
A Globalização não pode ser vista apenas como desdobramento na ordem econômica. Seu conceito e abrangência são maiores. Vale dizer, há uma verdadeira queda das fronteiras nacionais, com liberdade de fluxo de capitais privados, de tecnologias, de bens de consumo e de serviços. Seu impacto alcança quase todas as atividades humanas.
Podemos afirmar que a mundialização da economia começou nos séculos XV e XVI, com a expansão marítima e comercial liderada pela Europa. É importante observar, porém, que a globalização difere da mundialização da economia porque é mais complexa e mais profunda, mas guardam inegável grau de afinidade.
A Globalização teve vários antecedentes determinantes: o terror do extermínio da humanidade por armas nucleares, a luta pelo desenvolvimento no quadro político norte-sul, a escalada da ideologia do transnacionalismo, multiplicação das corporações multinacionais e das organizações não governamentais, a teoria da interdependência global, avanços da telemática. Entretanto, o grande marco da globalização recente foi o fim da guerra fria (o fim do socialismo burocrático, a queda do muro de Berlim, a eleição de Lech Walessa, a ocupação do vácuo deixado com a fragmentação da União Soviética).
Na área ambientalista, com a contaminação e deterioração do meio-ambiente em todo o planeta, as alterações no clima e a necessidade urgente de proteger a bio-diversidade, firmou-se a convicção de que o problema ecológico só poderia ser equacionado por meio de uma visão ampla e solidária que abrange os planos local, nacional, regional e internacional, uma visão, portanto, global. Foi esse o sentido geral da Conferência do Rio de Janeiro de 1992, que engendrou o revolucionário conceito de desenvolvimento sustentável. Acidentes tecnológicos como os de Bhopal, Three-Mike Island e de Chernobyl contribuíram para reforçar a consciência ecológica e para sublinhar a necessidade de que os processos industriais se conduzam em conformidade com padrões de segurança.
Estas são apenas instâncias de uma transformação de extraordinário impacto e de amplitude global que, em grande parte, já ocorreu, mas que continuará muito provavelmente a registrar-se. A persistirem as tendências atuais, teremos no próximo século, digamos por volta do ano 2020, um mundo radicalmente distinto do atual.
Na área econômica, promovem-se hoje a expansão dos fluxos financeiros, a internacionalização da produção, o estabelecimento de novas estruturas empresariais com apreciáveis ganhos de produtividade, a revisão das vantagens comparativas entre as nações, a descoberta de novos horizontes de comércio e consumo, a transformação do papel do Estado, etc. A globalização impulsiona a revolução tecnológica em nível mundial e há quem a veja como o arauto da pós-modernidade. Constitui-se, pois, uma nova ordem econômica e, até certo ponto, uma visão política. A cada uma de suas vantagens, contudo, está associado um possível risco. Os custos são altos e se distribuem de forma desequilibrada.
É importante notar que a globalização não elimina automaticamente o subdesenvolvimento, nem necessita ser uma forma de "desarmamento" unilateral dos países de economia mais fraca. Provoca o aprofundamento da fragmentação da posição negociadora dos países do Sul nos foros multilaterais, o que gera inseguranças, mas tem até um lado positivo. A premissa da unidade desses países, nunca inteiramente realizada, cede passo agora ao reconhecimento de sua crescente diversificação econômica e tecnológica. Seja no interior de suas regiões, como o MERCOSUL, onde o comércio quadruplicou em um quinquênio, seja na relação interregional, os países em desenvolvimento descobrem que suas economias podem com eficiência ser complementares - o que já altera substancialmente os padrões geográficos de seu comércio internacional e de sua cooperação tecnológica. Bom exemplo desta última é a cooperação sino-brasileira na construção de três a quatro satélites de recursos terrestres, de crescente sofisticação tecnológica.
Por outro lado, a globalização modifica os termos do secular hiato de riqueza Norte-Sul, pelo menos no que diz respeito a países asiáticos como a China, os membros da ASEAN e agora talvez a Índia. Há praticamente dez anos, o PNB per capita da China era 58 vezes inferior ao da média dos países desenvolvidos, os do Sul e Leste asiático 30 vezes. Hoje, essas cifras são respectivamente 31 e 25 vezes, o que representa avanços extraordinários. Enquanto isto, na América Latina a diferença aumentava de 8 para 9,3 vezes.
As repercussões internas no Brasil do processo de globalização, demandam atenção redobrada do Estado e da sociedade. Por isso, há motivos de sobra para participar ativamente das discussões sobre os rumos da política e da economia mundiais, na defesa do que percebemos ser do interesse nacional no contexto internacional.
A vida internacional é repleta de incertezas. Os espaços se abrem e rapidamente desaparecem. A competição, por exemplo, se acirra e não se restringe ao nível empresarial. Nem em todos os momentos a economia e a sociedade se apresentam de mãos dadas. Os processos de globalização e regionalização interagem de forma ambígua. Ambos têm seu lado positivo e faces obscuras. O Estado nacional, ciente de que por interméido do mercado, por si só, nem todos os macroproblemas podem ser equacionados e resolvidos em tempo útil, está se tornando o principal negociador, em nome da sociedade, da inserção de cada país na ordem global e regional.
As próprias experiências regionais demonstram a variedade dos caminhos da inserção global. Um deles é a regionalização aberta, que leva à expansão e reorganização do setor produtivo, com a multiplicação do comércio intraregional e a expansão da capacidade competitiva. A abordagem regional é condição sine Qua non da moderna integração na economia mundial.
Diante dos fatos, tornou-se insustentável o estilo autárquico de desenvolvimento, o que, entretanto, nem de longe esgota a ação estratégica do Estado. Políticas próprias, inclusive no nível regional, são necessárias para conter ou compensar os efeitos desorganizadores que advêem do processo de globalização.
A luta pela prosperidade requer a inserção eficiente no mundo da globalização. Os desafios da nova etapa do sistema de mercado e da organização da sociedade internacional só poderão ser eficazmente encarados a partir de uma visão de futuro, acompanhada de uma capacidade de planejamento estratégico, de uma noção de projeto nacional e da permanente participação democrática da sociedade.
Portanto, os conceitos e papéis do Estado e da administração pública terão de adequar-se ao novo cenário globalizado.
Em todo o mundo, as atribuições do Governo estão passando por transformações. As tendências que prevaleceram nos anos 80, buscando diminuir o papel do Governo em algumas áreas importantes têm, contrariamente ao previsto, aumentado a significância crítica do papel do Estado em outras. Isto é especialmente evidente quando se considera as atividades estratégicas, condutoras e reguladoras do Estado, das quais a liberdade política, democracia, justiça social e prosperidade econômica largamente dependem. Tais tarefas devem ser exercidas tanto em nível nacional quanto internacional ou intergovernamental.
Assim, o Estado deve concentrar esforços para melhorar as operações da administração pública, aumentando seu custo-efetividade, transparência e accountability. As mudanças devem ajudar o Estado a funcionar melhor, ao menor custo possível, promovendo a administração pública gerencial, transparente e profissional, em benefício do cidadão.
No Brasil, por exemplo, se há uma tarefa desafiadora e urgente, é precisamente a reforma administrativa. Não se trata, apenas, da reforma da Administração. É pensar-se o Estado moderno, o Estado contemporâneo e o seu relacionamento com as formas produtivas, com as forças políticas, com a máquina burocrática. Não são tarefas fáceis. São tarefas muito difíceis e que requerem, efetivamente, visões novas.
Essas modificações de amplo alcance devem implicar muita coisa.
Primeiro, na cultura. Há uma cultura política baseada numa noção de Estado e de sociedade que já não corresponde mais à prática da população brasileira. E, hoje, em cada momento da gestão pública, tem-se que pensar nesta transformação que está sendo empreendida, em como organizar os vínculos entre a sociedade e o Estado e entre o Governo e as formas estatais.
Por exemplo, no caso da educação, trata-se de reconstruir um modelo de organização que permita vincular a clientela da educação com os órgãos da sociedade civil, em nível local, com as Prefeituras, com os Governos estaduais e com o Governo Federal. É um relacionamento muito complexo que não se resolve, pura e simplesmente, aperfeiçoando a máquina burocrática do Ministério ou destinando mais verbas à educação, embora isso seja importante. É mais do que isso. É um novo modelo de relacionamento e de controle da ação governamental.
Manuel Castells qualificou as organizações não-governamentais de "neo-governamentais". E isso é importante. Nisso vai o reconhecimento de que o Governo, hoje, não se exerce isolado das formas de organização da sociedade, mesmo aquelas que não sejam representativas formais, tais como os partidos.
É assim que deve ser vista a reforma do Estado e dos mecanismos pelos quais existe o ajustamento entre a sociedade e o Governo.
A atuação do Governo, por exemplo, tem que abranger o conjunto das modificações que ocorrem, tais como um modelo de gestão da saúde pública, um novo modelo de gestão da educação, como fazer a distribuição de recursos. Isso, de imediato, provoca uma reação dos corpos intermediários, que permitem e criam o clientelismo.
Então, o Brasil tem que, ao mesmo tempo, superar a visão anterior de uma organização mais ampla, que é da Administração política que se estrutura e se baseia no clientelismo, no patrimonialismo, que degenera depois no que se chama de fisiologismo e na corrupção, para uma outra forma que não pode ser mais apenas, na tradução de Weber, racional-legal, na definição de normas abstratas, de concurso público, de normas válidas para todos.
Isso já não basta. Hoje, a Administração requer também uma visão gerencial, na medida em que incorpore o que foi gerado pelo setor privado como forma de organização, que quer ver o resultado e que confia no administrador, desde que ele preste contas depois dos seus resultados. No Brasil, infelizmente, não é assim. Há um grande número de pequenos controles burocráticos que emperram a Administração, seja os indivíduos, seja as outras agências da sociedade.
Apesar de importante, também não é suficiente, porque não trata apenas de substituir um modelo patrimonialista, burocrático, por uma burocracia racional-legal e de cunho gerencial. Estamos tratando de algo que tem que incluir essas dimensões novas e uma participação mais ativa dos corpos que não são corpos do Estado e que são organizados, ou quase organizados. Às vezes, são até movimentos. Não chegam a gerar, ainda, instituições, mas têm que ser ouvidos na Administração moderna e no modo pelo qual o Estado moderno se sustenta.
O desafio da Administração Pública brasileira no contexto econômico, político, social e tecnológico globalizado é pensar esses processos, simplificar a máquina burocrática e criar novas formas de definição de prioridades, de destinação e de controle da utilização de recursos.
O Setor Público, sua composição, funções, modo de funcionamento, é de fundamental importância para a evolução econômica e social de um país moderno. Isto deve-se não só ao fato de lhe competir o apoio à definição e em larga medida à execução da política econômica e à regulação de mercados e instituições, como à sua dimensão e consequente impacto das suas ações e decisões sobre os agregados macroeconômicos e sobre os níveis de bem-estar.
É inegável que no Brasil, o Setor Público tem merecido atenção face ao aumento do grau de abertura da economia ao exterior e sobretudo à integração da economia ao Mercosul. Tal torna necessário que a Administração Pública atinja níveis elevados de eficiência e qualidade dos serviços prestados, que correspondam aos padrões dos parceiros e que constituam elemento de reforço da competitividade global da economia.
O estudo de qualquer faceta da Administração Pública, sobretudo quando tal envolver uma perspectiva temporal ou comparações internacionais, requer a definição do que se entende por Setor Público. Com efeito, um conceito demasiado restrito, apenas a Administração Central, por exemplo, é vulnerável a divisões diferentes de tarefas entre Administração Central, regional e local nos vários países.
Por outro lado, um conceito demasiado lato, incluindo as empresas públicas, por exemplo, torna o indicador ou indicadores que se utilizar sensível à dimensão e estrutura do setor empresarial do Estado e a operações de privatização.
Para dar um conteúdo o mais possível preciso e não arbitrário, alguns países têm definido o Setor Público compreendendo as unidades institucionais que têm por finalidade principal a produção de serviços não comercializáveis destinados à satisfação de necessidades coletivas e/ou efetuam operações de redistribuição do rendimento e do patrimônio nacional. Os recursos destas unidades provêm principalmente de impostos e contribuições sociais obrigatórias, que incidem sobre os outros setores e instituições residentes, recebidos por via direta ou indireta. De acordo com esta definição estão integrados no Setor Público:
Embora não coincidente com a definição acima e não sendo isenta de polêmica quanto a sua inclusão no Setor Público, podem considerar-se ainda as Instituições Particulares sem Fins Lucrativos, que incluem os organismos dotados de personalidade jurídica que produzem principalmente serviços não comercializáveis e cujos recursos provêm, em geral, de aportes feitos pelo Estado ou pelas autarquias. Esta é a única via para obter informação estatística consistente e efetuar comparações internacionais.
As Constituições normalmente não adotam um conceito de Administração Pública. No entanto, não deixam de estar subjacentes às suas disposições as tradicionais concepções orgânica e material de Administração Pública reconduzidas, respectivamente, ao conjunto dos órgãos dotados de poderes de autoridade pública que asseguram em nome da coletividade a satisfação das necessidades coletivas e à atividade desenvolvida para essa satisfação.
A idéia de que a Administração Pública constitui uma realidade complexa tem tradução quando se comete ao Governo a direção da Administração direta do Estado, a superintendência na Administração indireta e a tutela na Administração autônoma.
Assim, os diversos componentes da Administração Pública ficam subordinados ao Governo, o qual é designado não só como órgão de condução da política geral do país como também órgão superior da Administração Pública. Estão integrados no Estado, aqui tomado no seu sentido mais amplo enquanto expressão máxima da organização política do País, as pessoas coletivas públicas, quer de base territorial, quer de base institucional.
A função do Estado assim definida pode muito bem ser executada exclusivamente através do exercício da função regulatória, ou poderá sê-lo também através do exercício da função administrativa do próprio Governo se as leis que vierem a regular a matéria assim o exigirem.
Como é do conhecimento, o contexto econômico globalizado, porquanto os governos precisam ser mais eficientes, impõe a contenção das despesas públicas e a redução dos deficit orçamentais. Com tal objetivo, muitos governos têm utilizado meios diversificados, desde a privatização pura e simples, à supressão de alguns programas.
Por outro lado, os contribuintes mostram-se muitas vezes descontentes com a qualidade e os custos dos serviços fornecidos.
Deve-se interrogar sobre se as únicas vias possíveis na gestão pública seriam as de reduzir a despesa ou privatizar.
Entende-se que há caminhos alternativos.
É inevitável encarar uma revisão dos modos e da cultura de gestão pública de forma a melhorar a relação custo-benefício no quadro do direito público e da responsabilidade política.
No ponto dedicado ao tema da desintervenção conclui-se quanto à necessidade de extremas cautelas na utilização dos mecanismos e métodos que a proporcionam. A Administração Pública, nos seus domínios de estratégia, concepção, controle das políticas públicas e garantia da prestação de serviços de interesse geral ocupa e ocupará sempre um lugar de destaque como organização produtora de bens públicos.
As duas constatações anteriores obrigam a que se encare os problemas da gestão pública com a maior atenção, sendo indiscutível que constitui um enorme campo de ação com vistas a melhoria do serviço público com o menor custo para a sociedade.
Importa também ter presente que a Administração Pública tem que ser vanguarda na medida em que lhe cabe o papel de apoiar o Governo nas suas missões estratégicas para o desenvolvimento. Se o seu progresso depende em parte do próprio progresso da Sociedade (não há Administração desenvolvida numa Sociedade que não o é), estará sujeita a maiores exigências, pois o sucesso das políticas públicas depende em parte da forma como é capaz de informar e apoiar a concepção de novas decisões para o desenvolvimento e acompanhar a sua aplicação.