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ASTRONOMIA DA BABILÔNIA


Fonte: Echoes of the Ancient Skies: The Astronomy of Lost Civilizations por E. C. Krupp

REGISTRANDO OS CÉUS

A maior parte dos textos astronômicos mesopotâmicos que chegaram até nós foram escritos entre 650 e 50 Antes da Nossa Era. Estas tábuas de argila em escrita cuneiforme são chamadas de diários astronômicos, e constituem, sem dúvida, em observações de especialistas: escribas-astrônomos profissionais..

Uma entrada típica do diário começa com uma declaração do comprimento do mês anterior. Este podia Ter tido 29 ou 30 dias. Então, era feita a primeira observação do mês: o tempo entre pôr-do-sol e o nascer da lua do primeiro dia da lua crescente, seguidas de informações sobre as horas entre o desaparecimento da lua e o nascer do sol na lua cheia. No final do mês, eram também registrados o intervalo entre o nascer da última lua minguante e o nascer do sol.

Quando ocorria um eclipse solar, a data, tempo e duração eram anotados, bem como os planetas visíveis, as estrelas que estavam no ponto mais alto e o vento que prevalecia na hora do eclipse. Os pontos significativos nos vários ciclos planetários eram tabulados, e eram também anotadas as datas dos solstícios, equinócios e os aparecimentos significativos de Sírio.

Os astrônomos babilônicos usavam um conjunto de 30 estrelas como referências para posições celestes, e seus diários astronômicos detalhavam as localizações da lua e planetas com relação às estrelas. Relatórios de mau tempo ou fenômenos atmosféricos não triviais - como arco-íris - também eram anotados nos diários. Finalmente, vários eventos de importância local (incêndios, roubos, conquistas), a subida e descida dos rios da Babilônia e a quantidade de bens que poderiam ser compradas com uma moeda de prata enchima o relatório do astrônomo diligente.

Por 600 Antes da Nossa Era, os astrônomos babilônicos estavam já computando com antecedência os tempos esperados entre o aparecimento e desaparecimento da lua e do sol por vários dias para os meses vindouros. Estes cálculos eram baseados em observações sistemáticas. Mais tarde, quando combinadas com tabulações numéricas do movimento mensal do sol, a posição do sol e da lua na lua nova, a duração da luz do dia, a metade da duração da noite, índices para calcular um eclipse, a taxa de movimentação diária da lua, e outros dados, possibilitaram previsões detalhadas e precisas de quando e o como a lua iria se manifestar nos céus.

Os planetas recebiam atenção semelhante, mas tendo em vista que seus movimentos não eram uniformes, os astrônomos mesopotâmicos tiveram de projetar técnicas matemáticas que levassem em conta as variações de movimento. Como Júpiter, por exemplo, faz o seu caminho através do zodíaco em quase exatamente 12 anos, a cada ano ele se move numa zona ou constelação diferente. Cada ano também ele é visto em oposição ao sol - levantando-se no entardecer, desaparecendo ao amanhecer - mas por que o movimento de Júpiter não é uniforme, ele não vai atingir a oposição na mesma data a cada ano. Os babilônicos expressavam este fato de forma um pouco diferente de nós, e preferiam especificar a oposição de Júpiter ao invés da data desta oposição. O efeito é o mesmo, entretanto, e as tabelas babilônicas mostram que eles compensavam o movimento não uniforme de Júpiter aumentando sua mudança de posição pela mesma medida para cada oposição na primeira metade do ciclo de 12 anos e diminuindo a medida pela mesma quantidade de cada vez para a outra metade. Quando a mudança de posição é gravada através de oposições sucessivas do planeta, temos como resultado uma linha em zig-zag.

Naturalmente os babilônios nunca desenvolveram representações totalmente precisas de movimento não uniforme, mas nas últimas dinastias da Mesopotâmia, e especialmente no Período Selêucido (301-164 BC) após a morte de Alexandre, o Grande (durante o período chamado Caldeu), astrônomos aproximaram as acelerações e desacelerações cíclicas da lua e dos planetas com as funções de zig-zag. Eles fizeram isto numericamente, não em termos gráficos, mas a técnica funcionava bem para seus propósitos.

Apesar dos extensos relatos escritos da astronomia babilônica, temos muito pouco conhecimento dos instrumentos usados na Antiga Mesopotâmia, e sabemos ainda menos sobre os observatórios que devem Ter existido. Um astrolábio de argila da Assíria está em exposição no Museu Britânico em Londres. Na realidade, um verdadeiro astrolábio é usado para medir a altura angular de um objeto celeste, e os instrumentos assírios parecem mais diagramas de zonas nos céus. Eles parecem ser tabelas de informações astronômicas, designadas para guiar o astrônomo na contagem do tempo. A não ser por algumas limitadas referências a um instrumento usado para medir os trânsitos, o gnomômetro (ou bastão de sombra), e do relógio d'água, este é relatório completo do nosso conhecimento de instrumentos astronômicos babilônicos.

Não é de surpreender, entretanto, que sejam difíceis para nós encontrar instrumentos astronômicos e observatórios de civilizações antigas. Não existiam muitos instrumento, e quanto aos observatórios, caso estes existissem também, seria muito difícl que nós os reconhecêssemos pelo que foram. Os equipamentos verdadeiros devem há muito Ter desaparecido. Se tais observatórios fossem incorporados a templos e palácios, eles podiam ainda ser mais dificeis de identificar. Quando encontramos uma estrutura com alinhamento astronômico, nem sempre é fácil dizer se a estrutura era usada para rituais ou observações astronômicas, ou para ambos.

OS DEUSES QUE ADORAMOS

Uma breve observação de quase todos os panteons da Antigüidade revela o óbvio: pelo menos alguns deuses, em geral os mais importantes, são objetos estelares. As razões metafóricas não são difíceis de se entender. O movimento regular dos objetos celestes fazia deles agentes da ordem que ajudavam a dar sentido ao mundo das esferas inferiores; a repetição infinita de seus aparecimentos e desaparecimentos sugeria a imortalidade; a grande luz das estrelas e planetas comandava atenção e poder. E estando nos céus, com tal perspectiva da terra situada em baixo, era natural supor que os deuses deviam saber todo o que podia acontecer, pois tudo eles podiam ver. Para ver o mundo em baixo, os olhos de uma pessoa deveriam estar nos céus.

Apesar de deuses diversos diferirem em termos de recursos que eles podiam controlar, controle era um atributo que todos os deuses e deusas compartilhavam. O que eles e elas controlavam e como o faziam determina o tipo de deuses e deusas que são. Os deuses celestes controlam a passagem do tempo em geral marcando e medindo esta mesma passagem. Eles controlam a direção e o espaco através das posições de suas idas e vindas. Como senhores do espaço e do tempo, eles movem o mundo, fazem o universo mudar, o dia amadurecer e se tornar noite; o inverno se transformar na primavera, os rios subirem e descerem, os cereais surgirem, crescer e amadurecer. Nestes ciclos do mundo e de nossas vidas diárias, há uma mudança que ocorre dentro de uma forma ordenada, e esta mudança é coordenada pelos céus.

IMORTALIDADE E DIVINDADE

Se estivermos procurando pela imortalidade, o céu é um bom lugar para se começar. Há uma infinita repetição nos céus. Apesar de sabermos que vamos morrer, sabemos que o sol, a lua e as estrelas sobreviverão noite após noite, mês após mês, ano apõs ano. Eles podem desaparecer, mas suas ausências são apenas temporárias.

Os céus são apenas algumas das coisas que fornecem imagens concretas sobre as quais nossa concepção de imortalidade pode se condensar. O céu por si mesmo é eterno, e seus ocupantes estão continuamente ressurgindo. Nas passagens e retornos celestes está o contraste entre o que é mortal e o que é divino.

O poder dos deuses celestes era revelado pela luz que possuíam. Qualquer pessoa que ficar de pé ao sol pode atestar sua energia, seu calor é inconfundível. Apesar de obviamente mais fraca, a lua e os planetas também comandam respeito. Eles brilham não apenas na escuridão da noite, mas também quando os céus estão claros, alguns podem ser visíveis â luz do dia. Sempre, os deuses estão associados com a luz.

Por exemplo, Anu era o maior dos deuses sumérios. Seu nome era a palavra para céu e alturas, e o símbolo escrito para seu nome era também compartilhado pela palavra diugir, ou brilhante.

A Lua era também foco de grande reverência e adoração, conforme um texto de Ur, na Mesopotâmia, do Terceiro Milênio Antes da Nossa Era:

Nana, grande senhor 
brilho de luz dos claros céus, 
que traz à cabeça o diadema dos príncipes
Deus justo que traz o dia e a noite, que estabelece os meses, fazendo completar os anos
Outra prece suméria invoca o brilho de Inana, a deusa Vênus, ao entardecer: 
Tocha pura que brilha nos céus, 
luz celestial que brilha tanto quanto o dia, 
a grande rainha dos c~eus, Inana, eu saúdo!. 
De sua majestade, de sua grandeza, de sua dignidade sem igual, 
de seu brilho aos céus do entardecer, 
de seu incendiar dos céus -tocha mais pura - 
dela aparecer nos céus tal qual o sol e a lua 
conhecida por todas as terras de Norte a Sul 
da grandeza da Alta Sacerdotisa dos Céus
À Inana, eu canto! 

 

OS DEUSES DO CÉU: O SOL E A LUA

O aparecimento e comportamento específico de certos corpos celestes freqüentemente levava pessoas diferentes, em locais e tempos diferentes a assinalarem os mesmos valores simbólicos aos astros. O sol, por exemplo, é ao mesmo tempo poderoso e de confiança, pois segue um curso ordenado durante as estações, e estas características têm inspirado muitos povos a ver nele a fonte de toda autoridade, lei e ordem social.

Na Babilônia, o sol era Shamash. Seu olhar cuidadoso observava todas as coisas e a todos julgava. Justiça residia nele. Hamurabi, o grande codificador das leis da Babilônia, é mostrado frente a Shamash na coluna de pedra, ou estela, onde está inscrito o código que leva seu nome. Pela lei, a ordem solar era transferida para a terra.

Comparada ao sol, as mudanças rápidas da Lua faziam-na parecer uma viajante, mas era este corpo celeste que havia trazido consigo a contagem do tempo, por isso sendo extremamente importante.

O deus babilônico da Lua era Sin, o senhor do conhecimento. Ele presidia sobre o calendário e as adivinhações astrológicas. Seu número sagrado era 30, conforme o número de dias no mês.

OS DEUSES PEREGRINOS

Nos primeiros tempos, os gregos e romanos parecem não Ter diferenciado os planetas. Escrevendo em 400 Antes de Nossa Era, o filósofo Platão descreveu os cinco "peregrinos" como deuses e mencionou que a prática de associá-los com deuses específicos do Olimpo tinha sido introduzida por estrangeiros. Os estrangeiros provavelmente vieram do Egito e da Mesopotâmia. O mais provável é que os Mesopotâmicos tenham sido a fonte para os gregos, pois os deuses planetários babilônicos têm características paralelas aos deuses gregos, enquanto que as representações egípcias são bastante diferentes das gregas.

Na antiga Babilônia, Marduk era considerado o rei dos deuses e estava associado com o planeta Júpiter. Na Grécia, Zeus era o deus mais importante do Olimpo, com domínio sobre o planeta Júpiter. Neste sentido, ele é a contrapartida grega de Marduk. Em contraste, os egípcios mostravam Júpiter - bem como Marte e Saturno também - com a cabeça de falcão do deus celeste Horus.

O papel de Júpiter-Marduk era fundamental na Babilônia, pois ele havia criado o mundo, trazendo a ordem e eliminando o caos. Textos do mito da criação babilônico estão preservados em tábuas de escrita cuneiforme da biblioteca de Assurbanipal, rei da Assíria de cerca de 700 Antes da Nossa Era, se bem que o relato seja bem mais antigo, provavelmente datado do Império Antigo Babilônio, de cerca de 1800 Antes da Nossa Era. No mito, Marduk estabelece a ordem matando Tiamat, o dragão do caos primordial. Do corpo de Tiamat, Marduk cria todo o universo.

Marduk decide também que o curso de Jupiter pelo firmamento irá guiar as estrelas e os planetas. Esta parece uma escolha estranha, mas a trilha de Jupiter nos céus segue a forma elíptica, a jornada anual do sol, de forma mais precisa do que outros planetas conhecidos naqueles tempos tão antigos. Da mesma forma, as configurações de Jupiter nas estrelas se repetem quase que exatamente a cada 12 anos. Por exemplo, Jupiter irá entrar em oposição (ou seja, ficar em oposição ao Sol) 12 vezes num período de tempo apenas cinco dias maior do que 12 anos, e a última oposição irá ocorrer entre as mesmas estrelas da primeira.

Estes aspectos do movimento de Júpiter combinado com seu brilho dentre as estrelas da noite, provavelmente levaram os primeiros astrônomos a usar o planeta como referência, uma função refletida, parece-nos, no mito. Mas há incertezas, entretanto. O nome real para o planeta usado no texto é Nebiru. Apesar deste termo significar Jupiter, ele também pode significar polo ou pivô. O polo Norte celestial é uma referência chave na rotação do céu, portanto um ou outro, ou mesmo os dois significados podem ser igualmente válidos no épico da criação..

Os outros planetas também tinham um papel importante, e também semelhante, em outros panteons de outras culturas da Antigüidade. Os babilônicos também associavam Ishtar, a deusa do amor e da guerra, ao planeta Vênus, assim como mais tarde o fizeram os gregos e Romanos, por conseqüência.

Além de seu brilho, o aspecto mais distintivo de Vênus é seu ciclo como estrela matutina e vespertina. Da mesma forma, os egípcios simbolizavam Vênus como Bennu, um pássaro comumente equiparado à Fênix. O Bennu pertencia a Osiris, provavelmente porque os egípcios associavam morte e ressurreição com os aparecimentos do planeta ao amanhecer e entardecer, ou talvez com suas conjunções atrás do sol e seus períodos de visibilidade. Algo semelhante pode estar atrás do mito da Descida de Ishtar ao Mundo Subterrâneo.

Entre os babilônicos, Mercúrio era Nabu, o arquivista e mensageiro dos deuses. Seu status como mensageiro pode estar relacionado com a rapidez do planeta em seu circuito, que vai do Oeste ao Leste do Sol, para voltar novamente ao Oeste. A rapidez de Mercúrio também fez dele o mensageiro dos deuses na Grécia e Roma, bem como o guia das almas ao Reino dos Mortos.

É fácil ver Marte nos céus da noite. Sua cor vermelha faz com que seja visível em relação a outros planetas e estrelas. A cor vermelha - a mesma do sangue - também explica sua associação com os deuses da guerra, Nergal na Babilônia, Ares na Grécia e, naturalmente, Marte em Roma.

Finalmente, Saturno, a última das estrelas peregrinas da Antigüidade, era conhecido como Ninib pelos Babibônicos. Depois de uma carreira inicial como deus sol e padroeiro da cidade de Nipur, ele formou laços com a primavera e a agricultura.

TEMPO E ADIVINHAÇÃO

Ao observar o que se passava nos céus, os xamãs e sacerdotes-astrônomos faziam calendários e marcavam cerimônias. Eles tinham acesso ao domínio dos deuses e à fonte da ordem cósmica, o que lhes permitia o conhecimento do estado do cosmo. Eles podiam, então, comunicar os sinais dos céus e revelar as intenções dos deuses com relação à terra. Adivinhação através dos calendários provém da Mesopotâmia. Em 1900, o assiriologista R. Campbell Thompson compilou centenas de augúrios astronômicos num livro chamado "The Reports of The Magicians and Astrologers of Nineveh and Babylon." Muitos destes augúrios envolviam o aparecimento da lua:" Quando a lua ao surgir estiver numa posição fixa, os deuses pretendem a felicidade da terra".

O texto se refere ao primeiro crescente (aparição) da lua que ocorrer numa data esperada. "Quando a lua fora do seu tempo de cálculo não puder ser vista, haverá invasões na cidade..." O comportamento inesperado dos astros era visto como uma mensagem. Esta poderia ser ruim, mas um encanto ou palavra mágica recitada por um sacerdote dedicado podia evitar catástrofes.

É importante salientar que os babilônicos procuravam verificar se os fatos previstos pelo calendário previsto correspondiam aos fatos da terra. Entretanto, sempre que os astros seguiam comportamento não esperado, tais passagens eram motivo de preocupação.

CALENDÁRIOS, CORREÇÕES E REIS

Na Mesopotâmia, foram provavelmente os sumérios o povo que construiu a civilização que moldou a região, e que colocou em uso o primeiro calendário formal. O calendário sumério era lunar, mas seus meses começavam quando a primeira lua crescente ficava visível no Oeste. Uma passagem do mito da criação babilônico mostra a preocupação de Marduk com o ciclo da lua:

Ele pediu para a lua aparecer (para ele)
designando para ele o adorno da noite para medir o tempo;
e cada mês, sem falhas, ele marcava numa coroa:.
"Quando a lua nova estiver se levantando sobre a terra
iluminando você com seus chifres, devem ser medidos seis dias;
no sétimo dia, quando a metade da coroa da lua aparecer.
E então irá se suceder o período de quinze dias
duas metades a cada mês.
Quando, depois, o sol ganhar sobre você as fundações do céu,
diminuindo de brilho passo a passo, faça o crescimento em ordem inversa!"

A "coroa" é o disco completo da lua (lua cheia) e os chifres se referem, naturalmente ao crescente e minguante. No sétimo dia, meio chifre descreve a lua crescente, e o restante do texto narra a forma com que a lua deve continuar a medir os meses.

Alguns dos nomes dos meses sumérios sobreviveram em textos cuneiformes e, como os nomes egípcios, referem-se às festividades principais: O mês da festa de Shulgi, O mês de Comer a Cevada de Ningursu.. As festas eram planejadas de acordo com as fases da lua, com festividades regulares no primeiro crescente, no sétimo dia e na lua cheia (o décimo quinto dia).

Os sumérios dividiam o ano em verão, ou emesh, e inverno, enten. Sabemos que o festival de Ano Novo era marcado pelo casamento simbólico do rei com a alta sacerdotisa. Este ritual festejava as núpcias de Dumuzi, um deus associado com o crescimento de cereais e plantas, e Inana, a deusa do amor e da guerra. O mais provável é que esta cerimônia ocorresse na primavera, quando a vida voltava aos campos, flores e frutos.

Naturalmente, a intercalação era apenas uma forma para manter o calendário lunar mesopotâmico no mesmo compasso das estações, e algumas inscrições implicam que um mês extra era adicionado antes do mês do equinócio de outono. Outros textos se referem a um décimo terceiro mês, adicionado também antes do mesmo equinócio. Seja qual for a regra seguida anteriormente, a cerca de 1000 Antes da Nossa Era, os sacerdotes babilônicos que preparavam os calendários intercalavam os meses de acordo com um ciclo de oito anos. Durante este período, três meses mais eram adicionados. Nos tempos caldeus, um Metônico, ou seja, um ciclo de 19 anos tropicais com 235 meses lunares é chamado segundo o astrônomo grego Meton, que introduziu seu uso no mundo Mediterrâneo nas últimas décadas do quinto século antes da nossa era. A. Sachs, um especialista em Astronomia da Mesopotâmia acredita que as intercalações eram designadas para manter a curva anual ascendente de num mês determinado. Se este for o caso, novamente temos a importância do papel da estrela mais brilhante do céu como um sinal das estações e medidor do calendário para as civilizações antigas. Seus atributos astronômicos - brilho e tempo de seus aparecimentos - faziam-na extremamente valiosa onde quer que pudesse ser vista.

Não obstante qual o método usado para manter o calendário lunar mesopotâmico coordenado com as estações, apenas o rei podia declarar quando deveria ser adicionado um mês a mais.

O COMEÇO DO ANO

O tempo era medido em contagens dos corpos celestes em seus passeios pelos céus por xamãs e sacerdotes especializados em calendários. Estes técnicos do sagrado marcavam pontos no tempo com cerimônias e rituais que correspondessem na terra aos padrões encontrados nos céus. Tais momentos podiam ocorrer várias vezes durante o ano, pois não são necessariamente restritos a um padrão anual. Eles dependem de como as pessoas vivem, cultivam seus campos, fazem a colheita e percebem, em seu modo de viver e sentir, a ordem cósmica.

Os sacerdotes babilônicos faziam uma espécie de drama ritual para comemorar o Novo Ano na Mesopotâmia. Este ritual, também, iniciava o ciclo de renovação cerimonial e envolvia a recitação do Enuma elish, o mito da criação babilônico. Os sacerdotes também encenavam alguns dos pontos altos do mito, como a vitória de Marduk sobre o caos e como Marduk estabeleceu a ordem no universo. O festival babilônico do Ano Novo era chamado de Akitu, e era festejado na primavera ou no outono. Registros de meses intercalados sugerem que nos tempos do Antigo Babilônio o Ano Novo era celebrado no Equinócio de Outono. Mais tarde, o Ano Novo passou a ser comemorado a partir da primeira lua nova da primavera. A data realmente não importa. O que conta é a escolha de um ponto de mudança no tempo que era fundamental para os babilônicos. Muitas razões sugerem o equinócio, e apenas vislumbres destas razões originais permaneceram em cerimônias que continuaram a ser celebradas.

Nos primeiros dias da cerimônia, Marduk era simbolicamente confinado no que os textos chamam "a Montanha". Por 3 dias, Marduk permanecia neste Mundo Subterrâneo, reino do caos e da morte. O termo "montanha" também se refere às torres dos templos (ou zigurates). É possível que esta parte da cerimônia estivesse ligada de alguma forma com o zigurate. No quarto dia, o Enuma elish era repetido, e esta ação, provavelmente acompanhada por outras, trazia Marduk de volta à vida e permitia-lhe emergir da Montanha, ou Mundo Subterrâneo. Vimos já como tais metáforas podem ser relacionadas com o nascer do Sol e o começo do Ano Novo.

Marduk não era Shamash, o sol, mas assumia muitos atributos do sol como parte da elevação de seu status no período Neo-Babilônico. A emergência de Marduk da Montanha no Equinócio e Ano Novo, de qualquer modo, representa a criação da ordem no mundo. Sabemos qual foi o papel de Marduk no épico da criação. Ao encenar este mito em termos de ritual num dos pontos de virada das estações do ano, os babilônicos reconheciam a natureza cíclica do mundo. O final de cada ano é, na realidade, uma nova entrada no tempo de antes da criação do mundo. O mundo anterior deve desaparecer antes de ser refabricado, e é por isso que Marduk é aprisionado e sacrificado na montanha.

Algumas cenas mitológicas mostradas em selos cilíndricos podem mostrar relação com estas idéias. Quando os mesopotâmios queriam colocar um selo oficial num documento de argila ou proteger a integridade dos conteúdos de um contêiner, eles imprimiam um desenho na argila mole rolando um pequeno cilindro de pedra nele. O cilindro era cuidadosamente esculpido, e um destes selos, do período acádio (2360-2180 Antes da Nossa Era), também no Museu Britânico, mostra o deus Sol Shamash, brandindo uma serra e emitindo rais ondulados de luz à medida em que emerge de uma abertura entre dois picos de montanhas. O deus à direita, com dois rios saindo de seus ombos, é Ea. A deusa à esquerda, é identificada com o planeta Vênus, ou Ishtar, a estrela da manhã e do anoitecer. As águas dos ombros de Ea representam as enchentes da primavera. Não podemos Ter certeza, pois a figura não tem texto. Mas se ela significar primavera, a cena pode simbolizar o equinócio de outono, o equinócio de primavera e possivelmente também o Ano Novo.

Mais preces e rituais continuavam a cerimônia do Ano Novo, que durava 11 dias. Um ritual chamado "fixar do destino" e claramente ligado à leitura de augúrios para o novo ano fazia parte dos festejos. Os babilônicos também perpetuaram o Casamento Sagrado dos Sumérios. Nele, o rei representava Tamuz e a alta sacerdotisa era Ishtar. A mensagem era a mesma: fertilidade em todos os níveis. A passagem do tempo cíclico significa o mesmo na Babilônia que para outros lugares do mundo: renovação - dos deuses, dos homens, da fertilidade da terra, do calendário e dos céus.

A ESTRELA DE ISHTAR

Tendo em vista que alguns objetos astronômicos se movem no espaço em intervalos repetidos e conhecidos de tempo, o comportamento dos deuses celestes associados com eles pode ser simbolizado em termos numéricos. Ishtar, como o planeta Vênus, talvez fosse tratada desta forma na estrela de oito pontas, que em geral representa a grande deusa do amor e da guerra nas pedras babilônicas que marcavam os limites/fronteiras.

São conhecidas referências a Vênus já desde 3000 ANTES DA NOSSA ERA a partir de evidências de Uruk, uma importante cidade suméria situada no Sul do Iraque. Uma tábua de argila encontrada lá diz "Estrela Inana", sendo que outra contém símbolos para as palavras " estrela, sol poente, Inana". Inana é Vênus, mais tarde também conhecida Ishtar, e as tábuas de Uruk especificam a identidade celestial da deusa com o símbolo de estrela, que é uma estrela de oito pontas. Já nestes tempos iniciais, o símbolo parece não ter outros significados, apesar dele eventualmente ter evoluído, na escrita cuneiforme, para o sinal de divindade, que é colocado à frente dos nomes dos deuses. Se a relação entre os deuses e os céus não fosse já explícita o suficiente, este desenvolvimento na escrita mesopotâmica confirmaria este fato.

Pelo período da Dinastia Cassita, ao redor de 1600-1150 ANTES DA NOSSA ERA, a estrela de oit pontas adquirira um significado mais específico. Ela pertencia a Ishtar como Vênus, e era inscrita em numerosas kudurru, ou marcos de fronteiras, que foram uma inovação dos reis cassitas. Tais pedras foram erguidas para marcar limites de fronteiras. As mais antigas registram e confirmam concessões reais de terra e portanto estabelecem o título do território ao qual pertencem. A maior parte delas tem de 2 a 3 metros de altura, são esculpidas de forma elaborada com emblemas dos deuses e com texto detalhado, atestando a aprovação dos céus sobre a transação e alertando a todos que se cuidem e respeitem o que nelas está escrito.

Após uma descrição adequada da terra em questão e uma lista daqueles envolvidos na realização da transação, o marco do rei Marduk-ahe-erba enfaticamente aconselha:

Sempre que alguém se levantar e contra este campo levantar uma queixa, ou fizer que seja levantada uma queixa, que quiser dizer que o campo não é um presente do rei, e ordenar um a um homem insensato, um bobo, um surdo, a se aproximar desta pedra inscrita e jogar água nela, queimá-la com fogo, escondê-la num campo onde não possa ser vista,

Que os grandes deuses, tanto quanto os que por seus nomes nesta pedra são mencionados, com uma maldição pesada, da qual não possa escapar, amaldiçoe tal indivíduo!

Que Anu, Enlil e Ea olhem com ira para ele o destruam sua vida, e seus filhos, a semente deste homem....

Não era, realmente, uma boa idéia tentar passar por cima dos deuses celestes!

Nem todas as identidades dos deuses nomeados e simbolizados no kudurru são conhecidas, mas a maior parte deles parece serem deuses celestes (talvez todos). Três símbolos proeminentes incluídos na maior parte dos marcos de pedra, e eles se referem, sem ambigüidades, a Shamash, o sol; Sin, a lua; e Ishtar, o planeta Vênus. O emblema de Shamash é o disco de quatro pontas com linhas onduladas irradiando dele, e este é um símbolo padrão mesopotâmico para o Sol. As linhas onduladas podem ser os raios solares, a "rede" de Shamash. Para Sin, as pedras mostram uma lua crescente, e a outra grande estrela em é um P de oito pontas, ou Vênus.

O simbolismo direto nos sinais do Sol e da Lua e em outros símbolos cujo simbolismo pode ser compreendido faz-nos levantar algumas suposições a respeito da Estrela de Ishtar. Talvez o número oito seja, por si só, simbólico, pois Vênus experimenta um ciclo de oito anos. Durante este tempo, Vênus passa por todo seu padrão de estrela matutina e vespertina cinco vezes. Isto quer dizer que uma configuração de Vênus ocorre novamente na mesma data do calendário oito anos após, e esta é a contagem das passagens de Vênus pela frente e pelas costas do Sol ao longo de oito anos.

Para estabelecer a importância deste ciclo, devemos verificar que os mesopotâmios estavam familiarizados com ele e estabelecer sua importância. De fato, sabemos que os Mesopotâmios estavam bem conscientes deste ciclo. Textos de augúrios da Primeira Dinastia Babilônica (cerca de 1900-1660 ANTES DA NOSSA ERA) confirmam que os observadores antigos dos céus da Mesopotâmia compreendiam Vênus como a estrela matutina e vespertina desde esta épocerca de No período Selêucido (cerca 301-164 ANTES DA NOSSA ERA), temos uma série de textos de metas do ano nos quais o período de oito anos era usado para prever as aparições de Vênus. Os textos de metas do ano eram tábuas de argila que listavam dados astronômicos para um determinado ano e também para anos especificados pela adição de um número adequado ao ano que começava. Para Vênus, o número a ser adicionado é oito. Da mesma forma, o padrão na tábua para Vênus irá funcionar para cada oito anos a partir do ano no qual a tábua foi preparada. Por exemplo, o professor Otto Neugebauer, um dos mais importantes historiadores das ciências da antigüidade, descreveu um dos textos de metas do ano de Vênus e mostrou que ele fornece datas e posições para Vênus com visibilidade como estrela matutina em estágios de oito anos. Outro texto lista o reaparecimento do planeta como estrela vespertina em três intervalos de oito anos.

Apesar do ciclo de oito anos-cinco anos de Vênus ser correto, ele não é exato. Após oito anos, Vênus está, na realidade, um pouco adiantado no tempo em cerca de 2,4 dias. Um texto do Período Neo-Babilônico (626-539 ANTES DA NOSSA ERA), referindo-se a Vênus como Dilbat, registra: "Dilbat 8 anos atrás, vós voltais... 4 dias vós deveis subtrair." Aqui, o observador mesopotâmico é instruído a subtrair quatro dias para obter a data certa para Vênus. Isto pode parecer um engano, mas não é. A correção 2,4 dias se aplica a um calendário solar, e o calendário mesopotâmico era lunar. Porque a lua chega 1,6 dias mais tarde, a configuração de Vênus ocorria quatro dias mais cedo, daí por que os astrônomos Neo-Babilônicos acertarem suas predições.

Infelizmente, os textos de metas do ano são bem posteriores e não confirmam se o ciclo de oito anos de Vênus era conhecido no tempo dos cassitas. Temos, entretanto, cópias de um conjunto de textos astronômicos, as Tábuas de Ammizaduga. Ammizaduga (ou Ammi-saduqa) foi rei mais próximo do último monarca da Primeira Dinastia Babilônica, e provavelmente governou entre 1650 e 1550 ANTES DA NOSSA ERA. Três décadas após o final de seu reinado, os hititas depuseram seu sucessor, começando então neste período a Dinastia Cassita.

As tábuas originais de Ammizaduga provavelmente foram inscritas a cerca de 1700-1600 ANTES DA NOSSA ERA, e não temos seus originais. Cópias delas, entretanto, sobreviveram na biblioteca do rei assírio Assurbanipal (668-626 ANTES DA NOSSA ERA) em Nínive, encontrando-se hoje no Museu Britânico. Nelas, estão 21 anos de observações de Vênus - datas de seus primeiros e últimos aparecimentos como Estrela Matutina e Vespertina e durações de invisibilidade, bem como os augúrios apropriados.

Ex.: Se no 25º de Tamuz Vênus desapareceu no Oeste, por 7 dias permanecendo ausente nos céus, e no segundo de Ab Vênus fosse vista no Leste, haverá chuvas na terra, e desolação será o resultado (ano 8).

Apesar dos erros dos escribas, os textos claramente exibem um ciclo de oito anos, e indicam que os Mesopotâmicos, na metade do segundo milênio Antes da Nossa Era, ou seja, há 4000 anos atrás, já tinham conhecimento deste fato. A não ser por algumas exceções, a estrela de oito pontas era usada quase que exclusivamente para Vênus no sistema cassita para delimitar fronteiras. Outras estrelas são em geral representadas por prontos, e Sebitti, um grupo de estrelas, é ilustrado como um aglomerado de sete pontos, aparecendo em muitas kudurru (pedras de fronteira) como a Estela de Ishtar.

O SOL CRESCE

Durante o período Assírio, muitos dos antigos símbolos do Período Babilônico Antigo são usados em estelas comemorativas, em paredes de templos, em impressões de selos cilíndricos e em contextos formais. Uma tábua que marca a restauração e fundação renovada do templo de Shamash em Sipar mostra os três símbolos principais - o sol, a lua e Vênus/Ishtar - como selo celeste de aprovação do evento. Shamash está sentado dentro num trono, e uma grande versão de seu disco solar de linhas ondulantes e quatro pontas descansa sobre uma mesa. Neste período, entretanto, o emblema do sol algumas vezes toma forma diferente. Um disco alado substituiu o emblema de Shamash, e freqüentemente, o deus principal dos Assírios, chamado Assur, é visto dentro de um disco flamejante. Quando os assírios dominaram a Mesopotâmia, seu deus nacional assumiu a maior parte das características de Marduk, ocupando o mesmo papel como criador e mantenedor da ordem. Da mesma forma, Assur também estava associado com o sol, portanto seu aparecimento dentro de um disco solar era algo perfeitamente natural.

O símbolo solar alado era bastante comum nas artes mesopotâmicas. Depois dos Assírios e Neo-Babilônicos, a dinastia persa que dominou a Mesopotâmia de 558 a 330 Antes da Nossa Era, também adotou discos idênticos, que podem ser vistos nas paredes de Persépolis. Naturalmente, o disco solar alado também aparece em templos em todo alto Egito. A forma dos discos egípcios é levemente diferente dos mesopotâmicos, pois os discos solares alados mesopotâmicos em geral mostram asas e caudas de penas, além das asas abertas. Parecem-se com um pássaro - e esta era a inteção- para sugerir a idéia de voar nos céus.

  

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