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O Engancho de Todos Nós.

Gilberto Lucio da Silva*

O homem tende para o mundo, embora alguns digam que o homem tende para si, para o seu mundo subjetivo. Se tivermos em mente que este mundo subjetivo é, em grande parte, construído na interação com o mundo em que se está, mundo fora e dentro da pele, e somente nele se expressa, as fronteiras entre Eu e Mundo se tornarão mais tênues.

A consciência tende a se expandir, mesmo que alguns enfatizem fenômenos que são inconscientes para toda a vida, inacessíveis. Se percebermos que a única forma de ter consciência de algo é estar não consciente de outras coisas, tal questionamento perde um pouco seu interesse.

O contato entre os seres é uma tendência contínua e constante, ainda que alguns argumentem que as vezes este contato parece ser dificultado pela imersão de cada um em si, pelo individualismo inerente ao homem, por suas tendências auto-destrutivas, por seus preconceitos, por suas dificuldades de expressão e de relacionamento. Ao se confundir contato com engancho, realmente ficam difíceis novas possibilidades de encontro.

O engancho aparece quando nossa relação com o outro significativo não é uma relação entre sujeitos, entre entes abertos a sua própria experiência e a do outro, entre pessoas imersas no processo histórico do transmudar-se momento a momento.

A fixação em imagens pré-concebidas de si e do outro, em determinadas formas de relação, na expressão emocional limitadora e não libertadora, é o que causa, em princípio, o engancho. Engancho no sentido de impedimento, de entrave, de limitação, de algo que nos fisga e nos bloqueia para o viver.

O contato é possível quando as pessoas vão além deste engancho, superando as imagens falsas do Eu, os preconceitos, as formas relacionais estereotipadas, as expressões parciais de seus potenciais.

O contato é uma forma criativa de relacionar-se com o diferente. Já o engancho não permite isso, pois é anti-criativo em essência, cria uma falsa visão do mundo e das pessoas. Uma visão deturpada, posto que não centrada no presente, no sendo das coisas, no aqui e no agora.

Trazer para o contato, os "enganchados" da vida, é tarefa difícil, que pode ser feita de muitas formas: educativas, clínicas, políticas, entre outras. Uma das mais importantes, ao nosso ver, é o movimento diário de aproximação real e total dos outros que nos rodeiam e que nos permeiam.

Com-viver, mantendo um vínculo de contato, não de engancho, é tarefa com-partilhada por aqueles que buscam um desenvolvimento maior de sua vida, tanto no nível pessoal quanto no social. Alguns, no entanto, acreditam estar muito bem estabelecidos em seus enganchos familiares, vocacionais, intelectuais, afetivos, de trabalho e de lazer, religiosos, etc.

Que tolo engano (mais um engancho)! Um engancho é um engancho é um engancho!

Recife, 21 de maio de 1989.

*Pesquisador, Psicólogo Clínico e Hospitalar, Pós-graduação/Especialização em Antropologia das Sociedades Complexas.Voltar