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Universidade Luterana do Brasil

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Cinema em Cena
Taradinhos da Vovó

Jardel Machado Hermes

Memorial

Após o meu longo trajeto de micro-ônibus até a Ulbra (moro em Camaquã) cheguei entusiasmado(nem tanto) ao prédio 55 onde começaria minha primeira aula de expressão corporal. Como estava atrasado tive que fazer o trabalho do texto sozinho. Ao me deparar com aquele pedaço de papel onde um terço das palavras eu não compreendia, comecei a suspeitar que havia entrado na sala errada já que imaginava que expressão corporal seria mais uma daquelas disciplinas em que eu passaria fácil fazendo só aulas práticas. Reli o texto na ingênua esperança de que entenderia alguma coisa mas minhas expectativas foram em vão. No momento seguinte eu já estava irritado e pensei em abandonar o curso na mesma hora para me dedicar à minha verdadeira paixão, o Cinema. Várias vezes já havia me indagado sobre a minha escolha de fazer Educação Física, pois na verdade eu sou um cinéfilo de carteirinha e só seria feliz na minha profissão se trabalhasse nessa área. Com esse pensamento em mente, eu já estava pronto pra sair dali no primeiro intervalo e ir direto pro shopping pegar um cinema. "Mais dez minutos", o professor falou, então eu senti que devia escrever alguma coisa apesar de não ter entendido bulhufas do que havia lido. Peguei algumas palavras e joguei numa folha sem muita preocupação se estava errado ou não (é óbvio que estava tudo errado). Minutos depois eu já estava mais calmo pois o professor revelou o que quase inconscientemente eu já suspeitava: aquele texto não fazia sentido! Então fiquei mais tranquilo, e a aula começou a ficar mais interessante quando o professor tirou aquele ar sério do rosto e sentou numa classe. Ele falou sobre a importância de aproveitar o curso, pois com o dinheiro que investimos, podíamos até mesmo aplicar num negócio lucrativo (eu poderia abrir uma locadora).

As primeiras vivências foram simples: cruzar os dedos e os braços ao contrário para quebrar o padrão, pois o ser humano tem potencial para fazer diferente. Ao cruzar os dedos ao contrário do que eu estava acostumado não senti nada muito diferente, mas quando com dificuldades cruzei os braços ao contrário senti uma sensação estranha, era uma posição incômoda, como se houvesse algo errado com meus braços.

À essa altura já estava gostando da aula, por isso quando chegou o intervalo já havia desistido da idéia de ir ao cinema.

À noite, Clésio falou sobre a diferença entre rotina e a conduta padrão. Então entendi a importância da rotina, pois se ela existe é possível quebrá-la e desse modo surpreender as pessoas que amamos. Eu cheguei a pensar em comprar algo para a minha namorada e presenteá-la sem nenhuma razão especial, mas como a grana está curta fui obrigado a suspender a idéia.

As vivências foram ficando cada vez mais divertidas, como não lembro de todas, vou falar das que eu mais gostei: A brincadeira do robô foi uma das primeiras que envolviam o toque, e foi uma das mais divertidas também. O professor Clésio conseguiu trabalhar a questão do toque sem a turma perceber que o objetivo principal era esse. Desse modo, tudo fluiu mais naturalmente. Quando fiz a brincadeira do robô, eu me diverti muito. Eu preferia ser o robô porque apesar de estar sendo controlado a sensação de liberdade era maior pois não exigia responsabilidade nenhuma da minha parte. Por outro lado, quando eu estava controlando os meus robôs eu devia ficar atento sempre, pois a responsabilidade era toda minha. Era muito mais difícil ser controlador do que ser robô. Eu acho que isso pode ser comparado à relação de pais e filhos. Ser filho é muito mais fácil, mesmo tendo um pai controlador. Já o pai não tem a mesma liberdade do filho, pois ter um filho exige responsabilidade e responsabilidade não combina com liberdade.

A brincadeira da massa de modelar também foi bastante divertida, pelo menos quando eu era o modelador (afinal, ficar imóvel enquanto outra pessoa fazia você ficar nas posições mais ridículas não era muito divertido). Quando fui modelador tentei fazer posições engraçadas que beiravam o ridículo e me senti voltando à infância como num divertido jogo de montar. Já quando fui a massa, asensação foi de total submissão e prisão (além de dor por permanecer em posições desconfortáveis).

Quando começamos as vivências que trabalhavam o toque sem a visão, o grupo já estava bem mais entrosado. Fazer as coisas sem o auxílio da visão é difícil para qualquer um, pois a visão representa 95% da nossa organiza;cão de mundo. Na vivência em que devíamos imitar a posição da outra pessoa sem utilizar a visão, além de me sentir excitado (excitado sim, ora! Afinal quem não se sente assim ao ter seu corpo tocado por uma mulher?), achei uma ótima forma de sentir o corpo do outro e trabalhar o toque usando como desculpa um jogo de desafio. As mesmas considerações valem para a vivência que começou apenas como um desafio de equilíbrio e foi se desenvolvendo até ficarmos quase totalmente desinibidos em relação ao corpo do outro. Nessa vivência, o que colaborou muito para o sucesso da experiência foi o fato de eu estar vendado e saber que a mulher com quem eu trabalhava também não enxergava nada, e melhor ainda, ela não sabia quem eu era e eu também a desconhecia (pelo menos no início). Mas talvez o que mais ajudou foi o fato de saber que todos na sala também estavam de olhos vendados, desse modo é como se estivéssemos no escuro (apesar de que às vezes me vinha na cabeça a idéia de que o professor havia mandado o pessoal tirar a venda e estariam todos sentados observando nós dois).

Sobre o relaxamento na última aula, não tenho muito a relatar, pois infelizmente eu me esqueci de ir ao banheiro antes da aula começar, então tive que ficar segurando até o relaxamento acabar, o que dificultou completamente a minha concentração.

O vídeo que assistimos no final me passou uma emoção semelhante à que sinto quando assisto a filmes como "Sociedade dos Poetas Mortos" e "Beleza Americana" (filmes como esses deveriam ser obrigatório para todos os seres humanos verem e reverem). Semelhante também ao sentimento que tive quando ouvi a música "Epitáfio" dos Titãs pela primeira vez. Eu senti que a vida pode ser vivida de várias formas, mas ela deve ser vivida intensamente, dando importância a cada segundo no presente em que estamos vivendo e não dando tanta importância para o que já passou e o que está por vir.

Adorei essa disciplina, mas a vontade de fazer Cinema que ainda tenho está ficando cada vez mais forte e mesmo que eu tenha que me formar em Educação Física primeiro, vou também cursar Cinema depois. Afinal só temos uma vida e no futuro eu quero me arrepender de coisas que fiz mas não de coisas que nunca tentei fazer.

O texto a seguir tem tudo a ver com aquele vídeo e com as idéias acimas:

Se eu pudesse viver minha vida novamente,

A próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito: relaxaria mais,

Seria mais tolo do que tenho sido e, de saída

Levaria mais a sério pouquíssimas coisas. Seria menos higiênico.

Correria mais riscos, faria mais viagens,

Contemplaria mais entardeceres,

Subiria mais montanhas, nadaria em rios,

Iria a lugares onde nunca estive antes,

Comeria mais doces e menos verduras,

Teria mais problemas reais,

E menos problemas imaginários...

Eu fui uma dessas pessoas que viveu Sensata e

Prolificamente cada minuto de minha vida

E, é claro, em meio disso,

Tive certos momentos de alegria.

Mas, se eu pudesse voltar atrás,

Trataria de ter somente bons momentos.

Pois, se não sabes, é disso que a vida é feita

Momentos......

E não perca pôr favor, nunca o aqui e o agora.

Eu era um desses que não iam a nenhuma parte,

Sem um termômetro, uma bolsa de água quente,

Um guarda-chuvas e um para-quedas.

Se eu pudesse voltar a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver,

Começaria pôr andar descalço desde o início da primavera

E seguiria assim até terminar o outono.

Daria mais voltas pelas pequenas ruas,

Contemplaria mais amanheceres

E brincaria com mais crianças,

Se eu tivesse outra vez a vida pela frente.

Mas perceba... tenho oitenta e cinco anos... e sei que estou morrendo.

Doze dias antes de morrer, O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1988) escreveu este texto-testamento