(JSTJ e TRF - Volume 86 - Página 171)

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RECURSO ESPECIAL N. 68.491 - RJ (95.0031286-7)

Terceira Turma (DJ, 27.05.1996)

Relator: Exmo. Sr. Ministro Waldemar Zveiter

Recorrente: Nely Elias de Lima

Recorrida: Sociedade Italiana de Beneficência e Mútuo Socorro

Advogados: Drs. Carlos Eduardo Ferreira Rocha e outros e Francisco Massa Filho e outros

EMENTA: - CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DANO MORAL. DANO ESTÉTICO. CUMULABILIDADE.

I - Admissível a indenização, por dano moral e dano estético, cumulativamente, ainda que derivados do mesmo fato, quando este, embora de regra subsumindo-se naquele, comporte reparação material.

II - Incidência da Súmula n. 37 do STJ.

III - Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Cláudio Santos, Costa Leite, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.

Custas, como de lei.

Brasília, 6 de fevereiro de 1996 (data do julgamento).

Ministro WALDEMAR ZVEITER, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: - Intenta-se Especial contra acórdão (fl. 220) que desacolheu cumulação de dano moral com estético, este reparável materialmente.

Sustenta-se violação aos arts. 76 e 159 do Código Civil e dissidência interpretativa com aresto do STJ (fl. 242). Comprovada esta, deferiu-se o apelo pela alínea c do permissivo (fls. 266/269).

De outro lado, denegou-se a irresignação da recorrida, fl. 227, Sociedade Italiana de Beneficência e Mútuo Socorro. Contra o ato lançou-se o Ag. n. 77.708, em apenso, onde se questiona matéria fática.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: - CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DANO MORAL. DANO ESTÉTICO. CUMULABILIDADE.

I - Admissível a indenização, por dano moral e dano estético, cumulativamente, ainda que derivados do mesmo fato, quando este, embora de regra subsumindo-se naquele, comporte reparação material.

II - Incidência da Súmula n. 37 do STJ.

III - Recurso conhecido e, parcialmente, provido.

O EXMO. SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Relator): - A tese proclamada pelo aresto e objeto da insurgência refere-se ao dano moral e ao estético que o julgado diz inacumuláveis, por considerar o último um aspecto do primeiro.

Quanto ao tópico, deduz o em. Prolator (fls. 222/223):

"Sem razão também a ré no que respeita à sua responsabilidade. Embora de meio a obrigação médica na cirurgia plástica reparatória, o erro profissional decorrente da imperícia, imprudência ou negligência, devidamente comprovado por perícia idônea, configura a culpa ensejadora do dever de indenizar. E neste particular o laudo de fls. 101/115, digno de toda credibilidade por sua segurança, independência e técnica (parabeniza-se o Juízo "a quo" pela escolha do Dr. Perito), não deixa nenhuma dúvida: "Houve imperícia médica na condução de complicação operatória e nas cirurgias realizadas, à exceção das primeiras e última, na Autora da presente ação por parte do facultativo acima apontado, no estabelecimento da Empresa-Ré, dando causa ao estado atual da mama esquerda da autora, como apontado no laudo médico-pericial".

O médico que fez as cirurgias pertence aos quadros da ré, não havendo dúvida alguma a esse respeito. Sendo assim, provada a culpa do preposto, exsurge a responsabilidade do preponente, consoante art. 1.521, inciso III do Código Civil.

Passando agora ao primeiro recurso, é preciso assinalar desde logo que o dano estético, que se configura pelo vexame, humilhação, ou vergonha decorrente de deformidade física, é um aspecto do dano moral. Não se admite por isso cumulação do dano estético com o moral, sob pena de se consagrar um "bis in idem". Conseqüentemente, quando a douta sentenciante concedeu indenização pelo dano moral o fez na realidade pelo dano estético.

O arbitramento do dano moral (que no caso se configura como estético) é, sem dúvida, um dos mais angustiantes problemas do Juiz em tema de responsabilidade civil. Estou convencido de que não está o julgador, nesta tarefa, vinculado a qualquer valor ou tabela preestabelecida em lei ou regulamentação normativa. O único critério recomendável continua sendo o prudente arbítrio judicial, de acordo com o seu livre convencimento, atento ao princípio de que o dano não pode ser uma fonte de lucro para a vítima, nem um estímulo para o causador.

No caso em exame, é de se reconhecer que a deformidade sofrida pela autora é gravíssima, estando pois a recomendar a elevação da quantia arbitrada na sentença para 200 salários mínimos, no que leva-se também em conta a capacidade econômica da ré".

Melhor sorte está com a recorrente.

De fato, a solução jurídica equacionada pelo "decisum" colide com entendimento que a Turma pacificou sobre o tema, eis que, no caso em exame, embora o dano estético, em tese, pode subsumir-se no dano moral, aqui se afigura reparável materialmente.

Por isso, que vale repristinar os lineamentos em que respaldado o precedente REsp n. 40.259-0/RJ, de minha relatoria, trazido para confronto, no qual se examinou a cumulabilidade de dano moral e material.

Dentre outros precedentes de minha relatoria na Turma, vale invocar o Acórdão proferido quando do julgamento do REsp n. 15.646-0/SP. Naquela assentada, assim, consignei, concluindo o voto:

"Aliás, quando Desembargador do Colendo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já admitia a cumulação das verbas quando existente dano material e moral ainda que derivados do mesmo fato.

Contudo, nesta Corte, aderi ao entendimento majoritário, tornado unânime, dando por incabível tal cumulabilidade, em voto do eminente Ministro GUEIROS LEITE, no REsp n. 1.974.

Posteriormente, a Turma em voto capitaneado pelo eminente Ministro EDUARDO RIBEIRO que em aprofundado estudo modificou seu entendimento já tendo a integrá-la o Sr. Ministro DIAS TRINDADE houve por bem aderir a tese de cumulação (REsp n. 4.236), ficando este Relator vencido na companhia do Sr. Ministro NILSON NAVES; secundando o mesmo nos julgados dos REsp’s ns. 3.229 e 7.072.

Daí a razão suficiente para, nesse ponto, aderir à orientação traçada pela douta maioria seja porque, como afirmado, assim entendia, seja para cumprir a função maior da Corte, qual a de uniformizar a aplicação do Direito Federal. Adoto, pois, como fundamento, a conclusão do voto proferido pelo Sr. Ministro EDUARDO RIBEIRO, no Acórdão acima referido, nos seguintes termos:

"Se há um dano material e outro moral, que podem existir autonomamente, se ambos dão margem à indenização, não se percebe porque isso não deva ocorrer quando os dois se tenham como presentes, ainda que oriundos do mesmo fato. De determinado ato ilícito decorrendo lesão material, esta haverá de ser indenizada. Sendo apenas de natureza moral, igualmente devido o ressarcimento. Quando reunidos, a reparação há de referir-se a ambos. Não há porque cingir-se a um deles, deixando o outro sem indenização.

Note-se, a propósito, que vários julgados do Supremo Tribunal - não todos, cumpre reconhecer - em que se rejeita a cumulação, referem-se ao caso, já examinado, de morte de menor, em que o dano moral foi indenizado, sob o color de reparação de lesão patrimonial. Nesse caso, obviamente, não se podem sobrepor. É que o dano, em verdade, era apenas moral, não se podendo conceder outra verba a esse título" (DJ de 01.07.91).

Embora sutil, a distinção há de ser feita quando, como aqui ocorre, possível, a reparação de dano moral e material (estético) oriundos do mesmo fato.

Ainda, como afirmado, que derivado do mesmo fato, indenizável é o dano estético (material) e o dano moral. Este pela dor e constrangimento impostos à autora, por culpa dos agentes, em face da lesão e da deformidade física que passou a portar, aquele pelo próprio defeito, anomalia que ostenta, como no laudo pericial descrito e reparável por uma nova cirurgia, a ser custeada pelo causador, constituindo-se, portanto, dano material.

Distintos como se afiguram, ambos comportam ressarcimento consoante o preceito Sumular n. 37 deste STJ.

Anoto que a sentença em percuciente exame da prova produzida nos autos assim concluiu em sua parte dispositiva (fl. 182):

"No que tange à reparação propriamente dita, tem a autora o direito de fazer, às expensas da ré, cirurgia ou cirurgias plásticas reparatórias da mama esquerda com escopo de recompor o mamilo extirpado.

"In casu" é estreito o vínculo entre o dano estético e o dano moral, pois, o estético já é objeto da condenação para fins de recomposição do bico do seio deformado, restando, apenas, a indenização do dano moral pelo sofrimento imposto à autora com a perda temporal de parte do seu corpo.

Destarte, fixo, moderadamente o dano moral acarretado à autora em 50 (cinqüenta) salários mínimos, cujo valor será o da época do desembolso.

O dano psicológico não ficou evidenciado, de modo que é negada à autora a percepção desta verba.

Fica esclarecido que o hospital para fins das eventuais cirurgias será congênere ao da ré, haja vista a relação de plano de saúde com suas características, arcando a ré com os honorários da equipe cirúrgica indicada pela autora neste Município, sendo certo que o nível do profissional deve ser sopesado; porém, sem que se admita a eleição do profissional mais afamado por não comportar o plano médico da autora tal escolha.

Pelo exposto JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para condenar a ré consoante supra-explicitado".

E, tantas decisões foram proferidas esposando essa orientação, que editou-se a Súmula n. 37, da Corte, sedimentando-a.

Ora o acórdão recorrido, no ponto em que se controverte, entendeu não cumulável a verba do dano moral, porque concedida aquela referente ao dano estético, quando este, embora em tese subsumindo-se naquele, no caso concreto se constitui passível de reparação por ressarcimento material, contrariando, assim, a posição jurisprudencial firme da Corte, eis que indenizável o dano por ambos os fundamentos: moral e material.

Neste caso convém acentuar, contudo, que o dano estético decorreu de deformidade física resultante de má técnica empregada em cirurgia plástica reparadora de mama que causou a lesão descrita no laudo de fls., assim descrita na sentença (fl. 181):

"Todavia, inegável a presença do erro médico pela perda do mamilo esquerdo da autora por imperícia na condução da complicação operatória, e em parte das cirurgias - fl. 108, item 5.3, deformando sua mama esquerda.

Note-se que, a imperícia apontada está na ausência da aplicação de princípios fundamentais em cicatrizes de feridas, isto é, decurso de tempo suficiente de "revascularização da área que iria receber enxerto, livre e de grande espessura, do mamilo contralateral" - fl. 107.

De sorte que, tem a autora o direito à parte do ressarcimento postulado na inicial".

Assim, em que pese o brilho, a inteligência e cultura que se reconhece no eminente e digno prolator do acórdão recorrido, secundado pela controvérsia doutrinária existente quanto à matéria, forçoso é acentuar que este Tribunal ao qual se incumbiu a guarda da legislação federal e, conseqüentemente, sua interpretação uniformizando-a quando divergente, sobre o tema pacificou entendimento contrário ao manifestado no aresto impugnado.

Tenho, pois, que o Aresto, ao decidir como o fez, divergiu do preceito sumulado.

Com base nesses lineamentos, e em face da comprovação do dissídio, conheço do recurso e dou-lhe provimento, em parte, para, aplicando o direito à espécie, cassar o r. acórdão recorrido, deferir a indenização, cumulativamente, por dano moral e estético (material), como posto na sentença em sua parte dispositiva.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n. 68.491 - RJ - (95.0031286-7) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Waldemar Zveiter. Recorrente: Nely Elias de Lima. Recorrida: Sociedade Italiana de Beneficência e Mútuo Socorro. Advogados: Drs. Carlos Eduardo Ferreira Rocha e outros e Francisco Massa Filho e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento (em 06.02.96 - 3ª Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Cláudio Santos, Costa Leite, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro WALDEMAR ZVEITER.