Singradura era a distância percorrida pelo navio durante 24 horas
de navegação, do meio-dia ao meio-dia seguinte.
«E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo...»
(...) entendemos que a locução de longo se empregava,
quer em sentido restrito, quer genérico: no primeiro caso, e com
referência explícita ou implícita a qualquer acidente
terrestre, significando - na direcção do comprimento; no
segundo, sempre ligado a verbos de movimento - correr, ir, seguir, para
exprimir a ideia de afastamento progressivo e rectilíneo em relação
a um ponto determinado.
A nosso ver, Caminha, no passo que estamos discutindo, empregou de
longo, nesta última acepção e poderia ter escrito
com maior clareza: «e assim seguimos de longo nosso caminho por este
mar» pois é ao verbo de movimento que se liga a expressão
adverbial.
Eis as razões que nos levaram a colocar de longo entre vírgulas.
«... ervas compridas, a que [...] chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno...»
0 botelho ou a botelha, forma esta mais vulgar, é frequentemente
mencionada em roteiros portugueses. Encontrámo-la, pela primeira
vez, depois de Caminha, num dos Roteiros de D. João de Castro: «[...]vimos
muita botelha, que he huma certa erva ou limo que nasce pollos penedos
do mar [...]» (Roteiro de Goa a Suez, ed. da Agência Geral
das Colónias, Lisboa, 1940, p. 14).
Mais tarde Gaspar Manuel, outro grande roteirista português dos
começos do século XVII, dizia: «Das ilhas de Tristão
da Cunha para o Cabo da Boa Esperança, se vêem balsas de botelha
e de corriola, a que chamam manta de bretão e pencas da mesma botelha,
mas antes destas ilhas se não vêem estas balsas.» Mais
adiante volta a referir-se à botelha e também a rabos-de-raposa:
«Quem for do meio do canal (de Moçambique) para a ilha de
S. Lourenço verá no mar umas ervas ou botelha e sargaço,
que o mar cria, que são como rabos-de-raposa, felpudos [...]»
(Roteiros Portugueses da Viagem de Lisboa à Índia , publicados
por Gabriel Pereira, Lisboa, 1898, pp. 73 e 75.)
Acrescentemos apenas para melhor compreensão dos passos anteriores,
que, segundo outro roteirista português, às balsas de plantas
marítimas se dava o nome de camas de bretão, porventura,
qualificativo fúnebre, sugerido pelo grande número de naus
e marinheiros da Bretanha, que os Portugueses meteram a pique ou jogaram
às ondas, em especial, nas costas do Brasil. (Gaspar Ferreira Reimão,
Roteiro da Navegação e Carreira da Índia, ed. da Agência
Geral das Colónias, Lisboa, 1940, P. 15.)
0 que Pêro Vaz vira, próximo da costa brasileira, fora,
pois, camas de bretão («muita quantidade») de botelho
e rabo-de-asno. Resta averiguar, se possível os nomes dessas duas
espécies, em linguagem contemporânea e científica.
(...) Supomos, pois, que o botelho de Caminha se pode identificar com
a bodelha (fucus vesiculosos) de Brotero ou espécie parecida.
Quanto à planta marítima, a que os marinheiros portugueses
chamam rabo-de-asno, o problema afigura-se-nos mais complicado, pois em
nenhum roteiro encontramos a palavra.
Do passo, acima citado: «umas hervas ou botelha e sargasso, que
o mar cria, que são como rabos-de-raposa [...]» parece depreender-se
que a designação se aplicava indistintamente à botelha
e ao sargasso, mais para apontar uma semelhança descritiva, que
uma espécie nova. Mas a frase de Caminha: «assim como outras,
a que dão o nome de rabo-de-asno (...)", afasta a hipótese
da identidade. Pêro Vaz refere-se a duas espécies distintas.
«Aves a que chamam fura-buxos [...]»
0 naturalista português, Dr. Baltasar Osório, identificou
o fura-buxo com o Puffinus anglorum ao qual se dá também
o nome de chireta, e era conhecido ainda, no século XVI, pela designação
de estapagado, como frequentando as costas de Portugal e do Arquipélago
dos Açores.
«Neste dia, a horas de véspera [...]»
Hora de véspera, uma das sete partes em que se dividiam as horas
canônicas, pois o ofício de cada dia nas Ordens religiosas
compunha-se das seguintes orações vocais, correspondentes
a outras tantas horas: matinas, laudes, prima, terça, sexta, noa
(nona), véspera e completa ou completas. Estas designações
encontram-se já, em parte ou na totalidade, na Regra de S. Bento
dos fins do século XII, assim como nas Horas canónicas de
Fr. João Claro, do século XV (...).
Matinas e laudes cantavam-se na segunda metade da noite. As quatro
designações seguintes correspondiam às mesmas denominações
que os judeus davam às diferentes partes do dia, a começar
com o nascer do Sol. Prima correspondia, em média, às seis
horas; terça, às nove; sexta, ao meio-dia; noa, às
quinze horas. As horas de véspera eram as horas da tarde que seguiam
a noa, e, como estavam em relação com a marcha do Sol e a
luz do dia, Pêro Vaz de Caminha devia referir-se ao espaço
de tempo que, na latitude aproximada de 17º S, medeia entre as quinze
horas e o pôr do Sol.
«Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças...»
A sondagem na proximidade das costas, e muito mais quando desconhecidas,
era operação que requeria a maior vigilância e cujos
resultados foram consignados com grande exactidão nos roteiros portugueses.
(...) A sondagem fazia-se com o prumo. Os prumos eram de chumbo,
com a forma atual do cone, com a respectiva linha graduada em braças.
A braça era medida agrária, que vinha da Idade Média.
Contava nesse caso duas varas de cinco palmos cada, ou 2,2 m.
«Então lançámos fora os batéis e esquifes...»
Batéis e esquifes eram pequenas embarcações, maiores
as primeiras, e as duas de salvamento ou auxiliares, que acompanhavam caravelas
e naus.
«[...] sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas [...]»
Nos séculos XV e XVI era usual o emprego do substantivo vergonha,
no sentido figurado de partes pudendas, extensão de significado,
que permite a Caminha na sequência da narrativa, mais que um trocadilho
gracioso.
«Vinham todos rijamente sobre o batel...»
Caminha escreveu textualmente: «vinham todos rrijos perao batel
[...]» - o que significava vinham correndo, vinham depressa para
o batel. A expressão não envolve ideia de hostilidade, como
já se pretendeu.
«Deu-lhe (...) um barrete vermelho e uma carapuça de linho (...) e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, (...) de penas vermelhas [...]»
A carapuça vermelha era - afirma Lopes de Mendonça - «a
única peça de indumentária, que se pode autenticar
com vários textos, como quase uniforme para os mareantes portugueses
do século XVI». E acrescenta: «deviam ser semelhantes
aos barretes de lã, pretos, verdes ou vermelhos, ainda hoje usados
pelos poveiros e varinos e pelas populações ribatejanas e
alentejanas».
Com efeito, aos barretes de lã, geralmente pretos ou vermelhos,
ainda hoje usados em Portugal, numa extensão geográfica maior,
que aquela apontada por Lopes de Mendonça, chama o povo indiferentemente
barretes ou carapuças. Resta saber se na pena de Caminha, uma e
outra palavra se equivaliam.
(...) 0 uso dos barretes vermelhos como objecto de troca com os indígenas
vinha de longe. Vasco da Gama, ao chegar, em 1497, à angra de S.
Brás, presenteou os negros com barretes vermelhos e cascavéis.
0 barrete vermelho devia ser, por consequência, não só
peça comum, mas de baixa qualidade e preço, na indumentária
dos mareantes. Em época muito posterior, ainda no Brasil, aquela
era a peça mais característica no trajo dos mareantes.
(...) A leitura dos documentos da época leva-nos à convicção
de que já nesse tempo se diria barrete e carapuça, aplicada
a palavra à mesma cobertura, de tecido flexível, e longa
de forma.
Já quanto ao sombreiro, a mesma frase contém um dos elementos
da definição. Um sombreiro com uma copazinha pequena. Daqui
se depreende que os sombreiros tinham copa e, por via de regra, muito maior
que aquela descrita por Caminha, pois diminui o próprio diminuitivo.
Ao contrário dos barretes e carapuças, os sombreiros
eram de matéria rígida, o que permitia fixar a aba à
copa, e o seu uso estendia-se a todas as classes.
Na mesma Carta de Caminha, ao passo que, uma única vez ocorre
barrete vermelho e outra barretes de penas, várias se fala de sombreiros,
como objecto de troca com os aborígenes.
«Deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira [...]»
O ramal de que fala o texto é o colar ou rosário. (...)
aljaveira, na Carta de Caminha, refere-se, em sentido estrito ou lato,
aos moluscos dos mares tropicais que, na Europa, se encontravam em colares,
rosários e cinturas ou cuja matéria servia para marchetar
objectos vários de indústria sumptuária.
«[...] ventou tanto sueste com chuvaceiros, que fez caçar as naus [...]»
Caçar a nau, na linguagem náutica dos séculos XV
e XVI, empregava-se por: sair a nau do seu rumo, forçada pelo vento,
a maré ou acidente desastroso.
«[...] e meteram-se dentro e amainaram.»
Amainar - Colher as velas. Neste caso: colher as velas e deter a navegação.
«que estavam numa almadia», e mais adiante: (26/4) «em almadias - duas ou três que aí tinham - as quais não são feitas como as que eu já vi; somente são três traves atadas entre si»
Daqui se depreende que Pêro Vaz de Caminha não só
tinha visto almadias, noutra parte do Globo, mas que essas representavam
um tipo de embarcação, mais evoluído que «as
três traves atadas entre si».
Almadia era termo corrente, nos começos do século XVI,
entre os navegantes portugueses, que as conheciam das costas de África.
(...) Se algumas dessas embarcações, feitas, por via
de regra, dum só pau, eram pequenas e de fabricação
rudimentar, outras possuíam castelos de avante, figuras esculpidas
de proa e podiam levar cinquenta, oitenta e até cem homens.
Eram estas as almadias que Pêro Vaz conhecia e comparava com
as rudimentares jangadas dos tupiniquins da Baía Cabrália.
«[...] mas de nada lhes serviram.»
A nosso parecer, Pêro Vaz de Caminha quis dizer não só
que os indígenas não usaram das suas armas, mas também
que o não puderam fazer, graças ao desembaraço do
«vivo e destro» Afonso Lopes.
«[...] de tosquia alta, mais que se sobre-pente [...]»
Caminha empregou a expressão sobre pentem, no sentido estrito
e não figurado, visto que expressamente a opõe à «tosquia
alta».
«E um deles trazia por baixo da solapa, (...) que lhe cobria o toutiço e as orelhas»
(...) a cabeleira de penas, descrita por Caminha, era longa e cobria-lhes
orelhas e a região occipital.
(...) Resta ainda esclarecer o significado de solapa.
(...) A solapa tem que ser qualquer coisa alheia ao crânio, propriamente
dito, mas ligada a ele; e outra não pode ser que uma parte da cabeleira
natural.
(...) supomos que a solapa era a parte do cabelo que caía sobre
a testa e sobre a parte restante do crânio rapada, que lhe ficava
por debaixo. Esta maneira de cortar o cabelo era usada no século
XV, tanto por seculares como religiosos.
(...) Em resumo: o mancebo tupiniquim descrito por Caminha, tinha o
cabelo rapado por cima das orelhas, e, recobrindo a parte depilada, curtas
madeixas, sob cuja parte inferior, trazia colada, de fonte a fonte e caída
para trás, uma cabeleira de penas, que lhe tapava as orelhas e o
crânio. Esta cabeleira distinguia-se perfeitamente, não só
do sombreiro de penas, com uma copazinha pequena, anteriormente descrito,
mas das carapuças de penas, ao que, na sequência, a Carta
mais que uma vez se refere. Estas enfiavam-se na cabeça, que envolviam
a toda a volta, sem mais preparo. A cabeleira, por baixo da solapa, colava-se
ao cabelo e cobria apenas as orelhas e a parte occipital do crânio,
caindo sobre as espáduas.
(...) «De comprimento de um coto», quer dizer do cotovelo
à mão, aproximadamente dois palmos, medida esta da cabeleira
de penas.
«Trouxeram-lhes água em uma albarrada [...]»
(...) a albarrada era um vaso de metal, por via de regra, prata, com
uma só asa e tampa, muito característico. Em várias
tábuas daquela época aparece sempre com a mesma forma.
«e fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e alta, de seis a sete braças»
João Ribeiro sublinha com razão: «alta, isto é,
funda ou profunda». Caminha apontava assim todas as bondades do porto
«seguro».
«de muita água que lhes dava pela braga [...]»
Braga, no plural, significava calças largas e curtas, que não
excediam os joelhos.
(...) No texto, braga está em sentido figurado, por coxa, a
parte do corpo encoberta pelas bragas.
«Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas [...]»
(...)eram objectos usuais de troca nesta espécie de comércio.
(...) Chamava-se e chama-se cascavéis aos guizos, com que era
e é costume, nalgumas províncias de Portugal e Espanha, ornar
os arreios dos animais de tiro.
«[...] tinham os beiços furados e nos buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha [...]
Gabriel Soares diz igualmente que os tupinambás costumam «furar
os beiços de cima, como os de baixo, onde também metem pedras
redondas verdes e pardas, que ficam inseridas nas faces, como espelhos
de borracha» (Tratado Descritivo do Brasil, cap. CLV). João
Ribeiro explica que as borrachas, a que se referem Caminha e Gabriel Soares,
eram odres de couro que serviam de frascos. A tampa ou fecho da borracha
tem o nome de espelho; era e é de pau e naturalmente semelhante
àqueles que os índios introduziam nos beiços.
«[...] e outros quartejados de escaques»
Quartejados de escaques - divididos em quadradinhos, como o tabuleiro
de xadrez.
«... por a berberia deles ser tamanha que se não entendia ninguém»
(...) berberia está aqui por barbárie, falta de civilização
que, naquela conjuntura, se traduzia por vozear excessivo.
«e andava por louçainha todo cheio de penas [...]»
(...) por louçainha (...) - por gala, por galantaria.
Fanado, neste caso, quer dizer circunciso.
«[...] com um chinchorro, pescaram peixe miúdo»
Chinchorro - rede de arrasto e de alto mar - define Morais.
«Mandou (...) armar um esperável e, dentro dele um altar mui bem corregido»
Concretamente, esperável era um dossel de leito de forma muito particular, usado em Portugal, como aliás, noutros países da Europa, na segunda metade do século XV e primeira do seguinte. Compunha-se duma ampla copa de forma cônica, montada num arco de ferro e da qual, suspensa sobre o leito, e, envolvendo-o, pendiam longas cortinas.
(...) na armada de Cabral, entre as peças do presente para o
Samorim, seguia: «hum esperavel de borcado broslado de veludo carmesim».
(Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia,
livro I, cap. XXV). 0 que foi armado no ilhéu seria este ou outro
trazido dalguma das câmaras mais sumptuosas dos capitães da
armada, e erguido depois na areia?
«[...] acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um tão grande e tão grosso [...]»
(...) o senhor Dr. Artur Neiva comunica-me que talvez o camarão
«tão grande e tão grosso, como em nenhum tempo vi tamanho»
fosse o Penaeus brasiliensis ou o Penaeus setiferus, que chegam a atingir
20 centímetros de comprimento e se encontram nas costas brasileiras.
«[...] o qual não é mais largo que um jogo de mancal»
Chamava-se e chama-se mancal o pau curto e ferrado nos extremos, que
servia e serve para jogar o mancal, os mancais ou o fito, jogo que continua
a ser muito comum em Portugal e noutros países do mundo.
(...) poderíamos traduzir em linguagem métrica contemporânea:
- cuja largura anda por uns oito ou dez metros.
«Ao longo dela há muitas palmas, não mui altas, em que há muito bons palmitos.»
Bluteau define palmito: «o olho do palmito e a parte interior
ou miolo do seu tronco e finalmente o ponto e como centro donde saem todos
os ramos da árvore».
(...) Mas qual seria a espécie de palmeiras, «não
mui altas» das quais os companheiros de Cabral colheram "muito bons
palmitos"?
(...) Dentre as várias castas de palmeiras, que dão palmitos,
refere [Gabriel Soares de Sousa] as Piçandós, palmeiras bravas
e baixas, que se dão em terras fracas». Menciona ainda, como
palmeira brava, as ururucuri, que não são muito altas.
Não é, pois, impossível que os companheiros de
Caminha colhessem os seus "palmitos" de alguma espécie de palmeira
brava indígena.
«[...] logo duma mão para a outra se esquivavam, como pardais, do cevadoiro»
Cevadoiro, então como hoje, chamava-se à isca para atrair
e caçar aves.
«[...] e com tudo isto andam muito bem curados e muito limpos.»
Bem curado quer dizer bem tratado, de boa saúde.
«[...] outros de tanta feição, como em panos de armar [...]»
(...) Carolina Michaëlis (...) [identificou] os panos de armar
com os panos de rãs (Arrás), de muitas cores «com que
se enfeitavam as paredes dos palácios portugueses, sobretudo durante
o Inverno [...]».
Com efeito, panos de rãs era então expressão comum
para designar as tapeçarias, floridas ou historiadas, de variegadas
cores, de Arrás ou não, com que se forravam salas e câmaras.
«Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores [...]»
Foi Pereira da Costa o primeiro, segundo cremos, a fazer a identificação,
anotando: «Sem dúvida de urucu». (Pêro Vaz de
Caminha - Primeiro Cronista do Brasil, p. 29.)
«[...] lhes davam de comer daquela vianda [...]»
Vianda, por comida, do francês viande.
«[...] papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos [...]»
Entende Olivério Pinto que Pêro Vaz de Caminha se reporta
«no primeiro caso inequivocamente, à arara vermelha Ara chloroptera
(Gray), ainda hoje encontradiça nas grandes matas do sul da Baía,
e no segundo, com grandes probabilidades, ao minúsculo Forpus passerinus
(Linn.), muito comum em todo o Leste do Brasil, onde é conhecido
por numerosas apelações vulgares, tais como tuim (S. Paulo),
cuiuba (Baía) etc.»
«[...] alguns papagaios por essas árvores deles verdes e outros pardos [...]»
Quanto aos papagaios verdes tantas vezes mencionados na Carta, «devem
atribuir-se a espécies várias - escreve Olivério Pinto
- e com especialidade aos verdadeiros papagaios do gênero Amazona,
de que, pelos menos três, deviam ser comuns no litoral da Baía,
a saber: juru, curica e chauã. Ao lados deles devem vir logo,
pelo seu porte, as maitacas, de que as duas espécies verdes,
como pude verificar, ainda ocorrem abundantemente nas matas litorâneas
da Bahia, onde são conhecidas pelo nome de suias».
(...) E acrescenta: «De significação muito mais
enigmática são os papagaios pardos de que há no documento
em estudo menção mais de uma vez. Com efeito, mesmo tomando
em consideração o que há de pouco definido no qualificativo
pardo, sob que se designam, conforme o caso, as mais diferentes combinações
de cores sombrias, com predominância ora do castanho, ora do cinzento,
nenhuma espécie de psitácido conheço na região
baiana capaz de admitir semelhante informe descritivo».
«[...] somente algumas pombas-seixas [...]»
(...) as pombas seixas de Caminha são as pombas pocassus ou picaçus
(...)
«[...] não duvido que por esse sertão haja muitas aves»
Também a palavra sertão, corrente no Brasil, é
arcaica em Portugal. Mais um caso de fidelidade brasileira à linguagem
portuguesa de Quinhentos.
(...) Como na Carta de Caminha, aparece em muitos textos contemporâneos
para designar o interior duma terra, em relação à
sua costa.
«[...] e outras aves pretas, quase como pegas, a não ser que tinham o bico branco e os rabos curtos»
Pode afirmar-se, quase com absoluta segurança, estar em causa
aqui um dos pássaros mais comuns nas nossas matas, conspícuo
além de tudo por viver quase sempre em bandos e pela sua incansável
loquacidade. Refiro-me ao japu pequeno, chamado também na
linguagem do povo japuira, japira (Bahia) e juaxe (S. Paulo)».
«especialmente lacão cozido, frio e arroz»
Lacão - forma arcaica de presunto. Carolina Michaëlis acrescenta:
«No caso mencionado por Caminha é fiambre.» Assim o
cremos também.
«[...] uma armadura grande de porco montês, bem revolta»
Armadura está aqui, no sentido genérico, por arma, tal
como se diz dos veados. Armadura de porco montês - presa de javali.
«Andavam todos tão dispostos, tão bem feitos e galantes [...]»
(...) a palavra [dispostos] emprega-se por bem feitos, de bom porte,
de graciosa aparência.
«[...] e deu-lhe uma camisa mourisca e ao outro uma camisa destoutras»
Deu (...) uma daquelas amplas vestes, à moda dos mouros, própria
dos climas tropicais, que os Portugueses haviam adoptado e, por isso mesmo,
mais propriamente se deveria chamar camisa moçárabe.
Estoutras, estas outras, eram as camisas simples, mais curtas, chegadas
ao corpo, sem pregas ou ornatos, vulgarmente usadas.
Fonte: CORTESÃO, Jaime. A Carta de Pêro Vaz de Caminha. Ed. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. Lisboa: 1994.