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Gestalt Terapia: Um Sistema Dialético.

Gilberto Lucio da Silva*

O método dialético em Karl Marx tem as seguintes características:

1. Ele aparece antes de tudo, como um método de expressão, teórico, especulativo, racional, mas não apriorista, uma vez que pressupõe a pesquisa empírica;

2. Um método crítico, na medida em que a conversão dialética, que transforma o imediato em mediato, a representação em conceito, é negação das aparências sociais, das ilusões ideológicas do concreto estudado;

3. Um método progressivo-regressivo, patente na espiral dialética em que ponto de partida e ponto de chegada coincidem mas não se identificam.

O movimento Gestalt, enquanto um "programa ou direção na filosofia da ciência", encontra em sua práxis as mesmas características como fazendo parte de sua postura no atual estado da psicologia científica.

Atribuir a Gestalt a qualificação de teoria sistêmica, que compreende e explica a realidade utilizando o conceito de "sistema", afirmando ser a mesma uma teoria essencialmente anti-dialética, é desconhecer em princípio a proposta desta abordagem. Dizer que uma visão sistêmica, entendida como uma perspectiva totalizante, não permitiria uma abordagem do real enquanto totalidade incompleta, sempre em modificação, não nos parece adequada para entender a mesma proposta.

De modo diverso de outros movimentos da ciência psicológica, o movimento Gestalt não conceitua um "sistema" como sendo algo fechado em si e que não troque energia com outros sistemas , favorecendo, inclusive o fenômeno da entropia, isto é, o equilíbrio, a medida em que o tempo passa. O sistema definido em termos gestálticos é aberto, faz parte de outros sistemas mais amplos. O sistema abiótico, por exemplo, é contido pelos átomos, que formam moléculas, que se localizam em células, que fazem parte de órgãos. Estes últimos compõem organismos, que se encontram em grupos, que coexistem em organizações grupais inerentes a sociedades, que coabitam sistemas supranacionais, que integram a aldeia global, que é parte do sistema planetário, no interior da via láctea, parte do cosmo, elemento do universo.

Mesmo diante de tantos sistemas, não se pode falar sequer em aumento da variável física da entropia, postulada pela segunda lei da Termodinâmica, pois o calor, a energia não diminuem com a complexidade, não são distribuídos igualitariamente, gerando um equilíbrio mortal. Este é alcançado momentaneamente, para logo ser reiniciado o ciclo desequilibrador pela própria relação entre os diversos sistemas.

O organismo humano é percebido neste mesmo sentido pela Gestalt. Ele é um ente, nunca completo, total, mas tendendo sempre a ser, que faz parte de sub e supra-sistemas que o envolvem ou o permeiam a todo momento. Portanto, o homem é um ser em conflito, o qual visa sínteses cada vez mais amplas, fechando gestalten continuamente, voltando ao ponto do início, de novo, sem jamais ser novamente. Isto nos parece constituir um movimento ao mesmo tempo dialético e sistêmico, pois mesmo se modificando a cada embate de sua relação com os sistemas a sua volta e que nele estão contidos, o indivíduo permanece único em sua identidade. Ele é, de fato, um sistema aberto.

A Gestalt representa a chamada Teoria Geral dos Sistemas ou Teoria Emergentista, em oposição as teorias reducionistas. Nestas últimas o que interessa é tentar explicar os fenômenos mais amplos vendo neles "algo" que inexiste nos fenômenos mais restritos. Uns sempre podem ser reduzidos aos outros com a supressão deste "algo". O social tem "algo" a mais que o psicológico, que por sua vez tem "algo" a mais que o biológico, que tem "algo" a mais que o químico, que tem "algo" a mais que o físico. Tudo se reduz a física, dando origem ao processo denominado fisicalismo na filosofia das ciências.

As teorias do tipo emergentista, por princípio multi ou anti disciplinares, não tentam hierarquizar através da atribuição de "algo" maior ou menor os fenômenos observados. Compreendem e explicam os fenômenos tentando vê-los como parte de um todo inerentemente dialético, já que é feito de polaridades que tendem sempre a manter-se em contato e afastamento.

As leis gestálticas chegam ao ponto de negar a existência de um Eu, quando este é dado como um absoluto a priori, pois nada há que o prove. O que nos daria a sensação de possuir um Eu que nos individualiza seriam os princípios perceptuais de semelhança, contigüidade espaço-temporal e de repetição. Para a Gestalt nosso Eu é contraído, dialeticamente, com nossas vivências e só existe a partir e retornando a elas. Eu e Objeto não podendo ser separados, sendo portanto uma totalidade, porém ambos, Eu e Objeto, sendo igualmente uma probabilidade.

A Gestalt postula ainda a existência de dois tipos de forças. As forças unificadoras e as forças de segregação, ambas reveladas pelas leis perceptuais de fechamento, contigüidade e proximidade. Um objeto próximo a outro forma um conjunto, que ao ser objetivado expressa a existência de dois objetos, ou seja, no interior da totalidade se perpetua a existência de um novo todo que nega e, paradoxalmente, constitui o conjunto anteriormente percebido. Portanto, a Gestalt é fenomenológica, isto é, não apriorística, empírica.

Além disso, a Gestalt nega a aparência absoluta, faz a mediatização e se torna anti-ideológica. Ela é a própria espiral dialética, seja ao nível perceptual humano, seja no contexto da psicologia científica atual. Ela é enfim, tanto sistêmica, quanto dialética.

*Pesquisador, Psicólogo Clínico e Hospitalar, Pós-graduação/Especialização em Antropologia das Sociedades Complexas.Voltar