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Gestalt Terapia e o Caleidoscópio Humano.*.

Gilberto Lucio da Silva**

No processo psicoterápico com base gestáltica, a forma pessoal de atuar do terapeuta, sua congruência consigo mesmo, é enfatizada. O modo de “Fritz” (Frederick Perls) agir nos processos terapêuticos, refletia o período em que trabalhou ao lado de Kurt Goldstein, nas campanhas durante a I Guerra Mundial, onde as pessoas atendidas se encontravam traumatizadas pelo impacto das batalhas. Sua forma de reação à realidade, muito típica dele, era muitas vezes violenta, no sentido de que era abrupta, emergencial, embora fosse, de igual modo, profundamente doce, suave e sensível.

Esse modo de reação, e não de ser, pois Fritz não era violento enquanto pessoa, lhe permitia geralmente “acertar na mosca” em suas abordagens do problema do cliente. Isto não nos permite simplesmente copiar o seu modo de reagir ao cliente, pois que fazia parte do seu modo pessoal de aplicar a Gestalt Terapia. O que nele era genuíno, em outras pessoas pode se tornar até mesmo anti-terapêutico, pelo fato de deturpar uma das bases mesmas que constituem este modelo de terapia.

Trabalhar com Gestalt Terapia não é copiar as experiências de Fritz, e dos grupos em que ele trabalhou, expressas em seus livros. Suas experiências eram criações pessoais, que levaram em conta o momento vivido, não devendo ser vistas como características essenciais da sua proposta terapêutica, mas apenas caminhos para se chegar ao objetivo desejado.

Levando isso em consideração, parece ser aconselhável que cada terapeuta crie os seus próprios meios, não pensando que a aplicação de “exercícios” que produzam gestalten (plural de Gestalt) possa ser considerada terapêutica. Pois Gestalt é um modo de ser e estar no mundo, que é único em cada pessoa, constituindo o seu “eu”, sua personalidade, o modo como cada um configura continuamente sua experiência de modo a assumir, a cada momento, a melhor forma possível.

No aspecto motivacional, a Gestalt Terapia nos diz que o principal motivo do organismo humano é configurar sua experiência, ou seja, dar um sentido à sua experiência, no que se refere a sua sobrevivência em todos os níveis. Precisa-se configurar a experiência para encontrar nela um sentido de vida.

A compreensão de como isso se dá em cada ser humano, em cada momento particular, assumindo características específicas, só pode ser alcançada a luz do fato de que o organismo é um todo. Um todo onde não há divisão de tempo e de espaço e o que há é o agora. Aquilo que for de qualquer tempo e de qualquer espaço há de se fazer presente no momento atual para que seja fator de configuração, e, consequentemente ou simultaneamente, de motivação.

Presença esta que precisa, igualmente, se tornar prioritária. Pois qualquer elemento ou variável do agora pode mobilizar qualquer outro elemento de qualquer tempo e de qualquer espaço. Somente percebendo o que é prioridade para o organismo se pode compreender como, em cada momento, o processo de configuração da experiência assume uma forma específica.

Conforme verificamos em um caleidoscópio, que sofre constantes mudanças em cada graduação na sua rotação, o processo de configuração de experiência humano segue formando novas gestalten. Muito embora sejam os mesmos elementos da experiência, como no caso do caleidoscópio, eles podem assumir posições diferentes, passando a ser vistos de modo diverso.

Neste sentido, a experiência passada não é importante por si só, e não se precisa ir atrás dela, como um tesouro a desvendar, algo que aconteceu anos atrás. O que importa é conseguir perceber como o indivíduo está vendo a experiência agora, como ela é vista no presente.

Além disso, o organismo humano existe de modo diverso do caleidoscópio, que é um sistema fechado, onde todos os elementos para a configuração da experiência, a formação de gestalten, já estão ali. No caso do ser humano, além destes elementos que o constituem, ele se encontra sempre incorporando novos elementos, que vão se integrando ou modificando os anteriores.

O terapeuta de orientação gestáltica vai trabalhar no sentido de facilitar o fluxo da experiência que está bloqueado. Estando bloqueado, o processo de configuração que ocorre continuamente se encontra paralisado, gerando o que é conhecido como uma Gestalt inacabada. Por sua vez, essa Gestalt inacabada não permite que novas gestalten mais amplas se formem.

De forma ativa, o terapeuta gestáltico busca retirar o que se encontra bloqueando a configuração da experiência. Procura fazê-lo através de uma interferência planejada e centrada no momento da pessoa em atendimento, seja por meio de exercícios de presentificação dos sentidos, sentimentos e pensamentos, seja através das fantasias dirigidas, seja utilizando a dramatização.

Geralmente realizado em grupo, o trabalho terapêutico permite ao indivíduo realizar “como se” estivesse fazendo o que deseja ou teme, antecipando e verificando na ação imaginada e presentificada as experiências que não consegue entender ou resolver na sua vida. Neste intuito, procura testar todas as variações possíveis, na dramatização, ao estilo moreniano, ou pela “viagem de fantasia”, onde a situação problema é vivenciada interiormente, podendo ser objetivada em cada uma de suas possibilidades.

*Este texto foi concebido a partir de uma entrevista realizada com o Professor Geraldo Leite, onde, entre outras questões, foi trabalhado o modo de atuação do Terapeuta Gestáltico.Voltar

**Pesquisador, Psicólogo Clínico e Hospitalar, Especialização em Antropologia das Sociedades Complexas.Voltar