conduzindo na direção de uma sociedade global regulada, pelo contrário, tampouco implica que os Estados-nação estejam sendo superados. Embora cresça a importância e o papel dos novos movimentos, o Estado deve permanecer no "coração" da política sócio-econômica, ademais, o nível nacional da política continua a ser o centro insubstituível da legimitividade coletiva e dos projetos de sociedade de cada país.

Entretanto, isso não significa que a noção de Estado permaneça estanque, afinal, a globalização afeta os modos de conduzir a política sócio-econômica. Num cenário em que a forma e o vetor econômico da globalização, o mercado, se caracteriza pela desterritorialização e desregulamentação, a questão que se impõe, é se ainda é possível pensar e agir sob o contexto nacional.

Naturalmente, nosso estudo não esgotou a questão nem permitiu um diagnóstico completo a respeito do tema, pois o que buscamos foi apenas oferecer algumas indicações dos fatores relevantes. Diversos fatores não puderam ser sistematicamente avaliados, dentre os quais a real dimensão dos novos movimentos sociais e políticos no desenvolvimento econômico e como os mesmos podem realmente alavancar o progresso social, já que a adoção de alternativas decorre de dispêndios financeiros, e logicamente a participação do Estado.


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