SÚMULA DE EFEITO VINCULANTE

SÚMULA DE EFEITO VINCULANTE

 

Antônio Silveira Neto

 

 

 

 

"O direito deve ser estável, no entanto não pode ser estático"

ROSCOE POUND.

 

 

 

 

 

Sumário: 1- Introdução. 2 - Breve histórico. 3 - Conceito. 4 - Teoria do stare decisis e precedente judicial na Inglaterra. 5 - Os posicionamentos a favor e contra a forma vinculada. 6 - A súmula vinculante e os princípios jurídicos. 6.1 Princípio da celeridade ou brevidade processual. 6.2. Segurança jurídica. 6.3 Princípio da isonomia. 6.4. Princípio da separação dos poderes. 6.5. Princípio do juiz natural. 6.6. Princípio da independência do juiz. 6.7. Princípio do devido processo legal. 6.8. Princípio do duplo grau de jurisdição. 7 - Súmula vinculante e práxis forense. 8 - Propostas. 9 - Conclusões. 10 - Bibliografia.

 

 

 

 

 

 

1. Introdução

 

 

Ante a discussão e implementação da Reforma do Estado através de emendas à Constituição Federal, encontramos, hodiernamente, projetos tramitando no Congresso Nacional que, se aprovados, ocasionarão profundas mudanças no Poder Judiciário.

Os projetos abrangem vários temas. Aqui nos deteremos na análise da tentativa de implementação, via emenda constitucional, do efeito vinculante às súmulas dos Tribunais Superiores.

São duas propostas que estão sendo discutidas paralelamente: a primeira na Câmara dos Deputados, por meio do substitutivo da Reforma do Judiciário de autoria do Deputado Jairo Carneiro - PFL/BA, que além de inúmeras inovações, apresenta a criação da súmula vinculante - inclusive considerando crime de responsabilidade seu descumprimento - e a segunda, de autoria do Senador Ronaldo Cunha Lima - PMDB/PB, tramita no Senado através da PEC 54/95 que dá nova redação ao parágrafo 2º do art. 102 da Constituição Federal, instituindo assim o efeito vinculante nas decisões definitivas de mérito do STF, objeto do presente estudo.

Inobstante as possíveis alterações, pelos parlamentares, dos projetos originais supracitados, poderemos examinar a essência do instituto que se deseja implantar no Brasil, tendo em vista que o objetivo das emendas é prestar efeito vinculante, erga omnes, às súmulas editadas pelos Tribunais Superiores ou exclusivamente pelo STF.

Logo, o propósito do presente trabalho é analisar juridicamente a Súmula de Efeito Vinculante, seus desdobramentos e principalmente a possibilidade ou não de adequação desse procedimento no nosso Ordenamento Jurídico.

 

  1. Breve Histórico

 

 

Na história jurídica pátria encontramos alguns precedentes sobre a súmula vinculante, a começar pelos assentos instituídos na 2ª Ordenação e nas Ordenações Filipinas que serviam para manter o controle monárquico sobre as decisões judiciais e que tinham efeito vinculante, uma vez escritos no livro da Relação.

Após o banimento, na fundação da República, desse controle tirânico, modernamente tivemos na Consolidação da Leis do Trabalhos de 1943, a figura do Prejulgado, que "atribuía ao Tribunal Superior do Trabalho a faculdade de estabelecer "prejulgado" a que ficariam obrigados os Tribunais Regionais e as Juntas de Conciliação e Julgamento (§ 1º., do art. 902)" (Maranhão,1993:25).

Em entendimento discordante do TST, o Supremo Tribunal Federal declarou o § 1º., do art. 902, da CLT, inconstitucional. Finalmente, a Lei n.º. 7.033/82 terminou por revogar o tão criticado dispositivo, transformando os prejulgados em enunciados sem poder coativo.

Em 1963, O Min. Victor Nunes Leal, juntamente com os demais integrantes do Supremo Tribunal, promoveram a criação da Súmula tal qual conhecemos hoje, sem qualquer força vinculante. Os demais Tribunais trataram de copiar o exemplo editando suas próprias súmulas. Na época houve acirradas críticas com relação a sua implantação. Os que reprovavam a súmula temiam pelo esclerosamento da jurisprudência ou que as súmulas se revestissem de caráter imperativo, a exemplo da Lei. Seu idealizador, Min. Victor Nunes Leal, percorreu diversos pontos do país, proferindo palestras, explicando que a súmula não tinha caráter impositivo ou obrigatório. Ela era apenas um pequeno enunciado que o Supremo Tribunal se valia para uniformizar posicionamentos que se repetiam em semelhantes julgados. Esclareceu o Ministro que a súmula era matéria puramente regimental e podia ser alterada a qualquer momento. Na sua criação, nunca se pensou sobre a possibilidade de provê-la de poder vinculante.

Atualmente, encontramos em nosso ordenamento estatal o efeito vinculante nas decisões de ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo (art. 102, § 2º., da Constituição Federal), revestindo-se como uma pequena exceção a livre interpretação da lei pelos juízes.

 

  1. Conceito

 

Para uma melhor compreensão do que seja súmula vinculante devemos efetuar uma operação lógica de decomposição para que tenhamos um significado mais preciso e científico do conceito.

Chegamos, então, a primeira indagação: o que é súmula? E como se dá esse efeito vinculante?

Para responder com exatidão teremos que buscar a essência do instituto, esmiuçando-o, até encontrar o seu começo que revela-se na sentença judicial.

A sentença judicial dá início a elaboração de uma súmula. Entretanto, não será qualquer decisão, apenas aquelas emanadas dos Tribunais, que estarão analisando, em princípio, uma sentença de 1º grau. Também não são todas as decisões dos Tribunais, que serão objeto de súmulas, mas, apenas, algumas que, devido a sua repetição, conexão e coerência com outros julgamentos tornam-se jurisprudência e posteriormente súmulas.

Chegamos, desta forma, a necessidade de conceituar Jurisprudência, que no dizer de Miguel Reale é: "a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais".

O termo jurisprudência, segundo A. Franco Montoro (apud Diniz, 1991:25) contém três significados, o primeiro, em sentindo bastante amplo, exprime a idéia de scientia; o segundo, lato sensu, refere-se ao conjunto de sentenças, englobando tanto a jurisprudência uniforme quanto a contraditória; e por último , stricto sensu, é o conjunto de decisões uniformes dos Tribunais e dos juízes singulares sobre casos semelhantes.

Trataremos aqui desse último conceito de jurisprudência. A atividade jurisdicional dos magistrados consiste em aplicar o direito, interpretando as normas, integrando-as e preenchendo as lacunas no ordenamento estatal. A jurisprudência é um reflexo dessa atividade, em que o magistrado revela a sua interpretação sobre a norma, segundo o seu "conteúdo significativo", o que tecnicamente se denomina de variações semânticas da norma. Desta forma, o magistrado estará sempre atuando de maneira progressiva e dinâmica quando aplica o direito como base nos fatos sociais de determinado momento histórico.

Kelsen afirma que aplicar uma norma jurídica, individualizar uma norma, é criar a uma norma específica (apud Arruda,1972:169). A jurisprudência segundo alguns autores seria norma geral, pois traria a interpretação uniformizada e genérica de determinada situação jurídica.

Neste sentido, a jurisprudência, segundo a maioria dos doutrinadores, é fonte do direito. Permita-nos discordar desse posicionamento. A Jurisprudência é apenas um excepcional meio de aplicação do direito, se utilizado de maneira adequada aos princípios científicos atuais.

O juiz, como polo interagente dentro do fenômeno social, pode agir de maneira jurídica ou injurídica no exercício de sua função. Se agir pautado no jurídico estará apenas revelando o direito, pois as normas cristalizadas e formalizadas não dependem da conduta dos juízes para serem cumpridas. Aliás, a maior parte das normas são seguidas sem a interferência do Poder Judiciário, que tem atividade secundária. O judiciário alcança uma parcela mínima dos conflitos sociais, julgando, "por isso mesmo, o que há de mórbido no social, conforme chama a atenção Jean Carbonier (J. C. Batista, 1993:63): "A Jurisprudência? Nada mais revela do que a fração patológica do real" (J. Carbonnier, 1979:371).

"Mesmo numa perspectiva dogmático-positivista é difícil fazer da ação judicial fonte do direito, principalmente porque, se sua decisão for contrária a lei, isso só é possível em razão de o sistema normativo prever tal situação" (J. C. Batista, 1993:63).

De Page ressalta: "a interpretação que os tribunais dão à Lei não vale senão para o caso que lhes é submetido. Constitui uma decisão de espécie, e não tem nunca, em si, valor de regra geral". (apud Maranhão, 1993:25).

Portanto, não vislumbramos, sob o aspecto lógico-jurídico, a possibilidade do direito ter como fonte as decisões judiciais, ainda que reiterada.

A jurisprudência como princípio de integração do direito tem papel relevante em nosso sistema jurídico, trazendo, muitas vezes, o modo mais adequado de aplicar o direito no fenômeno concreto.

A súmula - "do latin Summula, significando sumário ou restrito" (Acquaviva, apud Barros, 1997:RT 735/100) - nada mais é do que uma síntese da Jurisprudência, é um enunciado sintético do entendimento uniformizado do Tribunal sobre determinado tema jurídico.

O Ilustre Professor Oscar Villhena Vieira conceitua súmula como: "um curto enunciado que, de maneira objetiva, explicita a interpretação de um tribunal superior a respeito de determinada matéria" (Villhena, 1996:01).

Já o efeito vinculante quer dizer que todos, inclusive a administração pública, estão compelidos a pautar suas ações de acordo com as súmulas. Logo, a súmula de efeito vinculante seria uma lei no sentido estrito.

Podemos então conceituar súmula vinculante como um enunciado sintético e objetivo exarado por um Tribunal, com o escopo de uniformizar o entendimento reiterado em inúmeros e semelhantes julgados (jurisprudência), que obriga todos a harmonizarem suas condutas com o declarado pelo Tribunal.

  1. Teoria do Stare decisis e o precedente judicial na Inglaterra

 

Alguns dos defensores da súmula vinculante buscam no stare decisis o motivo para implantação desse instituto no Brasil, trazendo como argumento a existência do efeito vinculante no sistema jurídico norte-americano. Como sói acontecer, o Brasil tenta copiar e adaptar modelos jurídicos de outros países. É necessário então esclarecer os pontos principais da Teoria do Stare Decisis, bem assim do precedente judicial inglês.

A doutrina do stare decisis, mais conhecida nos Estados Unidos como doutrina do precedente judicial, é um sistema complexo que compreende uma entrelaçada rede de decisões vinculativas e não vinculativas.

Nesse sistema encontramos uma série de decisões judiciais que através de um sutil jogo comparativo pode ser encarada como precedentes ou não. Quando uma decisão sobre um determinado caso é considerada sem força de precedente ela assume, como em nosso país, apenas o caráter persuasivo para as demais, mas se acatada como vinculante - precedente - terá a feição de princípio legal aplicável a determinados fatos que forem substancialmente idênticos a decisão inicial. "O que vincula não é o precedente é sua ratio decidendi, isto é, o princípio geral de direito que se tem de colocar como premissa para fundar a decisão, podendo o juiz que a invoca interpretá-la conforme sua própria razão" (Ferraz, 1994:243).

"É preciso compreender que o caso decidido, isto é, o precedente, é quase universalmente tratado como apenas um ponto de partida. Diz-se que o caso decidido estabelece um princípio, e ele é na verdade um principium, um começo na verdadeira acepção etimológica da palavra." (Edward D. RE, apud Gracie, Forense vol. 327/38)

A teoria não é simples, tem inúmeras dificuldades de aplicação e depende basicamente da interpretação do juiz para com o caso. É o juiz que decide se utiliza ou não o precedente. Ele pode até não querer utilizá-lo, em razão dele estar inquinado de erros ou ser antigo, tornando-se inadequado para as novas situações.

"O grande volume de decisões, com conflitos de precedentes em diferentes jurisdições, reduziu a autoridade das decisões individuais. A rapidez do desenvolvimento enfraqueceu a aplicabilidade de precedentes a casos posteriores surgidos depois de as condições sociais e econômicas se terem alterado com a passagem dos anos" (Farnsworth, apud Dallari,1996:71)

É uma teoria que tem como fundamento o Common law, em que o direito é revelado, quase que exclusivamente, por sentenças judiciais. Essa doutrina foi indispensável no início do common law quando as leis eram poucas e geralmente restritas ao campo do direito público.

Nos Estados Unidos essa teoria tem relevante papel, devido as tradições históricas do direito consuetudinário adotado pelo país, mas existe, hodiernamente, uma tendência de declínio por conta da crescente atividade legislativa.

O professor Brumbaugh faz uma observação importante sobre essa teoria: "As decisões não são proferidas para que possam servir de precedentes no futuro, mas antes, para solver as disputas entre os litigantes. Sua utilização em casos posteriores é uma decorrência incidental" (apud Edward, Forense 327/38)

Vemos, portanto, que o stare decisis em nada se assemelha com a idéia de súmula vinculante, seja porque o precedente raramente determina uma decisão de modo rigoroso, seja pela patente divergência entre um sistema doutrinário e uma imposição legal obrigatória que os defensores da súmula vinculante pretendem implantar.

O insigne Jurista Dalmo Dallari, com muita acuidade, estabelece bem a diferença entre súmula vinculante e precedente: "Em nenhum momento está dito que essa orientação se torna obrigatória nem o texto autoriza tal suposição e, menos ainda, a de que ela será vinculante para outras cortes. Na realidade, o precedente pode ser muito importante na decisão de um caso por algum tribunal norte-americano, mas sua influência não decorre de uma obrigatoriedade imposta por lei, como se pretende fazer no Brasil" (Dallari, 1996:70).

Na Inglaterra, o precedente judicial tem sempre força vinculante, mas é praticamente impossível transplantar o sistema para o Brasil, pois nossa tradição é do jus civile dos romanos - non exemplis, sed legibus judicandum est (Codex, 7,45,13) - e não do common law que lá impera sem restrições. As cortes de justiça inglesas tem funcionamento sus generis e é incoerente fazer qualquer importação desses modelos. O direito se confunde com o próprio judiciário, judge made law, "e a palavra ‘justiça’ incorpora-se ao seu nome civil: ‘Sr. Justiça Smith’ ". (Lévy-Bruhl,1961:63).

Exemplo da extraordinária diferença de sistemas jurídicos, está na própria estruturação do Judiciário naquela nação. Os Juízes ingleses são, em sua maioria, leigos - Juízes de paz, membros do júri ou denunciantes. "Em 1969 havia perto de 19.000 juízes de paz em atividade na Inglaterra e País de Gales, com assento em mais de mil magistraturas, e somente 47 juízes remunerados, muitos dos quais eram magistrados metropolitanos sediados na região de Londres. Esses elementos são suficientes para que se perceba que seria impróprio falar em ‘poder judiciário’ na Inglaterra, como também fica claro que não se enfatiza o caráter profissional da magistratura" (Dallari, 1996:14).

 

  1. Os posicionamentos a favor e contra a forma vinculada

 

 

Diversos juristas de escol já se pronunciaram sobre a adoção da vincularidade da súmula, formou-se, com isso, duas correntes antagônicas. A que defende o efeito vinculante expõe como principais propósitos da medida a redução do excessivo número de processos nos Tribunais Superiores, leia-se STF e STJ; a busca por maior celeridade da Justiça; a garantia de segurança jurídica à sociedade e a preservação do princípio constitucional da isonomia.

Os que são contrários à súmula vinculante apontam várias violações a princípios jurídicos, além de defenderem a inviabilidade de implantação desse instituto no Brasil e alertarem para restrição dos direitos dos cidadãos e possível "engessamento" da atividade jurisdicional. Os princípios desrespeitados seriam: da independência recíproca - ou separação - dos Poderes; do Juiz natural; da independência do juiz e sua liberdade de apreciar os litígios segundo a lei e seu convencimento; do devido processo legal; do duplo grau de jurisdição e do Estado Democrático de Direito.

 

 

6. A súmula vinculante e os princípios jurídicos

 

Mais uma vez, recorremos ao insigne jurista Miguel Reale para traçar uma relação entre princípios jurídicos e o instituto das decisões vinculantes. Ensina-nos Reale que os princípios jurídicos "são ‘verdades fundantes’ de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis." (Reale, 1995:299).

Os princípios jurídicos são de extrema importância para o direito, pois são através deles que se formam uma verdadeira rede de paradigmas suficientemente capazes de resolver as questões estudadas pela ciência jurídica, bem como na aplicação prática. Simonius, citado por Reale, assevera que o Direito em vigor está imbuído de princípios até suas ramificações finais (Reale, 1995:300).

Com efeito, é imprescindível traçar um paralelo entre a súmula vinculante e os preceitos jurídicos com o escopo de analisar sua possibilidade de adequação ao sistema jurídico nacional.

 

  1. Princípio da celeridade ou brevidade processual.

 

O excelso processualista, Moacir Amaral Santos, preleciona que o processo judicial deve ser realizado com eficácia e velocidade, desenvolvendo-se e encerrando-se no menor prazo possível para que a paz jurídica seja restabelecida rapidamente e o cidadão tenha o seu direito reconhecido e assegurado num menor tempo possível, evitando, assim, prejuízos.

Chama a atenção, o ilustre processualista, que o princípio da brevidade deve, como qualquer outro preceito, ser analisado em conjunto com os outros princípios, haja vista a necessidade de proporcionar uma correta prestação jurisdicional. O princípio da celeridade processual não pode prejudicar os preceitos da veracidade e da utilidade, sob pena da prestação jurisdicional trilhar o defeituoso caminho da ética de resultados, em detrimento à ética de princípios.

A celeridade processual é por demais importante e deve sempre ser perseguida, sem prejuízo aos demais princípios jurídicos.

A implantação da súmula vinculante, segundo seus defensores, traria maior agilidade e rapidez na efetivação da tutela jurisdicional, que no Brasil é excessivamente morosa, pois evitaria manobras protelatórias e lentidão processual.

Os argumentos dos adeptos da decisão vinculante no tocante a celeridade processual é pertinente. Com a inserção do efeito vinculante em nosso sistema jurídico, teríamos uma rápida resposta judicial, quando o assunto já estivesse sumulado. É importante esclarecer que, sob o prisma da celeridade, não estamos analisando o conteúdo da decisão vinculante e sim sua agilidade.

A despeito de alguns juristas salientarem que mesmo com a súmula vinculante, os advogados poderiam continuar a recorrer aos Tribunais que editaram o enunciado, alegando a inaplicabilidade da súmula ao caso em concreto - prática conhecida no Direito americano por distinguisling - é forçoso reconhecer que esse artifício não seria suficiente para ocasionar morosidade.

É de bom alvitre esclarecer que o problema da morosidade da justiça é um fenômeno global, não atinge somente o Brasil. A situação nos Estados Unidos, por exemplo, não é menos preocupante. Cada juiz americano conduz cerca de 5 mil processos por ano e isso não revela o real número de contendas judiciais, pois lá existe um sistema que impede a distribuição de processos quando o juiz atinge sua cota. Por conseguinte, um processo pode ficar um, dois ou até três anos retido no distribuidor, sem sequer ser recebido pelo juiz.

Esse recrudescimento dos litígios tem levado alguns estudiosos a concluírem que houve, neste fim de século, o surgimento de novos direitos, maior valorização de antigos, melhora nos sistemas de garantias de direitos e sobretudo um desenvolvimento da cidadania. No caso do Brasil esse aumento se deu após a Constituição cidadã de 1988.

 

  1. Segurança Jurídica

 

A segurança jurídica mantém estreita relação com a ordem jurídica e segundo Torré é um valor jurídico basilar (Torré,1965:250). Entende-se a segurança jurídica como um conjunto de proteções aos direitos e efetiva possibilidade de restauração de direitos violados e cumprimento dos deveres jurídicos.

Resume-se na certeza da sociedade de que o ordenamento jurídico será mantido e respeitado e caso haja qualquer violação a ordem será imediatamente restabelecida, através dos mecanismos do direito.

Assim, a segurança jurídica é considerada adequada quando o ser humano tem a possibilidade de desenvolver sua vida, prevendo, em boa medida, como será a marcha de sua vida jurídica. Reflete a convicção que os direitos serão preservados, bem assim uma certa previsibilidade sobre as situações jurídicas.

Consoante os percucientes ensinamentos de Aberlado Torré, diversos institutos jurídicos perseguem o reinado da segurança na convivência humana, como por exemplo: o princípio de que a ignorância do direito não desvincula o sujeito do seu cumprimento, a irretroatividade da lei, a coisa julgada, etc. (Torré, 1965:250).

Os sequazes da doutrina vinculante afirmam que uma decisão vinculante traz maior segurança jurídica para sociedade, tendo em vista que a interpretação dos Tribunais seriam seguidas por todos os juízos, aumentando a certeza e a previsão dos direitos e deveres do cidadão. Discordamos da assertiva. A segurança jurídica deve ser entendida como um conjunto de garantias de aplicação dos direitos na ordem jurídica. A súmula tanto poderá reconhecer um direito como negá-lo, podendo ser justa ou injusta. A única diferença é que todos seguiriam essa decisão sem atentar para o conteúdo de justiça das mesmas.

Compreendemos que o conceito de segurança jurídica é mais abrangente e cifra-se no conteúdo do justo ou injusto. Se a decisão for justa, segundo os critérios científicos atuais, trará segurança jurídica, senão gerará insegurança e distanciamento da população com relação ao Judiciário.

Também não aceitamos o argumento que as decisões divergentes ocasionam insegurança jurídica. A jurisprudência divergente é um instrumento salutar de conformação do direito. A repetição de ações por divergirem do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou dos demais Tribunais superiores não deve ser vista como um empecilho à realização da justiça e sim, como uma manifestação enriquecedora de realização do direito, porquanto o direito é eminentemente dialético.

São através de confrontos entre teses jurídicas que o direito se revela de maneira apurada. Devemos também acentuar que a divergência de opiniões é uma característica dos regimes democráticos.

 

  1. Princípio da isonomia.

 

Questão bastante interessante foi levantada pelo ínclito Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, defensor fervoroso da vincularidade da súmula. Em palestra proferida na Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas- FMU, ressaltou que "é inaceitável dar-se tratamento diferenciado, com base na mesma lei, a pessoas em situações jurídicas idênticas". Seu argumento está respaldado no respeito ao princípio constitucional da isonomia.

Deveras, tanto o legislador quanto os aplicadores da lei devem respeitar esse importante princípio. O juiz, portanto, está atrelado ao princípio da igualdade no momento de sua aplicação.

Esse preceito traduz uma regra de interpretação que deverá ser seguida pelo julgador. José Afonso da Silva, ilustre constitucionalista, assevera que o princípio da igualdade jurisdicional apresenta-se sob dois prismas: "1) como interdição ao juiz de fazer distinção entre situações iguais, ao aplicar a lei; 2) como interdição ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais ou tratamento igual a situações desiguais por parte da Justiça" (Afonso da Silva, 1994:213).

O princípio da isonomia na atividade jurisdicional parece ser de ordem hermenêutica e, no nosso modesto entendimento, submete apenas o juiz na apreciação do caso em concreto e não com relação a outros julgamentos, se assim o fosse, estaríamos contrariando o princípio da independência do juiz e adotando uma única interpretação da lei.

 

 

 

 

  1. Princípio da separação dos poderes

 

Esse princípio, consagrado na maioria das constituições do mundo, está intrinsecamente ligado à idéia de Estado Democrático, pois o objetivo é garantir a liberdade dos indivíduos e afastar o governo ditatorial.

Nossa Carta Política no seu artigo 2º elege esse princípio como fundamental, a exemplo dos demais países. Também a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, declara em seu artigo XVI que "Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição".

O sistema de separação de poderes aliado a teoria de freios e contrapesos estabelece que os atos praticados pelo Estado podem ser de duas espécies: gerais ou especiais. Os atos gerais devem ser praticados pelo legislativo, consignados em regras gerais e abstratas que não atuam concretamente na vida social. Cabe, tão-somente, ao executivo praticar atos especiais, em face das normas gerais e abstratas, agindo in concreto. Caso haja abuso de qualquer dos poderes na prática de seus atos, caberá ao judiciário a tarefa de restabelecimento dos limites de competência.

Modernamente, esses conceitos estão perdendo sua rigidez, haja vista a ampliação das atividades do Estado contemporâneo. Por isso, já se admite, tanto doutrinariamente quanto legalmente, a delegação de poderes e transferência constitucional de competências, trazendo uma nova tônica na relação entre os poderes, fala-se até em colaboração de poderes, em substituição a expressão separação de poderes (Afonso da Silva, 1995:110).

Os críticos da súmula vinculante afirmam que existe uma verdadeira afronta ao princípio constitucional fundamental da separação de poderes, pois uma decisão vinculante traria todas as características de uma norma geral e abstrata, configurando-se numa delegação de poderes do legislativo para o judiciário. Além disso, a súmula seria uma super norma, pois traria em seu conteúdo a interpretação final sobre Leis já promulgadas e sua aplicação, correspondendo a uma verdadeira "superposição de poderes". Nos termos do artigo 5º, II, da Carta Magna, apenas a lei obriga.

A súmula será inserida no nosso ordenamento jurídico pela via legislativa através de emenda constitucional e sob o aspecto formal não há que se falar em ilegalidade. Entretanto, os doutrinadores chamam a atenção para o fato de que certas competências devem ser consideradas indelegáveis, e ao nosso ver, delegar poder legiferante ao judiciário ofende os princípios da independência, harmonia e separação dos poderes.

O Poder Judiciário detém funções que lhe são intrínsecas e inconfundíveis, em que a atividade legislativa não lhe é possível. Com a adoção do efeito vinculante de suas decisões haveria uma verdadeira concentração de poder nas cúpulas do Judiciário que, obviamente, levará a uma ditadura judiciária.

James Madison escreveu, num dos artigos de "O Federalista": "A acumulação de todos os poderes, legislativo, executivos e judiciais, nas mesmas mãos, sejam estas de um, de poucos ou de muitos, hereditárias, autonomeadas ou eletivas, pode-se dizer com exatidão que constitui a própria definição de tirania" (apud Dallari, 1991:186).

 

  1. Princípio do Juiz Natural.

 

Ensina-nos José Afonso da Silva que Juiz Natural é "o juiz pré-constituído, competente (art 5º, LIII: ninguém será processado senão pela autoridade competente), e no gozo das garantias de independência e imparcialidade".

O Juiz natural opõe-se aos tribunais de exceção, expressamente vedado pela Constituição e também ao antigo direito inglês que possibilitava ao legislador julgar, impondo sanções sem prévio processo, através do bil of attainder.

As teorias contemporâneas sobre o princípio do juiz natural, no dizer da mestra Ada Pellegrini Grinover, reúne também a proibição de "subtrair o juiz constitucionalmente competente. Desse modo, a garantia desdobra-se em três conceitos: a) só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição; b) ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato; c) entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja" (Grinover, 1996:52).

Os tratados internacionais e nosso direito pátrio garantem os direitos fundamentais ao juiz imparcial e independente. A imparcialidade e independência são elementos substanciais do princípio do juiz natural. É tanto que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que integra o ordenamento brasileiro, consoante dec. 678 de 06.11.92, vaticina, no art. 8.1: "Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determine seus direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza" (apud Grinover, 1996:53).

A decisão vinculante transgride esse princípio, porquanto impede que o juiz decida com independência e imparcialidade, garantias do juiz natural.

 

  1. Princípio da independência do juiz.

 

Para que o juiz possa exercer sua função com denodo e independência a constituição estabelece garantias funcionais do judiciário, que são a vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos e imparcialidade.

O princípio da independência do juiz traduz-se na garantia de que ele decidirá de acordo com suas convicções de maneira livre e respaldado no direito.

A súmula vinculante tolhe essa liberdade de decidir com consciência, pois mesmo quando estiverem convictos que uma súmula é injusta, deverão aplicá-la.

Com o efeito vinculante estará coibida a atividade interpretativa do juiz e, por conseguinte, a livre formação do seu convencimento, tornando o magistrado em mero repetidor de decisões superiores.

Os Tribunais Superiores, segundo Guido Antônio Andrade - presidente da seção da OAB/SP -, deteriam o "monopólio da sabedoria jurídica", retirando a capacidade decisória dos juízes e instituindo um sistema totalitarista e antidemocrático.

"Nos termos do artigo 10 das Declarações da ONU, uma nação é tida como democrática na medida em que tem juízes livres, independentes. Isso não mais ocorreria a partir das súmulas, porque o magistrado não mais teria liberdade de decidir. Os tribunais superiores já teriam feito isso por ele" (Ruiz, 1996:01).

Alguns estudiosos negam a quebra desse princípio argumentando que o juiz estará livre para decidir, pois a repetição de ações não tiraria a independência do magistrado, em razão de que só haveria súmula quando o caso já tivesse sido apreciado várias vezes. Não pode prevalecer esse argumento, tendo em vista que após a súmula o juiz pode se deparar com outro caso semelhante e terá que decidir segundo o entendimento do Tribunal Superior, mesmo sendo contrário a suas convicções.

James Eduardo, juiz de direito em Brasília, traz outra alegação favorável ao efeito vinculante quando afirma que não há afronta a "liberdade-poder", pois "a súmula vinculada evidentemente não esgotará todas as nuanças do caso concreto submetido ao julgador. Terá ele liberdade plena para firmar seu convencimento sobre todos os pontos do processo não atingidos pelo entendimento sumulado por Tribunal Superior" (C.M. Oliveira, RT 735/105).

Ora, a liberdade de decidir estará indubitavelmente tolhida nos pontos do processo atingidos pela súmula, restringindo a capacidade de julgamento e conseqüentemente prejudicando a independência e imparcialidade da decisão.

 

  1. Princípio do devido processo legal.

 

Configura-se como um grupo de garantias constitucionais que, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais para uma correta tutela jurisdicional. "Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição" (Grinover, 1996:82).

A fórmula do due process of law está consignada no art. 5º, LIV da Constituição Federal e desdobra-se em um abundante leque de garantias específicas, dentre elas a garantia do juiz natural.

Como já foi apresentado, a súmula vinculativa ofende o princípio do juiz natural. Logo, por via oblíqua, também afronta o princípio do devido processo legal.

 

  1. Princípio do duplo grau de jurisdição.

 

Corresponde a possibilidade de revisão de uma decisão judicial, através de recurso a um juízo superior, composto na forma de colegiado. É uma garantia de que a decisão monocrática do juízo inferior será reapreciada e, conforme o caso poderá ser reformada. É mais uma oportunidade de reexame da sentença que o sistema judicial dá ao vencido.

Não deixa de ser uma forma de controle interno das decisões por um órgão formado de juízes mais experientes e que oferecem, assim, mais segurança.

O efeito vinculante não traria nenhuma mudança nessa forma de atuação jurisdicional, nem tampouco impediria o reexame, por Tribunais Superiores de 2º, 3º e 4º grau., da sentença que reconhecesse ou negasse a aplicação de um enunciado sumular.

Logo, não aferimos nenhuma violação desse preceito com o advento da súmula de efeito vinculante.

 

 

 

  1. Súmula vinculante e práxis forense.

 

O projeto que visa instituir a súmula vinculante tem como principal objetivo resolver o problema de excesso de processos nos tribunais superiores. Estima-se que cerca de 80% das ações que tramitam no STF referem-se a questões já decididas anteriormente.

No ano passado os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal julgaram 30.671 processos. Em média foram 2.788 processos para cada ministro. No Superior Tribunal de Justiça, onde há 33 ministros, passaram cerca de 88 mil processos.

Um dado bastante interessante é que quase 61% dos recursos que tramitam no Supremo Tribunal Federal provêm da União Federal (28,44%), do INSS (21,94%) e do Estado de São Paulo (11,59%), cuja probabilidade de êxito é mínima.

Nota-se, portanto, que existe, por parte do governo, uma contínua recusa em submeter-se a jurisprudência dos Tribunais, insistindo em comportamentos ilegais e se beneficiando no prolongamento dos processos. A verdade que o governo usa os inúmeros recursos judiciais com fins meramente protelatórios.

Um fenômeno que contribui também para o aumento de ações na Justiça é a procura, mormente a partir de 1988, dos cidadãos pela tutela jurisdicional, seja pela ampliação no acesso aos tribunais, seja por conta de uma maior articulação da sociedade civil.

Outro fato, apontado pelos estudiosos, é "o excesso de legislação de constitucionalidade duvidosa, aprovada pelo Congresso e pelas Assembléias Legislativas nos últimos anos" que agravou a antiga crise de sobrecarga no STF.

Teme-se que a súmula vinculante venha a restringir direitos do cidadão, tendo em vista que o Juiz ficaria limitado no seu mister de aplicar o direito in concreto.

Outros problemas trazidos à baila por ínclitos operadores do direito colocam em cheque a eficácia prática do instituto da súmula e sua aplicabilidade. Vejamos: Todos sabemos que regra geral a lei não pode retroagir no tempo e a retroatividade da súmula? Numa ação em curso, após o encerramento da instrução, poderá o juiz aplicar a súmula criada posteriormente a propositura da ação ou adotará entendimento divergente do enunciado sumular? Onde ficará a segurança jurídica das partes? São perguntas que ficam sem respostas.

Questão mais grave está no controle de constitucionalidade. Qualquer juiz pode deixar de aplicar uma determinada norma, por entender que ela é inconstitucional, mas uma súmula não poderia ser desaplicada, mesmo que seja considerada inconstitucional pelo juiz, pois quem a expedirá será a Corte Constitucional do país, ou seja o STF. A súmula então passaria a ser uma lei superior a qualquer outra, inclusive às normas constitucionais. Deste modo, o Judiciário estaria acima dos outros poderes.

Os críticos da súmula vinculante asseveram que o problema de excesso de processos nas instâncias decorrem dos inúmeros recursos disponíveis em nosso sistema processual, e que o enunciado sumular de efeito vinculante não evitaria o abarrotamento de ações, visto que os advogados poderiam continuar a recorrer alegando a inaplicabilidade da súmula ao caso.

Faz 12 anos que o Supremo Tribunal Federal não edita uma súmula, o que certamente corrobora para a repetição de processos em última instância.

É importante esclarecer que essa medida do efeito vinculante visa tão-somente o desafogamento dos Tribunais Superiores, enquanto os juízes de primeiro grau continuariam abarrotados de processos. "Muitos juízes vão encarar as súmulas como mais uma lei a ser interpretada e poderão buscar argumentos para manter seus pontos de vista, dizendo que elas não se aplicam a determinado caso", opina o ex-procurador Antônio Carlos Mendes (Balthazar, 1997:04).

Renato Ventura Ribeiro afirma com maestria que "o direito não e estático mas sobretudo dinâmico, produto das relação sociais. Sob esse prisma, os juízes de primeiro grau, por terem um maior contato com a realidade social, são os principais criadores e inovadores da ordem jurídica, contribuindo para seu arejamento".

Podemos até consolidar o pensamento acima dizendo que os juízes inferiores por estarem mais próximos dos problemas sociais e menos preocupados com a governabilidade, inclinam-se mais para a garantia de direitos, enquanto os superiores são mais afetos as questões gerais e de Estado.

Diversas súmulas, com o passar do tempo, tornar-se-iam arcaicas em virtude de mudanças legislativas e até de comportamento social. Como a experiência demonstra, os Tribunais Superiores seguem uma linha conservadora; isso poderá dificultar a mudança e revogação dos enunciados sumulares.

Exemplo de lentidão nas atualizações dos enunciados, dá-nos, via internet, Fernando Gabriele Bernardes, Juiz do Trabalho em Brasília: "O TST demorou quase sete anos para adaptar à Constituição de 1988 o enunciado 267, revisando-o através do enunciado 343".

Ademais, pode ocorrer erros judiciais quando da criação das súmulas. Mesmo com a elevado saber jurídico dos ministros dos Tribunais Superiores, pois é evidente que eles não são infalíveis. Logo, uma súmula injusta causaria inúmeros danos à sociedade. Mais uma vez o notável Juiz do Trabalho, Fernando Gabriele, oferece outro exemplo: "uma prova marcante dessa falibilidade é o enunciado 175 do TST, que após dois anos e meio de sua edição foi diametralmente reformulado pelo enunciado 196, através do qual aquela Corte, onde antes enxergava incompatibilidade do recurso adesivo com o processo do trabalho, passou a ver plena harmonia. A Justiça não deveria abri mão dessa possibilidade de aperfeiçoamento qualitativo da súmula. É ainda da falibilidade humana que extraio os maiores óbices à implantação da súmula". (Bernardes, 1997:01).

 

  1. Propostas

 

Através de acentuada pesquisa recolhemos diversas propostas que buscam a redução de processos nas instâncias superiores e maior agilidade na entrega da prestação jurisdicional, em substituição à súmula vinculante. São elas:

 

    1. Restrição de recursos protelatórios, através da simplificação da legislação processual civil;
    2. Ampliação do número de ministros do STF;
    3. limitação do acesso ao STF, através da escolha pelo próprio tribunal dos casos de relevante interesse à Nação (definição da própria pauta, deixando de seguir a ordem cronológica de entrada dos processos, antecipando o julgamento de questões urgentes e de grande alcance social), seguindo o exemplo do sistema alemão que só julga 1% das ações constitucionais populares que lhe são submetidas e o americano que julga na Corte Suprema apenas 150 processos por ano selecionando os casos que julga relevantes;
    4. transformação do STF em uma Corte Constitucional, evitando, assim, a situação hordierna de julgamento pelo Supremo de matérias não-importantes.
    5. instituir a exigência de que os valores de condenações em dinheiro, inclusive honorários de advogados, já em fase de execução fossem depositados como requisito para novos recursos, de forma a evitar o aproveitamento destes para "alongar" a dívida;
    6. Impor para todos os órgãos públicos, da administração direta e indireta, a observância e a impossibilidade de recorrer de decisões sobre as quais não haja mais divergências nos tribunais superiores;
    7. incentivo a solução de conflitos por meio de arbitragem;
    8. reformulação das competências dos diversos Tribunais;
    9. criação de leis processuais estaduais, com vistas a evitar recursos e termino definitivo das ações nos Tribunais Estaduais;
    10. proteção efetiva aos direitos coletivos, com a definição clara da legitimidade da propositura e alcance das ações coletivas. Dessa forma, as ações sobre mensalidades escolares, reajustes de poupança, casa própria, seriam resolvidas numa só ação, sem a necessidade de serem repetidas;
    11. criação de Câmaras de Admissibilidade nos Tribunais como houve na França para que as questões prejudiciais sejam rapidamente decididas, descartando, de plano, processos imperfeitos;
    12. criação de câmaras especializadas em determinados ramos do direito (Câmara de Direito Comercial, Civil, do Consumidor, etc) nos Tribunais para evitar divergência jurisprudêncial dentro do Tribunal e a possibilidade de recursos protelatórios;
    13. redução do número de recursos que podem ser interpostos, através de reforma na legislação processual;
    14. agravamento da sucumbência no caso de insucesso do apelo aos órgãos ad quem;

  1. Conclusões

    1. O sistema jurídico brasileiro já adotou modelos semelhantes à súmula vinculante, em diversos momentos históricos, que coincidiram com governos autoritários.
    2. Jurisprudência é "o conjunto de decisões uniformes dos Tribunais e dos juízes singulares sobre casos semelhantes".
    3. segundo a maioria dos doutrinadores a jurisprudência é fonte do direito, mas nos entendemos que sob o aspecto lógico-jurídico essa possibilidade é inaceitável, porque pode haver decisões judiciais reiteradas de conteúdo antijurídico.
    4. A Ciência Jurídica não considera a jurisprudência como norma geral e abstrata, pois "a interpretação que os tribunais dão à Lei não vale senão para o caso que lhes é submetido. Constitui uma decisão de espécie, e não tem nunca, em si, valor de regra geral".
    5. Conceituamos súmula vinculante como um enunciado sintético e objetivo exarado por um Tribunal, com o escopo de uniformizar o entendimento reiterado em inúmeros e semelhantes julgados (jurisprudência), que obriga todos a harmonizarem suas condutas com o declarado pelo Tribunal.
    6. Alguns dos defensores da súmula vinculante buscam no stare decisis o motivo para implantação desse instituto no Brasil, trazendo como argumento a existência do efeito vinculante no sistema jurídico norte-americano. No entanto, a implantação do efeito vinculante no Brasil é totalmente diferente da teoria do stare decisis americano. Este é uma doutrina que pode ou não vincular uma decisão, a critério do julgador, aquele tem força de norma geral, obrigando os magistrados a se submeterem, incondicionalmente, as decisões dos Tribunais Superiores.
    7. Na Inglaterra o precedente judicial tem sempre força vinculante, mas é praticamente impossível transplantar o sistema para o Brasil, pois nossa tradição é do jus civile dos romanos - non exemplis, sed legibus judicandum est (Codex, 7,45,13) - e não do common law que lá impera sem restrições. As cortes de justiça inglesas tem funcionamento sus generis e é incoerente fazer qualquer importação desses modelos. O direito se confunde com o próprio judiciário, judge made law, "e a palavra ‘justiça’ incorpora-se ao seu nome civil: ‘Sr. Justiça Smith’ ". (Lévy-Bruhl,1961:63).
    8. É imprescindível traçar um paralelo entre a súmula vinculante e os preceitos jurídicos com o escopo de analisar sua possibilidade de adequação ao sistema jurídico nacional.
    9. A súmula vinculante não fere o princípio da celeridade processual, ao contrário, sua inserção no nosso ordenamento estatal traria uma rápida resposta judicial. É importante esclarecer que não estamos analisando, neste ponto, a substância da súmula e sim seus efeitos, quanto a celeridade processual.
    10. O aumento dos litígios na Justiça tem levado alguns estudiosos a concluírem que houve, neste fim de século, o surgimento de novos direitos, maior valorização de antigos, melhoria nos sistemas de garantias de direitos e sobretudo um desenvolvimento da cidadania. No caso do Brasil esse aumento se deu após a Constituição cidadã de 1988.
    11. Compreendemos que o conceito de segurança jurídica é mais abrangente e cifra-se no conteúdo do justo ou injusto. Se a decisão for justa, segundo os critérios científicos atuais, trará segurança jurídica, senão gerará insegurança e distanciamento da população com relação ao Judiciário. Portanto, a simples implantação do efeito vinculante não traria, por si só, segurança jurídica.
    12. Não aceitamos o argumento que as decisões divergentes ocasionam insegurança jurídica. A jurisprudência divergente é um instrumento salutar de conformação do direito. A repetição de ações por divergirem do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou dos demais Tribunais superiores não devem ser vistas como um empecilho à realização da justiça e sim, como uma manifestação enriquecedora de realização do direito, porquanto o direito é eminentemente dialético.
    13.  

    14. O princípio da isonomia na atividade jurisdicional parece ser de ordem hermenêutica e, no nosso modesto entendimento, submete apenas o juiz na apreciação do caso em concreto e não com relação a outros julgamentos, se assim o fosse, estaríamos contrariando o princípio da independência do juiz e adotando uma única interpretação da lei.
    15. O Poder Judiciário detém funções que lhe são intrínsecas e inconfundíveis, onde a atividade legislativa não lhe é possível. Com a adoção do efeito vinculante de suas decisões haveria uma verdadeira atividade legiferante e concentração de poder nas cúpulas do Judiciário, que obviamente levará a uma ditadura judiciária, numa patente violação dos princípios da separação dos poderes e do Estado Democrático de Direito.
    16. A decisão vinculante transgride o princípio do juiz natural, porquanto impede que o juiz decida com independência e imparcialidade, garantias do juiz natural.
    17. Com o efeito vinculante estará coibida a atividade interpretativa do juiz e, por conseguinte, a livre formação do seu convencimento, tornando o magistrado mero repetidor de decisões superiores. Isso atacada frontalmente o preceito da independência do juiz.
    18. A súmula vinculativa ofende o princípio do juiz natural. Logo, também afronta o princípio do devido processo legal.
    19. Não aferimos nenhuma violação do preceito do duplo grau de jurisdição, com o advento da súmula de efeito vinculante, pois os recursos continuariam a ter curso normal, em decisões que seguissem ou não as súmulas.
    20. O efeito vinculante produz vários problemas de aplicabilidade, tais como: a retroatividade da súmula; restrição de direitos do cidadãos; controle de constitucionalidade das Leis, excluindo o controle constitucional da súmula; prática de distinguisling pelos advogados; dificuldades de mudanças e revogações das súmulas e erros judiciais na elaboração dos enunciados sumulares.
    21. Inúmeros operadores do direito já se pronunciaram contra o efeito vinculante e propuseram, medidas em substituição ao instituto, que, segundo eles, reduziriam o número de recursos nos tribunais superiores e diminuiriam a morosidade da Justiça.
    22. A súmula vinculante desrespeita diversos princípios jurídicos, gera problemas de aplicabilidade e conduz o Judiciário a adoção de um sistema autoritário. Portanto, é inadequado para o nosso ordenamento jurídico.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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