(JSTJ e TRF - Volume 81 - Página 219)

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RECURSO ESPECIAL N. 57.163-4 - RS (94.0035914-4)

Terceira Turma (DJ, 11.12.1995)

Relator: Exmo. Sr. Ministro Eduardo Ribeiro

Recorrentes: José Donairo Bulcão Teixeira e outros

Recorrido: Nézio Teixeira Munhoz

Advogados: Drs. José Guilherme Villela e Roberto de Figueiredo Caldas e outros

EMENTA: - COISA JULGADA CRIMINAL.

I - Irrelevância, quanto à responsabilidade civil, se a absolvição não envolveu o reconhecimento de exclusão de ilicitude nem reconheceu, categoricamente, a inexistência material do fato.

II - Responsabilidade civil. Nexo de causalidade. Ainda se admita, em matéria civil, a teoria da equivalência das causas, isso não se haverá de fazer em sua absoluta pureza, pena de conduzir a absurdos, com a extensão indefinida da cadeia causal.

III - Hipótese em que se admitiu a superveniência de causa relativamente independente, que deu início a outra cadeia.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso especial e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, vencido o Sr. Ministro Nilson Naves, que dele não conhecia. Sustentaram oralmente, o Dr. José Guilherme Villela, pelos recorrentes e o Dr. Roberto de Figueiredo Caldas, pelo recorrido. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Waldemar Zveiter, Cláudio Santos, Costa Leite e Nilson Naves.

Custas, como de lei.

Brasília, 17 de outubro de 1995 (data do julgamento).

Ministro WALDEMAR ZVEITER, Presidente - Ministro EDUARDO RIBEIRO, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: - Nézio Teixeira Munhoz ajuizou ação contra José Donairo Bulcão Teixeira e outros. Alegou que, na tentativa de apaziguar tumulto, desencadeado pelos réus, foi atingido por uma pedra, ocasionando-lhe a perda da visão do olho esquerdo. Pleiteia indenização ampla pelos danos moral e material, considerando-se que sofreu perda da visão, ficando prejudicada sua capacidade laboral. Cumulou pedido de lucros cessantes, quanto ao período em que ficou impossibilitado de exercer suas atividades profissionais.

A ação foi julgada improcedente, reformada a sentença em grau de apelação.

Os réus apresentaram recurso especial. Argumentaram que o acórdão impugnado ter-se-ia equivocado, atribuindo-lhes responsabilidade solidária, inexistente na hipótese, vez que absolvido no processo criminal. De qualquer sorte, não teriam dado causa ao resultado, sendo violados os arts. 159 e 1.518, parágrafo único do Código Civil.

Não admitido o recurso, os recorrentes apresentaram agravo de instrumento. Negado provimento a esse, interpuseram agravo regimental, tendo sido, por maioria, provido o recurso.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: - COISA JULGADA CRIMINAL.

I - Irrelevância, quanto à responsabilidade civil, se a absolvição não envolveu o reconhecimento de exclusão de ilicitude nem reconheceu, categoricamente, a inexistência material do fato.

II - Responsabilidade civil. Nexo de causalidade. Ainda se admita, em matéria civil, a teoria da equivalência das causas, isso não se haverá de fazer em sua absoluta pureza, pena de conduzir a absurdos, com a extensão indefinida da cadeia causal.

III - Hipótese em que se admitiu a superveniência de causa relativamente independente, que deu início a outra cadeia.

O EXMO. SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO (Relator): - Entendeu a sentença que o dano foi causado exclusivamente por Fábio Marcelo Bulcão Bittencourt, pois foi ele quem atirou a pedra que veio a atingir o autor. Esse co-réu foi excluído do processo já que, condenado criminalmente, dispunha o autor, em relação a ele, de título executivo, carecendo de interesse processual para instaurar processo de conhecimento.

A apelação do autor foi provida, considerando-se aplicável a teoria da equivalência das causas. Não tivessem os réus, assinalou o acórdão, enfrentado a autoridade policial, que agia no cumprimento de seu dever, o resultado não se teria produzido. Nas palavras do julgado em exame, "a supressão hipotética do elemento, ou seja, a participação "contra jus" dos réus enfrentamento com a autoridade, elimina o dano. É, pois, causa eficiente do evento, gerando dever de indenizar, nos termos do art. 159 do Código Civil". E melhor explicitando os fatos:

"Fácil é concluir que os réus, depois de muito beberem (só têm "gênio calmo", diz a testemunha Ítalo, fl. 59, "in fine", "fora da bebida"), resolveram enfrentar agentes da autoridade pública, na alegada e inexistente defesa do tal de "Pig", que cometera infração de trânsito e, com toda razão, estava para ser multado. No contexto da briga surgiu o evento danoso, o que os torna, indubitavelmente, responsáveis solidários pelas graves conseqüências do ilícito (art. 1.518, parágrafo único do Código Civil)".

O recurso especial apresenta basicamente duas razões para pedir a reforma do decidido. Teria sido contrariado o disposto no art. 159 do Código Civil e desrespeitara-se a coisa julgada criminal, com ofensa à norma do art. 1.525 do mesmo Código.

Em relação ao último não houve o prequestionamento. Malgrado mencionado no relatório, é certo que nada se decidiu a propósito. Não se verificou rejeição implícita do argumento nele fundado, mas completa ausência de apreciação do tema. Ainda que assim não fosse, entretanto, o recurso não estaria a merecer conhecimento, com base nesse fundamento. A propósito da matéria, com apoio desta Terceira Turma, assim me pronunciei no julgamento do REsp n. 27.806:

"O Código Civil estabeleceu, como regra geral, a independência entre responsabilidade civil e criminal. Excepcionou, entretanto, não se poder "questionar sobre a existência do fato, ou de quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime".

Esse texto não permanece íntegro, modificado que foi pelos Códigos Penal, de Processo Penal e de Processo Civil.

Relativamente à sentença penal condenatória, dispôs o primeiro que faz certa a obrigação de indenizar. A lei processual penal prevê a execução da sentença condenatória, no Juízo Cível, para reparação do dano e o CPC a inclui entre os títulos executivos judiciais. Vê-se que quando se trate de sentença penal com o conteúdo em exame, só se poderá decidir, no cível, sobre o montante dos danos ou sobre a superveniência de causa que extinga a obrigação de indenizar. A repercussão do julgado criminal fez-se mais ampla que a previsão do art. 1.525.

Sendo absolutória a sentença, o Código de Processo Penal afirmou fazer coisa julgada no cível quando reconhecer uma das então chamadas causas de exclusão de criminalidade, hoje exclusão da ilicitude. E no art. 66 restringiu a exceção contida no art. 1.525 do Código Civil. Limitou a possibilidade de reexame no cível à hipótese de haver categórico reconhecimento da inexistência material do fato. Como observou Adroaldo Furtado Fabrício, a norma é coerente com o disposto no art. 386 do mesmo Código (AJURIS 55, p. 35 e seguintes). A negativa da autoria não repercute no cível. Assim também a insuficiência de provas quanto à existência material do fato.

Essas hipóteses de comunicação do julgado criminal com o cível são excepcionais e assim devem ser tratadas. A regra é a independência, como proclama o art. 1.525 do Código Civil".

No caso em exame, não se reconheceu a presença de qualquer das causas de exclusão de ilicitude de que cuida o art. 65. Nem se proclamou a inexistência material do fato. Bem ao contrário. A absolvição, por conseguinte, não tem influência no Juízo Cível.

Examino o outro fundamento do especial.

O v. acórdão, já se salientou, adotou a teoria da equivalência das causas. Não se distinguem causas e concausas. Consideram-se como tendo produzido o dano todas as que constituíram condição para que tivesse ele ocorrido.

Em matéria penal tem-se como certo que essa a doutrina acolhida em nosso direito, no art. 13 do Código (art. 11 antes da reforma). No Direito Civil, tratando-se de ilícito extracontratual, o tema é dominado pelo art. 159, que não revela clara filiação a qualquer das numerosas correntes que a respeito se formaram. O mesmo se diga do art. 1.518 e seu parágrafo único. Aí se estabelece que, havendo co-autoria, todos responderão solidariamente. De igual modo os cúmplices, em explicitação que envolve aceitar-se distinção a que se dá, hoje, pouca valia. Essas regras não resolvem a questão, pertinente a saber quando o agir de alguém deve ter-se como colocando causa necessária para que houvesse o resultado, de maneira a que pudesse ser reputado co-autor.

Ao regular as conseqüências da inexecução das obrigações, a lei civil estabeleceu parâmetro no art. 1.060. Restringiu-se a indenização aos prejuízos efetivos e aos lucros cessantes por efeito direto e imediato da inexecução. A adoção pura e simples da equivalência das causas levaria a ensejar o ressarcimento de todos os danos que, ainda remota ou indiretamente, se vinculassem ao primeiro.

Em verdade, como de tranqüilo entendimento, a teoria da equivalência das condições, caso aplicada sem temperamentos, conduziria a inaceitáveis absurdos. A responsabilidade civil não encontraria limites, minimamente exigíveis. Sente-se, em primeiro lugar, a necessidade de inserir um outro elemento - a culpa - estranho ao nexo de causalidade. Assim, Caio Mário, na obra citada pelo julgado em exame ("Responsabilidade Civil", 2ª ed., p. 86). Alguém pode ter colocado condição necessária à existência de um dano sem que, haja procedido com culpa. O seu agir inseriu-se no nexo causal. Não tem o dever de ressarcir porque não agiu culposamente, o que é coisa diversa. Vale notar que o recurso a esse elemento inviabiliza-se quando se trate de responsabilidade objetiva, que prescinde da culpa.

A propósito, da cadeia de causalidade dita material, nosso Código Penal contemplou ressalva, pertinente à superveniência de causa relativamente independente. Cuida-se aí da interferência de um determinado fator que fez desviar a cadeia causal de seu natural desdobramento. Tem-se, como observa Hungria, uma exceção à regra da equivalência ("Comentários", vol. I/67, tomo II, 4ª ed.).

No caso, não há dúvida de que, adotada a doutrina em exame em sua absoluta pureza, como aparentemente o fez o acórdão, forçoso concluir que todos os recorrentes deram causa ao resultado. Não houvesse o enfrentamento, a pedra não teria sido atirada. Mas, assim sendo, valeria continuar a pesquisa. Por que estaria a pedra naquele lugar? Tivesse sido deixada por alguém que se omitira no dever de retirá-la, esse também seria passível de responsabilização. A cadeia de causalidade poderia ser estendida quase indefinidamente.

Necessário, em vista do exposto, verificar se o lançamento da pedra, por um dos participantes do evento, se insere na linha de desdobramento do que vinha ocorrendo, ou se é de qualificar-se como causa relativamente independente. A questão é de qualificação jurídica dos fatos e a resposta, a meu ver, deve ser pela segunda opção. O evento, como diz o acórdão, verificou-se no contexto da briga, mas daí não se há de concluir, necessariamente, sejam co-autores todos os participantes. O fato de um grupo enfrentar policiais não leva a ter como responsáveis seus integrantes pelo ato de um deles que, em manifesto excesso, resolve atirar pedras.

Considerando-se a questão, seja no plano da causalidade, seja no da culpabilidade, não tenho como presente a responsabilidade dos recorrentes. Pelo resultado danoso responderá quem lhe deu causa, ou seja, a pessoa que atirou a pedra.

Em vista do exposto, tenho como contrariado o art. 159 do Código Civil, razão por que conheço do recurso e dou-lhe provimento para restabelecer a sentença.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Presidente): - Srs. Ministros, peço vênia ao Eminente Advogado que sustentou pelos recorridos para subscrever o voto do eminente Ministro EDUARDO RIBEIRO, ao qual não tenho nada a apor. S. Exa. fez um exame bastante aprofundado da matéria e restrito ao quadro da qualificação jurídica da prova realizada no processo.

Acompanho o voto de S. Exa.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: - Sr. Presidente, no agravo de instrumento que deu origem a este recurso especial, isto é, no Ag. n. 49.339, em grau de agravo regimental, fiquei vencido. Naquela oportunidade, neguei-lhe provimento. Peço vênia para, divergindo da douta maioria, manter a minha posição, que era a de confirmar a decisão contra a qual fora interposto o recurso especial. A meu ver, a teoria da equivalência não foi desmedidamente aplicada pelo acórdão local.

O meu voto é pelo não conhecimento do recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n. 57.163-4 - RS - (94.0035914-4) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Eduardo Ribeiro. Recorrentes: José Donairo Bulcão Teixeira e outros. Recorrido: Nézio Teixeira Munhoz. Advogados: Drs. José Guilherme Villela e Roberto de Figueiredo Caldas e outros. Sustentação oral: Sustentaram, oralmente, o Dr. José Guilherme Villela, pelos recorrentes e o Dr. Roberto de Figueiredo Caldas, pelo recorrido.

Decisão: A Turma, por maioria, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro Relator, vencido o Exmo. Sr. Ministro Nilson Naves, que dele não conhecia (em 17.10.95 - 3ª Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Waldemar Zveiter, Cláudio Santos, Costa Leite e Nilson Naves.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro WALDEMAR ZVEITER.