
Designer by PSIQUE

Já fazem 14.600 dias. Diante de meus gráficos e tabelas, deslumbro. Minha mulher. Foram 14.600 sabores experimentados em um só (não era para ser um desgosto?) Eu ainda a tenho com medo. Ela conheceu minhas ruínas. A minha vastidão e a minha pequenez; prosseguiu.
Em um primeiro momento lutamos. Ou não? O conflito inicial. Cheguei armado com meus conceitos; a falta de tempo e minhas prioridades. Mas ela segurou minha mão e no silêncio - foi um silêncio assustador -, sorriu. Logo, desejava desconhecer o limite postado entre nós dois. O conflito se transformou em longas conversas e muitas trocas. Ela me forçou a felicidade. Levitei e acredito, devido a um impulso físico, foi que em troca lhe dei dessabores e ausências. Recebi beijos. Hoje sou sábio nas suas formas, gestos. E ainda assim posso dizer; não a conheço. Surpreendo ao perceber que nossa cumplicidade nasce de uma contradição, onde eu a desvendo e me reconheço. Ela me revela, mas me desconhece.
Monto sua feição em minha mente - com detalhes - e, apenas como distração durante o horário de trabalho, dou-me conta do que realmente construímos juntos. No decorrer dos dias é a simplicidade que nos governa. No entanto, nestes momentos em que a lembrança invade minha racionalidade, sinto que minha precisão não pode suportar o que não é complexo. Insisto no meu trabalho. Gráficos. Não por muito tempo. É hora de pensar nela. Eu quero. O modo como ainda a vejo se surpreender diante de minhas tradições e regionalismos. Segurando minha cuia, eu ensinei minhas palavras e costumes. E mesmo que de maneira desastrosa, ela aprendeu.
Em uma recíproca as peculiaridades de sua existência também me aconteceram de maneira natural e com surpresas. Porém, agora me deslumbro. Queria ter seus olhos curiosos aqui. E com seu rosto pousado no meu ombro poderia falar de minha descoberta. Dizer-lhe que a amo 14.600 vezes. E que valeu a pena todos os sorrisos maliciosos dispensados nas esquinas, nas lojas...Talvez pudesse maximizar essas palavras, tudo estaria claro para se chegar a um entendimento sobre esse meu destino torto. Sobre a felicidade compartilhada. Esse foi nosso trato silencioso. Todos os dias fazemos esse casamento clandestino. Sem licitação. Eu, ela e nossa posterioridade. Hoje me ausento com dor. E a cada retorno ainda tenho seu silêncio, seu sorriso a minha espera.
Durante noites mal dormidas, tenho suas horas em minha vigília; suas mãos acariciando meus cabelos. E sempre que me falta uma palavra a vejo revirar dicionários em busca de minhas vontades. São pequenos espaços de tempo cheios de nuanças. E com tudo isso ainda a descubro sendo - Ser. As pernas largadas na poltrona e um livro. Quem sabe até um olhar perdido na lembrança de algum aluno distante. Uma correção de prova. Os nossos toques, calmos e cheios de tormenta, presentes a todo instante. Mesmo na ausência.
Nesta lacuna de reflexão sei, agora, que em nossos primeiros anos tinha a capacidade de distinguir minha vida profissional dela. O que já não sou capaz de fazer. Quando exatamente isso aconteceu, não sei. Mas sei que são meus passos que fazem esse caminho. Que me confunde com ela e me faz ser graças a ela. Tudo é uno, mas também sei da diversidade das coisas. De repente, parece que minha profissão e meu afeto estão - Co- relacionados de maneira tão íntima. Daí, talvez a sensação de unidade. Time. Minhas ruínas, de pedra. O que vocês não tentaram me esconder?
Existimos por tão pouco tempo. Penso em minha mulher e sinto que é inevitável a fé. Nós fizemos a posterioridade, que sempre me assustou. Avassalador. Pensar nos 14.600 dias. Pensar que, ironicamente, em alguns minutos ela estará adentrando esse escritório, e, diante de seu olhar não sei se encontrarei as palavras que encontro agora para dizer-lhe: Amor, já fazem 14.600 dias...

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