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Um Perfil dos Psicólogos da Segunda Região*.

Gilberto Lucio da Silva**

 

Este trabalho foi realizado como parte integrante da pesquisa para a elaboração de dissertação no Mestrado em Antropologia Cultural da Universidade Federal de Pernambuco, intitulada "Entre Quatro Paredes: a Ética da Intimidade em Psicoterapia", que tem por objetivo investigar o papel da Psicologia, sobretudo da Psicologia Clínica, no surgimento e manutenção dos valores da personalidade individual na sociedade brasileira contemporânea.

Em função de questões metodológicas, que dizem respeito à delimitação do universo pesquisado e, posteriormente, à definição de uma amostra à ser entrevistada, buscamos verificar a população local de psicólogos clínicos (e não clínicos) em atividade na Cidade de Recife.

De acordo com as premissas teóricas de uma abordagem compreensiva da realidade social, a metodologia utilizada neste trabalho procura enfatizar os aspectos qualitativos de uma investigação científica. Disto resulta que os resultados alcançados, seja na coleta de dados quantitativos, seja através da realização de entrevistas gravadas, não foram avaliados em função de sua significação estatística, mas enquanto se mostraram relevantes para o entendimento de uma experiência de realidade social específica, qual seja: a relação de serviço dos psicólogos clínicos que atendem de modo individual seus clientes.

Neste intuito, trabalhamos junto ao fichário do Conselho Regional de Psicologia da Segunda Região, a fim de efetuar a coleta dos dados necessários. Estes se referiam à algumas categorias de classificação e análise dos psicólogos inscritos, estando relacionadas ao sexo, idade, ano de inscrição, procedência (entendida no sentido do Estado em que situavam sua atividade), local e ano de sua formação (obtenção da graduação), e área de atuação profissional – se Clínica, em suas diversas modalidades, Escolar ou Organizacional.

Os dados foram coletados entre os meses de fevereiro e abril de 1992, através da apreciação de cada ficha individual do psicólogo inscrito, de um total de 6.534 fichas existentes na época. Estas compreendiam o período decorrido entre o ano de 1976 e o segundo semestre de 1991, durante o qual se registraram psicólogos atuantes nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Alagoas.

Posteriormente, realizou-se o agrupamento dos dados disponíveis, tabelando-os e obtendo resultados percentuais.

O primeiro contato teve lugar junto à Presidência do referido órgão. Nesta ocasião, fomos informados que apenas um terço dos psicólogos formados na Região se inscrevem no Conselho. Além disso, os dados não se encontravam agrupados e o fichário disponível compreendia o período de 1974 a 1991. Diante destes fatos, nos prontificamos a realizar o trabalho de coleta e tabulação destes dados. Nosso empenho foi prontamente acatado, em vista de colocarmos à disposição do Conselho o resultado de nossa pesquisa.

A coleta não pode ser iniciada naquela ocasião, dezembro de 1991, haja vista o início do período de férias da instituição, durante o mês de janeiro de 1992. No início do mês subsequente às férias realizamos novo contato, e ficou acertado que logo após a chegada de uma nova funcionária, poderíamos conduzir o que fora acertado. Isto se deveu ao fato de haver, na época, excessiva quantidade de tarefas administrativas no Conselho, pelo retorno das atividades e às férias acumuladas de uma das funcionárias mais antigas.

Nos três meses em que estivemos em contato com o material do fichário, pudemos utilizar salas do próprio CRP – 02, posto que não poderíamos levar fichas para trabalhar fora do local. Associado a este, outro fator, que dizia respeito ao horário em que poderíamos dispor do fichário – compreendido entre 9:00 e 12:00, muitas vezes não compatível com as demais atividades que desenvolvíamos à época – , não nos permitiu concluir o trabalho com maior brevidade.

As fichas, padronizadas em tamanho ofício, estavam agrupadas em 40 (quarenta) caixas plásticas, existindo, em média, 160 fichas em cada uma das caixas. Estas eram mantidas em estantes, sendo que as mais antigas ficavam separadas das fichas dos últimos quatro anos, guardadas numa das salas que funcionavam como escritório. Houve, inclusive, durante o período em que lidamos com o fichário, mudança na localização do mesmo.

Para a coleta, usamos folhas contínuas de computador, previamente preparadas para este fim, onde existiam campos para colocar o número de inscrição, ano e local da mesma, sexo, idade à época da inscrição, ano e local de formação profissional, além das atividades profissionais exercidas. Estes elementos compunham a grade de coleta, a qual foi modificada após os primeiros contatos com as fichas, que continham informações não previstas no projeto inicial.

Na ficha de inscrição do CRP – 02 pudemos encontrar, além dos dados pessoais de cada psicólogo, um número que o localizava no registro profissional. Seguimos a ordem desta numeração constatando que a mesma saltava vários números entre a ficha de número 01 e a 7.649, ou seja, faltavam algumas fichas numeradas. Desde modo, chegamos a um total de 6.354 fichas (83,1%), atribuindo as 1.295 ausentes (16,9%) ao cancelamento da inscrição junto ao Conselho. Interpretação que nos foi fornecida pelos funcionários do órgão, não ficando claro se o cancelamento se dera por iniciativa do psicólogo ou do próprio CRP – 02.

Verificamos ainda, mais um elemento de dificuldade nesta investigação. A presença de fichas com ano de inscrição mais recente entre as mais antigas. Na caixa de número um, por exemplo, encontramos dez fichas que não pertenciam ao período relacionado, que ia de 1974 a 1975. Isto gerava um certo entrave, na medida em que teríamos de indicar o ano de inscrição de cada ficha, na aposição dos dados na grade de coleta, para posteriormente agrupá-los levando em conta os períodos de tempo.

Também encontravam-se localizados na ficha campos para registrar o ano e local de formação, a área de atuação profissional, bem como o local onde se exercia o trabalho. Todavia, a grande maioria dos inscritos não colocava, no ato da inscrição, nenhuma referência à atuação profissional quem exerciam no momento. Encontrava-se, igualmente, no verso da ficha, todo um espaço reservado para registrar o pagamento das anuidades dos inscritos.

No mês de maio de 1992, iniciou-se o agrupamento dos dados do fichário, tabelando-os, mesmo faltando concluir a etapa de coleta, a qual demos prosseguimento, paralelamente. Para tanto, dividimos o período de inscrições do CRP – 02 em três etapas, de seis anos cada. Uma que se inicia em 1974 e se estende até 1979, a segunda que compreende de 1980 a 1985, e a última, que vai de 1986 a 1991. O ano vigente não pode ser computado, pois ainda se encontrava em aberto o prazo de inscrições.

No período inicial (1974-1979) estavam compreendidas as inscrições de 931 psicólogos, ou seja, 14,7% do atual conjunto de inscritos. Mais 2.215 psicólogos (34,8%) já faziam parte do CRP – 02 entre 1980 e 1985. Se agruparam à estes, no período final de inscrição (1986-1991), mais 3.208 (50,5%), conforme os dados constantes no arquivo pesquisado.

Nos seis primeiros anos, os inscritos eram, em sua totalidade, oriundos do Estado de Pernambuco (cerca de 97%). Nos períodos seguintes, a presença dos demais Estados da Região Nordeste foi se acentuando. Logo no segundo período de seis anos, a presença dos mesmos passou dos três por cento iniciais para uma participação de 32,5%. Chegou por fim, ao equilíbrio atual entre Pernambuco (51,2%), local de sede do CRP – 02, e aqueles (48,8%), no período de 1986 à 1991. No total, a presença de psicólogos do Estado de Pernambuco é quase duas vezes maior (63,7%) que a dos oriundos de outros Estados da Região (36,3%).

A centralização das inscrições no Estado que mantém a sede do Conselho Regional de Psicologia da Segunda Região, pode explicar a estimativa, anteriormente colocada pela Presidência do CRP – 02, de que apenas um terço dos psicólogos formados se inscrevem efetivamente no órgão de classe.

Observando-se a idade média dos inscritos em cada um dos três períodos, constata-se a predominância de adultos jovens (21 a 35 anos), que perfazem 83,2% do total. É interessante observar, que os profissionais com mais de 36 anos (16%), à época da inscrição, acorriam com freqüência relativa menor, justo num período em que os de menor faixa etária (21-25) conseguiam mais de dez por cento acima do período anterior. Pouco mais de um por cento dos inscritos tinham mais de 50 anos à época de seu registro profissional. Menos de um por cento do total de inscritos não indicavam a idade com exatidão na ficha.

Estes dados atestam a tendência de uma "profissão jovem", conforme investigações anteriores. Percebe-se, igualmente, a tendência nacional de superioridade da presença feminina na profissão, sempre superior à oitenta por cento em quaisquer regiões e em todos os períodos.

Avaliamos também, o local de formação do profissional, e sua variação de acordo com o período de inscrição. Nota-se que os demais Estados da Região Nordeste implementaram a sua participação, chegando a superar o volume de inscrições locais no último período de seis anos. Os que obtiveram sua graduação na referida Região, incluindo o Estado de Pernambuco, são responsáveis por quase 90% nas inscrições no CRP – 02. Apenas 4,9% dos inscritos eram formados em cursos de outras regiões do país. Enquanto que 6,5% não indicavam sua procedência em termos de formatura.

No Estado de Pernambuco, as quatro faculdades particulares contribuíram até então com 86,7% do total de inscritos. Nota-se que, enquanto a Faculdade de Filosofia do Recife (FAFIRE) reduziu sua participação no início dos anos oitenta, neste mesmo período surgiu a Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO), a qual terminou por superar às demais instituições no período final. E muito embora o número de formandos da Universidade Federal de Pernambuco venha aumentando, percentualmente a participação desta Instituição de Ensino Superior Pública é cada vez menor, em termos de inscrições no CRP – 02.

De outros Estados, destaca-se a participação do Centro de Ensino Superior de Maceió, do Estado de Alagoas, e dos Institutos Paraibanos de Educação, do Estado da Paraíba.

Verificamos, ainda, as profissões exercidas no ato da inscrição, conforme declarado pelos sujeitos. Cerca de 19,2% do total apresentaram como atividade profissional o exercício da psicologia. Dentre outras profissões, a Carreira Docente (em todos os níveis) vem em primeiro com 4,6%. Outras atividades profissionais, geralmente cargos administrativos e servidores públicos de nível médio, contabilizavam 11,2% do total. Todavia, a grande maioria, 65%, não indicava o endereço e/ou o nome da instituição empregatícia. E ao fazê-lo, não indicava, todavia, que função ou cargo lá exercia. É interessante notar o reduzido número de psicólogos que indicavam estar atuando na área no período intermediário (1980-1985).

Para dar seqüência à apresentação dos dados encontrados, se faz necessário definir o que entendemos por área de atuação profissional em psicologia. Conforme PASQUALI (1988: 165), "tradicionalmente, estas áreas foram associadas a um conjunto de atividades e objetivos que as definiram para o grande público assim como para os próprios psicólogos". Estas são, segundo o mesmo autor, as seguintes:

  • Clínica – decorrente da atividade privativa de "solução de problemas de ajustamento"; prevista em Lei, esta área ficou identificada com a prática da psicoterapia (independente de orientações teóricas), e com as atividades de Psicodiagnóstico para fins de intervenção terapêutica. Um trabalho curativo, desenvolvido predominantemente em consultórios particulares (trabalho autônomo).
  • Escolar – baseada na legislação que prevê, como privativo do psicólogo, o uso de instrumentos psicológicos para fins de orientação psicopedagógica, esta área envolveria, predominantemente, o trabalho junto à criança com problemas de aprendizagem, a aplicação de testes para sondar aptidões e interesses, daí decorrendo programas de orientação vocacional.
  • Industrial – esta área teve, como núcleo definidor básico, os trabalhos de seleção de pessoal, mais precisamente, o uso de instrumentos psicológicos para avaliar o potencial de ajustamento do indivíduo às tarefas que deveria executar. Possui a especificidade de ter, comparativamente às demais áreas, o predomínio do trabalho assalariado e de permitir um contato maior com o mundo da produção.

Diante destas definições, cerca de 6,8% se vinculavam à área Escolar, 31,8% à Industrial (ou Organizacional), e 43,7% à Clinica, predominantemente particular, realizada em consultório. O percentual de 17,7% não especificou a área de atuação profissional. O termo "educacional" foi considerado sinônimo de "escolar", e atividades de "seleção", "orientação" e "recursos humanos", quando associadas ao nome de alguma empresa, foram tidas como pertencentes à área organizacional ou industrial.

Dentre os 1.223 psicólogos que exerciam a profissão, apenas 122 (9,9%) especificavam duas ou mais áreas de atuação. Sendo que 77% destes, atuavam em Clínica como uma de suas atividades. Curioso notar a expressiva queda ocorrida, no período intermediário, no número de psicólogos com dupla especificação profissional, estando 49,2% na primeira fase, 43,4% na terceira, e apenas 7,4% na segunda.

Dos 534 psicólogos atuando na área Clínica, cerca de 369 (69,1%) atuavam, à época da inscrição, na cidade de Recife, seja em clínicas particulares, a maioria, seja em Instituições Públicas de Saúde. Destes, 151 (41%) são do grupo inicial, o que se traduz em uma faixa da população de psicoterapeutas com mais de dez anos de atuação, caso estes mantenham-se em atividade. Sobre estes dados, observar a tabela abaixo.

Ao concluir esta etapa do trabalho, tivemos de reconhecer a dificuldade de selecionar nossa amostra para a realização das entrevistas, em vista a ausência de dados atualizados sobre a maioria dos profissionais cadastrados, que já representavam uma parcela menor do universo mais amplo em apreço.

As dificuldades encontradas não inviabilizaram o trabalho, posto que permitiram testar um percurso "tradicional" de delimitação do universo de pesquisa, de definição de uma amostra à partir do percentual quantitativo, e revelaram questões à serem cotejadas com o material colhido no discurso dos entrevistados.

As relações entre estes dados, e as questões investigadas através das entrevistas gravadas com 20 (vinte) profissionais da área Clínica, fazem parte da análise e discussão crítica realizada no projeto de dissertação. Dentre as questões inicialmente colocadas, podemos destacar as razões apresentadas pelos profissionais pela preferência, confirmada pela investigação quantitativa, em relação à área de atuação clínica em um nível privado.

BIBLIOGRAFIA

ROSAS, P., ROSAS, A. & XAVIER, I., "Quantos e Quem Somos" in Conselho Federal de Psicologia, Quem é o Psicólogo Brasileiro?, São Paulo, EDICON, 1988, pp.32-48.

PASQUALI, L., "Condições de Trabalho do Psicólogo", in CFP, Quem é o Psicólogo Brasileiro?, São Paulo, EDICON, 1988, pp. 149-162.

*Trabalho apresentado na 45a. Reunião Anual da SBPC, Recife, PE, 11 a 16 de julho de 1993.Voltar

**Pesquisador, Psicólogo Clínico e Hospitalar, Pós-graduação/Especialização em Antropologia das Sociedades Complexas.Voltar