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Pleno emprego - do sonho à realidade

 

Na sua edição de Março de 1999, a revista “ Journal of Economic Litarature”  publicou a síntese de uma pesquisa sobre as causas do mau desempenho da economia do continente africano nos últimos tempos. Segundo os economistas que estudaram a problemática do crescimento económico deste continente, o mau desempenho da África  explica-se, em parte, pela ausência de algumas variáveis que são determinantes no processo de  crescimento económico, nomeadamente  “ capital social”, um conceito  que engloba a confiança que as  pessoas geralmente têm nas instituições do Estado responsáveis pela concepção e execução  de políticas  económicas e sociais. Por isso,  o desempenho da África é o que se sabe: durante o período de 1990-94,  o seu   rendimento  per capita  foi de menos 1,8% .

 

Recentemente, durante as campanhas para as legislativas, o MPD prometeu, caso ganhasse as eleições, o pleno emprego (taxa de desemprego zero?) para os   milhares de caboverdianos desempregados sem explicar, contudo, como e com  que recursos é  possível atingir tal desiderato.

 

A  nosso ver tal promessa  não deixa de ser utópica, mesmo colocando a palavra pleno entre aspas. De facto, o  conceito do pleno emprego, endossado como meta de política económica,  em 1944, no White Paper do Governo Inglês, por força dos avanços registados na ciência económica dos últimos 30 anos, caiu em desuso e um outro o substituiu, designadamente a chamada  “ taxa de desemprego natural”   que nos países desenvolvidos, se situa  em valores próximos dos  5%.

 

Para as economias menos maduras ou  não desenvolvidas,  dependente e vulnerável como é o caso da de  Cabo Verde,  um dos grandes desafios para a política de desenvolvimento é seguramente  satisfazer, por um lado, as necessidades de emprego  e de qualificação para uma  grande parte da população economicamente activa e desempregada e,  por outro, às dos activos que precisam de aperfeiçoamento  profissional para garantirem  estabilidade dos seus postos de  trabalho. 

 

Analisando a evolução do emprego em Cabo Verde,  podemos afirmar que, em termos gerais, o mercado de emprego caboverdiano caracteriza-se  por  importantes desajustamentos que se traduziram, ao longo do tempo, na criação insuficiente de empregos, no desemprego jovem causado, nomeadamente pelas perdas do sistema formal do ensino, nas assimetrias regionais, no baixo  nível de habilitação da população activa e  em situações de falta de expectativa de uma parte importante de inactivos considerados, no conceito operacional de emprego, como desencorajados.

 

Com base nos dados de censos de população, o quadro 1 mostra-nos que  nos últimos 50 anos a taxa de desemprego   situou-se,  em média, em valores superiores a 25% sendo relevante apontar a taxa de 38% atingida em 1970. Em 1990, ano em que o crescimento do PIB foi de apenas 0.9%, a taxa global de desemprego atingiu 26% da população activa e, em algumas    ilhas alcançou  valores superiores à média nacional: 30% na Boavista, 39,6% na Brava e 35,2% em S.Vicente.        

 

 

 

 

 

Quadro 1

Dados de Censos da População

(Anos)

 

1940

1960

1970

1980

1990

 

24,2%

 

 

17,5%

 

38,8%

 

25,4%

 

26%

 

Quadro 2

Dados de Inquéritos às Forças de Trabalho

 

Ano

Ilha

1986

1993

1994

1996

Mindelo

33,1%

35,4%

43,1%

44%

S. Filipe

21,3%

35,8%

39,6%

39%

Praia

24%

24%

32,8%

32%

 

Quadro 3

Dados do Observatório de Migrações e Emprego

 

Ilha

Ano
Santiago
S.Vicente
Sal
Fogo
1999
22.4%
30%
18.9%
32%
2000
20%
22.5%
12.6%
32.1%

 

 

Após a transição económica de 1991, o funcionamento do mercado de emprego tornou-se  mais complexo. Os actores são agora  mais numerosos e heterogéneos,  proliferou-se o sector não estruturado ou informal e a era de um Estado empregador está quase ultrapassada na expectativa de que o sector  empresarial nacional, ainda  frágil, possa vir a liderar  o processo de desenvolvimento (das 7.000 empresas recenseadas em 1998, cerca de 95% eram empresas que empregavam menos de 5 pessoas, portanto sem grandes flexibilidade em termos de recrutamento).

 

Por isso, embora a actividade económica tivesse dado sinais de recuperação a partir de 92, o comportamento do mercado de emprego, nos últimos anos,  continuou desfavorável e caracteriza-se  pelo desemprego do desequilíbrio( crescimento económico sem emprego) resultante, em parte,  da inadequação das ofertas dos sistemas de educação/formação que não conseguiram responder às novas exigências do mercado de emprego em termos de perfis de competências.

 

Os dados dos Inquéritos às Forças de Trabalho, referentes aos principais centros urbanos, confirmam  a fragilidade  do sistema de emprego (Quadro 2). Durante um período de 10 anos, a taxa de emprego manteve-se a um nível espantosamente elevada  em S.Filipe,  Mindelo e Praia. Adianta-se ainda que o inquérito de 1996 estimou, em sentido restrito, a taxa de desemprego em 38% e, “ironicamente”, em algumas ilhas o desemprego atingiu níveis iguais às registadas em 1990: 36% em Porto Novo, 34% em S. Nicolau, 43% em Santa Cruz e 49% no Maio.

 

Desde  1996, não foram realizados inquéritos para estimar  as diferentes  taxas de desemprego em Cabo Verde ( exceptuando o Censo 2000 cujos resultados definitivos  ainda não foram divulgados).  Deste modo, qualquer análise do mercado de emprego terá que ser feita com base nos dados do  Observatório de Migrações e Emprego”, produzidos pelo IEFP.
 
O Observatório é um instrumento importante para seguir as tendências do mercado de emprego mas, infelizmente, não nos permite fazer qualquer inferências sobre a dimensão da população economicamente activa ou mesmo estimar taxas de desemprego. Por estas e outras razões não se deve fazer  a análise da situação do emprego comparando os  dados do Observatório com os do Censo da População ou  de inquéritos como inadvertidamente alguns dirigentes do país tem feito nos últimos tempos.

 

A análise dos dados do Observatório requer algum cuidado. É que sendo um inquérito tipo sondagem, as variações de um trimestre para o outro de mais ou menos 3% não são consideradas significativas em termos estatísticos por se  situarem  dentro da margem técnica de erro. As  variações  superiores a   5%, no entanto, quando consistentes ao longo do tempo,  indicam uma tendência clara do sentido da situação do mercado de emprego. 
 

Em qualquer dos casos, analisado os dados do quadro 3, nota-se  que, no período de 1999/2000,  apenas nas ilhas de  S .Vicente e Sal   registaram-se diminuições nas taxas de desemprego. Em Santiago e  Fogo, a situação do mercado manteve-se praticamente inalterável. 

 

Nota-se ainda  que o Observatório indicou  uma taxa urbana de desemprego de 21% no último trimestre do ano  2000. Será que se pode concluir que a taxa de desemprego em Cabo Verde é de 21%, conforme publicitada na comunicação social do Estado? Seguramente que não:  é que a dimensão da amostra do Observatório é reduzidíssima e não permiti qualquer tipo de inferência, pelo que a estimativa mais “recente” é ainda aquela de 1996 do Inquérito às Forças de Trabalho.

 

Considerando que os dados revelam uma situação de grande fragilidade no mercado de emprego caboverdiano, a questão que se coloca é a seguinte: como maximizar a variável emprego nas políticas económicas? Alguém poderá argumentar que possui, no bolso da camisa, a solução  mágica do problema. Independentemente da resposta, adiantamos desde já que os desafios são enormes pelo que de seguida enumeramos alguns constrangimentos que os dispositivos do emprego e formação enfrentam:

 

·        Apesar dos esforços dos últimos dez anos, sobretudo em termos de reforço institucional, as fragilidades  dos sistemas formação e emprego são evidentes:  não há redes de serviços de emprego e o financiamento para qualificação e actualização profissional é manifestamente  inadequado  às necessidades do país.

 

·        As atribuições  das estruturas de formação e emprego, moldadas segundo o instinto neo liberal,  encontram-se  desarticuladas da realidade empresarial que, face a impossibilidade de internalizar os custos da formação, optam pela redução dos investimentos nos seus recursos humanos.

 

·        A rentabilidade dos investimentos  na formação de activos é prejudicada  quando a formação profissional é chamada a colmatar os défices da escolarização: segundo o Inquérito às Forças de Trabalho de 1996 uma percentagem  elevada da população empregada (e desempregada) possui  níveis de qualificação baixos: 22% da população empregada não tem nenhuma habilitação, 43% tem  o ensino  básico 1º Ciclo (actual 4ºano) e cerca de 20%  apenas o ensino básico 2º. Ciclo (actual 6º ano).

 

·        Registou-se nos últimos tempos um crescente dualismo do mercado de emprego, dividido entre o informal e formal. Estatísticas oficiais indicam que a percentagem da população empregada ocupada pelo sector informal subiu de 20%, em 1990, para 40% em finais de 1996. ( A  procura de emprego e a necessidade de ganhar mais foram apontadas como principais motivos da criação de unidades informais num inquérito ao sector informal  de 1997).

 

·        O funcionamento dos mecanismos de pilotagem e dos orgãos de  concertação estratégicos continua deficitário, reeditando, assim, o diagnóstico da década de 90, que indicava a falta de sinergias e consistência entre os vários actores do sistema como um dos grandes problemas do formação profissional.   

 

Perante esses factos, será que alguém em seu perfeito juízo acredita que é possível atingir o “pleno” emprego no decurso de uma legislatura? Haverá sempre alguém (um out-layer na linguagem estatística)  que acredita que sim. Contudo, dada a complexidade da questão, talvez através de um diálogo sério e franco sobre a problemática do emprego poderemos chegar a uma  conclusão dos limites daquilo que  realmente  é possível  fazer.

 

Óscar Santos

 

 

 

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