A PERFORMANCE SOB UMA LÓGICA TECNICISTA*

Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira

* Publicado no Jornal "A Razão" em 01/06/2000

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Entre os vários pontos negativos da sociedade pós-moderna, com repercussões em todos os aspectos de nossa vida, está a maneira como a performance vem sendo considerada. O sistema atual, na busca de uma maior performance (desempenho), exige que as pessoas sejam "operacionais (isto é, comensuráveis)ou desapareçam"(Lyotard). Aqueles que por algum motivo (idade, renda, saúde ...) não estiverem atendendo às exigências de performance impostas, são desprezados pelo sistema, e neles nada se investe. Exemplo claro disto, são os aposentados; seu desempenho já não impulsiona mais a performance do sistema, e por isso podem até ser considerados vagabundos (também devemos esquecer o que foi dito!?).

As relações econômicas, políticas, socioculturais e tecnológicas, são todas performativas, pois reduzidas à sua operacionalidade, são instrumentos para otimização da performance do sistema social, formando-se uma rede hipertecnicista de performatividade. Para a reprodução desta rede, as práticas educacionais tem um importante papel, que é o de "fornecer ao sistema jogadores capazes de preencher de forma aceitável seus papéis nos postos pragmáticos exigidos por suas instituições" (Lyotard).

Neste sentido, a ciência passa a ser uma força de produção, estando associada mais ao desejo de enriquecimento do que o de "saber". Como resultado, o investimento em pesquisa é voltado para aquelas áreas que dão lucro, ou seja, prioridade aos estudos voltados para as "aplicações"; enquanto isto, "os setores de pesquisa que não podem pleitear sua contribuição à otimização das performances do sistema, são abandonados pelos fluxos de créditos e fadados à obsolescência" (Lyotard). Sob o viés do ensino, questões políticas e socioculturais capazes de contribuir para a autonomia do indivíduo, deixam de ter sentido, e os alunos, inclusive das Ciências Humanas, preocupam-se apenas com a questão "onde vou aplicar isto?".

Na economia performativa, os indicadores econômicos prevalecem aos sociais, pois ela é regida pelo produtivismo, o qual, segundo Giddens, é um etos onde os mecanismos de crescimento econômico substituem o desenvolvimento individual, e o objetivo de uma vida feliz e em harmonia com os outros. Sob o aspecto da tecnologia, o homem pós-moderno procura demonstrar sua performance fabricando de tudo, e assim, para cada necessidade e processo, são criados não apenas um, mas inúmeros objetos e técnicas. Para isto tem a seu dispor uma hipermegamáquina, a qual pensa dominar; e como duvidar que esta tecnociência também queira demonstrar autonomamente sua performance?

Na esfera política, a corrida por uma melhor performance dos partidos, abre espaço para alianças inimagináveis, como resultado efetiva-se um pluralismo vazio, ou, no dizer de R.Bernstein, um "pluralismo débil", com a simples aceitação de diferentes tendências desde que as mesmas sirvam para manter ou encaminhar alguém ao poder; porém no momento de colocar seus programas em prática, a performance (de todos eles!) tem como objetivo apenas fazer com que "o de cima suba, e o debaixo desça" cada vez mais.

Em um sistema social norteado pelo princípio da performatividade, o questionamento das leis, das normas, enfim, da sociedade instituída, não acontece, pois o que conta é a competência atuante segundo critérios de mercantilização, e jamais critérios como justo/injusto, verdadeiro/falso, autônomo/dependente, democrático/autoritário..., e isto configura a crise atual da humanidade, que é "a crise da política no grande sentido do termo, crise ao mesmo tempo de criatividade e de imaginação políticas, e da participação política dos indivíduos" (Castoriadis).

Em decorrência desta prioridade à performance, temos uma cultura da performance, que intrínseca à etapa multinacional do capitalismo, e juntamente com o produtivismo e a lucratividade, está associada à competição, e diz respeito à obsessão, que vai da modelação do corpo, aos índices de todos os tipos: produção, venda, audiência, etc.

Assim, a performance tem-se desenvolvido apenas sob a ótica da negatividade, pois os critérios da rede de performatividade, estão calcados exclusivamente na quantidade; e na falta de um equilíbrio entre os critérios (quantidade x qualidade), a soma acaba sendo zero, o que na verdade significa uma falsa performance. Uma efetiva performance não se fundamenta apenas numa competência (atualmente a qualificação técnica), nem se baseia num critério único (atualmente a eficiência), mas se fundamenta no desenvolvimento integral do homem, e na valorização não só do "fazer", mas também do "ser", do refletir, do participar, e do agir autônomo.

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