"CIDADE PÓS-MODERNA"

Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira

Publicado no Jornal "A Razão" em 29.03.2001

Este artigo foi solicitado em 12/11/2001 (pelo Prof. Arquiteto Valter Caldana-IAB/SP - Conselheiro Consultor do Concurso), para ser incluído como bibliografia básica do concurso "Globo São Paulo: a cidade e a sede", destinado a estudantes de Arquitetura e Urbanismo, e organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento de São Paulo, e a Rede Globo de Televisão.


"A cidade é uma paisagem que vale apreciar - malditamente necessária se você vive nela" (C.Oldenburg).

A cidade pós-moderna é onde habita o sujeito descentrado, que na maioria das vezes perde a orientação espacial num hiperespaço em que tudo (pessoas, objetos, idéias...) está fora de lugar. Nela, o velho "Ford preto" cedeu lugar a inúmeros outros tipos e cores que circulam por suas ruas causando extraordinários congestionamentos e poluição, e o espetáculo fica por conta dos luminosos com propagandas de/para todos os tipos e gostos, que muitas vezes geram a chamada poluição visual, mas sempre forçam o consumismo.

Na cidade pós-moderna, quando os indivíduos saem de casa, andam rapidamente de um lado para outro praticando o "abaixamento de faróis"(E.Goffman), pois, na rapidez que move suas vidas, ninguém quer comprometimento com o "Outro", por isso desvia-lhe o olhar. Nestas andanças, as inúmeras tribos desfilam um empório de estilos e códigos sem nenhuma relação, abençoados pela liberdade e flexibilidade pós-modernas.

Este mesmo ecletismo (que é "vazio", e não aquele "bem temperado" de G.Cohn, que se relaciona à interdisciplinaridade), é característica marcante na arquitetura pós-moderna, onde os prédios "des-combinam" formas, cores e materiais, marca da multivalência, ou da complexidade e contradição defendidas por R.Venturi e C.Jencks (ao contrário da univalência de Le Corbusier) dando total liberdade de leitura. Por outro lado, as construções da cidade pós-moderna são de grande "pobreza simbólica" (R.Krier), principalmente porque não se estendem horizontalmente para a aproximação e o diálogo. Já aquele que pode pagar, terá seu espaço personalizado, e será encerrado em condomínios, verdadeiros espaços pós-pós-modernos, livres dos "vagabundos" (Z.Bauman), "impuros" que "afastam" a perfeição das ruas da cidade.

Assim, nos labirintos da cidade pós-moderna encontramos contradições bastante acentuadas entre seus habitantes, entre crescimento e qualidade de vida, e entre o planejamento e seus resultados. Seguindo as palavras de Michel de Certeau, temos a "coincidência entre os extremos da ambição e da degradação, das oposições entre as pessoas, dos contrastes entre os edifícios construídos ontem e transformados já hoje, em caixotes do lixo e das erupções urbanas do dia que barram os céus". Portanto, estes labirintos representam o fluxo e a transição constantes, resultado da obsolescência de todas as coisas, do impacto das novas tecnologias e das transformações ecológicas, mas principalmente da afluência de indivíduos que carregam consigo conhecimentos, idéias e crenças as mais variadas.

Algumas cidades pós-modernas são também "cidades-globais"(M.Castells), ou "cidades-mundo" (idéia de Friedmann), as quais servem como centro de fluxo de trabalhadores, de informação, de dinheiro e de bens, articulando na economia global, através de suas relações econômicas, o espaço do capitalismo multinacional. Algumas dominam as finanças internacionais (centros de controle e mando da economia global - Nova Yorque, Tóquio e Londres) e outras o comércio; ligadas a elas temos os centros regionais, e os mercados emergentes (dos quais São Paulo faz parte). Estas cidades são definidas por densos esquemas de interação mais que por fronteiras político-administrativas. A questão que se deve salientar é que, a localização das mesmas "é decisiva para a distribuição da riqueza e do poder no mundo" (Castells).

A cidade pós-moderna pode ser o espaço das desigualdades, mas também pode ser da liberdade; esta contradição, além da política, passa pela escolha de ações entre arquitetos, engenheiros, economistas, educadores, geógrafos, antropólogos e sociológos. Suas ações isoladas, continuarão colaborando para aumentar o espaço das desigualdades, e então, a partir da ironia de Oldenburg, poderemos dizer que a cidade é uma paisagem para ser apreciada em preto e branco. Porém o desenvolvimento de ações multidisciplinares, somadas à efetivas decisões do poder público (em torno das políticas sociais), podem definir um espaço da liberdade. Quando esta for a escolha, os habitantes poderão dizer que a cidade pós-moderna é uma paisagem que vale apreciar, e um espaço muito bom de se viver.


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