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Parte I
O Processo Revolucionário
Capítulo 1
O Processo Revolucionário
 "As muitas crises que abalam o mundo - do Estado, da Família, da economia, da cultura, etc. - não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental, que tem como campo de ação o próprio homem." (Plinio Corrêa de Oliveira)
  Para entendermos a ruptura que houve com o advento do Renascimento, precisamos traçar um quadro, ainda que breve, da evolução da mentalidade antropocêntrica ao longo da história e suas conseqüências, tanto no nível político, social e econômico, como também - e sobretudo - no nível metafísico e filosófico.
  Podemos contextualizar a chamada Pós-modernidade dentro de uma visão de processo revolucionário, onde ela apenas representa mais uma etapa de um único processo. Este processo, por sua vez, é movido basicamente pela busca da igualdade fundamental entre todos os homens e por uma cada vez maior liberação moral.
  Vários autores constataram a progressiva "marcha" igualitária que surgiu no mundo ocidental. Podemos citar, por exemplo, Alexis de Tocqueville, que em várias de suas obras faz alusão, ou ao menos referência, a esse processo igualitário, julgado por ele como sendo inevitável.
  Um conhecido historiador e professor brasileiro, Plinio Corrêa de Oliveira, em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", descreve esse processo histórico de forma mais clara e abrangente.
  Partindo de uma comparação objetiva de duas épocas históricas distintas, o autor descreve a existência de um Processo Revolucionário, iniciado no final da Idade Média, que busca abolir toda autoridade e toda lei. Processo esse que fez com que todo o Ocidente - dito cristão -  não mais reconhecesse em Cristo a sua divindade. É importante notar que em alguns países ainda se mantêm certas festas religiosas como feriados nacionais, contudo, em quase todas essas festas, não só o conteúdo do que se deveria comemorar não mais existe, como também foram substituídas, em muitos casos, as razões religiosas por outras cívicas ou humanísticas .
  Como explicar essa mudança brutal na própria identidade desses povos? Qual foi a causa dessa mudança? Eis algumas das questões a que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira procura responder em seu livro.
  Na introdução à citada obra, o autor determina o alvo de seu já conhecido combate: A Revolução.
"Sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo (Cfr. Leão XIII, Encíclica Parvenu à la Vingt-Cinquième Année, de 19/3/1902, Bonne Presse, Paris, vol. VI, p. 279).
O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto igualitário da Revolução.
A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da Revolução.
Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade altamente evoluída e "emancipada" de qualquer religião vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e em uma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer desigualdade ."
  Essa obra, Revolução e Contra-Revolução, já traduzida para os principais idiomas do mundo, inspirou a fundação da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), em 1960. Posteriormente, os ideais do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira inspiraram a formação de outras TFPs em mais de 26 países, nos cinco continentes.
Capítulo 2
As Três Profundidades da Revolução
  Nas dimensões deste trabalho e de acordo com o autor acima citado, podemos destacar as três profundidades básicas da atuação da Revolução: nas tendências, nas idéias e nos fatos.
  A primeira e a mais profunda, consiste em uma lenta mudança tendencial na sociedade, preparando a eclosão de uma nova doutrina. Estas tendências modificadas, "...já não se conformando com toda uma ordem de coisas que lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto - habitualmente, pelo menos - nas idéias".
  Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno ideológico. Com efeito - como Paul Bourget pôs em evidência em sua célebre obra "Le Démon du Midi" - "Cumpre viver como se pensa, sob pena de, mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu". Assim, inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas novas eclodem. Elas procuram por vezes, de início, um "modus vivendi" com as antigas, e se exprimem de maneira a manter com estas um simulacro de harmonia que habitualmente não tarda em se romper em luta declarada.
  Essa transformação das idéias estende-se, por sua vez, ao terreno dos fatos, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a transformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto na esfera religiosa, quanto na sociedade temporal. É uma terceira crise, já toda ela na ordem dos fatos.
  Este processo revolucionário pode ser dividido em quatro revoluções, todas elas com a mesma causa de fundo, ou seja, o orgulho (igualitarismo) e a sensualidade. De forma que, na primeira das tendências manifestadas, antes mesmo das idéias ou dos fatos, já era possível antever uma das suas últimas conseqüências, a Pós-modernidade. Nessa primeira tendência manifestada, já havia, ainda que de forma rudimentar, o germe daquilo que se consubstanciou na, poderíamos chamar assim, Revolução da Sorbonne, um dos marcos do mundo Pós-moderno. Os Anabatistas, por exemplo, já formavam comunidades alternativas no final da Idade Média .
  A Renascença preparou o campo, no nível tendencial, para o surgimento de novas doutrinas, tornou sentimental a vida, conferiu a esta uma outra finalidade que não a do sacrifício, presente no mundo medieval, dessacralizou a sociedade, etc. As doutrinas começaram com a negação do primado da Igreja, com o subjetivismo interpretativo do "Livre Exame", com o Nominalismo de Guilherme de Ockam na filosofia (considerado o maior dos escolásticos por Lutero), etc. Por fim, surge o Protestantismo.
Capítulo 3
O Protestantismo
  O Protestantismo foi a primeira das Revoluções, caracterizada, entre outras coisas, pela liberdade interpretativa das Sagradas Escrituras (Livre Exame). Em outros termos, na igualdade entre o fiel e o Papa no exame da Revelação, fazendo que ocorresse uma perda da autoridade da Igreja, até então a cúpula da organização social, e o aparecimento do subjetivismo religioso. Em termos de liberação moral, Lutero acabou com o celibato e, posteriormente, casou-se com uma ex-freira, Catarina de Bora. Os pontos essenciais de sua doutrina consistem na justificação somente pela fé, a negação do livre arbítrio e, enfim, a Bíblia como única fonte da verdade religiosa.
A) O Surgimento do Clero Renascentista
  Assim como uma floresta verde não pode ser consumida pelas labaredas do fogo sem que antes se torne seca, o protestantismo não poderia ter triunfado se não houvesse a convergência de alguns fatores desagregadores do mundo medieval.
  Como veremos mais adiante, diversas foram as causas da fissura que surgiu no edifício de perfeições da civilização medieval. Entre essas causas, devemos citar a existência de um certo número de clérigos que aderiu - se não inteiramente, pelo menos em grande medida - ao Renascimento.
  Ludwig Pastor narra, de modo eloqüente, a triste situação do clero, na época em foco:
"Quanto mais intimamente a Igreja se tinha entrelaçado com toda a vida pública social, tanto mais se viu ameaçada em seus membros e representantes pelos perigos do mundo, e infeccionada por sua corrupção.
O egoísmo, a soberba, a cobiça, que encontravam sua expressão na inaudita acumulação de cargos eclesiásticos e na simonia; o fausto e as excessivas comodidades, a mais requintada e grosseira sensualidade tinham alcançado grande extensão no estado eclesiástico.(...)
A desmoralização de boa parte do Clero era tão grande que, em várias ocasiões, se ergueram vozes pedindo o casamento de sacerdotes. (...)
Indizivelmente tristes eram as circunstâncias em não poucos mosteiros. Em muitos lugares se violavam os três votos essenciais da vida religiosa: castidade, pobreza e obediência." ‘O sal da terra’ se havia esvanecido em muitos lugares, e onde se perde a pureza de costumes, na maior parte dos casos não se conserva incorrupta a Fé" .
  Contudo, bem verdade que muito diferente foi a chamada "Reforma", empreendida por Lutero, da "Contra-Reforma" do Concílio de Trento, impulsionada por Santo Inácio através dos Jesuítas.
  Lutero, como veremos adiante, estava profundamente influenciado pelo Renascimento, chegando a defender doutrinas panteístas. Sua ruptura com a Igreja não moralizou a religião, muito ao contrário, gerou uma crise maior ainda no que diz respeito ao orgulho e à sensualidade.
  Santo Inácio, em contra partida, apesar de perseguido pelo clero renascentista, não rompeu com a Igreja, mas buscou restaurar a antiga vitalidade que formou a Europa.
B) Panteísmo e Ódio à Igreja na Obra do Reformador
  É preciso distinguir dois Luteros: um mítico e um histórico. Ordinariamente seus partidários não tratam senão do mítico, ornado com todas as perfeições. Contudo, bem outra é a realidade histórica que nos trazem os historiadores, alguns dos quais protestantes como Franz Funck-Brentano. Eis algumas frases de Lutero compiladas na obra de João Clá Dias, "Como Ruiu a Cristandade Medieval":
"Quem não crê como eu é destinado ao inferno. Minha doutrina e a doutrina de Deus são a mesma coisa. Meu juízo é o juízo de Deus" (Weimar, X, 2, Abt., 107)"; "Sim, eu digo: todas as casas de tolerância, que entretanto Deus condenou severamente, todos os homicídios, mortes, roubos e adultérios, são menos prejudiciais que a abominação da missa papista." (Werke, t. XV, 773-774)"; "Cristo cometeu adultério pela primeira vez com a mulher da fonte, de que nos fala São João. Não se murmurava em torno dele: "Que fez, então, com ela?", depois com Madalena, depois com a mulher adúltera, que ele absolveu tão levianamente. Assim Cristo, tão piedoso, também teve de fornicar antes de morrer." (Tischreden, nº 1472, ed. Weimer, 11, 107)".
  Aliás, é interessante transcrever um pequeno trecho da biografia de Lutero, escrita pelo protestante Franz Funck-Brentano, em que transparecem os pontos essenciais da "concepção de mundo" do reformador:
"(...) Tendo sido censurado pelo doutor Jonas, por ter insultado Deus em seu salmo ‘Quore fremuerunt gentes’ Lutero responde:
- "Certamente, mas qual o profeta que não insultou a Deus?"
Em outro dia:
- "Se Deus não me perdoasse os pecados, eu os jogaria pela janela".
De resto, se Deus encheu de mal o mundo, se quis fazer o mundo infeliz, foi para que aspirássemos à vida futura. (...)
É verdade, diz Lutero, que seria quase lamentável que nós fizéssemos tudo o que Deus ordena, pois Deus faria isso por sua divindade; tornar-se-ia um mentiroso e não poderia manter-se no posto". A palavra de São Paulo aos romanos seria atirada na lama, quando diz: "Deus tudo ordenou sobre o pecado, a fim de que pudesse ter piedade de nós". O Padre-Nosso não serviria de nada, nem o Credo; a fé, a remissão dos pecados tornar-se-iam inúteis, supérfluas".
"Ah! mas eis que tudo vai bem! Pequemos no interesse de Deus".
"Deus está presente em todas as criaturas, na menor folha, na menor parcela de graveto". Argumento inesperado nos lábios de Lutero a favor desse panteísmo que excitava Calvino; essa grande doutrina panteísta, a de Plotino, de Giordano Bruno, de Miguel Servet, de Spinoza, de Retif de la Bretonne, de Goethe e de Hegel, que se encontraram na mesma forma de conceber o mundo, sem se terem combinado nem influenciado uns e outros. (...)
Arrebatado por esse declive, nosso doutor Martinho (sic) rola em enormidades, ousaríamos dizer, numa depravação intelectual que não foi ainda revelada, ao que parece, por nenhum de seus inúmeros biógrafos.(...)
Jesus Cristo amante da Samaritana, de Madalena, da mulher adúltera! Livres-pensadores, ateus, a quem citamos a passagem, assombraram-se. Seria para julgar que o doutor Martinho estava bêbado, quando se expandiu em semelhantes afirmações; mas não podemos admitir isso, pois, ao menos nesse dia, seus fiéis discípulo teriam evitado recolher-lhe piedosamente as palavras. (...)" (Grifos Nossos).
C) "Um Comunismo em armas sob a luz da revelação divina"
  Em conseqüência da revolta luterana, na Turíngia (Alemanha), surgiu a figura do frade apóstata Thomaz Münzer (1489 - 1525). Imbuído do espírito revolucionário dos "reformadores", levou às últimas conseqüências, no campo político-social, os princípios religiosos espalhados pelo protestantismo.
"A pregação de Münzer logo se transformou em sangrenta revolução social. Foi assim que eclodiu a chamada ‘guerra dos camponeses’, narrada a seguir por Funck-Brentano: "(...) Pregadores reformados, ou que tal se diziam, percorriam cidades e burgos, províncias e aldeias, uma Bíblia na mão, explicando que os livros santos condenavam os dízimos e todos os impostos... (...) E eis que simples leigos, homens do campo, carvoeiros, batedores de granjas, se punham também a pregar o evangelho, com comentários à sua maneira. Não assegurava Lutero que todo cristão era sacerdote, pelo próprio batismo, e apto a doutrinar? (...)
Em 24 de junho de 1524, sob a direção de um ousado camarada, Hans Müller Von Bulgenbach, os [camponeses] de Stüligen apareceram em armas, no pátio do castelo senhorial; queriam inteira emancipação... (...) A autoridade de Hans Müller não tardou a se estender à maior parte da Floresta Negra, onde foi proclamado chefe da Grande Fraternidade Cristã. De localidade em localidade, ia vestido com um capote vermelho, na cabeça um barrete ornado de grandes plumas encarnadas. (...)
Os camponeses, solidários com a revolta, adotaram como insígnia uma grande cruz branca, mas suas tropas não deixaram de receber o nome de ‘bandos vermelhos’ (...)
A Suábia, a Francônia, o Odenwald, foram logo inteiramente conquistados pela insurreição. Só na Francônia, em pouco tempo, 295 mosteiros e castelos foram saqueados. Padres e nobres eram degolados ou torturados da maneira mais cruel. (...)
Os acontecimentos se precipitavam: não se tratava mais de dissertações acadêmicas, nem mesmo evangélicas. Tomás Münzer, padre católico ["convertido"] à Reforma, pusera-se à testa dos revoltados na Turíngia e falava em altos brados:
‘Queridos irmãos, combatei o combate do Senhor! O magnata quer fazer seu jogo: a última hora dos malvados soou. (...)
‘Sus! sus! sus! Que o alfange, tinto de sangue, não tenha tempo de esfriar. Batei na bigorna: pink! ponk! matai tudo!’
Tomás Münzer era um monge franciscano que, desde o começo, tinha aderido à Reforma, mas sem adotar em todos os pontos a doutrina luterana. A que ele ensinava se aproximava antes das concepções de Karlstadt. Naturalmente, como esse último e como Lutero, era inspirado por Deus que lhe revelara a verdade quando dormia, em sonho. Múnzer queria, como Karlstadt, que o cristão vivesse em contato permanente com a divindade: o fim da vida era o aniquilamento em Deus. (...)
Münzer retomava a doutrina dos primeiros cristãos: fraternidade universal, comunhão de bens.
Os proprietários e senhores que se opusessem à partilha dos bens seriam decapitados: ‘tiranos, dizia Münzer, que querem extirpar a fé cristã, devem ser atacados como cães raivosos!’ (...)
Empolgados por seus discursos entusiastas, os camponeses comprimiam-se, aos milhares, em roda do novo profeta, que lhes anunciava a criação do reino de Deus na terra, com a abolição dos constrangimentos e dos direitos senhoriais.
Coros de rapazes e moças cantavam-lhe hinos, ao pé do púlpito: "Jeová dizia aos filhos de Judá: Amanhã estareis a caminho e o Senhor estará convosco". E o bom povo de Alstdt e de Mülhausen pôs-se a caminho, isto é, foi piamente, mas energicamente, ‘conforme o direito cristão’, tomar às casas dos ricos todos os bens que julgava corresponder às suas necessidades."
D) No Renascimento, a causa da Primeira Revolução
  Toda essa explosão da 1º revolução foi sendo, paulatinamente, preparada pela Renascença e pelo Humanismo que, cultuando cada vez mais o homem e a visão de gozo da vida, começaram a destruir os alicerces da Idade Média. Ao mesmo tempo, o antropocentrismo gerava uma crescente insatisfação com a hierarquia, fomentando ainda mais o igualitarismo e a busca de uma dita liberdade moral.
  Retirando-se o poder temporal e até espiritual da Igreja, os Reis, apoiados nos Legistas e no seu saudosismo do mundo pagão, passaram a ser a autoridade máxima em seus respectivos países. Esse totalitarismo, ao lado do espírito da Renascença, gerou nos nobres a perda da noção de sacrifício. Por sua vez, esse espírito de gozo e esse poder sem limites, se consubstanciou no Absolutismo. Os nobres começaram a largar seus feudos e a freqüentar (praticamente a morar) nas cortes, ao lado do Rei. Começava, assim, um desaparecimento do vínculo feudal e da existência dos corpos intermediários na sociedade, que eram os nobres.
  Como reação revolucionária ao Absolutismo (que também já era revolucionário, na medida em que negava a supremacia da Igreja) e em busca de uma igualdade política e uma maior liberação moral, surge a Revolução Francesa, pregando a trilogia "Igualdade, Liberdade e Fraternidade".
Capítulo 4
A Revolução Francesa
  Laicidade do Estado, soberania popular, direitos humanos, "Liberdade - Igualdade - Fraternidade": 1789 assinala o início da Revolução Francesa, cujos princípios doutrinários definiriam os rumos do Ocidente nos séculos XIX e XX .
  Há duzentos anos, sua história vem sendo escrita e interpretada segundo o prisma das mais diversas correntes ideológicas, cuja a discussão sistemática não interessa a este trabalho. Entretanto, para que se possa fazer uma análise mais consistente do que foi a Revolução Francesa, seguem-se alguns trechos de historiadores recentes retratando a época anterior à revolução, chamada de Ancien Régime.
A) O Esplendor do Ancien Régime
  Esta descrição viva e penetrante é de Henri Robert, da Academia Francesa:
"[Quem lê as memórias dessa época] não pode defender-se de um pesar furtivo por não ter conhecido, e compreende melhor, então, toda a inefável melancolia desta frase do Príncipe de Talleyrand: "Não conhece a doçura de viver, quem não viveu na França antes de 1789!"
É que nunca, efetivamente, a sua sedução fora tão viva, o seu encanto mais fascinador, o seu prestígio mais incontestado.
Paris era verdadeiramente a capital da humanidade civilizada. ... Quanto a Nova-York, não era então mais do que um mercado de madeira, sebo e alcatrão.
A língua francesa não só era adotada por todas as nações como a língua oficial internacional dos tratados, como também era conhecida e falada pela aristocracia de todas as capitais da Europa, de modo que um francês se sentia como em sua casa em Haia, em Viena, em Berlim ou em São Petersburgo.
O luxo e a elegância nunca tinham atingido um nível tão alto."
  Mesmo em relação à fartura, que os revolucionários dizem que não havia, seguem transcritos alguns trechos do relato do Dr. Poumiès de la Siboutie, médico em Paris, simpatizante de revolucionários fanáticos, como dos jacobinos que votaram a morte de Luís XVI.
Por toda parte reinava a ordem....
A grande habilidade dos senhores das casas consistia em consumir no seu meio e na família os produtos da terra, e em comprar o menos possível os objetos do consumo. (...)
A vida simples e afanosa desse tempo tinha, outrossim, seus prazeres, suas diversões. Em cada casa burguesa era praxe reunir três ou quatro vezes por ano os vizinhos à sua mesa. Daí que acabavam por ocorrer duas ou três reuniões dessas por mês. O almoço era servido precisamente ao meio-dia.
Mas que almoços! (...) Contei na mesa nove travessas de assado, no segundo serviço, de carnes do matadouro, de caças e aves. (...) Bebia-se vinho da casa, e do melhor, que fora posto em reserva nos bons anos. (...) A sobremesa se compunha de frutas, conservas e doces. E assim dava-se um belo e bom almoço sem ter que recorrer à cidade. Tudo fora produzido na propriedade.
Saiam da mesa às três da tarde...".
  Alguns poderiam dizer, erradamente, que esse relato se refere apenas àquela minoria de grandes burgueses possuidores de propriedades rurais. Ao contrário do que se espalhou pelo mundo, dados da historiografia moderna, informa Florin Aftalion, PhD em Economia Financeira pela Universidade de Northwestern, indicam que "os camponeses (...) possuíam quase 40% das terras (contando 5% dos bens comunais). O restante do solo pertencia à nobreza (25%), ao clero (10%) e à parte rica da burguesia (25%)."
  Da mesma forma comenta o conceituado historiador e jornalista René Sedillot:
"Os nobres não eram mais proprietários senão de um quinto (avaliação de Albert Soboul), com grandes variações regionais. (...) As propriedades nobres cobriam, em média, 150 hectares (avaliação de Ernest Labrousse)."
  Segundo François Bluche, professor na Universidade de Paris-Nanterre, "A França de 1774 e de 1789 era o país mais opulento que existia no mundo".
  O regime corporativo - pondera o renomado historiador Pierre Gaxotte, da Academia Francesa:
"muito menos opressivo e muito menos generalizado do que se tem dito, não impedira o aparecimento da indústria nem se opusera a que ela ocupasse o devido lugar."
  Diversos são os historiadores que demonstram a inconsistência das teses históricas dos revolucionários; entretanto, a narração que se segue se sobressai às demais. Diz ela respeito aos "cahiers", relatórios que todas as paróquias de França foram autorizadas a redigir em 1789, para expor a el-Rei suas necessidades e formular seus desejos de reformas.
  Delas - papeleira imensa que se tem hoje o prazer de exumar, erguem-se, de fato, lamentações e gritos de angústia capazes de arrancar uma lágrima aos olhos mais endurecidos. É o que propriamente se chama: "historia oficial".
  Com efeito, destacado pela Assembléia, o Conde Beugnot examinou atentamente esses "cahiers" ....
"Todos, escreve ele, tinham sido copiados de modelos impressos e em circulação. O escriba local apenas fazia alguns acréscimos, que contrastava extravagantemente com o resto. Assim, depois de exigirem a separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário, a liberdade de imprensa, o julgamento por júri, a abolição da servidão, "les habitants" insistiam para que seus cães fossem libertos do "billot", espécie de trave pesada que, por ordem dos senhores, eram dependurados no pescoço desses bichos a fim de impedi-los de caçar lebres. Solicitavam a permissão de conservar fuzis em suas casas para poderem defender-se contra os lobos".
  Mas o mais surpreendente nos revela François-Yves Besnard, cura da paróquia de Nouans. Bem colocado para conhecer a miséria de seu rebanho, ele a descreveu, no relatório ao Rei, da seguinte forma:
"Nouans, expõe o ‘cahier’, contém mais ou menos 150 famílias. Uma parte é tão pobre que não consegue senão com dificuldade os mais parcos meios de subsistência. A outra, exceção feita de três ou quatro famílias cuja abastança não oferece nada de especial, mantém-se por seu trabalho e sua economia".
  Seguem-se as recriminações contra a milícia, os impostos, o preço alto do fumo, as corvéias, etc...
  Alguns meses mais tarde, entusiasmado com as novas idéias, Fraçois-Yves Besnard renúncia ao sacerdócio - o que o torna insuspeito de exageradamente indulgente para com o "Ancien Régime".
  Ora, nos "Souvenirs" de sua longa vida, Yves Besnard nos apresenta, de sua paróquia, um retrato de todo em todo diferente daquele que em outros tempos endereçara "à Messieurs des États Généraux".
  Conta-nos que, chegando a Nouans, observou surpreso: pomares com árvores frutíferas, hortas, campos com trigo, com cânhamo, com feijões, com trevo, e bois e cavalos pastando "com erva até o ventre". Nenhuma nesga de terra vazia. As casas não eram confortáveis, mas os terreiros estavam bem povoados. Qualquer pequena propriedade contava comumente seis bois de serviço, seis vacas leiteiras, seis novilhas, seis touros, duas éguas para criação, sessenta ou setenta carneiros e quatro ou cinco porcos...
  A alimentação dos campônios, mesmo a dos menos abastados, era "substancial e abundante". O pão, muito bom. E a cidra não faltava a ninguém.
"No almoço e no jantar, após a sopa, seguia-se um prato de carne ou de ovos ou de legumes. No desjejum e na colação, havia sempre queijo, manteiga e, freqüentemente, frutos crus ou cozidos. Em mesas recobertas com toalhas, cada conviva, munido de um prato, de um garfo, e de uma colher, servia-se à vontade". (...)
  Eis um exemplo da contradição entre a história real e a história revolucionária.
  Pouco difundido, também, é o movimento popular que teve origem na Vandéia, região noroeste da França, em que camponeses, chamados de "Chouans", pegaram em armas contra a I República, em 1793, a favor do "Antigo Regime".
B) A Decadência...
  Por outro lado, movimentos como o Jansenismo, Galicanismo, Absolutismo, Enciclopedismo, etc, cada qual, a seu turno, foram minando os alicerces do Ancien Régime e a essência da ordem feudal da Idade Média: acima de tudo hierárquica e sacral, teocêntrica por excelência.
  A tal ponto o absolutismo tinha levado o governo a centralizar toda a autoridade em torno de si, que o nobre acabava por deter apenas o título vazio. Como escreve o criterioso historiador J. B. Weiss:
"O Governo deu a seus intendentes toda a autoridade quando se apoderaram da administração de todas as aldeias, do recrutamento, da coleta de impostos, da reparação das igrejas, da construção das estradas e dos estabelecimentos de beneficência; a partir daí, foi proibida toda reunião com mais de vinte nobres.
O Governo detinha toda a autoridade, o nobre, pelo contrário, apenas o título vazio."
  Levando o Absolutismo até seu ápice, Luis XIV chegou a cercear o próprio direito de propriedade em favor do despotismo estatal, sendo um dos germes do Socialismo moderno, como escreve Tocqueville:
"Luis XIV havia ensinado publicamente, em seus editos, a teoria de que todas as terras do Reino haviam sido, originariamente, concedidas sob condição, pelo Estado. Este tornava-se assim o único proprietário verdadeiro, enquanto os outros não seriam senão possuidores, com títulos de propriedade contestáveis e sem direitos plenos. (...) É curioso constatar que a idéia-mãe do Socialismo moderno tenha suas raízes iniciais no despotismo real.
Durante os reinados que se seguiram, a administração incutiu freqüentemente no povo (...) o desprezo pela propriedade privada. (...)
"O Departamento das Pontes e Estradas estava, já nessa época, fascinado pela beleza geométrica da linha reta, que se generalizava depois; ele evitava com grande cuidado seguir os caminhos existentes, por pouco que estes lhe parecessem um tanto curvos, e preferia cortar ao meio incontáveis propriedades a fazer um ligeiro desvio. As propriedades assim devastadas ou destruídas eram sempre arbitrária e tardiamente ressarcidas, e muitas vezes não completamente" .
  O conhecido historiador Hypolyte Taine, da Academia Francesa, descreve acertadamente a perda do vínculo feudal que se percebia, ao mesmo tempo em que crescia descomunalmente a burocracia estatal e centralizada:
"Não é impunemente que se arranca de uma árvore suas raízes. Instituída para governar, uma aristocracia é desligada do solo quando não governa mais. E ela cessou de governar desde que, por uma usurpação crescente e contínua, quase todo o exercício da justiça, toda a administração, toda a polícia, cada detalhe do governo local ou geral, qualquer iniciativa, colaboração ou controle em matéria de impostos, eleições, estradas, trabalhos e obras caritativas, passou para as mão do intendente e do subdelegado, sob a direção suprema do Controlador Geral e do Conselho do Rei.
"Encarregados de negócios, ‘gens de plume et de robe’, plebeus sem consistência fazem a tarefa, não há meio de disputar com eles. Mesmo com a delegação do Rei, um governador de Província - ainda que hereditário e príncipe de sangue, como os Condé na Borgonha - deveria apagar-se diante do intendente; não há mais ofício efetivo: suas funções públicas consistem apenas em mostrar-se e dar recepções. (...)
"Desocupado e diminuído, que fará [o nobre] em seu domínio, onde não reina e está tedioso? Ele vai à cidade, sobretudo à corte"
C) Vida de Corte, Deslumbrante Túmulo do Feudalismo
  Na corte prepara-se o funeral do feudalismo, construindo-se o túmulo deslumbrante do Ancien Régime. "O nobre que ia à Corte voltava às suas terras com um certo desdém pelo campo. E  se, por um lado, ele em algo tendia a melhorar o campo, por outro lado o desprezava. Operou-se desta forma uma ruptura entre ele e o campo, ruptura esta que seus ancestrais não tinham conhecido. "
  Para analisar corretamente a profunda transformação de mentalidade operadas por essas mudanças, uma verdadeira "Revolução Tendencial", façamos uma comparação entre as duas "cosmo-visões" de dois tipos humanos distintos: o cruzado e o "bibelot".
"O tipo humano medieval, como assinala o criterioso pesquisador João Clá Dias, encontrou sua personificação máxima no cruzado, isto é, no cavaleiro abnegado, leal e corajoso, que pôs sua espada não a serviço de interesses pessoais mesquinhos, mas em defesa da Santa Igreja e, por fidelidade a ela, das viúvas, dos órfãos e dos fracos.
"Acima de tudo, o nobre da Idade Média era um varão de fé, que soube aliar a cruz à espada, a combatividade à ternura, a honra à despretensão, num equilíbrio de alma que bem pode ser avaliado pelas fisionomias graves e serenas, pelos gestos fortes e distintos, que ficaram registrados em incontáveis monumentos daquela ‘doce primavera da fé’.
"Quem analisa os gigantes que se encontram no interior das catedrais góticas ou contempla o ‘Cavaleiro de Bamberg’, obra-prima da escultura medieval, não pode se furtar à impressão de equilíbrio, temperança e harmonia entre qualidades morais aparentemente opostas.
"O medieval compreendia bem que, após o pecado original, ‘militia est vita hominis super terram’ (Jo 7, 1): a vida do católico é uma luta perpétua não só contra os inimigos velados ou declarados da santa Fé, mas também contra si próprio.
"Mas o nobre do final do Ancien Régime, descendente dos bravos cavaleiros que reconquistaram a Terra Santa, perdeu esse equilíbrio de alma que era fruto de uma concepção da vida eminentemente combativa. Fortemente influenciado pelo naturalismo renascentista, considerava a existência terrena não mais como um campo de batalha, um ‘vale de lágrimas’ que se deve atravessar para alcançar a eternidade, mas como um jardim de delícias onde se podem fruir com distinção e elegância os prazeres da vida.
"Daí, por exemplo, o perfil moral de um marquês típico das últimas décadas do Ancien Régime: frágil, delicado e auto-suficiente, procurando já não ser heróico mas gracioso, ele deseja apenas uma vida brilhante e agradável. Sua piedade é mais um dever de cortesia do que uma necessidade de alguém que luta contra o demônio, o mundo e a carne.
"Seus modos, graciosos e levianos, têm algo de feminino. Ninguém como ele sabe fazer uma reverência, sorrir e ser amável. Veste-se de sedas finas e adorna-se de pedras preciosas; usa golas de rendas, sapatos de verniz e uma bela cabeleira empoada. Se comparado com o cruzado medieval, sua figura mais parece um ‘bibelot’ que um varão.
"... o tipo humano assim modelado quase exclusivamente para o prazer mostrou-se radicalmente despreparado para enfrentar os vagalhões da Revolução Francesa. E as conseqüências foram trágicas!"
  Desta forma preparou-se a sociedade para a eclosão de uma Revolução que alterou todas as relações sociais até então existentes. Com a mudança de costumes que começou a se operar, doutrinas novas eclodiram, herdeiras, contudo, do Renascimento e do Protestantismo.
D) O Ódio Anti-Católico dos Iluministas
  Os iluministas traziam  consigo o subjetivismo e o ódio à Igreja, como diversas vezes demonstrou Voltaire, que procurava, segundo dizia, "esmagar a infame", a Igreja Católica. Sua fúria anti-religiosa é bem descrita pelo Pe. Rohrbacher:
"Voltaire escreveu a seu amigo d’Alembert, a 20 de junho de 1760: ‘Heraut disse um dia a um de seus irmãos: ‘Vós não destruireis a religião cristã’ - ‘É o que veremos’, disse o outro". - Este outro era o próprio Voltaire, que escreveu ao mesmo amigo a 24 de julho o seguinte: "Será possível que cinco ou seis homens de mérito, que se compreendam, não alcancem êxito, depois do exemplo que temos de doze homens desprezíveis que o alcançaram?
E a 23 de agosto: (...) ‘Estou cansado de escutá-los repetir que doze homens foram suficientes para estabelecer o Cristianismo, e desejo provar-lhes que basta apenas um para destruí-lo’ (...)
  Não é necessário transcrever trechos sem fim de historiadores demonstrando toda a receptividade que tinha Voltaire entre os nobres. Em 1778, como narra Montalben, preparou-se um regresso triunfal de Voltaire a Paris. Havia vinte e oito anos que ele não visitava a brilhante capital francesa:
"A Nobreza, a burguesia, a Corte, o teatro, as academias, os enciclopedistas, os maçons, todos o cobriram com aparatosas e aduladoras boas-vindas, celebrando festas em sua honra e venerando-o como a um semi-deus."
  No meio dessas transformações - que na sua maioria tinham os nobres decadentes como propulsores - germinaram o iluminismo e a Revolução Francesa.
  As Igrejas foram invadidas e as imagens de santos quebradas e substituídas por uma escultura de uma mulher nua, a Deusa da Razão dos iluministas, tudo em nome da "Liberdade, Igualdade e Fraternidade"...
  A Revolução Francesa gerou os atuais sistemas representativos e eleitorais que conhecemos e, ao mesmo tempo, deu as condições para o aparecimento de uma massa operária cada vez maior, que largava o campo e se dirigia para as cidades. A pretensa igualdade revolucionária ia produzindo um progressivo desaparecimento do indivíduo num monstruoso nivelamento, gerando o surgimento da grande massa e de Estados cada vez mais poderosos perante o indivíduo.
Capítulo 5
O Comunismo
  O Positivismo, o Iluminismo e a trilogia revolucionária, somados ao desaparecimento dos corpos intermediários, à Revolução Industrial e a uma busca constante da igualdade, trouxeram a Revolução Comunista. Além da igualdade religiosa e política, era necessária a igualdade econômica. Não bastava a igualdade filosófica, era necessária a sua materialização. O Estado todo poderoso justificava seu ateísmo gnóstico eternizando a matéria e conferindo a verdade não mais a uma moral "burguesa" , mas a uma "ética social".
  Era o Estado, cada vez mais forte, impondo aos indivíduos reduzidos a uma massa igualmente apática e sem líderes, a sua verdade "social".
  Não podia haver a superioridade econômica da burguesia, era necessário levar mais longe a Revolução, até a onde os Anabatistas, pouco depois do final da Idade Média, já tinham procurado alcançar.
  Aqueles que eram considerados como "esquerda" na França de 1789, como os jacobinos, por exemplo, agora já se tinham tornado conservadores. Não que suas idéias tivessem mudado, mas sim que a Revolução já havia avançado...
  Um novo espectro rondava a Europa - o espectro do Comunismo.
  Luta de classes, opressão, proletariado, imperialismo, mais-valia, abolição da família, abolição da propriedade, etc, conceitos que vão sendo cunhados para a nova etapa de expansão do processo revolucionário.
  "A lei, a moral, a religião são para ele preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses" (...) [O proletariado] nada tem de seu a salvaguardar; sua missão é destruir todas as garantias e seguranças da propriedade individual."
  Nascia assim uma nova Revolução que se espalhava pelo mundo, não apenas politicamente, mas sobretudo doutrinariamente. Em 1917 a Rússia cai nas mãos dos comunistas e inicia a chamada Ditadura do Proletariado, situação transitória rumo à anarquia auto-gestionária que deveria vir depois.
  Como escreve ainda o Manifesto Comunista: "Quando, no curso do desenvolvimento, desaparecerem todas as distinções de classes e toda a produção concentrar-se nas mãos da associação de toda a nação, o poder público perderá seu caráter político". (Op. laud. p. 113) A que desenvolvimento se refere esse manifesto, se não ao esperado triunfo da marcha igualitária auto-gestionária que existe no Ocidente?
  Entretanto, necessário se fez aos arautos do Comunismo uma metamorfose. Seus meios de expansão não mais eram suficientes para levar a Revolução adiante, era preciso uma mudança de fisionomia.
A) Apogeu e Crise da 3º Revolução
  Há 20 anos atrás se tinha a impressão de um apogeu internacional do Comunismo, na extensão de seu domínio e na expansão de sua doutrina. Entretanto, mais ou menos a partir do final da década de 70, como explicita o prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro ‘Revolução e Contra-Revolução’ , começou a haver um declínio acentuado dos métodos clássicos até então utilizados pelos comunistas na propagação de sua doutrina.
  Por motivos que seria longo enumerar, a dialética marxista começou, por assim dizer, a perder o entusiasmo. Ao mesmo tempo em que se percebe também o declínio no poder persuasivo da liderança comunista sobre as multidões. A velha "cantiga" de luta de classes já não empolgava como antes . A violência inata ao "ódio entre as classes", que deveria levar à demolição da ordem atual e à implantação do Comunismo, já não produzia o efeito desejado.
  Era necessário uma metamorfose que fizesse, por um lado, que os adversários esquecessem o perigo comunista, enquanto, por outro, pudesse se fomentar uma nova luta de classes.
"Por exemplo, a crescente oposição entre países consumidores e países pobres. Ou, em outros termos, entre nações ricas industrializadas e outras que são meras produtoras de matérias-primas.
Nasceria daí um entrechoque de proporções mundiais entre ideologias diversas, agrupadas, de um lado em torno do enriquecimento indefinido, e de outro do subconsumo miserabilista. À vista desse eventual entrechoque, é impossível não recordar a luta de classes preconizada por Marx. E daí surge naturalmente uma pergunta: será essa luta uma projeção, em termos mundiais, de um embate análogo ao que Marx concebeu sobretudo como um fenômeno sócio-econômico dentro das nações, conflito este no qual participaria cada uma destas com características próprias?
"Nessa hipótese, a luta entre o Primeiro Mundo e o Terceiro passará a servir de camuflagem mediante a qual o marxismo, envergonhado de seu catastrófico fracasso sócio-econômico e metamorfoseado, trataria de obter, com renovadas possibilidades de êxito, a vitória final? Vitória essa que, até o momento, escapou das mãos de Gorbachev, o qual, embora certamente não seja o doutor, é pelo menos uma mescla de bardo e de prestidigitador da Perestroika...
"Da perestroika, sim, da qual não é possível duvidar que seja um requinte do Comunismo, pois o confessa seu próprio autor no ensaio propagandístico ‘Perestroika - novas idéias para o meu país e o mundo’ (Ed. Best-Seller, São Paulo, 1987, p. 35): ‘A finalidade desta reforma é garantir ... a transição de um sistema de direção excessivamente centralizado e dependente de ordens superiores para um sistema democrático baseado na combinação de centralismo democrático e auto-gestão’. Auto-gestão esta que, de mais a mais, era o ‘objetivo supremo do Estado soviético’, segundo estabelecia a própria Constituição da ex-URSS  em seu Preâmbulo."
  No mesmo sentido, declara Raul Taladrid, vice-ministro do Comércio Exterior de Cuba, em entrevista ao Correio Braziliense na série de reportagens sobre o Capitalismo à Cubana:
"Devemos nos adaptar ao mundo para continuar com o Socialismo que queremos".
  O Comunismo, filho lógico do Positivismo e da utopia do crescimento econômico infinito, que tanto a modernidade apregoava pelos quatro ventos , começa a se metamorfosear na 4º Revolução, a Pós-modernidade.
  Há duas décadas atrás ocorria a Revolução da Sorbonne, que objetivava a abolição de todos os "preconceitos" morais e desigualdades sociais, ou seja, a autogestão. Esta, por sua vez, tão bem defendida pelo ex-Presidente da República Francesa, Mitterand, apesar de ainda não aplicada.
  Desta forma, a Revolução primeiramente eliminou todos os corpos intermediários da sociedade, buscando um nivelamento mecânico entre os indivíduos, ao mesmo tempo em que aumentava, descomunalmente, o poder do Estado. Já com a Pós-modernidade, procura-se destruir o próprio Estado, último reduto e fonte de autoridade para o homem moderno.
  A partir da concepção moral de que toda a desigualdade é injusta, desenvolve-se todo um processo, toda uma série de conseqüências que ainda hoje produzem efeitos.
  O Liberalismo, que optou pela "liberdade", considerava o Estado um mal necessário. O Comunismo, que conferiu mais ênfase à igualdade, dizia ser o Estado um instrumento provisório de dominação. Na Pós-modernidade, toda autoridade não só seria um mal, como também deveria ser destruída.


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