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A Política Externa Brasileira com Getúlio Vargas: nossos interesses e conquistas (1930-45)*

por Rodrigo de Oliveira Castro

1. Introdução

Este trabalho tratará da política externa brasileira durante o primeiro período de governo de Getúlio Vargas, que vai de 1930 a 1945. Período rico de acontecimentos, seu estudo é extremamente relevante para a compreensão da própria pessoa de Vargas e daqueles que, junto com ele, faziam parte da esfera central do processo decisório; relevante para qualificar seus resultados econômicos e políticos de governo, especificamente aqueles diretamente ligados à política externa. Serão estudados e destacados os fatores internacionais bem como os interesses brasileiros que promoveram a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, caracterizando-se a política externa brasileira dentro do cenário internacional e suas possibilidades de atuação, bem como dentro de seus próprios anseios.

2. Considerações Gerais

A conjuntura internacional ao início do primeiro período Vargas é uma conjuntura de crise. Crise nos âmbitos econômico, político e mesmo ideológico. Com uma forte depressão econômica sendo vivenciada pelos países centrais do capitalismo mundial, e, obviamente, sendo também sentida por todos os outros países periféricos, dependentes dos centrais, este momento histórico caracteriza-se pela ausência de um ator máximo ou supremo dentro da política internacional, é um período de redefinição e redistribuição de papéis e de poderes. Enquanto os países capitalistas se vêem na necessidade urgente de reformulação de suas diretrizes econômicas, a fim de não perderem espaço no jogo internacional, outros países, como a Alemanha, a Itália e o Japão, por exemplo, só para citar os mais importantes, desenvolviam políticas de desenvolvimento próprio, autônomo, de cunho extremamente nacionalista e por que não mesmo dizer, com todas as palavras, pelo menos no caso da Alemanha, expansionista. Fica evidente, à época, que somente um dos dois tipos de movimentos ou ideologias, a capitalista liberal ou a ditatorial ultranacionalista, é que poderia se tornar a locomotiva da política internacional. Como bem lembra Gerson Moura, tal crise e cenário se caracterizavam ainda pela "desorganização e diminuição acentuada do comércio internacional, com reflexos imediatos sobre as ecomomias industriais e não-industriais; adoção de rígidas políticas protecionistas e reforço dos laços imperiais por parte das potências européias; fracasso da tentativa de criar uma ordem internacional baseada na cooperação (Liga das Nações) e fracasso também dos esforços de desarmamento." (Moura, 1991, p. 4)

O Brasil, portanto, foi também fortemente prejudicado por tal conjuntura de competição e de crise. Por ser um país periférico, ele sofreu na sua economia e nas suas relações sociais, tomando estes dois aspectos novos e revolucionários matizes. Desde o início, com a Revolução de 1930, tornou-se necessário um governo forte que tomasse as rédeas do controle interno dos ânimos da nação e ao mesmo tempo soubesse se locomover dentro da nova (des)ordem mundial, sem descuidar do desenvolvimento econômico e político do país. O papel do Brasil, tradicionalmente, era o de fornecedor de matérias-primas tropicais e subtropicais às potências européias bem como aos Estados Unidos, sendo, portanto, dependente dos mercados internacionais e do capital estrangeiro. Com a crise, as exportações caíram, a receita cambial caiu, e a capacidade de importar também. Este tipo de economia tornou-se muito débil, e a situação brasileira cada vez mais crítica sócio-economicamente, tendo este se tornado o cenário para a ascensão de Vargas ao poder.

Vai ser Getúlio que, juntamente com sua equipe, fará com que o Brasil sobreviva à crise, moldando sua política externa às necessidades econômicas e políticas do país, e, é claro, de acordo com as possibilidades que se apresentavam. Por isso, é necessário ter-se conhecimento desta conjuntura à época, ainda que em linhas gerais, pois é a partir dela que se pode compreender o sentido das relações internacionais do Brasil, comercial e politicamente falando, até 1945. Ver-se-á que, apesar de muitas limitações e dificuldades, a política externa de Vargas defendia os interesses brasileiros de desenvolvimento e de independência frente às diversas nações já bem desenvolvidas, e principalmente frente à América Latina.

O Brasil, é preciso notar, não mudará essencialmente sua conduta internacional. Desde o início até o fim do período em questão, ele continuará com o seu mesmo papel de fornecedor de produtos agrários e matérias-primas estratégicas, assim como grande mercado consumidor dos produtos estrangeiros. Mas, graças aos esforços do governo Vargas, e em caráter de excessão, se conseguirá dar os passos fundamentais para a industrialização pesada brasileira, conseguindo o Brasil vantagens para si mesmo neste campo como também no de modernização qualitativa e incremento quantitativo das Forças Armadas e seus recursos. Assim, houve continuidade diplomática, uma vez que o Brasil não mudou a essência de sua inserção no contexto internacional, mas mudou administrativamente com um mais eficaz direcionamento do Ministério das Relações Exteriores no sentido de uma política externa mais preocupada com a economia e com o desenvolvimento, um Ministério mais atuante e mais consciente dos objetivos nacionais frente ao forte caráter econômico das novas relações. Era necessário aumentar a produção interna assim como as exportações, e, nesse sentido, a diplomacia brasileira tornou-se muito competente, estreitando os relacionamentos comerciais através de novos tratados com cláusula de nação mais favorecida, aliás, preocupação esta que já existia mesmo na administração diplomática anterior, como aponta Clodoaldo Bueno, mas com a diferença que, no período Vargas, o "ímpeto governamental" foi muito maior. (Cervo & Bueno, 1992, p. 218)

Getúlio Vargas, além disso, também procurou melhorar a economia do país valorizando o café, política esta, aliás, intimamente ligada à questão da melhora nas relações comerciais, uma vez que o café era o principal produto de exportação. Além de queimar os excedentes de produção que não conseguiam ser escoados, Vargas reduziu dívidas de vários cafeicultores, conseguindo evitar relativamente a queda na produção, a recessão e o desemprego. Promoveu conferências e congressos, assim feiras, para aumentar a consciência da importância das questões do café na população. Dentre outras medidas, em outros setores, pode-se ver, de um jeito ou de outro, como logo no início dos anos 30, Vargas desenvolveu uma política econômica eficiente e corajosa, no sentido de reerguer o país e salvá-lo da crise internacional, cujo sucesso estaria intimamente ligado à política exterior. É nisto que se aprofundará agora.

3. Os anos de eqüidistância e a política econômica: comércio exterior e industrialização

Excetuando-se o contínuo cuidado com as questões de fronteira, o pan-americanismo e também a diplomacia de conciliação, todos aspectos regionais de política internacional do Brasil, a política externa brasileira dos anos 30, até a entrada definitiva na Segunda Guerra Mundial, não se separa das questões de economia e desenvolvimento. Está tudo ligado intimamente. Embora haja quem diga o contrário, e o Brasil não deixasse de ser dependente de fato, nossa política externa nessa época se caracterizará realmente pelo que Gerson Moura chamou de "autonomia na dependência." Com extrema habilidade e capacidade de discernimento, somados à uma vontade inegável (não se pode deixar de admitir) de querer crescer e se desenvolver, a despeito das dificuldades enormes e desencorajadoras da conjuntura internacional, Vargas e sua equipe central conseguiram administrar o limitado poder brasileiro de barganhar internacionalmente. Eles se "adaptaram" inteligentemente àquelas características internacionais da época, estabelecendo uma posição de eqüidistância entre Estados Unidos e Alemanha, até onde foi possível. Aproveitando-se de uma conjuntura de instabilidade , rivalidade e competição, bélica, econômica e política, por parte dos países europeus e Estados Unidos, o Brasil vai tirar para si mesmo vantagens desenvolvimentistas.

Os Estados Unidos estavam extremamente preocupados, à época, com os rumos da política e da economia internacional, é claro, vendo as coisas através de seu próprio prisma. Potência capitalista em forte ascensão, os Estados Unidos precisavam fortalecer sua capacidade de influência internacionalmente. Isso se daria com o reincremento do comércio internacional. Assim, além de uma forte intervenção estatal na economia, passando a controlar tudo minuciosamente, os Estados Unidos procuravam promover desenfreadamente o livre-comércio pelo mundo, que seria proveitoso por demais para ele. Economias dependentes como a do Brasil se encaixavam perfeitamente nesse esquema, pois eram exploradas facilmente em seus recursos naturais e eram mercados consumidores excelentes para os produtos industrializados norte-americanos. Era uma política sem dúvida desvantajosa para países como o Brasil, que seriam assim controlados ou tolhidos totalmente em seus esforços industrializantes. Mas, como mostra Gerson Moura, a situação não era tão simples uma vez que países como a Alemanha, que estava crescendo fortemente, estabeleciam por sua vez políticas de comércio protecionistas, muito mais proveitosas para ela como para os próprios países dependentes. Assim, utilizando-se dos atrativos do comércio compensado, por exemplo, a Alemanha ganhava mais e mais parceiros comerciais, aumentando sua influência fortemente, principalmente na América Latina. Este era um motivo para fortes dores de cabeça para os Estados Unidos, somado com a "perigosa" influência político-ideológica que a Alemanha exercia também, através da difusão de valores nacional-socialistas. Tudo isto ia de encontro com a tendência econômica e estratégica globalizante dos norte-americanos que precisavam se reerguer internamente e ambicionavam a liderança internacional. Neste sentido, os norte-americanos estavam corretos ao entender que precisavam a qualquer custo "defender" a América Latina da influência européia, e mais precisamente, da influência alemã, italiana e japonesa, se quisesse manter sua hegemonia continental, que, por sua vez, era necessária para uma possível hegemonia mundial. Ora, dentro da América Latina lá estava o Brasil.

O Brasil, neste contexto, torna-se alvo natural dos intentos americanos. Além dos óbvios fatores de extensão territorial e variedade enorme de recursos e produtos a serem explorados, além de um vasto mercado consumidor para os manufaturados norte-americanos, há também a crescente posição geográfico-estratégica de nosso país no continente, fator este tomado como muito importante pelos estrategistas militares americanos à medida que as tensões no continente europeu se agravavam. Outro ponto, dentro da esfera dos recursos a serem aproveitados, eram as matérias-primas estratégicas em abundância no Brasil, coisa que era de conhecimento inequívoco de Washington. Por outro lado, era muito grande no Brasil, especialmente em São Paulo e nos estados da região sul, a influência cultural e política dos elementos humanos de origem alemã e italiana, principalmente. A influência alemã no meio militar, por exemplo, era muito forte. O Brasil internamente estava muito dividido e suscetível a este tipo de influência. A influência italiana também preocupava. Basta citar a Ação Integralista Brasileira e a sua propaganda de forte cunho nacionalista, cujos contatos com Roma e mesmo com o Partido Nazista, embora isto não se tenha provado, inquietavam sobremaneira os Estados Unidos e traziam instabilidade política muito forte internamente, o que era preocupante também não só para os norte-americanos como para o governo brasileiro. O próprio Vargas inquietará os Estados Unidos ao instituir o Estado Novo, regime totalitário muito semelhante politicamente ao das potências do Eixo. Simplesmente, então, o Brasil toma consciência de sua importância específica naquele contexto particular da política internacional, aproveitando-se disto para obter vantagens econômicas no que diz respeito ao comércio exterior, à industrialização e ao rearmamento e modernização das Forças Armadas. Estabelece-se uma política externa de neutralidade e eqüidistância, aproveitando-se ao máximo das vantagens de comércio com a Alemanha, sem, contudo, deixar de manter comércio também com os Estados Unidos. É preciso ilustrar este ponto.

3.1 - Comércio exterior

O comércio exterior tinha um papel muitíssimo importante dentro da política econômica de Vargas. Apesar de sempre ressaltar a importância da industrialização e incentivá-la, aliás coisa que fez desde o início de seu governo, como lembra e prova Stanley Hilton em seu livro O Brasil e a crise internacional (capítulo III) a despeito de outros autores afirmarem o contrário, o governo, nessa época, não descuidou do comércio exterior. Antes pelo contrário. Este era vital à recuperação da economia do país e, citando Moura, "essencial para a manutenção da própria ordem econômica e social e disso tanto o governo quanto as classes dominantes e os setores políticos tinham plena consciência." (Moura, 1991, p.16)

Getúlio, fazendo um jogo de cima do muro, soube, através da eqüidistância, não só cozinhar os Estados Unidos até onde foi possível como também controlar as diferenças internas de opinião acerca do estilo de comércio exterior, se livre-comércio ou comércio compensado, fazendo os dois. Enquanto o comércio com a Alemanha crescia sem parar, durante toda a década de 30, Vargas fazia comércio também com os Estados Unidos, que, aliás, tiveram que fazer "vistas grossas" em relacão ao comércio do Brasil com a Alemanha. Como o Brasil, já foi dito, era muito importante no esquema de poder e controle pretendido pelos norte-americanos, estes se utilizaram de uma política de boa-vizinhança no relacionamento com o Brasil para a consecução de seus intentos, procurando evitar uma inclinação definitiva do governo brasileiro para as potências do Eixo. Este tipo de comportamento brasileiro em relação ao comércio intensificou-se principalmente a partir de 1934.

Um exemplo muito bom desta situação é o dado por Bueno (Cervo & Bueno, 1992, p.232) que mostra como, no período destaque de 1934-1938, as importações brasileiras de produtos alemães crescem continuamente até suplantar o valor das importações de produtos norte-americanos. De acordo com ele, as exportações brasileiras para a Alemanha também aumentaram enormemente neste mesmo período. O comércio compensado, posto em prática com os alemães, era um "sistema em que importações e exportações eram feitas à base de troca de mercadorias, cujos valores eram contabilizados nas 'caixas de compensação' de cada país." (Cervo & Bueno, 1992, p.233) Era um sistema vantajoso pois podia ser utilizado, como o foi, durante escassez efetiva de numerário para as compras comerciais. "O comércio compensado afigurava-se uma política interessante aos industriais brasileiros na medida em que permitiu um controle sobre o mercado interno de tal modo que não fosse inundado por mercadorias concorrentes, de procedência alemã. A desvantagem estava no fato de os marcos de compensação não gerarem moeda disponível com a qual o Brasil poderia acorrer a outros compromissos com nações adeptas do livre-comércio." (Cervo & Bueno, 1992, p.234) Por outro lado, com os norte-americanos era praticado o sistema de livre-comércio.

Através do sistema de comércio compensado, o Brasil colocava no mercado produtos agrícolas como o algodão, café, cítricos, couro, tabaco e carnes. Entretanto, é preciso lembrar que o principal comprador de café do Brasil foram os Estados Unidos, durante todo este periodo. Por outro lado, o Brasil importava da Alemanha principalmente armamentos e munição para o reequipamento das Forças Armadas. Este foi um dos objetivos que o Brasil conseguiu impor e concretizar, através da sua "política de barganhas." As forças brasileiras estavam mesmo necessitadas de um incremento qualitativo e quantitativo nos seus armamentos, e a influência dos métodos militares alemães era grande entre os altos escalões das Forças Armadas. Além disso, Vargas e sua equipe também estavam preocupados com os rumos dos conflitos na Europa, estando conscientes da importância de ser o Brasil uma potência bélica no mínimo respeitável frente a qualquer nação imperialista e a um eventual, e muito possível, envolvimento da América Latina na guerra.

Com os Estados Unidos, o comércio de café continuou próspero durante todo o período. O Brasil lhes dava também uma enorme quantidade de matérias-primas estratégicas, "justificadas" pelos Estados Unidos como extremamente necessárias a seu "esforço de guerra." Os principais produtos eram o níquel, columbita, tantalita, tungstênio, mamona e óleo de mamona. À medida que a guerra ia se tornando iminente, os Estados Unidos tiveram que ceder também com diversos armamentos e munições para o Brasil, além de intercâmbio técnico e outras coisas mais. "O controle sobre matérias-primas estratégicas e sua distribuição era de fato uma arma poderosa de um Estado que começava a se envolver numa guerra em ampla escala e se transformava em grande potência. O mesmo significado político pode ser atribuído ao controle exercido sobre outras atividades econômicas, como o tratamento dos interesses econômicos do Eixo no Brasil, os problemas de navegação mercante, as operações financeiras e os mercados brasileiros para bens manufaturados. Todas essas questões eram vistas como subordinadas às necessidades do esforço de guerra americano. E nesse esforço o Brasil era visto basicamente como um produtor de matérias-primas." (Moura, 1991, p.18) Neste contexto, represálias norte-americanas à política econômica brasileira poderiam ser contraproducentes politicamente. Assim, principalmente a partir de 1934 e até o finalzinho da década de 30 o comércio exterior brasileiro foi "ambíguo", mantendo o Brasil, através de uma hábil diplomacia e senso de oportunidades em política externa, comércio tanto com os norte-americanos quanto com os alemães. Tirava, por isso, o país, proveitos para a nossa economia e desenvolvimento, estimulando até mesmo, diga-se de passagem, a industrialização menor, não-pesada, produtora de bens de consumo para o mercado interno, em substituição parcial das importações. (Silva, 1994, p.252)

3.2 - Industrialização e Siderurgia

Como já foi dito anteriormente, a industrialização foi desde o início uma das grandes preocupações de Getúlio Vargas, senão, talvez, a maior, que considerava que o progresso passava pelo desenvolvimento industrial e este, pela siderurgia. Vargas sabia que era necessário que o Brasil não fosse dependente dos bens de capital de outros países mais avançados. Ele tinha certeza de que só com um parque siderúrgico bem desenvolvido, que possibilitasse a fabricação pelo Brasil de seus próprios bens de produção, habilitaria o país a ser um dia verdadeiramente independente em termos econômicos, e, em consequência, talvez políticos, dentro do cenário internacional. Desde o início, ele foi criando as condições para o desenvolvimento e concretização deste projeto: tendo anteriormente proclamado suas opiniões acerca da importância da industrialização, já em 1932 ele cria o Departamento Nacional de Estatística, órgão administrativo resultante da fusão dos departamentos estatísticos dos Ministérios da Fazenda e da Agricultura, como mostra Hilton, no intuito de remediar a situação de "quase total ausência de informação segura sobre a produtividade industrial." (Hilton, 1977, p.108) Em 1934, Getúlio cria o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE) que , sob suas instruções, realizará "em 1936-1937 o primeiro grande inquérito industrial em escala nacional", inquérito este lembrado por Hilton como "uma prova nítida do compromisso do Governo para com a industrialização bem antes do Estado Novo." Além disso, "O tema da indústria como instrumento de política externa foi frisado constantemente por policy-makers brasileiros na década de 30. O Brasil não somente deveria transformar sua economia, essencialmente agrária, em industrial, diziam, mas deveria desenvolver uma capacidade de exportação industrial como veículo para a expansão da influência nacional na América do Sul." (Hilton, 1977, p.109-110) Vê-se, portanto, a ligação íntima de todas estas questões de desenvolvimento econômico e industrial com a política externa. Para Vargas era importante reforçar o pan-americanismo através do incremento qualitativo das relações comerciais com o restante da América Latina, coisa que se daria com a melhoria do setor industrial no Brasil. Tal importância ele manifestaria já desde 1931. A industrialização era importante ao Brasil, como elemento desenvolvimentista, e ao pan-americanismo, tendo o Brasil à frente. Era necessário, através da siderurgia, utilizar-se da enorme quantidade de ferro, de minério de ferro, existente no subsolo brasileiro. Aí estava, para o governo, a chave para o progresso. Getúlio se aproveita, então, da conjuntura internacional pré-guerra, e mesmo durante esta, para instalar definitivamente a siderurgia no Brasil. Habilmente, ele e sua diplomacia farão ver aos norte-americanos que o país está irredutível na sua vontade de implantar a sua indústria. Vargas deixa claro que se for necessário utilizar de apoio e financiamento alemães para a consecução de tal objetivo, é isto que será feito. Os Estados Unidos ficam crescentemente preocupados: O Brasil precisa permanecer dentro de sua esfera de influência globalizante. Além disso, com a entrada dos Estados Unidos na guerra, o Brasil passa a ser por demais importante estrategicamente, não só por suas matérias-primas estratégicas como por sua posição geografica, a saber, a saliência nordestina. (Cervo & Bueno, 1992, p.237)

"Vargas e o Itamarati habilmente exploraram tal preocupação, ao constantemente lembrar a Washington que firmas alemãs estavam dispostas a colaborar nos planos siderúrgicos brasileiros. O resultado dessas manobras foi um acordo, em agosto de 1940, pelo qual os Estados Unidos fizeram um empréstimo inicial de 20 milhões de dólares e forneceram assistência técnica para o projeto de Volta Redonda. Vargas pessoalmente supervisionou os esforços bem sucedidos para obter, de Washington, a classificação de alta prioridade para o equipamento destinado a Volta Redonda e, em março de 1943, conseguiu um segundo empréstimo de 20 milhões de dólares. Volta Redonda seria inaugurada, como era previsto, em 1946." (Hilton, 1977, p.114)

Não se pode esquecer que o estabelecimento das bases de nossa industrialização foi algo difícil de se engolir pelos Estados Unidos que, cedendo em caráter de exceção dentro de sua ideologia política, só o fez, devido à enorme importância estratégica e econômica adquirida pelo Brasil dentro da conjuntura política internacional. Mas, é claro, não se pode deixar de reconhecer a grande habilidade diplomática e oportunismo de Vargas e sua equipe mais próxima, empurrados que foram pelo desejo de crescimento e independência econômica. Os norte-americanos tiveram que dar o braço a torcer. Era preciso ceder na construção da siderúrgica brasileira e no reequipamento do nosso exército, estas que eram as duas grandes exigências da "política de barganhas" de Vargas, como apontou Moura: "Embora a construção da siderúrgica de Volta Redonda não estivesse na pauta do modelo econômico americano para a América Latina, justificava-se a iniciativa em termos políticos: a usina era o preço de obtenção da boa vontade brasileira para com as exigências americanas. E a boa vontade brasileira era então essencial ao planejamento estratégico de Washington." (Moura, 1991, p.21)

É interessante referirmos aqui, ainda que de maneira geral, algumas rápidas considerações que Stanley Hilton faz em seu livro O Brasil e a crise internacional (1930/1945), em capítulo acerca da influência militar na política econômica do Brasil. É interessante para complementar estas questões sobre desenvolvimento. Discordando de John D. Wirth, que afirmava que os militares brasileiros tiveram papel essencial na implantação da siderurgia mas que por outro lado não deram a devida importância às questões de comércio exterior (The Politics of Brazilian Development), Hilton defende o contrário. Para este, "O alto comando, na realidade, tinha agudo interesse na política comercial, encarando-a como o único meio de satisfazer as exigências imediatas de segurança nacional. Os objetivos comerciais e as necessidades militares seguiram rumos que aos poucos convergiriam a tal ponto que a política comercial se tornaria, em grande parte, uma função de tais necessidades. Quanto à siderurgia, os líderes militares olhavam benevolamente os esforços civis para estabelecer uma indústria em grande escala, e fornecerem assistência técnica. Não encaravam, entretanto, esse projeto de desenvolvimento a longo prazo como uma necessidade urgente e, por conseguinte, não agiram como o principal grupo de pressão nessa área. Isto não significa, é claro, que as forças armadas não constituíam uma corrente 'modernizadora', ou que não favoreciam a industrialização. Sugere, sim, a necessidade de examinar mais cuidadosamente o papel de agentes civis na implantação da indústria básica." (1977, p.60-61) É claro que os militares apoiavam o desenvolvimento e a indústria, tanto que não fizeram nada para impedí-los, mas, como era a conjuntura internacional pré-guerra que mais influenciava os militares, a preocupação deles era com a maior aquisição de armamentos e imediata melhoria das condições brasileiras de resposta bélica. Neste sentido, as relações comerciais com a Alemanha foram importantíssimas. Mais tarde, já tendo os Estados Unidos entrado na guerra, essas melhorias serão continuadas com a colaboração americana. Essas questões são por demais interessantes e, diferentemente de Wirth, Hilton apresenta várias provas e entrevistas que suportam suas considerações.

4. O realinhamento com os Estados Unidos e a Segunda Guerra Mundial

O realinhamento crescente com os Estados Unidos, principalmente a partir de 1939, acontece por ser inevitável. Vargas não pode mais manter-se pragmaticamente neutro e, num determinado momento, precisa definir o seu lado dentro da Segunda Grande Guerra. Já foi visto que, justamente por ter consciência dessa inevitabilidade, Vargas cobrou pela tomada de posição ao lado dos Estados Unidos e foi, somente com a implantação da siderúrgica no Brasil assegurada e a certeza de que as forças armadas seriam reequipadas com ajuda norte-americana, que entramos de fato na guerra. Não há como negar que o Brasil entra na guerra mais por vontade própria do que qualquer outra coisa. Afinal, nós tínhamos interesses que valiam a pena por si só. Com o ataque japonês a Pearl Harbor, o governo brasileiro se solidariza oficialmente com os Estados Unidos e, em 28 de janeiro de 1942, rompe relações diplomáticas e comerciais com as potências do Eixo. (Cervo & Bueno, 1992, p.239) Apesar da colaboração brasileira não ter sido, pelo menos aparentemente, essencial nos combates, ela foi de enorme importância estratégica, tendo o país colaborado com as bases militares no nordeste e com o fornecimento de matérias-primas estratégicas para a construção de material bélico por parte dos Estados Unidos. Mas o Estado-Maior do exército fez questão da entrada do país diretamente nos combates, para efeitos moral e político.

Com a entrada do Brasil na guerra, as colaborações entre os dois países se estreitam, fornecendo os Estados Unidos ao Brasil muito mais, além da elevação do crédito brasileiro. O Brasil procurou melhorar com isso o sistema de comunicações, a indústria bélica, o efetivo humano treinado etc. Devido à guerra, em 1941 é criado o Ministério da Aeronáutica e a FAB, juntamente com o exército, vai participar diretamente no esforço de guerra, protegendo rotas marítimas ao longo das costas nacionais e integrando-se à força aérea aliada, participando de operações no mediterrâneo e de uma esquadrilha de observação subordinada à Força Expedicionária Brasileira. (Cervo & Bueno, 1992, p.243) A FEB foi um projeto das lideranças políticas e militares brasileiras que permitiu "ao país participar mais diretamente da guerra e, com isso, ampliasse seu acesso às decisões sobre o pós-guerra, fortalecesse sua posição político-militar no continente e permitisse aquisição de know-how e armamentos para suas forças armadas." (Moura, 1991, p.14) Fazendo-se um rápido balanço, pode-se dizer que a participação do Brasil na guerra foi importante para o país, uma vez que, como aponta Clodoaldo Bueno, as Forças Armadas saíram bem modernizadas e reequipadas, além do aumento de oficiais treinados no estrangeiro. Para ele, o país aumentou o seu prestígio internacionalmente, por ter se juntado ao lado vitorioso, e aumentou também o "componente de orgulho incorporado ao sentimento nacional." O relacionamento entre brasileiros e americanos se intensificou e perdurou mesmo depois dos conflitos.

É preciso lembrar mais uma vez que o alinhamento do Brasil aos Estados Unidos nesta ocasião não foi um alinhamento caudatário. A adesão brasileira foi uma adesão muito negociada, com Vargas utilizando da soberania do país e de sua habilidade política para administrar a colaboração de modo a dar os máximos proveitos possíveis ao país. Foi uma adesão consciente por parte do Brasil que obteve sucessos vantajosos por seu lado. Afinal, nas relações internacionais é preciso estabelecer prioridades. Vargas as estabeleceu e concretizou, pelo menos enquanto esteve no poder.

5. Conclusões

O que se pode concluir, portanto, do primeiro período Vargas, no que diz respeito à política externa? Este foi um período muitíssimo interessante e exemplar. Getúlio Vargas e sua equipe estiveram sempre, desde o início, ligados e comprometidos aos interesses verdadeiramente brasileiros frente às outras nações. Compreenderam que, para se tornar uma nação forte, é preciso estabelecer e honrar um projeto nacional, ainda que a longuíssimo prazo. Este aspecto necessita ser bem frisado: um projeto nacional. A história ensina, e daí a importância de se estudá-la, que nada é fatal, insuperável, incontornável. É preciso aprender com a história. Essa é a primeira conclusão a que chegamos, pois o período Vargas nos mostrou que, mesmo tendo sido um país com espaço de atuação limitadíssimo na política internacional da época, nosso governo soube e teve a capacidade para vislumbrar e tomar pequenas saídas, pequenos desvios, pequenos atalhos, no sentido de trazer ao Brasil alguma vantagem efetiva ao seu crescimento. Neste sentido, podemos dizer que a política externa brasileira com Vargas, nestes anos estudados, obteve sucessos efetivos e fundamentais. Apesar de não mudar essencialmente o seu papel dentro do "teatro" das relações internacionais, o Brasil conseguiu, hábil e conscientemente, concretizar objetivos que são parte de qualquer projeto de grandeza de qualquer país. Obviamente que não se muda tudo da noite para o dia. O desenvolvimento é um processo, e, neste sentido, aqueles foram quinze anos "ganhos", diferentemente de outros períodos que costumam ser chamados "perdidos". Além disso, deve ser lembrada a maneira eficaz como nossa política externa foi conduzida, servindo aos nossos interesses econômicos, principalmente. Foi um período de relativa autonomia na formulação de nossa política externa, principalmente no âmbito regional. O país era dependente mas soube barganhar, soube obter vantagens e recursos. O país torna-se, neste período, visto, notado, participante. Não obtém, é compreensível, o reconhecimento dos Estados Unidos como sendo a "segunda potência" do continente americano, mas o Brasil aumenta o seu prestígio internacional durante o período, aumenta sua influência dentro da América Latina, estabelece relações que vão durar para além daquela época.


Rodrigo de Oliveira Castro é Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.

*Texto revisado pelo autor em 8 de Novembro de 1999.