A crise do modelo de produção taylorista/fordista e a emergência do
            toyotismo*

            Autora: Márcia Naiar Cerdote Pedroso (1)


* Trabalho apresentado como requisito de avaliação da disciplina "Globalização e Política", no curso de especialização em Pensamento Político Brasileiro da UFSM, no 2º semestre de 2004

Orientado pelo Prof. Dr. Holgonsi Siqueira


            “O mundo atual parece, mais do que nunca, um mundo convulsionado.
            Profundas transformações tecnológicas revolucionam o modo de
            produzir nossa vida material, com enormes implicações sobre a
            organização da produção e do trabalho; nossos modos de vida e de
            organização social são violentamente modificados”.
            Márcia de Paula Leite.

            Nos últimos anos, particularmente a partir da década de 1970, o
            mundo passou a presenciar uma crise do sistema de produção
            capitalista. Após um período próspero de acumulação de capitais, o
            auge do fordismo e do keynesianismo das décadas de 1950 e 1960, o
            capital passou a dar sinais de um quadro crítico, que pode ser
            observado por alguns elementos como: a tendência decrescente da taxa
            de lucro decorrente do excesso de produção; o esgotamento do padrão
            de acumulação taylorista/fordista(2) de produção; a desvalorização
            do dólar, indicando a falência do acordo de Breeton woods; a crise
            do Welfare State ou do “Estado de Bem-Estar Social”; a
            intensificação das lutas sociais (com greves, manifestações de rua)
            e a crise do petróleo que foi um fator que deu forte impulso a esta
            crise.
            Esta “crise estrutural do capital” impulsionou, principalmente nos
            anos 1980 e 1990, uma gama de transformações sócio-históricas que
            afetam das mais diversas formas a estrutura social. Nestas condições
            o sistema capitalista vai buscar várias formas de restabelecer o
            padrão de acumulação. Neste sentido é que se insere a implementação
            de um amplo processo de reestruturação do capital, com vistas a
            recuperar o seu ciclo produtivo, o que afetou fortemente o mundo do
            trabalho, promovendo alterações importantes na forma de organização
            da classe dos trabalhadores assalariados.
            Neste contexto o modelo de produção taylorista/fordista, que vigorou
            na grande indústria ao longo do século XX, particularmente a partir
            da segunda década, mostra-se em decadência.
            Harvey (2002) salienta que a base do método de produção de F. W.
            Taylor e Henry Ford era a separação entre gerência, concepção,
            controle e execução. O que havia em especial em Ford e que em última
            análise distingue o fordismo do taylorismo era o seu reconhecimento
            explícito de que produção em massa significava consumo em massa, um
            novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política
            de controle e gerência do trabalho, em suma, um novo tipo de
            sociedade democrática e racionalizada. Em muitos aspectos, as
            inovações de Ford eram mera extensão de tendências
            bem-estabelecidas, ele fez pouco mais do que racionalizar velhas
            tecnologias e uma detalhada divisão do trabalho pré-existente. Ford
            lançou as bases de um sistema em que os próprios trabalhadores – até
            então vistos como mão-de-obra a ser usada no limite de suas
            potencialidades – deveriam ser considerados também como
consumidores.
            Assim, em síntese, podemos afirmar que o sistema taylorista/fordista
            caracteriza-se pelo: padrão de produção em massa, objetivando
            reduzir os custos de produção, bem como ampliar o mercado
            consumidor; produção homogeneizada e enormemente verticalizada
            obedecendo à uniformidade e padronização, onde o trabalho é
            rotinizado, disciplinado e repetitivo; parcelamento das tarefas, o
            que conduzirá o trabalho operário à desqualificação.
            Antunes acrescenta que:

            “Esse padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e
            fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação
            operária a um conjunto repetitivo de atividades (...).
            (...) Esse processo produtivo caracterizou-se portanto, pela mescla
            da produção em série fordista com o cronômetro taylorista, além da
            vigência de uma separação nítida entre elaboração e execução. Para o
            capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do trabalho,
            ‘suprimindo’ a dimensão intelectual do trabalho operário, que era
            transferida para as esferas da gerência científica. A atividade do
            trabalho reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva” (Antunes,2002,
            p.37).
            A mesma operação repetida mecanicamente centenas de vezes por dia
            não incentivava qualquer crescimento intelectual, não gerava
            qualquer identificação com o trabalho e trazia pouca satisfação.
            Desta forma, o fordismo estimulava o estranhamento entre trabalho e
            trabalhador.
            Muitas insatisfações surgem dos indivíduos com a rigidez deste modo
            de produção, pois, tal procedimento implicava a intensificação da
            jornada de trabalho extenuante e a eliminação do saber do indivíduo
            como elemento constitutivo do processo de trabalho. Antunes (2002)
            nos coloca que o taylorismo/fordismo realizava uma forma de
            expropriação intensificada do operário, destituindo de qualquer
            participação na organização do processo de trabalho, o que se
            resumia numa atividade repetitiva e desprovida de sentido. Ao mesmo
            tempo este operário era freqüentemente chamado para corrigir as
            deformações e enganos cometidos pela “gerência científica”(3) e
            pelos quadros administrativos. Constata-se, portanto, um movimento
            generalizado de lutas e resistências nos locais de trabalho, que
            haviam se desqualificado e mesmo destruído o saber daqueles
            trabalhadores de ofício, que tinham um determinado controle e
            autonomia no seu trabalho.
            Essa contradição entre autonomia e heteronomia, própria do processo
            de trabalho fordista, acrescida da contradição entre produção e
            consumo, intensificava os pontos de saturação deste modelo.

            “Para os autores da ‘Escola de Regulação’ e seus seguidores, o
            ‘fordismo se torna improdutivo’ a partir do movimento social, das
            mobilizações nas fábricas e nas ruas e, nesta medida, desencadeia-se
            uma crise no ‘modo de regulação’. A crise que se visualiza tem um
            caráter estrutural, à medida que o acirramento das lutas de classes
            e, sobretudo, a recusa dos trabalhadores em se submeter à gestão
            fordista, implicam uma crise do ‘regime de acumulação intensiva’,
            minando a elevação as taxas de mais valia relativa” (Aglieta, apud
            Druck, 1999, p. 38).

            Já no período inicial da crise (1965-1973), o fordismo e o
            keynesianismo demonstravam-se incapazes de dar conta das
            contradições inerentes do capitalismo. Esta incapacidade estava dada
            pela rigidez na totalidade do padrão de acumulação vigente; nos
            investimentos, no sistema de produção em massa, nos mercados de
            consumo e de trabalho e no Estado de bem-estar - que exigia uma
            forte arrecadação para garantir as políticas sociais. No caso
            particular da rigidez no trabalho (gestão e organização), havia uma
            resistência e um poder sindical extremamente fortes que impediam
            mudanças ou qualquer flexibilização, principalmente até 1973.
            Em linhas gerais, nos anos 70 se evidenciou a crise do fordismo
            norte-americano. E as mobilizações que haviam movimentado as
            instituições de poder desde o final da década de 60, rebelando-se
            contra aquele padrão de trabalho e de vida não conseguiram impor
            outra alternativa. Nesta medida, o enfraquecimento da resistência
            dos trabalhadores foi um fator importante para abrir caminho ao
            movimento do capital.
            Desta forma, os desdobramentos da crise da década de 70 englobam
            mudanças fundamentais, que se tornam evidentes com o esgotamento do
            padrão fordista. Nas palavras de Antunes:

            “Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de
            reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de
            dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do
            neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação
            dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal,
            da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte; a isso se
            seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do
            trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessário
            para tentar repor os patamares de expansão anteriores” (Antunes,
            2002, p. 31).

            Neste momento inicia-se uma mutação no interior do padrão de
            acumulação, visando alternativas que dessem um novo dinamismo ao
            processo produtivo que dava sinais de esgotamento. O capital iniciou
            um processo de reorganização de suas formas de dominação, não só
            reorganizando em termos capitalistas de produção, mas também
            buscando a gestão da recuperação de sua hegemonia nas diversas
            esferas da sociabilidade(4).
            Intensificam-se as transformações no processo produtivo, através do
            avanço tecnológico, da constituição de formas de acumulação flexível
            e dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, no qual
            se destaca especialmente o modelo toyotista(5) ou modelo japonês.
            O toyotismo assume e desenvolve novas práticas gerenciais e
            empregatícias tais como just in time/kanban(6), controle de
            qualidade total e engajamento estimulado. Elas surgem como uma nova
            via de racionalização do trabalho, centradas na produção enxuta(7)
            (também denominada lean production), adequadas a uma nova ordem do
            capitalismo mundial. Na observação de Chesnais (1996, p. 35), “em
            cada fábrica e em cada oficina, o princípio de ‘lean production’,
            isto é, sem ‘gordura de pessoal’ tornou-se a interpretação dominante
            do modelo ‘ohnista’ japonês de organização do trabalho”.
            No final das últimas décadas o toyotismo assume uma posição de
            objetivação universal tornando a flexibilidade(8) num valor
            universal para o capital. De acordo com Alves (2000), as condições
            originárias do toyotismo partem da lógica do “mercado restrito”,
            surgindo sob a égide do capitalismo japonês dos anos 1950,
            caracterizado por um mercado interno débil. Por isso tornou-se
            adequado, em sua forma de ser, às condições do capitalismo mundial
            dos anos 1980, caracterizado por uma crise de superprodução que
            coloca novas normas de concorrência. Foi o desenvolvimento (da
            crise) capitalista que constituiu, no entanto, os novos padrões de
            gestão da produção de mercadoria, tal como o toyotismo. As economias
            de escala buscadas na produção fordista de massa foram substituídas
            por uma crescente capacidade de manufatura e uma variedade de bens a
            preços baixos em pequenos lotes. As economias de escopo substituem
            as economias de escala(9).
            Numa análise feita pelo sociólogo Coriat, que apreendeu com
            perspicácia os nexos contingentes do novo modo de racionalização do
            trabalho, ele coloca que:

            “(...) o toyotismo procurou responder à interrogação, posta pelo
            capital diante das condições do mercado japonês dos anos 50 (e que
            é, de certo modo, posta sob o capitalismo mundial na crise de
            superprodução): o que fazer para elevar a produtividade quando as
            quantidades não aumentam? O que impulsionou – e impulsiona – o
            toyotismo, em seu aspecto ontológico foi, e ainda é, ‘buscar origens
            e naturezas de ganhos de produtividade inéditas, fora dos recursos
            das economias de escala e da padronização taylorista e fordista,
            isto na pequena série e na produção simultânea de produtos
            diferenciados e variados’” (Coriat, apud Alves, 2000, p. 37).

            O novo método de gestão da produção, impulsionado, em sua gênese
            sócio-histórica pelo Sistema Toyota, tornou-se adequado à nova base
            técnica da produção capitalista, vinculada a Terceira Revolução
            Industrial que exige novas condições de concorrência e de
            valorização do capital a partir da crise dos anos 1970.
            Este é um período de mudanças na estrutura produtiva, uma fase de
            transição denominada de pós-fordismo. Sendo os aspectos mais
            decisivos desta fase o aumento da flexibildade em escala global, a
            mobilidade de capital e a liberdade para colonizar e mercantilizar
            praticamente todas as esferas, destruindo-se as fronteiras sociais e
            espaciais relativamente fixas e gerando-se uma descentralização da
            produção. Porém, sobre a transição do fordismo para o pós-fordismo
            devemos evitar pronunciamentos que supõem a idéia de que as
            características do fordismo tenham sido eliminadas nos dias atuais.
            Ao contrário, elas afirmam a complexidade das condições presentes
            que envolvem a contínua existência de características básicas do
            fordismo.
            Até mesmo Ohno e Krafcik, proponentes dos novos métodos de produção,
            reconheceram que é mais importante insistir sobre as continuidades
            do que sobre as rupturas do toyotismo com relação ao
            taylorismo/fordismo. De certo modo o toyotismo conseguiu superar
            alguns aspectos predominantes da gestão de produção da grande
            industria do século XX inspiradas no taylorismo e fordismo, que
            instauraram a parcelização e a repetitividadade do trabalho. Mas,
            por trás da intensificação do ritmo do trabalho que existe no
            toyotismo, persiste uma nova repetitividade do trabalho.
            Alves (2000, p.11) denomina este cenário de “‘o novo complexo de
            reestruturação produtiva’ que envolve um sistema de inovações
            tecnológico-organizacionais no campo da produção capitalista”. Este
            processo ocorre sustentado nas novas políticas de gestão/organização
            do trabalho fundadas na “cultura da qualidade” e numa estratégia
            patronal que visa a cooptar e neutralizar todas as formas de
            organização e resistência dos indivíduos. São políticas que por um
            lado, “incluem” uma elite neste novo padrão que está sendo gestado
            e, por outro, “excluem” - através do desemprego e das formas
            precária de contratação/subcontratação.
            É importante ressaltar que o atual processo de reestruturação
            produtiva não vem se produzindo no âmbito especifico de qualquer
            país ou região, mas vem se produzindo no contexto de um conjunto de
            transformações que ocorrem em nível mundial desde meados dos anos
            1970. Isto significa reconhecer este processo dentro do contexto da
            globalização econômica, o que implica, portanto, reconhecer a
            presença de um processo mundial de transformações.
            Castells (2005) considera que os anos 70 também fora à época
            provável do nascimento da revolução tecnológica da informação e uma
            linha divisória na evolução do capitalismo e momento gerador da
            globalização e das mudanças no mundo do trabalho. As empresas de
            todo os países reagiam ao declínio real da lucratividade ou o
            temiam, por isso, adotavam novas estratégias. A maioria das empresas
            procurava resultados a curto prazo, e reconheciam que para aumentar
            os lucros haveriam quatro caminhos principais: reduzir custos de
            produção (começando com custos de mão-de-obra); aumentar a
            produtividade; ampliar o mercado; e acelerar o giro do capital. Com
            ênfases diferentes, dependendo das empresas ou países, todos esses
            caminhos foram utilizados durante as duas últimas décadas do século
            XX. Em todos as novas tecnologias da informação foram instrumentos
            essenciais.
            Na década de 1980 a difusão das tecnologias acelerou-se nos setores
            de máquinas e equipamentos industriais de formas de automação
            programada com base eletrônica deslocou a automação dedicada com
            base na eletromecânica que eram característicos dos processos
            industriais compatíveis com o paradigma tecnológico e padrão de
            acumulação até então vigentes. O avanço tecnológico aponta em seu
            conjunto, para a superação da máquina automática (autoritária) e
            rígida. O sistema mecanizado de produção em grandes volumes não
            adaptáveis dá lugar a um sistema de produção maleável, conversível
            em diversos produtos e capaz de fácil adaptação a novos programas.
            Lacerda acrescenta que:

            “O impacto das tecnologias de informação sobre as formas de
            organização da produção implicaram mudanças no âmbito microeconômico
            e nas estratégias empresariais. Esse novo paradigma organizacional
            da produção tornou a capacidade de produzir, aperfeiçoar e inovar o
            principal ativo estratégico das empresas. Aceleram-se os processos
            cooperativos entre empresas, em especial nas iniciativas no campo da
            pesquisa e do desenvolvimento de novos processos, produtos e
            serviços” (Lacerda, 1998, p. 43).

            Os novos padrões de estruturas produtivo-organizacionais redefiniram
            a noção de competitividade internacional, com ênfase na capacidade
            industrial de inovar e aperfeiçoar. A crescente importância da
            capacitação tecnológica e informacional tem como um fator chave à
            competitividade. Surge um mercado cada vez mais competitivo e com
            grandes variações de gosto (formato, cor, uso, etc.). A estratégia
            da competitividade reside em antecipar, produzir, ir ao encontro do
            desejo do consumidor, assim as empresas promoveram profundas
            transformações na forma de produzir buscando assegurar sua
            concorrência e sobrevivência no mercado.
            Uma análise de Leite nos mostra:

            “(...) Modificam-se, assim, não só as características dos produtos
            que passam a disputar no mercado (com a substituição da produção em
            massa de produtos estandartizados pela produção em lotes de produtos
            diferenciados, visando atender ao recrudescimento da competição), a
            tecnologia empregada na produção (com a substituição da tecnologia
            de base eletromecânica pela microeletrônica, muito mais produtiva e
            mais afeita a uma produção profundamente diferenciada), mas,
            especialmente, a maneira de organizar a produção e o trabalho no
            interior das empresas (também como forma de garantir maior
            flexibilidade à produção), e, mais que isso, a estrutura industrial,
            ou seja, a relação entre o conjunto das empresas que participam da
            produção das mais variadas linhas de produtos” (Leite, 2003, p. 37).

            A nova máquina, em oposição à máquina automática e rígida, é
            microeletrônica, muito mais flexível e rápida. Este novo
            aparelhamento permite produzir elementos diferentes a partir de uma
            única matriz; aceita mudanças; acolhe, estimula melhoramentos e,
            talvez ainda mais importante, produz versões simultâneas e
            diferentes, perfeitamente programáveis e em pequenos lotes.
            Quero destacar aqui que os novos princípios organizacionais passam a
            ser baseados na integração de tarefas, flexibilidade da mão-de-obra
            e na multifuncionalidade(10). O novo paradigma produtivo traz como
            características intrínsecas: a substituição da lógica da produção em
            massa pela lógica da produção variável, voltada as exigências do
            mercado, o que impõe a uma necessidade de flexibilidade e da busca
            pela constante melhoria do processo produtivo, o que implica uma
            nova lógica baseada na incorporação do conhecimento do indivíduo
            sobre a produção; a substituição da grande empresa por empresas mais
            enxutas, que focalizam a produção em partes determinadas do processo
            produtivo.
            As inovações tecnológicas e organizacionais despontavam como um
            fator fundamental para aumentar a eficiência das empresas para
            competir e a concorrer neste novo cenário que se processa. É neste
            contexto que as empresas começarão a introduzir algumas técnicas
            japonesas de produção: “como os Círculos de Controle de Qualidade
            (CCQs) e Programas de Qualidade Total; a série da racionalização da
            produção, tais como o “downsizing” e a reengenharia; bem como novos
            equipamentos de base microeletrônica, como Controladores Lógico
            Programáveis (CLPs), robôs, Máquinas-Ferramenta a Comando Numérico
            (MFCNs)(11), os quais foram sendo acompanhados por inovações de
            produtos e de processo (utilização de sistemas CAD/CAM(12), just in
            time, celularização da produção(13), tecnologia de grupo(14),
            sistemas de qualidade total com utilização de CEP(15))”.

            “(...) Cada passo dado na introdução da automatização contemporânea,
            baseada nos microprocessadores, foi uma oportunidade para destruir
            as formas anteriores de relações contratuais, e também os meios
            inventados pelos operários, com base em técnicas de produção
            estabilizadas, para resistir à exploração no local de trabalho”
            (Chesnais, 1996, p. 35).

            Este período da reestruturação mundial do capital que se processa a
            partir das últimas décadas do nosso século vem efetivando uma
            ruptura do anterior paradigma produtivo/industrial e tecnológico.
            Ocasiona, também, o rompimento do compromisso social e das
            relações/instituições econômicas, sociais e políticas que foram
            definidas quando da constituição e expansão do padrão de
            industrialização norte-americano no pós-guerra.
            Neste contexto, a divisão internacional do trabalho se transforma.
            Porém, estas transformações não foram homogêneas. Até mesmo os
            países capitalistas avançados reagem de forma diferente, conforme
            suas histórias, “alguns se lançaram à dinâmica ultraliberal (Estados
            Unidos e Inglaterra), enquanto outros buscaram manter formas
            nacionais reguladas e organizadas (Alemanha e Japão)“ (Mattoso,
            1994, p. 522).
            Nos países em desenvolvimento, em especial para o Brasil ocorrem
            profundas transformações. O complexo metal-mecânico que foi o grande
            propulsor do desenvolvimento brasileiro no século XX perde
            importância e tende a ser substituído nesse papel hegemônico pelo
            complexo microeletrônico. Há uma mudança não só na definição de “o
            que produzir”, mas de “como produzir”, já que a revolução
            científico-tecnológica implica a substituição das formas de produção
            rígidas, para as formas flexíveis de produção.
            As principais tendências deste processo de globalização da economia
            são a expansão dos fluxos do comércio e dos fluxos financeiros, com
            a tecnologia interligando a economia mundial em grandes redes. Isto
            ocasiona divergências quanto à forma de inserção dos países, em
            especial aqueles em desenvolvimento.
            Lacerda (1998) argumenta que a conseqüência para a economia
            brasileira é que a maior exposição ao mercado internacional induziu
            as empresas locais na busca de padrões de competitividade tendo como
            parâmetro o mercado mundial, o que implicou profundos ajustes na
            estrutura da produção brasileira. As principais conseqüências desse
            ajuste implicaram a renovação tecnológica, na substituição da
            produção local por importações, na adoção de modernas técnicas
            gerenciais e administrativas.
            As empresas foram empurradas para a obtenção de ganhos substanciais
            de produtividade, passando o mercado a contar com uma oferta mais
            qualificada e diversificada de produtos a preços mais competitivos.
            A abertura da economia brasileira combinou a redução das barreiras
            não tarifárias e das alíquotas de importação com um processo de
            valorização da moeda (Plano Real), o que de certa forma implicou em
            um viés antiexportador e pró-importador. Isto ocasionou a uma
            concorrência desleal dos importados, sacrificando os produtores
            locais e gerando impacto no nível de emprego.
            No entanto, estas mudanças alterariam a essência do processo
            produtivo e o trabalho envolvido direta e indiretamente na produção,
            criando não apenas novas e restritas relações de trabalho, mas
            também acentuando as características de exclusão econômica e social
            do sistema capitalista. Ainda como nos acrescenta Mattoso (1994),
            estas alterações afetariam o conjunto do mundo do trabalho: suas
            relações no interior do processo produtivo, a divisão do trabalho, o
            mercado de trabalho, o papel dos sindicatos, as negociações
            coletivas e a própria sociabilidade de um sistema baseado no
            trabalho.
            Reconheço aqui que este processo foi facilitado por políticas que,
            ao longo dos anos oitenta, buscaram alterar os presumidos
            constrangimentos, incentivos e obstáculos à competitividade e a
            concorrência. As bases destas políticas liberais foram os ajustes
            estruturais e a flexibilização do trabalho, onde também eliminariam
            as regulações governamentais protetoras que supostamente protegeriam
            o mercado de trabalho e minariam a competitividade. Sendo seu
            objetivo reduzir custos empresariais, acelerar a
            mobilidade/flexibilidade do trabalho entre setores, regiões,
            empresas e postos de trabalho, eliminando a rigidez resultante da
            atividade sindical e das regulações trabalhistas.
            Rodríguez acrescenta que:

            “Según esta nueva racionalidad económico-social el objetivo más
            importante de las políticas económicas es el control permanente del
            crecimiento del coste del factor trabajo y de los gastos del Estado,
            definiendo el crecimiento de ambos elementos como el origen del
            aumento conjunto de la inflación y el desempleo. Exactamente al
            contrario que en la etapa de hegemonía del modelo de racionalidad
            keynesiana, la lógica que permea este razonamiento es la
            preeminencia e independencia de la oferta. Desde este punto de
            vista, la constitución de la oferta como principio de realidad y su
            privatización se convierten en las referencias obligadas de un orden
            social en el que absolutamente todas las relaciones se sujetan a la
            racionalidad económica. La única política económica posible es
            aquella que tiene como proposito basico la flexibilización
            empresarial de las rigideces en la fijación del precio de los
            factores que intervienen en el mecanismo productivo y la plena
            restitución al mercado de la función de asignación de recursos
(....)
            (...) Desde esta perspectiva empresarial, se trata de hacer posible
            una adaptación del grado de utilización de la fuerza de trabajo a
            las exigencias de las empresas, de tal manera que éstas puedan
            adecuarse con rapidez a los cambios del ciclo económico y a las
            oscilaciones de la demanda. El objetivo, por tanto, es acabar con
            cualquier tipo de limite (‘rigidez’) a la posibilidad gerencial de
            decidir unilateralmente sobre la organización del trabajo”
            (Rodríguez, 2005, p. 2/3).

            Neste sentido se estabelece um extenso processo de flexibilização
            por parte das empresas buscando atender aos seus interesses,
            traduzindo desta forma para os trabalhadores uma redução de direitos
            (salários, empregabilidade, estabilidade, previdência, entre
            outros), gerando uma grande insegurança, sendo que para a empresa
            permite-se uma maior seguridade e adaptabilidade frente às
            flutuações do mercado. Seu significado relaciona diretamente
            inseguridade do trabalho com seguridade na gestão econômica.
            A emergência desta Nova Era conduzida pelos impactos do toyotismo
            promove uma série de alterações decisivas na estrutura de classe,
            ocorrendo uma fragmentação da classe trabalhadora, cujos principais
            aspectos sociais são o desenvolvimento, por um lado, de uma
            subproletarização tardia(16),e, por outro, do desemprego estrutural.
            Com base nestes pressupostos posso dizer que esta seja uma das
            principais características do novo perfil do mundo do trabalho que
            coloca novas provocações para o trabalho assalariado.
            Portanto, as últimas décadas assistiram - sobretudo a partir da
            crise dos anos 1970 – a uma profunda reestruturação do sistema
            capitalista, que pode caracterizar-se por aspectos como a
            globalização da economia, a utilização massiva das novas tecnologias
            nos sistemas produtivos, a reestruturação organizacional e a
            renovação das técnicas de administração das empresas, incrementos
            fortes na produtividade do trabalho e que buscam níveis cada mais
            sofisticados da formação da força de trabalho.
            Como afirma Castells (2005), o trabalho humano há décadas vem sendo
            transformado, primeiro a mecanização, depois a automação, sempre
            provocando debates semelhantes sobre questões relacionadas à
            demissão de trabalhadores, “desespecialização” versus
            “reespecialização”, “produtividade” versus “alienação”, “controle
            administrativo” versus “autonomia dos trabalhadores”.
            Assim, podemos concluir afirmando que estamos diante de um intenso
            processo de transformação do mundo do trabalho, com a emergência de
            novos modelos de produção, acompanhados do crescente avanço
            tecnológico. Desta forma, assistimos a construção de uma nova ordem
            econômica, na qual o conhecimento assume um papel primordial. Esse
            novo momento redimensiona a demanda de trabalho e afeta diretamente
            os trabalhadores. Estamos, portanto, no limiar de um novo processo
            histórico.

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            Notas:

            (1) Bacharel em Economia e Pós-graduanda em Pensamento Político
            Brasileiro pela Universidade Federal de Santa Maria.

            (2) Taylorismo – Conjunto das teorias para aumento da produtividade
            do trabalho fabril, elaboradas pelo engenheiro norte-americano de
            Frederick Winslow Taylor (1856-1915): simplificar ao máximo a
            produção, tornando as operações únicas e repetitivas.
            Fordismo – Conjunto de métodos de racionalização da produção
            elaborados pelo industrial norte-americano Henry Ford (1863-1947)
            que aprimora os princípios de Taylor em seu modelo. Para diminuir os
            custos, a produção deveria ser em massa, a mais elevada possível, e
            aparelhada com tecnologia capaz de desenvolver ao máximo a
            produtividade por operário. (Sandroni, 1998).

            (3) O conceito de “Gerência científica” é atribuído a F. W. Taylor.
            Harvey (2002), explica que “Os Princípios da Administração
            Científica” é um influente tratado que descrevia como a
            produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada através
            da decomposição de cada processo de trabalho em movimentos
            componentes e da organização de tarefas de trabalho fragmentadas
            segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento.
            O propósito da “gerência científica” é controlar o trabalhador para
            que ele produza uma quantidade ideal, que ofereça mais lucro ao
            empregador, trabalhando num ritmo máximo que seu corpo possa
            agüentar, bem como “Todo possível trabalho cerebral deve ser banido
            da oficina e centrado no departamento de planejamento ou projeto
            [...]” (Taylor apud Braverman, 1987, p. 103), ficando o operário
            encarregado apenas de executar o serviço.

            (4) “Fez isso, por exemplo, no plano ideológico, por meio do culto
            de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao
            individualismo exacerbado contra as formas de solidariedade e de
            atuação coletiva e social” (Antunes, 2002, p. 48).

            (5) “A expressão surgiu em função dos novos métodos da produção de
            veículos propostos pelos engenheiros Eiji Toyoda e Taiichi Ohno, da
            Toyota Motor Company: após uma minuciosa análise dos métodos de
            produção em massa das indústrias Ford, buscavam-se meios de
            economizar recursos de produção, de organizar uma produção enxuta,
            evitando as grandes fábricas povoadas de centenas e centenas de
            trabalhadores” (Silva, 2002, p.73).

            (6) O just in time – princípio do estoque mínimo - é um instrumento
            de controle da produção que busca atender a demanda da maneira mais
            rápida possível e minimizar os vários tipos de estoque da empresa
            (intermediários, finais e de matéria-prima) (Leite, 2003).
            Kanban – placas que visualizam – Funciona segundo um sistema de
            placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque,
            estabelecendo um fluxo de informações que emite instruções
            especificando a quantidade exata de peças necessárias (Antunes,
            2002).

            (7) Silva (2002) explica que a produção enxuta caracteriza-se pela
            eliminação de custos decorrentes de desperdícios causados pelo uso
            inadequado de equipamento, peças e componentes defeituosos e pela
            polivalência dos trabalhadores – uma das novas e fundamentais
            características do novo mercado de trabalho – em contraposição à
            extrema especialização dos trabalhadores sob o fordismo. Com isso
            tem fim boa parte das necessidades de pessoal de gerência, revisão
            técnica e controle de qualidade, ao mesmo tempo em que se exigem
            estoques menos volumosos, capazes de fácil distribuição e com
            grandes vantagens de estocagem. É o sistema just in time.

            (8) Harvey (2002), mostra que a “acumulação flexível” é marcada por
            um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela sustenta-se na
            flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho e
            dos produtos e dos padrões de consumo. Caracterizando-se pelo
            surgimento de novos setores de produção, novos mercados acompanhados
            da intensificação da inovação comercial, tecnológica e
            organizacional.

            (9) As economias de escala são caracterizadas pela produção em massa
            de bens homogêneos, utiliza-se de grandes estoques, os produtos
            defeituosos ficam ocultados nos estoques e a produção é voltada para
            os recursos, enquanto que, as economias de escopo são caracterizadas
            pela produção em pequenos lotes de uma variedade de tipos de
            produtos, produção sem estoques, rejeição imediata de peças com
            defeito e a produção é voltada para a demanda (Harvey, 2002).

            (10) ”O Conceito de multifuncionalidade refere-se à tendência que
            vem sendo difundida atualmente de substituir a rígida divisão
            taylorista do trabalho por novas formas de organização do trabalho,
            baseadas na execução de diferentes atividades que exigem distintos
            conhecimentos e qualificações” (Leite, 2003, p.37).

            (11) “Esta abre duas vantagens insuperáveis em relação as suas
            antecessoras: de um lado, maior velocidade operacional, em especial
            pela produção de um tempo +. Trata-se de um tempo oculto, o mesmo
            tempo cronológico gasto no processo tradicional de produção, só que,
            agora, potencializado pela incorporação tecnológica: é a capacidade
            de uma só máquina realizar duas ou mais operações simultaneamente e
            não sucessivamente como antes; por outro lado, obrigam a um
            aperfeiçoamento constante, unindo operador e máquina em um processo
            de entendimento permanente, fazendo dele um inventor a cada dia”
            (Silva, 2002, p. 107).

            (12) “Os sistemas CAD/CAM (Computer Aided Design/ Computer Aidd
            Manufacturing) permitem a elaboração de desenhos por computador, bem
            como o monitoramento computadorizado do processo de manufatura”
            (Leite, 2003, p.70).

            (13) “As células de fabricação consistem na organização das máquinas
            a partir do fluxo da produção, permitindo uma sensível diminuição do
            lead time (tempo total de fabricação de uma peça) e dos estoques
            intermediários (tendo em vista que a integração entre as várias
            máquinas de cada célula elimina o tempo que as peças têm normalmente
            que aguardar nas prateleiras antes de serem usinadas por cada
            máquina)” (Leite, 2003, p.70).

            (14) “A tecnologia de grupo consiste no agrupamento das peças a
            partir de sua similaridade geométrica e seqüência de operações e na
            destinação do mesmo grupo de peças às mesmas máquinas, permitindo
            uma significativa diminuição no tempo de preparação das máquinas”
            (Leite, 2003, p.70).

            (15) “O Controle Estatístico de Processo (CEP) caracteriza-se pela
            integração do controle de qualidade à produção, por meio da
            utilização de conceitos básicos de estatística na inspeção das
            peças, que passa a ser feita pelos próprios operadores de máquina”
            (Leite, 2003, p.70).

            (16) A subproletarização tardia é constituída pelos trabalhadores
            assalariados em tempo parcial, temporários ou subcontratados, seja
            na indústria ou nos serviços interiores (ou exteriores) à produção
            do capital. Deste modo tende a predominar o que alguns sociólogos e
            economistas denominam “informalização” nas relações de trabalho
            (Alves, 2001).


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