
Existem bandas de Extrema-Direita activas em Portugal e até há quem cante que o 25 de Abril "foi traição"
Constituídas por skinheads assumidos, as letras das suas músicas apelam amiúde à violência gratuita contra minorias étnicas, contra negros e contra estrangeiros. Esta "liberdade cultural" está patente em discos que se vendem livre e legalmente em lojas de discos como a Jukebox, em Lisboa. Tal "liberdade musical" também vê na Internet um meio propício à divulgação das suas mensagens.
O JN apurou que existem, pelo menos, cinco bandas desta estirpe em Portugal. Aparentemente, quatro delas estão activas e dão concertos com alguma regularidade. Nenhuma delas respondeu às tentativas de abordagem do Jornal de Notícias, mantendo-se os seus elementos em absoluto silêncio.
Toda a informação que aqui se reúne, resulta da audição das suas músicas, da compilação de entrevistas ou crónicas de concertos que circulam em sites racistas da Internet, a maior parte deles estrangeiros, ou de fontes próximas das bandas que, quando contactadas pelo JN, exigiram o anonimato.
Guarda de Ferro
É a mais antiga e famosa banda de skinheads portugueses. Oriundos de Lisboa e arredores, os Guarda de Ferro fizeram algum furor no início da década passada, mas aparentemente desmembraram-se em 1992. Contudo, ameaçam voltar à carga: há duas semanas editaram um novo álbum trata-se de um "picture disc" em vinil colorido, no qual se vê uma foto dos seus seis membros devidamente trajados à skinhead, sendo que um deles não tem problemas em exibir um bastão. As caras estão tapadas com lenços e cachecóis.
Praticam um rock indigesto e em músicas como "Skinheads" ouvem-se frases deste calibre: "Não temos piedade/ não temos compaixão/ num mundo de carneiros/ nós somos o falcão". Mas há mais. Em "Botas", a letra é assim: "Companheiras de luta/ varrem tudo pela frente/ botas que fazem triunfar a força bruta/ botas que fazem o sangue escorrer". Ou então, veja-se o discurso da faixa "Hino ao combate": "Agitemos as bandeiras pela solução final/ sairemos vencedores desta luta brutal/ Portugal é dos portugueses/ a bandeira foi traída". O disco vende-se legalmente.
Endovélico
Banda activa desde Janeiro de 2000. Os seus elementos vivem em Corroios. Apresentam-se como uma banda de "skinheads nacionalistas portugueses" e os seus elementos são oriundos de outras formações da mesma linhagem: Confronto, Extremo e Lusitanoi. Alguns dos seus membros (o vocalista Hugo Bimbas e o guitarrista Miguel) fazem parte activa do movimento Ordem Lusa. Dão concertos em Portugal, Itália e Espanha, ao lado de nomes como os Bruttal Attack. Em Setembro passado, estiveram em Itália num festival de homenagem a IanStuart. Dizem-se influenciados pelo estilo "Hatecore". Cantam sempre em Português. Esperam editar brevemente o seu primeiro disco com 11 canções através da editora espanhola RTT e da Nacional Dow.
Em entrevista ao site do MNSA (Movimento Nacional Socialista Atlântico _ claramente pró-nazi), os seus membros afirmam que o movimento skinhead português "está a crescer".
Os membros dos Endovélico acham ainda que o julgamento dos autores do assassinato de um cabo-verdiano no Bairro Alto, em 1995, foi "completamente manipulado pelos media". Para além disso, os indivíduos dizem-se oprimidos pela sociedade, polícia, Governo e pelosjornalistas.
Lusitanoi
Surgiram das cinzas dos V Império. São quatro elementos que já gravaram o disco "A nossa luta" e o EP "Olho por olho, dente por dente" através da editora italiana Tuono Records, participando ainda com dois temas na compilação "Soldados de rua", da editora Dogs Of War. Em declarações à publicação nazi Final Conflict, dizem que o grande problema em Portugal são os emigrantes "especialmente aqueles que vieram das ex-colónias", assim como "os indianos e os chineses". Isto sem falar naquilo a que apelidam de "um forte lóbi homossexual que controla as artes e tem grandes influências junto dos media". Declaram-se admiradores de Salazar: "um grande homem". Consideram que o 25 de Abril foi "uma revolução comunista". As suas músicas estão na Internet ao alcance de qualquer um. Na faixa "Grito de guerra", o vocalista solta a dada altura: "Somos cabeças rapadas/ skins de Portugal/ enfrentamos com valentia/ o combate desigual".
SHS
Banda assumidamente "Rac" (rock contra comunismo) oriunda de Odivelas. Tem duas maquetas editadas. É constituída por quatro elementos com idades entre os 19 e 24 anos. As suas canções estão igualmente disponíveis na Internet: trata-se de um rock musicalmente medíocre e com objectivas limitações de vocabulário. Em entrevista ao site do MNSA alegam, entre outras considerações, que Adolf Hitler "poderia ser a solução para os problemas do Mundo actual".
Combate
Não será muito difícil encontrar em algumas lojas o CD "Baladas para o povo". A formação apresenta o disco como sendo um tributo a Ian Stuart e a Léon Degrelle (general nazi íntimo de Hitler). São sete baladas em regime acústico, abundantes em ideias de nacionalismo estéril, escritas num português arcaico e básico. O desempenho vocal é extremamente sofrível nessa perspectiva, o vocalista dos Combate poderá ser comparado ao mediático Zé Cabra. Na canção "A verdade", que aborda a revolução do 25 de Abril, escutam-se rimas deste tipo: "O que eles fizeram à nação/ para mim é traição/ o que se fez nesse dia/ para mim é tirania".
Concertos com bastões, caçadeiras e facas
A Ordem Lusa é uma organização que assume ter como objectivo "divulgar e defender a cultura portuguesa e europeia, bem como apoiar a cultura skinhead". Dela fazem parte activa dois elementos da banda Endovélico. No passado dia 23 de Março, a Ordem Lusa organizou um concerto comemorativo do seu terceiro aniversário com a participação de duas bandas portuguesas (os Endovélico eos Lusitanoi) e outras formações estrangeiras. Como acontece na generalidade destas manifestações, o concerto não é publicitado e raras vezes se sabe onde decorre – os interessados passam a palavra havendo listas de recrutamento. Ao que parece o concerto da Ordem foi animado, dias depois a mesma organização divulgou na internet um comunicado esclarecedor sobre o ambiente vivido: “Tudo decorreu bem até que uma pessoa decidiu andar com um bastão(…). Após algumas discussões dentro e fora da sala, e depois de agredirem o porteiro, acabaram por se ir embora ameaçando várias pessoas (…). Voltaram com ajuda de emcapuzados armados com caçadeiras e facas, e começaram a disparar para o ar, esfaqueando indiscriminadamente cinco dos presentes (…), depois disto foi emitido um comunicado pela Irmandade Ariana, assumindo-se como autora do ataque”. Entretanto o JN teve acesso a esse comunicado. É parco em palavras, mas suficientemente elucidativo: “Foi um ataque da Irmandade Ariana. A Ordem Lusa tentou atacar três ‘supporters’ da Irmandade que estavam no concerto. Como o lider da Ordem Lusa é não-branco porque a mãe é mestiça, e o da Blood and Honour de Espanha é chibo, juntou-se o útil ao agradável e retaliou-se brutalmente”.
Ian Stuart foi o começo de tudo
Ian Stuart foi um skinhead britânico e ainda hoje é considerado como o pai do rock nazi, ou o pioneiro da "música racialista", tendo-se tornado numa espécie de lenda para os skins de Extrema-Direita. Líder e fundador da famosa banda Skrewdriver, Ian Stuart começou a soltar as suas convicções políticas nos finais dos anos 70, em discos como "White power". Não tardou a ligar-se à National Front, organização que apregoava a supremacia branca e que via nele o pretexto para recrutar novos membros. Autêntica dor de cabeça para as autoridades britânicas, Ian Stuart cavalgou enraivecido contra as minorias étnicas até que, a 11 de Dezembro de 1985, foi detido pela polícia após uma série de agressões a um grupo de africanos. Foi condenado a um ano de prisão. Aproveitou a estadia atrás das grades para escrever artigos publicados em revistas de cariz xenófobo e as canções que viriam a integrar o disco "White rider".
Gabava-se de ter pontapeado Iggy Pop e auto-denominava-se um "mártir patriota".
Desdobrando-se em projectos paralelos como os Klansmen ou White Diamond, Ian Stuart gravou o seu último disco em 1993 com o sugestivo título "Hail victory", poucos meses antes de morrer num acidente de viação em circunstâncias que ainda hoje permanecem pouco claras.
Quando a notícia da sua morte se tornou pública, anarquistas e esquerdistas fizeram questão de festejar a data. E a banda alemã Die Ruhrpottkanaken não tardou a gravar a canção "Am tag als Ian Stuart starb" ("O dia em que Ian Stuart morreu"). Mas actualmente é hoje alvo de inúmeras homenagens por parte de bandas de Extrema-Direita: em Outubro passado, por exemplo, 1400 skinheads prestaram-lhe tributo nos arredores de Londres. Poucos dias antes, em Itália, um festival em sua homenagem contou com a participação dos portugueses Endovélico.
Landser, a banda alemã mais odiada
A lista é extensa: Grupo Separatista Branco (Brasil), Apartheid e Diktator (República Checa), White Riot (Canadá), White Aryans (Estonia), White Law (Reino Unido), Brutal Skins e Pig Killer (Finlândia), Aryan Blood, Division Viking, Gestapo, Hate Society ou White Aryan Rebels (Alemanha), Evil Skins e Patriotic Youth (França), Intolleranza e Gesta Bellica (Itália), Bulldog ou Terror National Front (Russia), Real Agression e Radikalne Patriote (Sérvia), Gestapo SS, Patriotic Front ou White American Youth (EUA). Todas são bandas de rock de Extrema-Direita, pró-nazi, racista ou racialista. E outras centenas haverá. Todas fomentam um discurso de clara apologia à violência, supremacia da raça branca, intolerância e discriminação racial.
Analisar caso a caso seria impossível. Mas, de entre todas, uma _ a "mais odiada das bandas alemãs" _ serve o paradigma. Chama-se Landser. Oriundos de Berlim, os membros da Landser estão na prisão desde Outubro do ano passado, depois de terem sido acusados de "incentivar a violência contra as minorias étnicas". As investigações duraram 15 meses e no momento da detenção os músicos foram apanhados na posse de armas. Os Landser gabavam-se de serem a banda mais odiada da Alemanha. Os seus discos há muito que são proibidos, mas vendem-se através da Internet.
As estrutura lírica das suas canções apela, por exemplo, à união entre os Arianos e consequente formação de um exército. O seu primeiro disco chamava-se "The Reich will rise again". O discurso sustenta-se num racismo primário, lerdo na classificação, execrável e bacoco na exposição das ideias. Em "African song", por exemplo, o refrão traduz-se assim: "A África é para os macacos/ A Europa pertence aos brancos/ Ponham os macacos nos barcos e levem-nos daqui para fora". A letra do tema prossegue neste registo, até que termina com relatos do barco naufragado, macacos em afogamento e a serem comidos por todos os peixes do oceano que ficam doentes após terem ingerido "a carne dos macacos". Noutras canções, os Landser exigem a libertação de todos os nazis detidos e sonham com o regresso do Reich, altura em que "os turcos já não andarão por aqui/ nem os pretos beberão as nossas cervejas alemãs".