REFORMA UNIVERSITÁRIA

EDUCAÇÃO: um serviço comercializado? *

Prof. Dr. Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira

- Departamento de Sociologia e Política - UFSM

Prof ª Dr ª Maria Arleth Pereira

- Programa de Pós-Graduação em Educação - UFSM

- Programas de Pós-Graduação - UNIFRA

* Artigo escrito a pedido do grupo de estudo da SEDUFSM, como contribuição teórica à discussão da Reforma Universitária Brasileira - Maio de 2004


Nossa análise tem como objetivo apresentar as principais implicações das reformas educacionais, especialmente aquelas relacionadas à educação superior, que estão sendo implantadas no mundo. Reformas estas que, a nosso ver, somente têm produzido um ordenamento de caráter privatizante, com efeitos de redução dos investimentos públicos, cortes de verbas, redução de custos, congelamentos de salários dos professores e adequação da Universidade à lógica mercantil.

A partir disto, temos como idéia central destacar que a essência das reformas universitárias (incluída a brasileira, tal como está sendo proposta pelo atual governo), pode ser lida em uma frase de J-F.Lyotard, reveladora da lógica do melhor desempenho: "sede operatórios, isto é, comensuráveis, ou desaparecei".

Como conseqüência da globalização econômica e da constituição de uma sociedade-cultura de consumo, a mercantilização da educação apresenta-se com novas orientações baseadas na eficácia e na otimização das performances, em outras palavras, uma educação voltada para o desempenho.

Como muito bem já disse J-F. Lyotard, os imperativos de desempenho e de recomercialização orientam com prioridade os estudos voltados para as "aplicações", e nesta lógica, a distinção entre o mundo dos negócios e da lucratividade, daquele de uma educação crítica, tende a se apagar cada vez mais. Como exemplo citamos aqui programas de qualidade já em prática na Universidade Brasileira, os quais na realidade acabam implantando na estrutura educacional os mesmos princípios que orientam a organização do trabalho nas empresas. Na verdade com estes princípios a cultura empresarial invade, sob todos os aspectos, as instituições educativas.

As estruturas industriais e comerciais, já entenderam a força do conhecimento nesta nova sociedade, e consequentemente a importância da Universidade para alavancar seus poderes produtivos. Com isto, a educação torna-se um objeto do mercado, anulando-se o seu caráter público e seu papel social.

O saber-fazer está se sobrepondo ao saber-ser, ao saber-viver e ao saber-conviver. Aquele saber (o saber-fazer), assume agora a forma valor, e no ensino, na pesquisa e na extensão, é vendido e consumido como qualquer outra mercadoria, e desta forma a educação se equivale a um carro, a um par de sapatos, a uma roupa de marca, ou a qualquer outra coisa comercializável nesta sociedade-cultura consumista por excelência. Como nesta sociedade-cultura poucos podem ser considerados incluídos, nos preocupa o fato de que o saber tão necessário para o sujeito participar ativamente nesta sociedade da informação, transforme-se em forte indicador de exclusão.

Portanto, a Universidade, em seu tripé constituído pelo ensino, pela pesquisa e a extensão, passa a ter como objetivo único e exclusivo, a formação de competências para o mercado de trabalho, preocupando-se apenas com as novas exigências advindas da atual revolução tecnocientífica. Competências baseadas no critério da lucratividade, jamais em critérios sociais, éticos, humanos, ou qualquer outro que não seja prontamente vendável.

Neste sentido, a ciência passa a ser uma força de produção, dissociando-se do desejo de de "saber", e a Universidade passa a direcionar sua estrutura e funcionamento apenas para o mercado, e não para as problemáticas sociais do país. Em conseqüência disto, os países emergentes tem mais dificuldades para investir em programas efetivos de políticas sociais, bem como para produzir e disseminar conhecimentos, valores e competências necessários para se atingir processos de desenvolvimento sustentável. A produção e a disseminação dos saberes, são determinados unicamente pelas necessidades empresariais, tendo como objetivo a geração de lucros.

O produtivismo que começa e reger a estrutura universitária, está explícito nos indicadores quantitativos que marcam as avaliações de desempenho: quantidade de artigos, quantidade de alunos por professores, quantidade de horas-aulas, e outras inúmeras "quantidades" que refletem a relação custo-benefício, e tornam desnecessária a qualidade.

Por isso estamos de acordo com H. Giroux que o atual ataque contra a estabilidade e o modelo de controle compartilhado, contra o conhecimento crítico e contra as questões relacionadas a igualdade de acesso nas instituições educativas, está associado a uma concepção unidimensional de democracia civil que a cultura empresarial apóia. Está associado a uma visão produtivista que toma conta de todos os aspectos da vida, a qual negando os indicadores sociais de produtividade, considera de suprema importância apenas o crescimento econômico.

No momento em que iniciativas educacionais restritas ao modelo de conhecimento utilitarista de mercado começam a ser privilegiadas, encontramos o clamor para que se formem "comitês de avaliação de desempenho das unidades universitárias" com "especialistas externos à universidade", bem como "comitês de busca" para procurarem "fora da instituição os melhores candidatos" a dirigentes da instituição, "inclusive reitor" (seguindo esta lógica, não é de se estranhar que a condução da reforma universitária brasileira fosse entregue a um ministro de fora da Academia).

É interessante notar que os considerados "melhores candidatos", são aqueles que possuem competências em marketing e propaganda, capacidades gerenciais altamente desenvolvidas, e outras competências associadas ao que hoje se costuma chamar de nova organização empresarial.

Os que endossam estas idéias, ainda as justificam em nome de uma maior participação da sociedade em suas instituições, e do fim do corporativismo universitário, pois, de forma simplificadora, para eles, os professores são os únicos responsáveis pela crise da Universidade. Porém, na essência, o discurso do "externo à universidade" não passa de uma tentativa de se construir, o mais rapidamente possível, a "ponte" Universidade-mercado.

Sob nenhuma hipótese estamos negando a crise (de diversos tipos) da Universidade Brasileira. O que estamos querendo dizer, e que não aceitamos, é que a reforma que tem por pretensão solucionar esta(s) crise(s), seja orientada por princípios economicistas e produtivistas, segundo os quais a Universidade passará a ter a simples função de transmissão de informações, técnicas e conhecimentos utilitários pautados no individualismo racional.

Acreditamos que como professores universitários ainda podemos fazer uma escolha: ou trabalhamos com nossos alunos buscando a construção de uma sociedade mais justa, plural e democrática, na qual convivem indivíduos autônomos, e para isto conectamos nossa prática à subjetividade, ao questionamento crítico e ao exercício pleno da cidadania, ou então proclamamos que a utopia morreu, e nos relacionamos e orientamos nossos alunos sob os fundamentos da teoria do capital humano; dito de outra forma: treinamento para uma economia de mercado.

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