Custas, como de lei

Custas, como de lei.

Brasília, 14 de junho de 1995 (data do julgamento).

Ministro HÉLIO MOSIMANN, Presidente - Ministro AMÉRICO LUZ, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ: - Recorre Beira Rio Hotel Ltda. de acórdão denegatório de segurança impetrada contra ato da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, que veio determinar a paralisação da atividade hoteleira do autor, denominada flutuante, por falta de apresentação de certidão de posse da área referente às instalações daquele empreendimento.

Argumenta a autora não ser atribuição da SEMA exigir documentação comprobatória de "posse ou propriedade da área ocupada com o empreendimento hoteleiro, já que sua função é fiscalizar o meio ambiente estadual" - fl. 170.

Opina o Ministério Público pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: - ADMINISTRATIVO. HOTEL FLUTUANTE. LICENÇA DE FUNCIONAMENTO. MEIO AMBIENTE. SEMA.

- Embora seja da competência da SEMA/MS a fiscalização das atividades que possam degradar o meio ambiente, não lhe cabe, contudo, exigir comprovação de posse ou propriedade de área necessária ao empreendimento fiscalizado.

O EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ (Relator): - Destaco do parecer ministerial as seguintes considerações (fls. 248/251):

"O julgado adotou, como resumo de seu entendimento, a seguinte ementa:

"MANDADO DE SEGURANÇA. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS PRESENTES. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO DO "WRIT" REJEITADA. HOTEL-TURISMO. ÁGUAS FLUVIAIS DO ESTADO. OCUPAÇÃO DE TERRAS RIBEIRINHAS. LICENÇA OPERACIONAL. CERTIDÃO DE POSSE. PORTARIA DA SECRETARIA ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE. PODER DE POLÍCIA. LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA. DENEGADO".

O presente recurso, todavia, insiste nas razões originais da Impetração, enfatizando, tratar-se de empresa hoteleira em regular operação há mais de dezoito anos, explorando, ao que tudo indica, o denominado turismo selvagem, ou seja, o lazer em regiões naturais preservadas da civilização, no caso, no Pantanal Matogrossense, com o estabelecimento principal em terra firme e com barcos e hotéis flutuantes para pescarias e expedições fotográficas, tendo natural cuidado com a preservação do ambiente.

A questão surgiu tão-somente por ocasião de requerimento formulado com o objetivo de regularizar a situação desses flutuantes, quando, apesar dos pareceres do próprio órgão preservacionista atestarem a inocorrência de dano ao meio ambiente, e após o deferimento da licença, foi praticado o ato impugnado, consubstanciado na revogação da licença pela falta de comprovação da regularidade da posse da área marginal aos flutuantes.

Ainda que a tese do v. acórdão recorrido seja formalmente correta, uma vez que não se pode negar à Autoridade o poder de informar-se adequadamente a respeito da situação dos empreendimentos que licencia, tenho dúvidas quanto à sua adequação à realidade dos autos, parecendo ter a autoridade ambientalista se afastado de suas atribuições ao pretender investigar a questão da posse de área secundária do hotel flutuante.

Verifico, aliás, que tal questão foi anotada pela Desembargadora DAGMA PAULINO DOS REIS, em seu voto vencido (fls. 154/155, "verbis":

"Entendo que assiste plena razão ao impetrante, porque a posse é um estado de fato, pelo que não se há de falar em problema de certidão ou autorização. Quem pode se voltar contra essa posse, que existe há mais de 12 anos, é o proprietário da Fazenda Nova Miranda Ltda. Se ele nesses 12 anos não se insurgiu contra a posse da parte usada pelo balneário em terra firme, é porque tacitamente com ela concordou. E dessa utilização por tão longo tempo advieram direitos possessórios ao Hotel Beira Rio, os quais entende serem líquidos e certos, passíveis de serem protegidos pela via mandamental.

Entendo, também, que é ilegal essa exigência de certidão de posse, mesmo porque essa posse é de interesse de terceiros e não da SEMA. Por isso, estando presentes os pressupostos para a concessão da segurança a concedo nos termos do pedido".

Por outro lado, as informações de fls. 106/110, bem como os documentos que vêm em anexo, notadamente o de fl. 111, relatando que... "as terras onde está ancorado ("sic") o hotel flutuante pertencem aos irmãos Klabin, todos residentes no Rio de Janeiro"... os quais... "estão prontos a colaborar no despejo dos invasores" e que dá conta de eventual "permissão de ancorar o hotel" dada em troca do compromisso de evitar invasões, deixa em dúvida o real interesse que estaria dando causa ao ato impugnado, mormente diante da constatação pelos órgãos técnicos especializados da própria Secretaria de Meio Ambiente da inexistência de qualquer indício de prejuízo ao meio ambiente.

Em recente julgamento do REsp n. 21.156/SP, publicado no DJ de 10.10.94, p. 27.106, em questão que, embora relativa a aumento da remuneração de Vereadores Municipais, pode ser trazida a confronto com a tese aqui examinada, a Egrégia 1ª Turma dessa Corte, seguindo relatório do eminente Ministro MILTON PEREIRA, foi, ainda uma vez repetida a lição que segue:

"..................................................

1. O desvio de poder pode ser aferido pela ilegalidade explícita (frontal ofensa ao texto de lei) ou por censurável comportamento do agente, valendo-se de competência própria para atingir finalidade alheia àquela abonada pelo interesse público, em seu maior grau de compreensão e amplitude. A análise da motivação do ato administrativo, revelando um mau uso da competência e finalidade despojada de superior interesse público, defluindo o vício constitutivo, o ato aflige a moralidade administrativa, merecendo inafastável desfazimento.

2. No caso, embora guardando a aparência de regularidade, ressaltado o desvio de finalidade, revestindo-se de ilegalidade deve ser anulada a resolução concessiva do aumento da remuneração.

(...)".

A doutrina jurídica especializada descreve como viciado por desvio de finalidade o ato que, embora praticado com os requisitos formais de validade, revele-se em seus efeitos distanciado do objetivo público ostensivamente declarado, como explica o clássico Hely Lopes Meirelles, no seu "Direito Administrativo Brasileiro" (p. 75):

"O desvio de finalidade ou de poder se verifica quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos ou meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal.

(...)

O ato praticado com desvio de finalidade - como todo ato ilícito ou imoral - ou é consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e do interesse público. Diante disto, há de ser surpreendido e identificado por indícios e circunstâncias que revelem a distorção do fim legal, substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador".

Releva, ainda, observar que a base legal invocada pela Autoridade impetrada é, tão-somente, sua própria Resolução, destinada ao licenciamento ambiental de empreendimentos imobiliários novos, o que parece nada ter a ver com a situação de um hotel flutuante existente há mais de doze anos, segundo reconhecido nos autos".

É de se notar, ainda, que no Poder de Polícia da SEMA não se encontra incluída a faculdade de exigir comprovação de posse ou de propriedade, mas, tão-somente, analisar os projetos de implantação, bem como fiscalizar as atividades de empreendimentos cujas atividades possam vir a causar degradação ao meio ambiente.

À vista do exposto, por concordar com as assertivas do Ministério Público acerca da matéria, as quais adoto como razões de decidir, dou provimento ao recurso.

EXTRATO DA MINUTA

RMS n. 5.271-0 - MS - (95.0000813-0) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Américo Luz. Recorrente: Beira Rio Hotel Ltda. Advogado: Dr. Luiz Manzione. Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Impetrado: Secretário do Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso do Sul. Recorrido: Estado do Mato Grosso do Sul.

Decisão: Decidiu a Turma, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro Relator (em 14.06.95 - 2ª Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Hélio Mosimann e Peçanha Martins.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro HÉLIO MOSIMANN.