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O ANARQUISMO HOJE

PROBLEMAS E POSSIBILIDADES DE UMA PRÁTICA LIBERTÁRIA

 

 

I. O FUTURO QUE O CAPITAL NOS PREPARA

Vivemos uma época de profundas mudanças, da tecnologia às relações sociais, da economia à política. Transformações que não têm, no entanto, qualquer sentido de superação do Sistema - das suas injustiças e irracionalidades - antes pelo contrário, são condicionadas pelos seus interesses estratégicos de preservar a Ordem Reinante.

A derrocada do socialismo de estado no leste europeu é uma dessas mudanças decisivas que marcarão a nossa época. Um processo de auto-reforma iniciado pela oligarquia burocrática, saíu do controle e acabou pulverizando um sistema estatista e autoritário, que alguns teimavam em chamar socialista. Acontecimento inegavelmente positivo para os povos que se libertaram desse sistema terrorista de dominação mas que não deixa de ser, ao mesmo tempo, uma vitória de sectores dessa mesma burocracia que conseguiram preservar o seu poder. Mais uma vez, como tem ocorrido nas últimas décadas, as classes dominantes substituem-se no poder em resultado de uma exaustão política ou de um processo de luta interna. Como no caso das ditaduras ibéricas e dos governos militares latino-americanos, não foi a luta dos explorados e dominados que determinou as mudanças e o fim dos regimes. E quando o povo se apresentou no cenário, foi para sufragar os novos sistemas de dominação, ou para ser usado como carne para canhão, como assistimos na Roménia, Jugoslávia, Geórgia ...

Também a ideologia liberal saiu vitoriosa, a derrota simbólica das ideias de uma alternativa social, que estiveram presentes nos primórdios da Revolução Soviética, vai ser por muito tempo o tema central da propaganda capitalista. E razão de descrença e desesperança de muitos dos que lutam contra este sistema.

O socialismo autoritário sai do cenário social derrotado, mas contribuindo para um decisivo impulso no sentido da uniformização e homogeneização do sistema capitalista à escala mundial e em primeiro lugar do modo de produção e das formas de controlo social. Uma nova conjuntura assente na mundialização da divisão do trabalho e na segmentação do mundo - e de cada região - em ghettos de riqueza cercados de miséria (1).

Um panorama internacional marcado por uma convergência quase total entre os principais centros de poder e administrado pelos Sete Mais, que usarão os seus organismos internacionais: ONU, CEE, NATO, FMI, como instrumentos de gestão, de polícia e como companhia de seguros da Ordem Internacional.

A utilização da ONU durante a Guerra do Golfo, a manutenção da NATO após a dissolução do Pacto de Varsóvia, a recusa pelos Estados Unidos da redução a patamares baixos do potencial nuclear e as pretensões hegemónicas da Alemanha dentro da CEE, são, entre muitas outras manifestações, demonstrativas desta nova re-articulação do Capitalismo Internacional.

Neste contexto de restauração, e principalmente nas sociedades de consumo, massificadas e manipuladas por uma rede de propaganda e informação dirigida, as possibilidades de uma alternativa social afunilam-se, já que os valores libertários da autonomia, solidariedade, livre pensamento e auto-governo são dificilmente inteligíveis ou aceites pela maioria dos cidadãos amestrados, incapazes de qualquer reflexão crítica, afundados que estão no minimalismo ético e no cinismo pragmático.

Só os excluídos dessa sociedade ou os que nela se não reconhecem podem identificar-se, potencialmente, com esses valores. Em termos objectivos, essa é a nossa margem de actuação nas sociedades do chamado 1º Mundo. Mesmo que saibamos que esse conformismo maioritário pode ser abalado, quer por alterações socio-económicas quer pelo aprofundamento gradual da crise civilizacional que vivemos.

Outra é a situação vivida nos países do hemisfério sul - com algumas semelhanças no leste europeu - onde a super-exploração, a não satisfação das necessidades básicas e uma flagrante desigualdade social, abrem espaços à continuidade de amplos movimentos de luta anti-capitalista.

Olhando ao nosso redor, não seria excesso de pessimismo afirmar que nunca como hoje as forças do estado e do capitalismo foram tão fortes e as tendências libertárias da alternativa social tão fracas. Apesar disso, persistem contradições e tensões fundamentais no sistema dominante. Começando pela miséria absoluta da maioria da população mundial, que contrasta com a riqueza ostensiva e delapidatória de alguns. A própria marginalização de sectores sociais dentro dos países ricos, de jovens, desempregados e velhos, aponta os limites de assimilação do sistema. O desenvolvimento da tendência de crescimento dos empregos informais, a desqualificação do trabalho pela introdução de novas tecnologias, o aumento do desemprego, são problemas congénitos da economia do lucro.

Por outro lado, a natureza predatória da sociedade capitalista-industrial, o esgotamento de recursos, a destruição causada no meio ambiente, o reverso destrutivo desta forma de "progresso" e da sua utilização arbitrária das novas tecnologias, impõem aos gestores desta ordem a integração de uma política de restrições ambientalistas. Mas que não aponta uma solução harmoniosa para o problema do desenvolvimento e da utilização da tecnologia; o capitalismo pode sentir necessidade de contabilizar os prejuízos ou as ameaças futuras, mas não pode assimilar os questionamentos radicais levantados por ecologistas e libertários. Os problemas levantados por Bookchin, Schumacher e Bousquet só podem ser resolvidos no contexto de uma sociedade descentralizada e auto-gerida, capaz de criar e controlar formas tecnológicas adequadas a um desenvolvimento integrado e auto-sustentado. Por isso, Bopal e Chernobyl são apenas uma parte do futuro que o capital nos prepara.

Ao nível político há uma tendência generalizada para a restrição das liberdades e garantias conquistadas em outras épocas, reflectindo-se directamente no ordenamento jurídico, com a reintrodução de conceitos e práticas autoritários e inquisitoriais no direito penal e processual.

A democracia representativa esvazia-se face à inexistência de escolhas reais e à transformação das eleições em simples competições de marketing. Uma crise de legitimidade que é ampliada pela crescente burocratização do Estado e pelo facto de as mais importantes decisões económicas e políticas serem tomadas, quer ao nível privado quer ao nível internacional, fora do controlo do chamado Estado de Direito. O mesmo ocorre com a maioria das decisões técnicas e com aquelas que são tomadas no complexo de segurança, onde predomina o princípio do segredo (2).

Afirma-se a tendência para um estatismo autoritário, afastado do modelo do Estado de Direito clássico e mais ainda do Welfare State, um Estado já não mais preocupado com a participação e os direitos dos cidadãos, mas tão só em garantir as condições de produção, o Estado Polícia.

Neste panorama sombrio, o caminho que estamos a percorrer pode abrir novas possibilidades: o esvaziamento do sentido social do estado e a sua crise de legitimidade facilitam a re-aproximação dos movimentos sociais ao pensamento e à prática anti-estatista. Também a derrocada do mito do socialismo de estado deixa em aberto o campo da alternativa real aos sistemas de dominação, onde se poderá afirmar o socialismo libertário. Com a derrota da estratégia leninista de tomada do poder e de utilização do estado para a criação de um socialismo por etapas, a pertinência dos valores anarquistas, de um socialismo orgânico, descentralizado e federalista, torna-se ainda maior para os que não abdicam de pensar e lutar por uma alternativa ao que aí está.

A partir daqui, duma realidade adversa mas contraditória, o anarquismo pode lutar por retomar o seu papel nos movimentos sociais - nos novos e nos velhos movimentos - o que vai depender, pelo menos em parte, da vontade, lucidez e acção dos libertários.

Por mais que os ideólogos do Poder, e a corte de acólitos arrependidos, proclamem o fim da História, ela teima em afirmar que só morrerá com o próprio Homem. Mesmo que não possamos descartar a hipótese, já um dia levantada por Mannheim, de o mundo "estar a entrar numa fase de aparência estável, uniforme e inflexível".

Mesmo assim, o futuro será sempre uma possibilidade, a escolha dependerá da visão social do mundo que cada um de nós tem. O anarquismo é esse imperativo social e ético que determina as nossas opções.

 

II. ERROS, LIMITES E POSSIBILIDADES DO ANARQUISMO

Para compreendermos a situação actual do anarquismo, os principais problemas com que se confronta e as possibilidades que se abrem, teremos de rever a sua fase de declínio, que se estende pelas décadas de 20 e 30 e culmina com a derrota da Revolução Libertária em Espanha.

Só a conjugação de múltiplos factores adversos na conjuntura da época explicam esse esvaziamento progressivo do movimento.

a) Se existe uma causa que deve ser apontada em primeiro lugar, essa é a resultante das transformações sofridas pelo capitalismo e pelo estado, nessas primeiras décadas do nosso século.

O surgimento de um estado intervencionista, seja na versão corporativista-fascista, seja na de Estado de Direito Social, levou ao reconhecimento dos direitos económicos e sociais dos trabalhadores e a uma demarcação de limites ao capitalismo de livre concorrência do séc. XIX.

A educação e saúde públicas tornaram-se objectivos de estado e os direitos dos trabalhadores, descanso, férias, assistência social e reforma, passaram a fazer parte das políticas dos governos. O movimento operário conseguiu impôr algumas das suas reivindicações históricas, mas a troco de uma sujeição ao estado, que se traduziu na institucionalização dos conflitos laborais, através de regras de arbitragem ditadas por esse mesmo estado. Os governos criaram esse novo departamento de conciliação social, o ministério do trabalho, que juntamente com tribunais e outros orgãos especializados passaram a interferir nas lutas operárias, na tentativa de desarmar a táctica radical do confronto de classes aplicada pelo sindicalismo revolucionário e pelo anarco-sindicalismo.

O ordenamento jurídico passou a reconhecer como direitos a organização, as reuniões, as manifestações e greves, dando-lhes um enquadramento legal que lhes retirava todo o potencial conflitivo. Em contrapartida, a acção directa, a sabotagem, o boicote e a greve de solidariedade passaram a ser criminalizadas e reprimidas de forma ainda mais violenta, estabelecendo-se claramente o limite admissível do sindicalismo: a representação corporativista dos problemas operários.

Também o capital passou a aceitar o sindicalismo dentro desses limites, usando um duplo critério negocial, ao fazer concessões às exigências de sindicatos confiáveis e a reprimir as que tivessem uma dinâmica radical.

O sindicalismo, que nascera como emanação da vontade de emancipação do movimento operário, e sua forma auto-organizativa por excelência, tornou-se a partir desta época um reflexo das intervenções - directas e indirectas - do estado e do seu ordenamento jurídico.

O direito trabalhista, a institucionalização das negociações sindicais, sujeitas a ardilosas análises jurídicas e económicas, favoreceram a burocratização dos sindicatos, e em muitos casos exigiram-na. Só através da criação de estruturas administrativas e da assessoria de especialistas do acordo, advogados, economistas e um sem-número de funcionários exteriores ao movimento operário, poderiam os sindicatos enquadrar-se neste contexto negocial e nele obter vantagens. A tentação corporativista que nunca chegou a desaparecer do sindicalismo, mesmo nas fases em que se potenciavam mais as formas revolucionárias do confronto de classes, tornavam-se agora preponderantes.

A combatividade dos sindicatos e dos militantes operários passava a não ter correspondência directa com a eficácia na conquista de melhorias contratuais. Os mais eficazes passaram a ser os mais hábeis nas negociações, o que se traduzia na cedência sistemática perante as imposições do capital.

Estavam, assim, criadas as condições para a derrota do sindicalismo anarquista, que se baseava na consciência revolucionária, na acção directa e na auto-organização. Tornava-se "impossível" um sindicalismo onde não cabiam funcionários e dirigentes profissionais e para quem "trabalhadores e capitalistas não têm nada em comum".

Neste panorama de conciliação em que o estado ganhava uma autonomia relativa em relação às classes dominantes, assumindo um rosto pacificador, independente, social, deixava de haver condições para a inteligibilidade do discurso anti-estatista dos anarquistas. A maioria dos trabalhadores começou a vê-lo como entidade beneficiente que garantia a educação, saúde, habitação e a velhice dos cidadãos, e não mais como o aparelho central de gestão da dominação.

b) Uma segunda causa pode ser apontada: o aparecimento de ditaduras terroristas em várias regiões do mundo. Desde logo o nazi-fascismo e as suas variantes ibéricas, e em consequência da expansão alemã a ocupação de vários países europeus. Na América Latina as ditaduras de Vargas e Perón, na Rússia a dos burocratas comunistas.

A repressão desencadeada tornava impossível a sobrevivência do anarquismo como movimento amplo e aberto, v. g. o anarco-sindicalismo. Só um movimento estruturado clandestinamente tendo por base os grupos de afinidade poderia resistir. Mesmo nesse caso, a sobrevivência dependeria, a um prazo mais longo, de apoios externos, seja na forma de auxílio material ou na de território de exílio e articulação. E os anarquistas jamais dispuseram, de forma continuada, dessas condições.

A prisão, morte e exílio de um número incalculável de militantes, simultaneamente com a impossibilidade de manter a propaganda e intervenção no movimento social, iria levar em muitos países ao quase esvaziamento do movimento e a uma ruptura de gerações. Quando se tornou possível a re-articulação, os anarquistas estavam cindidos em duas gerações distanciadas por décadas, que só com dificuldade se comunicavam.

c) Finalmente, a terceira causa teve a ver com a vitória da estratégia leninista na Revolução Russa e a consequente criação dos partidos comunistas.

O leninismo, ao tornar-se a estratégia da vitória sobre o capitalismo - ou ao ser interpretado como tal - reintroduziu o marxismo com carisma revolucionário no movimento operário internacional. A ilusão de que esse era o melhor, ou o mais eficiente, caminho para chegar ao socialismo, somada à falta de informação sobre os rumos da revolução soviética, levou muitos anarquistas ao leninismo. Uma adesão mais pragmática que teórica, que os fazia ver na sociedade russa uma concretização dos ideais libertários e os empurrava à criação de organizações que misturavam na sua forma e no seu discurso os princípios anarquistas com um maximalismo ou leninismo incipiente.

É certo que em muitos países os partidos comunistas nasceram da ruptura no seio da corrente social-democrata, mas em quase todos houve uma participação importante de trabalhadores oriundos do anarco-sindicalismo. E pelo menos nos casos de Portugal e do Brasil os partidos comunistas foram uma criação de anarquistas.

Esta atracção pelo leninismo viria a ser ainda maior entre os intelectuais anti-capitalistas que se deixaram conquistar pela ideia de criar o socialismo a partir do Estado, uma manifestação de despotismo esclarecido, originado pela ideia de que o marxismo seria a "ciência" da transformação social e que aos intelectuais estaria reservado um papel especial na vanguarda dirigente. Nascia assim o socialismo dos intelectuais, tão bem dissecado por Makhaiski.

Mas foi no movimento operário que as divisões introduzidas pelas divergentes concepções de socialismo teriam maiores consequências, já que diminuiram a própria capacidade de resistência às ditaduras que se começavam a instalar. Situação que se agravou após a adopção pelos comunistas de uma estratégia internacional - definida pelo KOMITERN e ISV - de infiltração e cisão dos sindicatos de orientação anarco-sindicalista.

Esta acção insidiosa dos comunistas foi determinante para desarticular o anarco-sindicalismo e possibilitou-lhes a criação das correias de transmissão no movimento sindical, já que para o leninismo essa era a função instrumental dos sindicatos.

Com o agudizar da repressão e na medida em que os comunistas conseguiam sobreviver na clandestinidade, tornavam-se para muitos trabalhadores a única força capaz de articular as lutas operárias contra as ditaduras e o capitalismo. Também a sua maleabilidade táctica, que os levava a não desprezar a luta por pequenas reivindicações ou a integrar conceitos nacionalistas no seu discurso, mostrou-se adequada a um movimento social em que se expandia o reformismo. Começava a dar-se a hegemonia dos comunistas nos meios operários, processo que estava concluído nos finais da década de 40.

A derrota da Revolução em Espanha foi o culminar desta tendência e a sua mais evidente demonstração. Aquele que foi o mais avançado esboço de transformação social libertária, foi empalmado entre fascistas e estalinistas, na mais sinistra combinação de forças contra-revolucionárias da nossa época. Seria a última grande mobilização popular das ideias anarquistas e a mais trágica das derrotas. Uma lição sobre os erros, limites e possibilidades criadoras do anarquismo.

Hoje poderemos, a partir destas mesmas causas que se combinaram para debilitar o movimento anarquista, entender as possibilidades abertas pela derrocada de dois mitos: o do Estado Socialista e o do Estado do Bem Estar Social (3).

 

III. O PAPEL DA ORGANIZAÇÃO LIBERTÁRIA

A partir dos anos 40 o anarquismo tornou-se uma pálida imagem do que fora no passado, não possuindo sequer já o vigor, combatividade e obstinação dos primeiros grupos que se formaram na década de 60 do séc. XIX. A fragilidade do movimento - que se prolonga até agora - manifesta-se na sua quase ausência dos movimentos sociais, na sua incapacidade associativa e na reduzida influência no pensamento crítico actual.

Ocorreram, no entanto, momentos de irrupção da utopia e das ideias libertárias, como o que aconteceu no final dos anos 60, quando a um século de distância uma nova geração quase sem contactos com o movimento anarquista histórico retomava as suas ideias.

A crítica da sociedade industrial, a ecologia, o pacifismo e o comunitarismo nascidos no movimento contra-cultural da América do Norte, desenvolveram-se em paralelo ao anti-capitalismo radical dos estudantes e jovens proletários da Europa de 68. Os valores libertários que os anarquistas tinham assumido no movimento social, ao longo de décadas, emergiam novamente de forma criativa e espontânea.

Esta nova geração, ao aproximar-se do velho movimento iria confrontar-se com o problema da distância que os separava dos militantes provindos das lutas dos anos 30. Iria ser complexa e difícil essa integração: a visão do mundo, o discurso, a estratégia - e tantas vezes a origem social - eram distintas, dificultando que a experiência e a história que esses velhos militantes representavam se somasse ao voluntarismo e criatividade das novas gerações.

Passaram a coexistir dois movimentos paralelos, publicações e grupos claramente identificáveis, que com o tempo acabaram por estabelecer alguns contactos, ligações e colaborações entre si, sem no entanto vencer essa barreira que os separava. Não era o problema um resultado do envelhecimento ou do dogmatismo, mas tão só a barreira inexorável do tempo que afastava os experimentados activistas da realidade da prática social. E aos jovens impedia de apreender o conhecimento e a experiência que na prática outras gerações haviam acumulado.

Estes grupos surgidos a partir do começo dos anos 70, iriam ainda ser marcados por uma fraqueza congénita, sendo constituídos por estratos sociais que se definem pela sua transitoriedade e descontinuidade: os jovens e estudantes, não conseguiam superar o problema com que se debatia o movimento nos últimos anos, o da sua implantação social.

Não está em causa a identificação do anarquismo com uma classe específica, que seja o sujeito revolucionário - nos moldes do marxismo - as forças sociais que os libertários consideravam mobilizáveis para um projecto de mudança sempre foram mais vastas e plurais. Ao lado do proletariado, os camponeses, todos os explorados e excluídos, os outsiders e jovens sempre estiveram igualmente no centro do pensamento anarquista, desde Bakunin e Kropotkin. Mas é condição necessária de concretização de um projecto social a existência de grupos e classes sociais com uma afinidade de interesses e com uma estabilidade e continuidade estrutural que possibilite formas de associação e de luta a prazos mais longos.

O movimento anarquista só teria, ou terá, condições de se tornar presente nos movimentos sociais se participar na sua dinâmica e lutas, e antes do mais das que nascem das condições básicas de produção e de resistência às relações de dominação.

Já que a fábrica, o local de trabalho em geral, será sempre - enquanto não existir a robotização total - o centro das relações fundamentais de dominação e consequentemente o núcleo potencial da resistência ao capitalismo e de luta por uma alternativa social. Foi aí que o anarquismo falhou nos últimos anos e onde conseguiu retomar esse papel, como no Estado Espanhol, foi graças à tradição, que ainda mobiliza largos sectores, não se traduzindo numa recriação da estratégia anarco-sindicalista adaptada às profundas transformações da economia e da própria condição operária, que haviam sido decisivas para debilitar o movimento.

Os problemas com que se tem debatido a CNT após a sua reconstrução em 1977 resultam em parte - já que temos de reconhecer que existe também uma tentativa de infiltração e cerco por parte do Estado - do facto da estratégia anarco-sindicalista, como se definiu historicamente, não se mostrar operante na actualidade. Nem por isso podemos afirmar à priori que todo o sindicalismo é hoje inevitavelmente integrador, e menos ainda que não existe espaço para uma estratégia de confronto nas actuais relações de trabalho. Embora tenhamos que reconhecer que essa margem se reduziu na maioria dos países de capitalismo maduro, onde a consciência da sujeição desapareceu ante a perspectiva de acesso ao consumo, e onde uma nova e radical divisão se cria no mundo do trabalho, a que nasce da oposição entre os garantidos e os excluídos das relações de produção.

Nem por isso a existência da CNT em Espanha e da SAC na Suécia deixam de ser um desafio que se mede pela distância que vai desse sindicalismo revolucionário ao sindicalismo corporativista, mesmo o de esquerda. As formas de organização, as tácticas, os objectivos, em tudo são diferentes. É, no entanto, uma questão de lucidez reconhecer os limites actuais da prática sindical que tende a desvirtuar-se na prática negocial, ou a encurralar-se na intransigência do confronto, impedindo os ganhos actuais, que são uma componente necessária dessa forma de organização.

Esta reavaliação das relações anarquismo/sindicalismo, e a definição de uma estratégia actual para actuação no mundo do trabalho não deixam de ser importantes, mesmo que levando em consideração a situação na maioria dos países, as perspectivas para os anarquistas sejam, quando muito, a da articulação de núcleos de autonomia e auto-organização nos locais de trabalho, aplicando as ideias e as tácticas do anarco-sindicalismo adequadas à situação.

Na nossa época o sindicalismo para ser revolucionário teria de se tornar mais abrangente, mesmo ao nível reivindicativo, além das tradicionais lutas no campo salarial, de redução de horários, das condições de trabalho e do desemprego, teria de passar a intervir no redimensionamento do papel do trabalho e da função do trabalhador. Mas indo ainda mais além, actuando nas questões envolventes ao mundo do trabalho, como os transportes, habitação, urbanismo, consumo e qualidade de vida, que são fundamentais a partir de uma visão integrada das relações de dominação e das suas consequências na existência quotidiana dos assalariados (4).

A estratégia anarco-sindicalista foi um exemplo de criatividade dos operários libertários e da sua adaptação às necessidades de luta na época em que surgiu. Foi também a aplicação concreta de estruturas auto-controláveis e auto-dirigidas à sociedade industrial.

A sua recriação actual terá que afastar qualquer pretensão de imitação saudosista e considerar que é uma das estratégias possíveis da luta anti-capitalista, talvez a que maiores potencialidades ainda tem em sectores sociais e regiões onde as condições de exploração mantêm desperto o instinto combativo dos trabalhadores.

Por outro lado, toda a análise social focalizada exclusivamente sobre as relações de produção não dá conta dos problemas levantados nos últimos anos pelos novos movimentos sociais, nascidos como resposta a situações e conflitos diferentes. O anarquismo, que já no passado se manifestava e agia nas mais variadas áreas, do anti-militarismo e pacifismo ao naturismo, do esperanto às experiências educacionais, está especialmente atento às potencialidades libertárias destes novos movimentos, nem por isso deixando de apontar a sua principal limitação, que é uma visão parcelada e limitada de problemas estruturais da sociedade. Da organização de consumidores ao ambientalismo, da ecologia ao feminismo, do anti-militarismo às prisões, muitos são os objectivos e as formas de associação que potenciam a auto-organização de largos sectores da sociedade em defesa dos seus interesses, e certamente em todos os casos pode haver uma proposta e uma presença libertária que potencie a articulação e globalização de cada uma dessas lutas.

A ecologia e o anti-militarismo, pelas suas tradicionais afinidades com os valores libertários, são áreas onde a militância anarquista mais se tem exprimido, mas também aí as potencialidades são limitadas se for perdido o sentido de uma estratégia global de ruptura. Nesse caso, acabarão engolidos pelo movimento permanente de integração, através do qual o sistema tende a recuperar em seu benefício toda a crítica parcelar.

Também as lutas relativas às liberdades se têm tornado mais comuns, nos chamados países democráticos, e certamente serão decisivas para impedir a expansão do Estado autoritário. Delas não se podem ausentar os anarquistas com o inócuo pretexto de que em muitas delas estão em causa direitos jurídicos, já que é a liberdade e as garantias que o movimento social impôs ao Estado como seus direitos que estão em jogo.

As garantias penais e processuais, os direitos dos presos, o direito de asilo ou de emigrar são, entre muitos outros, os que os estados vêm, paulatinamente, a eliminar ou reduzir. A crítica do Estado concretiza-se no estabelecimento de metas imediatas para a luta social nesta área. Contrariamente a uma recusa abstracta ou uma concepção doutrinária, devemos opôr uma prática radical anti-estatista, que em cada caso e situação se oponha à expansão e hegemonia das relações de poder e favoreça a auto-organização e a criação de espaços de liberdade a partir da própria sociedade.

Todas estas possibilidades, em aberto, para a nossa intervenção, estão condicionadas pela capacidade de nos articularmos e associarmos, já que só movimentos sociais organizados têm condições para romper uma dada situação histórica e social. A nossa fragilidade organizativa, incapacidade de associação e de coordenação, em cada região e mais ainda internacionalmente, são por demais evidentes para não serem vistas como um dos problemas-chave do movimento libertário. Não se solucionando, será impossível qualquer activismo profícuo ou qualquer resultado duradouro para a actividade de crítica e divulgação de ideias.

Por essa razão podemos afirmar que de forma imediata teremos de encarar a questão da associação, articulação e coordenação das nossas actividades. O que passa também pela clarificação do papel da organização libertária, que é antes do mais o da criação de um espaço livre e fraterno de vivência dos valores e de uma cultura alternativa, ao mesmo tempo que é um núcleo de difusão das ideias libertárias e articulação da resistência e luta por uma transformação social.

As formas concretas podem ser diversas, do anarco-sindicalismo aos grupos de afinidade ou associações de ateneus e centros de cultura, o fundamental é federalizar e colectivizar práticas e experiências isoladas, ampliando assim as possibilidades de uma intervenção social. Só através da associação e no respeito da autonomia, singularidade e diferenças entre cada indivíduo ou grupo poderemos criar uma dinâmica nova no movimento e concretizar as formas organizacionais que propomos para a sociedade.

Este é um modelo reconhecido por qualquer militante libertário mas que tantas vezes transgredimos com posturas dogmáticas, confrontos personalizados, criticismo inconsequente, resultado de um descomprometimento com a ética anarquista.

A questão da ética e da adequação dos meios aos fins, pontos centrais da nossa crítica ao socialismo autoritário, assumem um papel central na militância libertária e condicionam imperativamente a nossa prática social. Uma realidade em que estão presentes tensões permanentes, resultantes das pressões do meio envolvente e das limitações pessoais, mas que será sempre o critério determinante para a avaliação da coerência de cada um.

 

IV. RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Ao lado da incapacidade organizativa e da reduzida actuação do anarquismo, a cristalização teórica é a sua principal limitação nos tempos presentes.

Existe, certamente, uma relação directa entre esses dois aspectos, quer o pensamento individual quer a elaboração de um conhecimento colectivo estão ligados à participação da praxis de um grupo social. É em função do agir sobre a realidade que qualquer teoria social se vai elaborando, desdobrando e auto-corrigindo. Cada sucesso ou fracasso impõe uma reavaliação do nosso pensar.

Esta relação primordial entre teoria e prática sempre existiu no movimento anarquista histórico, essa foi uma das razões porque não se constituiu uma intelligentzia especializada em pensar a mudança social. No marxismo essa ruptura gerou, na maioria dos casos, um pensamento essencialmente ideológico e contemplativo, tipicamente académico e nesse sentido inútil para o movimento anti-capitalista.

A própria natureza heterodoxa do anarquismo impedia essa recuperação ideológica, até porque desde Proudhon se recusava a construção de um sistema teórico fechado e auto-suficiente. E também por isso se diferenciava daquela corrente que se proclamou de socialismo científico e que era a manifestação de uma imensa arrogância e autoritarismo intelectual.

Só que, na medida em que o anarquismo se foi afastando da realidade social, perdendo as suas raízes nos movimentos sociais, também ele se encaminhou para uma cristalização teórica, que se traduziu num pensamento doutrinário e fechado, nuns casos, e numa reflexão académica sem qualquer conteúdo de crítica social, em outros.

O anti-dogmatismo essencial do anarquismo não justifica, no entanto, que nos possamos agarrar a algumas ideias gerais e excluir um sentido de dúvida sistemática e uma necessária recriação permanente. Ao contrário, a complexidade social actual, os novos problemas a encarar e a ampliação permanente do conhecimento, impõem-nos novas elaborações dos valores e dos objectivos libertários. Não como forma de adaptação à realidade - do tipo libertarista pós-moderno - mas sim como meio de responder à crítica necessária dessa realidade. Conjugar o sentido utópico do anarquismo com a reflexão teórica e uma prática social, é uma imposição do seu carácter de pensamento revolucionário. Caso contrário, ficará reduzido a uma ética do comportamento ou a uma seita messiânica sem qualquer condição de interacção com os acontecimentos reais.

Quanto às novas teorizações que têm ocorrido nos últimos anos, um pouco por todo o lado, na linha libertarista, há muito que se afastaram dos valores anarquistas para se aproximarem de um liberalismo humanista que em nada corresponde à realidade do sistema. Mais que um pensamento reformista - já que nem radicais são nas suas exigências de reforma - é um pensamento acomodado, incapaz de questionar radicalmente a realidade e apostar na vontade e no desejo utópico que sempre esteve presente nos movimentos sociais.

Ao contrário do que apregoam os libertaristas, o pensamento anarquista clássico sobre o Estado e o Poder mantém toda a sua pertinência; o conceito libertário de uma comunidade autogovernada, descentralizada e federalizada é mais actual do que nunca. A intuição e lucidez na crítica do socialismo autoritário e estatal demonstrou-se de uma objectividade insofismável.

O que não nos impede de reconhecer que as ideias expostas por Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Malatesta, Landauer e tantos outros não tiveram os desenvolvimentos posteriores que se faziam necessários. Muitas questões abertas pela experiência da Revolução Soviética, da Revolução em Espanha ou resultantes das novas realidades surgidas com a sociedade industrial - das novas tecnologias à ecologia - estão em aberto.

Desenvolvimentos de uma teoria do Poder e da organização libertária, a análise das formas de auto-gestão, os problemas de escala e da complexidade tecnológica, um estudo das potencialidades libertárias da robótica e da telemática são, entre outros temas, alguns dos que precisam de ser estudados numa perspectiva anarquista.

Enquanto o anarquismo esteve no centro dos movimentos sociais e se afirmava como pensamento rebelde, era enorme a sua capacidade de atracção sobre a intelectualidade desvinculada. Até ao começo do século, conhecidos pensadores interessavam-se pelas ideias, e as principais figuras do movimento encontravam-se envolvidas nos principais debates intelectuais da década. Nos anos 20 ainda muitos intelectuais da importância de Buber, Lukács e Benjamin estão próximos de posições libertárias, e ainda era comum a relação de afinidade com escritores e artistas (5).

Após os anos 30, a atracção do socialismo possível abre o caminho à hegemonia do marxismo-leninismo nos meios intelectuais, passando o anarquismo a ser uma referência de alguns meios dissidentes: dos teóricos do conselhismo, dos pacifistas, ou de escritores como Péret, Breton, Orwell e Huxley.

Aos poucos, criou-se um movimento inverso, intelectuais oriundos do marxismo aproximaram-se do anarquismo, Herbert Read, Daniel Guérin, Murray Bookchin e Paul Goodman são os nomes mais destacados, com eles o pensamento libertário ganhou importantes contribuições em novas áreas, da arte, educação, urbanismo, ecologia social. Mas foi só a partir dos anos 60 que assistimos a uma ruptura ampla dos intelectuais com o marxismo-leninismo, em resultado do conhecimento da realidade do estalinismo e da explosão libertária dessa década.

Muitos se aproximarão dos valores libertários e da tradição anarquista, embora permanecendo em posições oscilantes e contraditórias, já que os prúridos marxistas de uns e os preconceitos académicos de outros os impediam de reconhecer explicitamente essa vinculação. Dos situacionistas, a Guattari, Bousquet e Castoriadis, a contribuição para um pensamento libertário contemporâneo é feita ainda de preconceitos e mal-entendidos em relação à corrente social que mais pensou e lutou por esses valores.

Não está em causa a eliminação de um sentido crítico sobre o próprio anarquismo, o que é manifestamente inconsequente é posicionar-se como libertário e simultaneamente ignorar ostensivamente o pensamento e a prática libertária do passado.

Ao contrário, entre os anarquistas sempre houve uma procura permanente das fontes de pensamento libertário, dos heréticos do passado aos do presente, Illich, Marcuse, Reich e tantos outros. Uma posição intelectual aberta, que muitas vezes não se traduziu no movimento pelo reconhecimento de que existe uma corrente de crítica libertária, que mesmo não sendo anarquista nem por isso é menos fundamental para nós.

Esta forma de preconceito - pouco libertária - leva também ao dogmatismo, e traduz-se na maioria dos casos numa recusa de toda a produção teórica heterodoxa exterior ao movimento. Uma obstinada cegueira que impossibilita uma leitura proveitosa do pensamento de raíz marxista, principalmente aquele elaborado por intelectuais anti-autoritários (6).

Uma intransigência que não leva em conta o que Kropotkin um dia caracterizou como a luta permanente de duas tendências na história e na sociedade: uma corrente autoritária e uma corrente libertária. E esta última não pode ser reduzida a uma expressão pura, pelo contrário, é produto de uma prática e de um processo reflexivo contínuo - e tantas vezes contraditório - em que cada grupo e indivíduo, de forma cooperativa, vão acrescentando algo de novo, numa superação permanente de dúvidas e dificuldades.

A cristalização ideológica do anarquismo, como teoria definida e acabada, leva a uma concepção sectária e doutrinária, tentação que não está de todo ausente em outras épocas mas que sempre foi sufocada pela diversidade e radicalidade heterodoxa.

Anarquistas, sindicalistas, individualistas, pacifistas e insurrecionistas sempre conviveram num debate aberto, algumas vezes violento, mas sempre se aproximaram na luta contra os donos do poder. Esta tolerância é uma componente básica do movimento anti-autoritário, sem ela nada faremos.

 

V. O FUTURO E O MUNDO SÃO CRIADOS PELOS HOMENS

Mesmo neste momento de maior arrogância do sistema capitalista, que se travestiu em sociedade democrática e só por esse nome quer ser conhecido, e principalmente do seu Estado, quando a ideologia do Poder e da Sujeição se escutam em todo o lado, não se descortinam argumentos a favor de um sistema essencialmente - e historicamente - infame.

A sua irracionalidade económica e social é por demais evidente, a pequena ilha de abundância, cercada de pobreza, pode até ser o paraíso para a maioria dos que aí vivem. Só que não passa disso, uma ilha que é abastecida e financiada pelos que vivem fora dela. A multidão de esfomeados, desesperados ou conformados na miséria e que povoam as grandes regiões do planeta.

Que futuro aponta essa realidade?

Certamente não a ampliação da sociedade de consumo, à escala universal - mesmo que se amplie a novas ilhas - os recursos escassos e a crise ecológica provocada pela economia do lucro e do desperdício só permitem visualizar uma planificação autoritária à escala mundial, com o controlo rigoroso dos recursos, da destruição ambiental e da própria população. Em resumo, um sistema ainda mais autoritário e injusto.

O contraponto a esse futuro será sempre uma possibilidade, criada a partir da vontade, desejo e consciência dos de baixo, dos excluídos deste sistema, mas também de todos os estratos sociais para quem a humanidade é maior que o Estado, evocando as palavras de Martin Buber. Os que têm consciência que as opções são mais vastas e que o futuro e o mundo são criados pelos homens, como tal sempre estarão abertos à acção criadora dos grupos sociais.

Do ponto de vista do anarquismo, do movimento dos que recusam todas as formas de dominação, não podemos deixar de considerar uma prova da perenidade do inconformismo e da rebeldia a persistência do movimento e das ideias, mesmo nesta época de restauração e conformismo. O aparecimento de novos grupos no leste europeu e em países do 3º Mundo, bem como a aproximação dos novos movimentos e de intelectuais dos princípios libertários, sinalizam a pertinência da reflexão anarquista sobre o Poder, a Dominação e o Estado, abrindo possibilidades para o ressurgir dum socialismo libertário, orgânico e federalista.

Ninguém foi tão longe quanto os anarquistas na tentativa de fazer convergir a igualdade e a

liberdade, o indivíduo e a comunidade, a autonomia e a cooperação. Por isso podemos dizer que é uma síntese dos ideias que revolucionaram a época moderna, uma utopia subversiva que questiona permanentemente a realidade, sobre valores fundamentais ainda não realizados.

Por essa razão, o anarquismo mantém toda a sua actualidade, acima de modas e conjunturas, até porque a ética e a rebeldia libertárias são eternas, como Prometeu. Embora a sua concretização subversiva só possa ocorrer dentro dos movimentos sociais reais. Sendo esse o nosso maior desafio.

 

António Joaquim de Sousa

 

(1) Algumas das melhores análises do capitalismo mundial integrado são de Félix Guattari, cf. a conferência pronunciada no CINEL, em Paris, 1981, e traduzida pela revista Archipelago, e ainda o livro Os Novos Espaços da Liberdade, ed. Centelha, 1987.

(2) As contradições de que enferma a democracia representativa são reconhecidas pelos teóricos do Estado Democrático, como se verifica na obra de Norberto Bobbio.

(3) Sobre o problema do declínio do anarquismo existe uma extensa e contraditória literatura. No caso português, a melhor análise é a de Carlos da Fonseca, Para uma Análise do Movimento Libertário, ed. Antígona, 1988. Mesmo discordando da sua visão sobre o papel da Revolução Russa.

(4) O estudo de J. M. Carvalho Ferreira sobre As Novas Tecnologias, o Trabalho e os Desafios do Sindicalismo, in Tecnologia e Liberdade, ed. Sementeira, 1988, é interessante para a compreensão de alguns destes problemas.

(5) Para conhecer as relações entre o anarquismo e os intelectuais judeus da Europa central, ler Redenção e Utopia, de Michel Lowy, ed. Companhia das Letras, 1989.

(6) O problema do Anarquismo vs. Marxismo é ilustrado pela edição em Portugal do livro Resposta de um Anarquista, ed. Sotavento, 1991, em que Júlio Carrapato responde às críticas da dogmática leninista. Um livro brilhante, embora marcado pela sua natureza de resposta e pelo facto de cair no anti-marxismo exacerbado. Um texto crítico de Jorge Valadas repõe algumas questões, entre as quais a contribuição libertária de Korsch, Pannekoek e Matick, e levanta a necessidade de uma leitura não dogmática da tradição marxista.