Você encontrou a primeira passagem secreta

		A BRUXA
			A Emil Farhat

	Nesta cidade do Rio,
	de dois milhões de habitantes,
	estou sozinho no quarto
	estou sozinho na América.

	Estarei mesmo sozinho ?
	Ainda há pouco um ruído
	anunciou vida a meu lado.
	Certo não é vida humana,
	mas é vida. E sinto a bruxa
	presa na zona de luz.

	De dois milhões de habitantes !
	E nem precisava tanto...
	Precisava de um amigo,
	desses calados, distantes,
	que lêem verso de Horácio 	
	mas secretamente influem
	na vida, no amor, na carne.
	Estou só, não tenho amigo,
	e a essa hora tardia
	como procurar amigo ?

	E nem precisava tanto.
	Precisava de mulher
	que entrasse nesse minuto,
	recebesse este carinho,
	salvasse do aniquilamento
	um minuto e um carinho louco
	que tenho para oferecer.

	Em dois milhões de habitantes,
	quantas mulheres prováveis
	interrogam-se no espelho
	medindo o tempo perdido
	até que venha a manhã
	trazer leite, jornal e calma.
	porém a essa hora vazia
	como descobrir mulher ?

	Esta cidade do Rio !
	Tenho tanta palavra meiga,
	conheço vozes de bichos,
	sei os beijos mais violentos,
	viajei, briguei, aprendi.
	Estou cercado de olhos,
	de mãos, afetos, procuras.
	Mas se tento comunicar-me,
	o que há é apenas a noite
	e uma espontosa solidão.

	Companheiros, escutai-me !
	Essa presença agitada
	querendo romper a noite
	não é simplesmente a bruxa.
	É antes a confidência
	exalando-se de um homem.

		Carlos Drummond de Andrade


Nude sdraiato - Amedeo Modigliani

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