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A arte xávega
xávega - pesca "de arrasto" "na borda" (numa faixa de algumas centenas de metros a partir da praia) - terá sido introduzida na Nazaré pelos pescadores oriundos de Ilhavo.

As espécies nela capturadas em maior quantidade eram a sardinha e o carapau, às quais podiam vir agregadas outras espécies de menor importância tais como cavalas, lulas; uma variante da xávega, a pesca do freixão, utilizava um barco e uma rede muito mais pequenos.

O barco próprio da xávega, característico da Nazaré, tinha cerca de 4,60m de comprimento, cerca de 2,35m de boca, cerca de 0,75m de pontal. A morfologia deste barco estava ajustada ás condições maritimas locais, em que as operações de entrada e de saida do mar são particularmente críticas (na Nazaré, e ao contrário de outras localidades, diz-se "entrar para o mar" em vez de "sair para o mar" e diz-se "sair do mar" a propósito do "encalhe"). Os calafates conceberam o barco da xávega de forma a adequá-lo às caracteristicas da Nazaré, em particular no que toca à proa e à ré: para além do seu fundo chato, tinha uma proa muito levantada e aguçada para cortar as ondas e uma ré ou popa "cortada" para aproveitar a vaga no encalhe e para permitir lançar prestamente as redes ao mar.

A rede da xávega era composta pelas "calas" (cabas), pelo "saco" (com a sua "boca") e pelas "mãos":

- o saco era formado por vários tipos de "pano" (pano é a rede em si, com malhas de tipos diferentes, acabando com uma malha pequena, que retinha o peixe no saco);

- as "mãos", ou sejam os braços da rede (parte da rede ligando as mãos às calas), eram equipadas, nos seus dois bordos, de cortiça e de chumbo (num bordo cortiça, no outro chumbo); esticando a rede em sentidos divergentes, esse duplo guarnecimento permitia manter aberta a boca da rede, não só enquanto estava armada mas também durante a fase do arrasto para terra: entrando nos braços da rede, o peixe corria ao longo deles, em direcção do saco, penetrando nele pela boca e ficando ao represado. As redes eram providas de quatro acessórios principais: dois "odres" que eram antigamente peles de porco, um em cada mão, e dois "ferros" (âncoras), que serviam respectivamente para dar estabilidade à rede e para fixar a rede ao fundo. Introduzidas pelos Ilhavos, segundo os historiadores, as redes, muito mais compridas no Norte, foram aqui adaptadas aos fundos. O conhecimento pelo arrais da natureza rochosa e da localização dos fundos, evitava-lhe correr o risco de perder as redes que eram parte significativa do seu ganha-pão.

A companha - provavelmente por imposição da Capitania - devia compreender um mínimo de seis homens, dos quais cinco desempenhavam tarefas determinantes (1) :

- o "arrais", que podia ser ou não o dono da xávega, tinha um papel fundamental referido mais adiante;

- dois "reveseiros", que remavam em pé na parte traseira do barco e que ajudavam o arrais no lançar da rede ao mar. Enquanto o raveseiro "de terra" (que ficava do lado de terra, estado o barco de lado, paralelo à praia) deitava o chumbo ("rebiças") ao mar, o segundo reveseiro passava o pano e as cortiças ("panas") ao arrais que mandava a rede, já preparada e toda abraçada, para o fundo do mar;

- dois "serradores" que tinham papel activo, não no largar mas sim no puxar das redes. Esses homens numca saiam da borda do mar (a rede era puxada desde a borda do mar, entrando mesmo no mar). Eram esses homens que anuciavam e sinalizavam fisicamente a presença dos cardumes, que marcavam a cadência e a manobra de alagem da rede.

Entre as funções de cada membro da companha, já mencionadas nos seus traços gerais, as mais relevantes incubiam ao arrais. O elemento mais importante da companha era com efeito o arrais que tinha a exclusividade da decisão, da mobilização da companha, do desencadear de todas as operações. Era o arrais que, em função do tempo meteorológico, decidia se o dia ia ser bom ou mau, mesmo para os pescadores que não iam ao mar mas que, em caso de acidente, ficariam marcados por razões de solidariedade. Era ele que tomava as decisões sem hesitar, porque quem lidera não pode ter hesitações sobretudo numa terra em que 90% dos acidentes ocorriam na borda. Era o arrais que escolhia o raso, o momento e o local de entrada no mar que, nunca se apresentando totalmente desprovido de ondulação, exigia do arrais uma experiência comprovada.

A companha dirigia-se em seguida ao pesqueiro, en função de uma sinalização especifica conhecida do arrais, tendo em conta a divisão da zona da xávega em "lanços" (registados na Capitania) e um conjunto de referências em terra, visiveis a partir do mar, denominados "enfiamentos" (2) . Os pescadores pontuavam frequentemente as operações benzendo-se, fazendo a vénia, pedindo a pretecção de Nossa Senhora da Nazaré, pedindo ao Santo ou à Santa ajuda para a pesca que ia começar. Faziam-no uzualmente quando, após terem largado a corda sul com os respectivos odre e ferro, largavam "a primeira mão da rede"; faziam-no quando largavam a boca do saco e quando largavam o saco.

Depois de largar a "segunda mão da rede" e a corda norte com os respectivos ferro e odre, era o retorno à praia, o "encalhar" que exigia de novo a escolha do raso , e a repetição das mesmas peripécias, só que no sentido inverso, para "sair do mar".

Encalhado o barco e verificada a correcção do posicionamento da rede, através do controlo visual dos odres (ligeiramente a olho, na mesma direcção), a rede ficava preparada para pescar. Sobrevinha então o puxar das redes, após um tempo de espera fixado pelo arrais, em conformidade com a regulamentação da Capitania e com as xávegas em presença: o "alar obliquo" da corda sul - pelo arrais e pela companha - com o fim de aprisionar o peixe na boca da rede, e de posicionar paralelamente as cordas para o alar seguinte; só então ocorria o "alar perpendicular" das cordas sul e norte, com a participação das mulheres, das crianças, dos passantes, e em seguida, a intervenção da companha no alar (à chegada da boca e do saco), a abertura do saco pelos arrais. Antigamente, como havia uma grande frequência de lanços e um número elevado de xávegas, a rede tinha de ser alada rapidamente porque, durante a alagem da rede já havia um outro barco a pescar, de tal modo que os cabos da mão do lanço seguinte, da rede seguinte, vinham na rede que a precedia (com excepção evidentemente do primeiro lanço) (3) . O puxar dos barcos passou, ao longo dos tempos, de uma tracção humana para uma tracção animal (bois), para uma tracção mecânica (tractor), voltando à tracção humana em conformidade com a substituição do barco de bico por embarcações mais leves.

Depois da rede ser alada - caso houvesse muito peixe, todos ficavam contentes, o arrais e os demais membros da companha - fazia-se então a partilha do pescado. Começava com a abertura pelo arrais do "linhó" (que é a costura que fecha o saco), seguido pelo transvasamento do pescado em "xalavares" e pelo seu transporte, ainda vivo, para a lota, levado nos xalavares presos a uma varola, por dois pescadores a correr, um á frente, outro atrás. Quando a pesca era boa, a lota trabalhava, justificava a afluência dos compradores.

A repartição do peixe no areal obedecia, como é ainda recordado por muitos, a um princípio elementar: se a quantidade era grande, quem ajudava, incluindo veraneantes ou passantes, era "compensado", levando algum peixe consigo.

Na Nazaré, nas artes em geral. Se a pesca era boa, os pescadores aposentados não eram esquecidos, na distribuição do pescado, pelos pescadores no activo. Havia uma solidariedade humana que tem vindo a perder importância, em consequência talvez da modificação do sistema de valores regendo a sociedade em que vivemos.

No fim da faina procedia-se, entre os membros da companha, às contas e à partilha do produto. Segundo uma das metodologias adoptadas correntemente, um terço do total pertencia ao dono da xávega, que podia não ser o arrais; das outras partes, duas eram para o arrais e uma para cada companheiro.

Assim que um ciclo de pesca findava, se havia vez e se previa uma boa pesca, voltava-se ai início, aparelhava-se o barco e voltava-se ao mar.

A sucessão destas operações era sempre orientada de forma a mobilizar cada vez mais gente; na fase de "largar a rede" só seis pescadores estavam directamente implicados, mas na fase de "alar" eram precisas muito mais mãos, e caso a rede viesse com peixe, mais gente era necessária para arrastar e depois arrumar as redes. A família ajudava. No seio de uma organização social, profissional e espacial, hoje menos precisa e menos geral, em que a frente do mar era um cais de lazer com as suas tabernas e em que as ruas perpendiculares ao mar eram ladeadas pelas casas e pelas cabanas. Assim quea rede começava a alar, a palavra era passada de uns para outros - "a rede do fulano está a alar", "está a alar" - e em pouco tempo, os familiares de quem andava nessa rede juntava-se no areal para ajudar.

A transmissão da propriedade da xávega, na Nazaré, regia-se pela seguinte forma: só os homens da xávega podiam comprar xávegas, só familiares dos donos da xávega podiam, em caso de morte do dono, pretender a xávega, efectuando-se geralmente a transmissão em benefício da viúva ou dos filhos. Os outros pescadores das outras artes não podiam comprar xávegas, contrariamente ao que era regra nas outras artes (t.c. candil, pesca de alto).

IN - UM OLHAR PRÓXIMO SOBRE A XÁVEGA E O CANDIL NA NAZARÉ ENQUANTO ELEMENTOS DA SUA VIDA TURISTICA

I jornadas sobre cultura marítima - Nazaré 1995 - João Sales Grilo

fotos - JEAN DIEUZAIDE (1950)

A pesca do candil

pesca do candil ou do "candeio" é uma pesca de cerco, feita "ao engodo ou ao candeio". O termo "candil" designa simultaneamente o barco, a rede e o candeio cuja luz atrai o peixe à superfície da água. A espécie mais capturada é também o carapau, sem exclusão de outras espécies (entre as quais a lula e o peixão). O barco do candil é semelhante ao barco da xávega, com uma proa menos aguda que a do barco da xávega. Diferindo da de xávega, pode compreender oito homens, mas com a particularidade de ter um barco de apoio, mais pequeno, uma lancha com dois homens, um "aos remos", outro "ao engodo" (4) . A rede é uma rede de cerco "retenida", isto é, uma rede rectangular com o bordo inferior munido de argolas onde corre um cabo. Lançando a rede em circulo e puxando esse cabo ("jarreta"), fecha-se a rede, aprisionando o cardume previamente atraído à superfície pelo engodo e/ou pela luz. Após a alagem e a fixação (nas "malaguetas") da sua extremidade direita ("calão" da proa), a rede é alada a partir da sua extremidade esquerda ("calão" da popa), dirigindo-se o peixe aprisionado para o canto superior direito da rede ("" secador"", de onde é desenvasado para o barco.

Desenvasado o peixe para o barco ainda no mar, era na praia que se fazia a descarga, a partilha do peixe e o seu transporte. Essas operações realizadas à vista e na presença da população num local aberto, e sem restrições, antes da construção do porto de abrigo, contribuiram também para a animação e a atracção de uma clientela turística própria da Nazaré.

A actividade piscatória da Nazaré, tanto a pesca do "alto", que muitos não conhecem por se desenrolar longe da vista, como a pesca "na borda", constitui um documento vivo, digno de ser valorizado e divulgado. Ainda hoje a pesca do candil à noite e a xávega, apesar do seu decrescimo muito acentuado, continuam a prender a atenção dos que entram ou dos que estão, como turistas, na Nazaré. Presenciada, a partir da marginal, por qualquer observador que podia à distância abarcar toda a cadeia técnica (entrar ao mar, sair do mar, alar a rede), a xávega foi considerada durante longos anos um espectáculo ímpar em que os turistas participavam visualmente ou fisicamente, ajudando a puxar as redes.

Essa situação de equilíbrio entre pesca e turismo foi no entanto, a um dado momento, afectada negativamente pelo chamado "turismo de veraneio". Quando eram armadas as barracas no Verão, a pesca, ocupação principal da Nazaré, passava a ser secundarizada e encaminhada para a zona sul: - por um lado, os pesqueiros norte não podiam então ser utilizados, tendo em conta a presença dos banhistas (prática gravosa para os pescadores porquanto embora os pesqueiros norte não fossem muito bons, sempre eram pesqueiros); - por outro lado, durante a época balnear, os barcos não entravam nem saiam ao mar a norte e, mesmo nos dias de muito mau tempo em que encalhavam a norte, eram depois transportados para a zona sul, com o fim de não colidir com o turismo, contribuindo assim, talvez inadvertidamente, para o declínio da pesca.

IN - UM OLHAR PRÓXIMO SOBRE A XÁVEGA E O CANDIL NA NAZARÉ ENQUANTO ELEMENTOS DA SUA VIDA TURISTICA

I jornadas sobre cultura marítima - Nazaré 1995 - João Sales Grilo




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