EXECUÇÃO NOS PROCESSOS COLETIVOS

FRANCISCO BARROS,
Juiz Federal e Professor da UFRN.

1 INTRODUÇÃO

O dinamismo das relações sociais, sejam elas individuais ou coletivas, no mundo moderno, está a exigir uma maior relfexão a respeito da pronta prestação jurisdicional. A demora na solução dos conflitos pelo Poder Judiciário, como tutelador da função judicante, não está correspondendo aos anseios da coletividade e o descrédito dessa atividade passa a ser mais intenso, como têm demonstrado as pesquisas de opinião pública ultimamente noticiadas.

Cada dia vai ficando mais distante da realidade a velha parêmia deixada por CHIOVENDA de que "o processo deve dar quanto for possível, praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e somente aquilo que ele tenha direito de conseguir".

É bom lembrar que, quando se busca o Judiciário para a resolução de um conflito, ninguém se sente plenamente realizado com a simples declaração de reconhecimento de seu direito. Embora esse momento do processo seja importante, a realização de quem vai ao Judiciário só se completará com a satisfatividade do decisum.

Por isso é que ao lado da pregação constante da eficácia da norma, há imprescindível necessidade de se buscar uma real efetividade do processo.

Essa preocupação vem ganhando adeptos a cada dia e o eminente processualista

Institutos como a legitimação, coisa julgada, execução específica, além de outros, romperam, de forma extraordinária, com os dogmas consolidados através de décadas sobre esses assuntos, impondo-se assim uma retomada de posição a respeito de tudo que lhes era afeto.

Convidado a participar do Painel sobre "PROCESSO COLETIVO", no I ENCONTRO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, PENAL E TRABALHISTA foi que me dispus a traçar alguns aspectos sobre a "Execução no Processo Coletivo", cujo tema, nas poucas vezes em que foi tratado, deixa antever grande controvérsia, além de haver muita resistência em se implantarem as mudanças nele ocorridas.

A simbiose desses dois diplomas legais mereceu do ilustre NELSON NERY JÚNIOR, o seguinte comentário: "Os sistemas processuais do CDC e da LACP são interligados, sendo aplicáveis indistintamente um ao outro reciprocamente, conforme determinam os arts. 90 do CDC e 21 da LACP, este último introduzido pelo art. 117 do CDC. Há, por assim dizer, perfei-ta interação entre os dois sistemas, que se completam e podem ser aplicados às ações que versem sobre direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais, observado o princípio da especialidade das ações sobre relações de consumo às quais se aplica o Título III do CDC e só subsidiriamente a LACP".

É certo que, em matéria de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos as normas a serem apli-cadas, em primeiro plano, devem ser aquelas dirigidas a esses tipos de direitos. Somente de forma subsidiária, quando houver compatibilidade, sem que se venha a esquecer de que deve ser extraída a maior e melhor interpretação possível nesse campo e, em casos peculiaríssimos, deve-se buscar a fonte do Código de Processo Civil.

5 A EXECUÇÃO NO CÓDIGO

DE PROCESSO CIVIL O Código de Processo Civil vigente contém, no processo de execução, uma estrutura voltada primordialmente para satisfação dos interesses e direitos individuais. Esse o primeiro dado a se extrair nessa área do direito.

O aspecto mais relevante, no entanto, é se atentar para o conjunto sistemático que o processo de execução apresenta. Todo ele voltado à execução por quantia certa.

Mesmo as espécies de execuções para entrega de coisa, de fazer ou não fazer, terminam por se transformar, naturalmente, em execução por quantia certa.

É bastante que se ponha a vista em nosso Código para constatar que o legislador não ousou em forçar, nesses dois últimos tipos de execução, uma busca maior na satisfação específica da obrigação.

Apenas no cumprimento do pré-contrato houve um avanço considerável, ao permitir a produção de efeitos declaratórios de sentença trânsita em julgado, na ausência da emissão da vontade do obrigado. Mesmo assim, ainda é encontrável alguma resistência doutrinária, procurando desviar esse passo tão importante que foi dado em nosso direito positivo.

Entendo ser perfeitamente constatável que o nosso processo civil comum está a merecer uma grande inovação nesse campo, não se prestando a ser invocado, em quase sua totalidade, ao processo coletivo, mormente quando se tem no campo do direito positivo normas específicas que muito bem atendem aos objetivos a que se destinam.

Não é exagero se afirmar que as execuções específicas de dar e fazer ou não fazer, na forma sistematizada no Código, constituem um verdadeiro convite à negação do direito, quando é sabido que "a execução específica constitui, nesse quadro, fator muito expressivo da efetividade do processo".

A sistemática adotada no processo individual, mereceu de KAZUO WATANABE o seguinte comentário: "Essa pobreza do nosso sistema jurídico processual é decorrente basicamente da mentalidade com que interpretamos o nosso ordenamento, formalista acima de tudo e marcada profundamente pela visão de mundo individualista e economicística, em que está inspirado o direito processual pátrio".

CALMON DE PASSOS, ao dissertar sobre a crise no processo de execução, foi enfático ao afirmar que "a propositura do tema equivale a esta assertiva: o processo de execução tem deixado de corresponder ao que dele se devia esperar".

6 EXECUÇÃO NOS PROCESSOS COLETIVOS

6.1 Aspectos da Legitimidade e Competência

Merece destaque, na execução dos processos coletivos, especialmente nas hipóteses de defesa do consumidor, a amplitude de legitimação que foi emprestada, podendo a mesma ser ajuizada tanto pelas pessoas legitimadas do art. 82 - Ministério Público, União, Estados, Municípios, Distrito Federal, entidades e órgãos da Administração Pública, Direta ou Indireta, ainda que sem personalidade jurídica, e as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano, como pela vítima e seus sucessores, como se infere do art. 97, da Lei 8.078/90.

Vale acrescentar que em razão do efeito da coisa julgada erga omnes ou ultra partes que informam esse tipo de processo, as vítimas ou seus sucessores não haverão de ter, necessariamente, participado do processo de conhecimento. É bastante que haja certidão da sentença, com ou sem o seu trânsito em julgado.

No que concerne a competência, houve veto do ao parágrafo único do art. 97, que assegurava o foro do domicílio do liquidante ou exequente, o que denota, em uma primeira análise, a impossibilidade dessa vantagem.

É bom lembrar que, embora com o veto, o foro é de competência relativa, visando a favorecer o liquidante, sendo inteiramente aplicáveis os ensinamentos da professora ADA PELLEGRINI GRINOVER, ao afirmar: "É que, vetado o dispositivo em tela, permaneceu íntegro o § 2º, inciso I, do art. 98 - que se refere ao juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória, para a execução individual. Assim, fica claro que diversos podem ser o foro e o juízo da liquidação da sentença e da ação condenatória, nas ações coletivas de que trata o Capítulo II do Título III".

Depois, indaga a ilustre Mestra, "E quais serão esses foro e juízo da ação condenatória? A resposta está no art. 101, inc. I, do Código: a ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços pode ser proposta no domicílio do autor".

Em seguida, conclui: "O fato é que, mesmo vetado o parágrafo único do art. 97, o inciso I do § 2º do art. 98 permanece íntegro. A lei não pode conter disposições inúteis. É preciso dar conteúdo ao dispositivo em tela e a única interpretação capaz de fazê-lo parece ser aquela que, reportando-se ao disposto no art. 101, inc. I, e aplicando-o por analogia, extrai do sistema a regra da competência de foro do domicílio do liquidante ..."

É importante acrescentar, como reforço de argumento, que no âmbito do processo de execução comum, onde o título executivo judicial é originário de sentença penal condenatória, a competência, para liquidação e execução, é do juízo cível que seria competente para a ação de responsabilidade civil relativa ao mesmo ilícito.

6.2 A obrigação de fazer ou não fazer nas execuções coletivas

O aspecto que entendo de maior relevo em matéria de execução do processo coletivo, é a importância que foi empres-tada à execução para cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, deixando a lei bem claro que o objetivo desse tipo de ação é ter a satisfatividade atendida, quer concedendo a "tutela específica da obrigação", quer determinando "providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento", como impõe o art. 84 do Código do Consumidor.

. Aqui há profunda modificação do sistema, levando-se em consideração o que existe hoje nesse tipo de execução no Código de Processo, pois, como já afirmado, ali há deliberado propósito de se transformar essas obrigações específicas em execuções por quantia certa.

O legislador procurou pôr em evidência a lição deixada por CHIOVENDA, quando afirmou que "o processo deve dar quanto for possível, praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e somente aquilo que ele tenha direito de conseguir".

AGOSTINHO ALVIM reforçando esse pensamento, sustenta que "a execução direta, sempre que possível, é obrigatório para o devedor".

HUMBERTO TEODORO JÚNIOR, fincado nos ensinamentos de ALLORIO, proclama que "A idéia do ordenamento jurídico como um conjunto de normas obrigatórias e indispensáveis à convivência em sociedade, e a dos contratos como a lei das partes, protegida e assegurada pela lei do Estado, tudo isto leva à conclusão de que, se o negócio jurídico é válido e eficaz, é a execução específica que "oferecerá la solución más sensata del problema jurídico creado por el incumprimiento".

Em razão desse novo rumo tomado pelo chamado direito coletivo, há de se afirmar que: "As disposições contidas neste capítulo põem bem à mostra a preocupação do legislador pela instrumentalidade substancial e maior efetividade do processo e também pela sua adequação à nova realidade sócio-econômica que estamos vivendo, marcado profundamente pela economia de massa".

Em primeiro plano, deve ser visto que o art. 83 desse diploma legal é incisivo ao estabelecer que "Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela".

Aí há um desdobramento, para melhor esclarecimento de sua finalidade, do princípio da "inafastabilidade do controle jurisdicional", insculpido no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.

O preceito inserto no art. 83 "é complementado pelo art. 84 que confere mais poderes ao juiz (e também às próprias partes, pois é através do seu pedido que os poderes do juiz são ativados) para conferir ao processo, mais especificamente ao seu provimento, maior plasticidade e mais perfeita adequação e aderência às peculiarida-des do caso concreto".

"As ordens judiciais no sistema processual pátrio devem ser executadas, em linha de princípio, em sua forma específica, sob pena de uso da violência oficial para seu efetivo cumprimento como deixam claro, entre outros, os arts. 362, 412 e 842, do Código de Processo Civil."

"O legislador deixa claro que, na obtenção da tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, o que importa, mais do que a conduta do devedor, é o resultado prático assegurado pelo direito. E para obtenção dele, o juiz deverá determinar todas as providências e medidas legais e adequadas ao seu alcance, inclusive, se necessário, a modificação do mundo fático, por ato próprio e de seus auxiliares, para conformá-lo ao comando emergente da sentença".

A esse ideal de coincidência que deve existir entre o que se conseguiria através de um caminho direto, sem intermediação do Estado, e o que se deve atingir por meio do processo como atividade jurisdicional, não ficou alheio ao professor JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREI-RA, ao afirmar que: "A instauração de processo judicial consti-tui, no comum dos casos, uma alternativa a que se recorre quando parece impossível ou difícil a atuação espontânea do direito. Logicamente, o objetivo do processo deveria consistir na obtenção de resultado prático que coincidisse de modo exato com o que se atingiria por aquele caminho natural. Não sendo isso possível, valorar-se-á o funcionamento do mecanismo processual, em todo caso, à luz da sua aptidão para produzir resultado próximo do ideal de coincidência. Dir-se-á, então, que o processo funciona tanto melhor quanto mais se aproximar o seu resultado prático daquele a que levaria a atuação espontânea do direito".

Parece tranquilo que a satisfatividade do julgado "deve atuar no sentido de imprimir à execução da sentença a aptidão para produzir resultado tendente a igualar aquele que se obteria mediante a realização espontânea do direito".

Somente na impossibilidade - e vamos chamá-la aqui de impossibilidade material, de atender ao princípio da "maior coincidência possível", é que se recorreria a uma reparação do dano, sob pena de se reconhecer, "na verdade, a confissão da impotência da lei para assegurar a consecução do objetivo primário a que se visara. Sem dúvida, "o equivalente pecuniário" é melhor que nada; entretanto, fora do âmbito puramente patrimonial, e em determinados casos até dentro dele, a soluç-ão revela-se muito insatisfatória".

O Código do Consumidor, cujas normas são extensivas aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, onde se fizerem presentes, no capítulo da "Defesa do Consumi-dor em Juízo", deixou patente o desejo de que não falte ao direito violado o meio de seu reconhecimento. E não só isso. Acima de tudo, a decisão proferida deve ter real efetividade, para que o direito reconhecido ao lesado seja mais que uma mera expectativa.

Mais ainda, "O art. 84 deve ser interpretado tendo em vista também o disposto no art. 48", do Código do Consumidor, pois neste dispositivo há garantia de que "as declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ense-jando inclusive execução específica".

Porém, não é só esse artigo 48 que está acobertado pelo art. 84, uma vez que este contém uma destinação bem mais ampla e alcança uma diversidade de situações que pode se apresentar na vida real, como veremos adiante.

Ainda no art. 84, do Código do Consumidor, há evidente propósito de que a obrigação não seja transformada em perdas e danos, a não ser que venha a optar o autor por esse caminho, quando impossível se apresentar a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

Ingressou, também, nesse dispositivo, de forma bem mais intensa, o sistema francês das Astreintes, ao se prever a imposição de multa diária ao réu, na hipótese de descumprimento da liminar ou da sentença, de modo suficiente e compatível com a obrigação.

Ao condicionar a pena a uma situação de compatibilidade com a obrigação, deixa antever o dispositivo, ao se fazer um exame apressado, que foi mais generoso do que o art. 644 do Código de Processo Civil, o qual não exigiu qualquer vinculação com o objeto da Demanda e assim estariam mais próximo do sentido de sanção que deve conter esse tipo de penalidade. Porém, a circunstância de cuidar de direitos coletivos, que na maioria das vezes são de valores elevados ou inestimáveis pela sua relevância, implica em se reconhecer que termina por atender a essa finalidade.

LIEBMAN informa que "o direito alemão prevê condenação em multas pecuniárias que o juiz pode determinar na medida que lhe parecer conveniente, sem limites de importância, e prisão até seis meses".

Acrescenta ainda que "há uma comparação ou aplicação parecida com a Astreintes francesa que tem um caráter cominatório pesadíssimo, com o pagamento de uma multa, a fim de servir como meio de pressão para cumprimento da obrigação".

Além da aplicação da multa diária no descumprimento da obrigação, cabe ainda ao Juiz tomar todas as providên-cias previstas no § 5º, desse mesmo artigo, "tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva", como até a requisição de força policial.

Verifica-se que não pode é ficar sem efetividade a decisão, pois a obrigação, em regra, deve ser cumprida de forma específica ou obtendo-se o resultado prático equivalente.

Essa é a regra nos mais diversos sistemas jurídicos do planeta, e como informa LIEBMAN "Conseguem-se no direi-to inglês resultados análogos por meios diferentes. Com efei-to, o direito inglês admite sanções severas para o contempt of court, ou seja, o desrespeito à autoridade do juiz ou Tribunal que proferiu a sentença. O não-cumprimento da condenação a fazer ou não fazer inclui-se nesta figura e encontra por este caminho meios muito enérgicos de repressão".

É óbvio que o modo de agir assegurado ao Juiz não é tão desprezível, bastando que haja uma cons-cientização do aplicador da lei para que a mesma possa ter uma real eficácia.

Ressaltando a importância desse dispositivo, os mestres ARRUDA ALVIM, THEREZA ALVIM e outros que "Além da disposição do artigo 83, caput, no seu § 5º se estabelece que todos os meios possíveis (com vistas à satisfação do direito, por meio da realização da tutela específica ou obtenção de resultado prático equivalente), podem ser utilizados, pois este § 5º as elenca e indica de uma forma exemplificativa (utiliza-se aqui da expressão "tais como"). Prevê-se que o Juiz poderá utili-zar-se de quaisquer medidas que sejam adequadas, principalmen-te medidas de caráter cautelar (as aí nominadas, ou outras) ou de caráter executivo, porque se admite, mesmo liminarmente, tutela específica; ou, se inviável, deverá ordenar o Juiz a produção de resultado prático equivalente. Tudo através da utilização possível do que consta deste § 5º, ou mesmo por outros comandos. Alia-se a isso, se for o caso, a requisição de força policial, cujo concurso poderá ser ordenado desde logo".

Esse é o caminho a ser trilhado no processo de execução dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, pois há de se compreender que nas "ações envolvendo interesse e direitos metaindividuais sejam de natureza cominatória, nesse sentido de que venham vocacionadas à prestação específica do objeto, antes que a um sucedâneo, como a conversão em perdas e danos".

6.3 O princípio da oficialidade sobrepondo-se ao princípio dispositivo.

As peculiaridades do processo de execução nas ações coletivas guardam determinadas características que fogem por completo ao processo comum. A necessidade de tornar esse processo efetivo, trouxe mudança também no que tange ao princípio dispositivo. Há reais condições de se vislumbrar a sobreposição

Induvidosamente, em "três aspectos esse art. 84 se distan-cia do chamado princípio da demanda, pelo qual se afirma que a função jurisdicional é de índole substitutiva, ou seja, apenas factível se e quando reclamada pelo titular do interesse ou do direito: (ne procedat iudex ex officio); quando o juiz deter-mina providências que assegurem resultado prático equivalente ao da prestação específica não adimplida (caput); quando impõe "multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor" (§ 4º); quando, para obter a tutela específica ou resultado prático equivalente, o juiz se vale da "medida necessária" consistente no "desfazimento de obra" (§ 3º).

Esses três pontos fogem por completo ao sistema vigente até então. A aplicação do princípio dispositivo sempre foi invocada como regra que não comporta ao juiz extrapolar. Por essa razão, o processo de execução comum se apresenta com mais esse entrave que muito prejudica ao poder satisfativo da jurisdição.

Como reforço a todas essas idéias, o legislador procurou conferir maior efetividade à decisão ao prever a tutela do direito através de liminar, desde que atendidos os pressupostos do "relevante fundamento da demanda" e do "justi-ficado receio de ineficácia do provimento final". É sabido que a prática tem ditado uma diversidade de hipóteses em que a ineficácia da medida se apresenta, especialmente no campo dos direitos coletivos e difusos, pois na maioria das vezes seria impossível sua apuração em processo de liquidação e sua satis-fação em processo de execução.

Atento a essas circunstâncias, o direito positivo vigente não descurou e, por isso, podemos afirmar que o ins-trumental normativo oferece meios, formas e, acima de tudo, subsídios importantes ao julgador para uma melhor efetividade de suas decisões.

6.4 Extensão das obrigações de fazer ou não fazer nas execuções coletivas

Resta ao intérprete e aplicador da lei procurar delimitar com a maior boa vontade possível, o campo de incidência das obrigações de fazer ou não fazer, tendo em vista que essas formas específicas se configuram nos meios mais eficazes do cumprimento da obrigação, até porque podem ser tomadas todas as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

A execução da obrigação de fazer ou não fazer - já dizia LIEBMAN -, "têm por objeto uma atividade ou abstenção do devedor e o cumprimento depende necessariamente de sua vontade e disposição de praticar a atividade ou abstenção devida".

ALLORIO acrescenta que "Todos los bienes que son objeto de una relación de derecho substancial suscetible de ejecución específica, son también, naturalmente, objeto inme-diato del proceso de ejecución específica".

UGO ROCCO, ao delimitar as hipóteses de se proceder nos casos de execução específica de fazer ou não fazer, ditou as seguintes regras:

"a) que se trate de una obligación en que el deudor esté obligado a realizar con sua acción alguna cosa que él, no obstante, aunque obligado a hacer, no haya hecho;

b) que se trate de una obligación en que el deudor esté obligado a no realizar, mediante su acción, alguna cosa, que no obstante, aunque obligado a no hacer, haya hecho.

En definitiva, según lo explicamos en su oportuni-dad, se provee a eliminar los efectos de un hecho omisivo o de un hecho comisivo que constituye la violación de una obliga-ción de contenido determinado".

Anteriormente já foi visto que a execução especí-fica é o meio mais eficaz para tornar efetiva a decisão do julgador. O desenrolar do tema não deixa dúvida a esse respei-to. Há, no entanto, que se emprestar a maior extensão possível ao sentido de execução específica, sob pena de nenhuma valia ter o texto legal concernente aos direitos coletivos.

Não há maiores dificuldades em se aplicar esse poder coercitivo, quando essa obrigação de fazer resultar de cessar medidas como interditar uma obra, paralisar uma atividade, proibir uma propaganda. Há, no entanto, grande dificuldade quando a hipótese foge aos meios convencionais, como vem ocorrendo com certa frequência atualmente no Brasil. Como exemplos, podem ser citados o reajuste da casa própria; o reajuste previdenciário que ficou conhecido como 147%, etc. Nesses casos, o problema se agrava e a resistência passa a ser uma constante, porque os obrigados passam a se valer de idéias e posições doutrinárias que lhes são favoráveis e sempre encontram respaldo nos Tribunais.

Ouso propugnar que, em determinadas obrigações, cujos dados se encontram em poder do devedor, até porque somente a este compete manter o banco de informações, é imprescin-dível que se exija do obrigado o cumprimento em prazo que lhe for concedido, para apresentação dos elementos de liquidação e, em consequência, a satisfação do julgado.

Assim, podemos citar como exemplos as vantagens funcionais e dos empregados, cujos dados estão em poder do órgão pagador ou do empregador; os benefícios previdenciários que são mantidos pela Previdência Social; os dados do Sistema Habitacional que são acumulados pelos órgãos competen-tes desse sistema; as informações constantes do sistema bancá-rio, nos casos que lhe são afetos e os elementos constantes das seguradoras, mais precisamente nos casos de seguro em grupo.

Não vislumbro qualquer incompatibilidade de se buscar, nesses casos, a consecução das obrigações através da forma específica de fazer ou não fazer, mormente em se tratan-do de direitos coletivos.

A doutrina que procurou sistematizar o objeto da execução específica não se conflita com esse tipo de obrigaç-ão. Ao contrário, há uma perfeita harmonia quando a obrigação positiva ou negativa só pode ser prestada pelo devedor ou somente este se encontra com os dados ou elementos indispensá-veis à satisfatividade do julgado.

Não seria de bom alvitre que nesses exemplos citados, sem que os mesmos esgotem as possibilidades que se apresentam na prática, venha a se transformar a execução específica em execução por quantia certa. Isso significaria uma negação do direito e a impotência absoluta do Judiciário.

Passar às mãos do credor o encargo de liqui-dar, por exemplo, obrigações em que milhares de pessoas foram beneficiadas, porém não participaram do processo, até pela impossibilidade prática, é dizer que o direito restou reconhe-cido, porém ninguém irá se satisfazer do mesmo pela inviabili-dade que se apresenta uma liquidação dessa natureza.

Todos os meios de coação deverão ser utilizados para o cumprimento dessas obrigações, desde a imposição de multas até a utilização de sanção no campo do Direito Penal.

Como bem afirma WATANABE, "o art. 330 do Código Penal, ao tipificar como delito a desobediência à ordem legal de funcionário público, completa todo esse quadro, tornando perfeitamente admissível a adoção entre nós da ação mandamen-tal de eficácia próxima à da "injunction" do sistema da common law e da "ação inibitória" do direito italiano".

É certo que há grande divergência em se aplicar os meios coercitivos penais em casos que tais, como aventou com veemência o eminente processualista e Juiz do Tribunal Regio-nal Federal da 5ª Região, LÁZARO GUIMARÃES, ao afirmar que "A pretexto de fazer valer decisão judicial não se poderá deter-minar a prisão do devedor pelo inadimplemento de condenação em dinheiro, ou pela não realização de fato infungível, salvo as hipóteses do devedor de alimentos (no sentido estrito dos alimentos devidos entre si pelos parentes e pelos cônjuges) e do depositário infiel".

"Não desobedece a ordem judicial, no sentido penal, quem deixa de pagar quantia em dinheiro ou prestar fato infungível, porque, e isso já se viu, tais obrigações requerem execução apropriada".

Em que pesem os fortes argumentos do culto magis-trado, entendo, com DONALDO ARMELIN, que "urge dotar o Judiciá-rio de instrumentos processuais que, através de coação indire-ta, inclusive pertinente à restrição da liberdade individual, permitam alcançar a garantia de uma tutela jurisdicional satisfativa plena e exaustiva. Não se cogita de advogar a prisão por dívida, mas sim a restrição de liberdade por des-cumprimento de ordem judicial legítima. A isso não está inibi-do o Legislador Ordinário, pois a garantia individual inscul-pida no art. 153, § 17, da CF, hoje art. 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal, apenas veda a prisão por dívida" .

O mesmo pensamento é esposado por OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA que não vê repugnância a esse meio coercitivo, porque se "o emprego de instrumento de coerção pessoal fossem realmente ofensivos os direitos fundamentais da pessoa humana, não se compreenderia como ordens jurídicas defensoras extrê-nues dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, como o são as da Alemanha e da Inglaterra, zelando por uma tradição secular, continuassem a manter tais instrumentos".

Acrescentaria apenas que a resistência a se tomar medidas mais fortes só irá privilegiar o infrator, torná-lo mais recalcitrante em cumprir qualquer ordem judicial, e desmo-ralizar por completo o Judiciário.

O descumprimento da ordem judicial é que irá originar a sanção penal, por isso a mesma não deve ser confun-dida com a proibição da prisão por dívida, que em nada diz com a hipótese.

Aliás, OVÍDIO BAPTISTA nos informa que "No sistema da common law, igualmente não há prisão por dívida, mas o devedor contra quem o tribunal haja imposto o cumprimento de uma obrigação, poderá eventualmente ser preso, não pode haver se tornado inadimplente, mas pode haver desobedecido a ordem do tribunal ".

É bom lembrar que outros princípios constitucionais também deverão ser alcançados e aplicados no processo, como o devido processo legal, a efetividade das decisões e a inafastabilidade do controle jurisdicional, sob pena de se reconhecer as suas absolutas invalidades.

Nenhum deles estará atendido se o Judiciário se prestar apenas em declarar o direito, sem que lhe sejam asse-gurados meios de concretização dos julgados. Esse último postulado é o que de mais de perto interessa ao jurisdicionado, vez que ninguém irá se conformar com uma decisão judicial, se a mesma não vier a ser satisfeita. Não adianta existir um Judiciário somente para reconhecer o direito, se é incapaz de assegurar o direito reconhecido. O direito inglês, o alemão e o americano já contemplam há muito tempo a sanção penal. O direito português, igualmente, não se compadece com a inércia do Judiciário e prevê casos de crime de desobediência.

No direito brasileiro pode-se buscar subsídios tanto no art. 330, Crime de Desobediência, quanto no art. 319, Crime de Prevaricação, previstos no Código Penal, sem que os mesmos estejam entrando em choque com os princípios proibitivos de prisões na Constituição Federal.

7 EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

Impõe-se como necessária e urgente uma reforma do sistema de pagamento da Fazenda Pública, como prevê a Consti-tuição Federal em seu art. 100.

Como diz o eminente Juiz JOSÉ AUGUSTO DELGADO, "Irreal se apresenta o cumprimento do "decisum" contra a Fazenda Pública quando a lei a sanciona com o pagamento de uma quantia certa, por exemplo, por meio do precatório requisitó-rio. Certo é que quando a liquidação da dívida ocorre, já se passaram vários meses ou anos de defasagem monetária. Há exemplos de que, em face da mudança do valor de nossa moeda, a quantia se tornou insignificante ou deixou de existir. Mais grave se torna essa realidade, por se lhe somar prática de injustiça, quando a prestação da Fazenda Pública é de natureza alimentícia".

Nesse ponto, há necessidade de que os Tribunais, o mais rápido possível, entendam que as dívidas de caráter alimentício não necessitam de expedição de Precatório. Esse pensamento denota uma verdadeira inversão da finalidade do diploma Constitucional, além de trazer uma prática absurda de duas ordens de precatórios nos Tribunais. E o elemento de despesa seria o mesmo? Como compatibilizar os pagamentos de outras dívidas, caso prevaleça essa idéia?

A solução definitiva só virá com a imediata modificação da legislação, quer no campo constitucional, quer na área infraconstitucional. No entanto, a jurisprudência pode muito bem suprir essa lacuna, por enquanto, fazendo exigir a satisfatividade do julgado em tempo razoável que possa ser destinada verba para atender o decisum, tanto recorrendo-se ao elemento de despesa destinado ao pessoal, cuja natureza da dívida é idêntica, como fazendo-se remanejamento do orçamento e solicitando imediata suplementação do mesmo.

Por isso, o reconhecimento da inconstitucionalida-de da Lei 8.197, de 28 de junho de 1992 é o mínimo que se pode esperar de uma posição mais imediata da jurisprudência.

Mesmo assim, não se pode desprezar uma mudança radical nessa área para que não perdure o desalento de LIEBMAN ao reconhecer que as condenações contra a Fazenda Pública, em razão da inexistência de seu momento sancionatório ou de sua debilidade, são reputadas apenas como aparentes.

8CONCLUSÕES

O advento de diplomas legais e constitucionais no campo dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, rompeu com certos dogmas do processo como a coisa julgada, a legitimação e a execução, estando a exigir uma melhor conscientização do intérprete e aplicador da lei.

O sistema processual brasileiro está bifurcado em dois ramos: o processo civil para defesa dos direitos individuais, através do Código, e o processo coletivo para resguardo dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, como deixam patentes os diplomas do Código do Consumidor, Ação Civil Pública, Mandado de Segurança Coletivo e Ação Popular.

O princípio da "efetividade do processo", deve ser uma constante preocupação do aplicador do direito, a fim de vir a ser obtido o melhor resultado possível, "seja para a plena atuação do direito material, seja para a satisfação integral das pretensões justas do demandante, seja para a integral pacificação dos litigantes".

A execução do processo civil comum não atende aos reclamos da evolução de nossos tempos, apresentando-se como um entrave numa real concretização do direito.

A execução do processo coletivo trouxe grandes inovações nesse campo do direito, especialmente quanto à amplitude da legitimação, facilidade quanto à competência e, sobretudo, ao relevo que foi emprestado nas obrigações de fazer ou não fazer, como forma específica de cumprimento dos julgados.

Na execução específica há de se atender à plenitude da satisfação do julgado, determinando "providências que assegurem resultado prático equivalente ao adimplemento", podendo incidir pena de multa e recorrendo-se, inclusive, à força policial necessária.

Apesar da conscientização da doutrina sobre esses aspectos, a jurisprudência necessita caminhar de maneira firme, para que os objetivos da norma não se vejam frustrados.

A obrigação de fazer ou não fazer, na forma como delineada na doutrina, é compatível com a maior extensão possível de situações que se apresentam na vida prática, especialmente quando se trata de hipóteses em que as informações, os elementos e bancos de dados são da exclusiva privatividade do executado.

Não há incompatibilidade em se impor uma sanção penal pelo não cumprimento de obrigação por força de decisão judicial, frente ao que dispõe a Constituição Federal quanto à vedação de prisão por dívida, excetuados os casos de alimentos e depositário infiel, até porque outros princípios constitucionais deverão ser atendidos no processo como o devido processo legal, a efetividade da decisão e a inafastabilidade do controle jurisdicional.

É imprescindível uma reforma imediata no processo de execução contra a Fazenda Pública, quer quanto à interpretação que os Tribunais deverão dar ao art. 100 da Constituição, quer no que tange a uma mudança radical do atual sistema constitucional e legal, pertinente a esse assunto.

FRANCISCO BARROS,
Juiz Federal e Professor da UFRN.