Hipertiroidismo
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ENDOCRINOLOGIA - JOSIVAN LIMA



HIPERTIROIDISMO

Lúcia Helena Coelho Nóbrega - Centro de Endocrinologia de Natal

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      Hipertireoidismo consiste na hiperatividade da tireóide produzindo tireotoxicose, síndrome clínica decorrente da exposição a altos níveis circulantes de hormônio tireoidiano Tal síndrome também pode decorrer de ingesta ou secreção ectópica excessiva.

      ETIOLOGIA

      As causas mais comuns de hipertireoidismo são: Graves e adenoma tóxico.

      Dentre as causas mais raras estão:

      - Tireotoxicose factícia é causada pela excessiva ingesta de hormônio tireoidiano, geralmente para obesidade ou supressão do TSH, além de ingesta acidental por crianças.

      - Carcinoma metastático de tiróide funcionante: é raro pois a massa tem que ser grande devido à baixa capacidade de produção hormonal.

      - Hipertireoidismo por tireotrofina molar, na mola hidatiforme e coriocarcinoma ou mesmo carcinoma testicular embrionário. Nesses casos, a cura é a remoção do tumor.

      - Inapropriada secreção de TSH:

      *Resistência ao hormônio tireoidiano: na generalizada o paciente é eutiroideo ou hipotiroideo enquanto na resistência restrita à hipófise há hipertireoidismo.

      *Tumor hipofisário secretor de TSH ou também de GH, prolactina, LH e/ou FSH.

      - Struma ovarii é a presença de tecido tireoidiano em teratoma ovariano.

      - Hipertireoidismo por iodo com o uso de radiocontraste, amiodarona ou iodeto de potássio. É raro e o seu mecanismo não é claro sendo que ocorre predominantemente em populações com modesta ou baixa ingesta de iodo prévio.

      - Tireoidite silenciosa: O bócio é pequeno, sem oftalmopatia, dermopatia ou história familiar, com captação baixa e remissão em 3-6 meses freqüente, ocorrendo mais no pós-parto. É semelhante à tireoidite subaguda mas tem etiopatogenia autoimune, com anticorpos anti-tiróide freqüentes e ocorrendo mais em pacientes com HLA-DR3. Sua incidência varia de 3,6 a 23% das causas de hipertiroidismo.1

      - Foliculite granulomatosa multifocal: ocorre hipertireoidismo leve que se desenvolve alguns dias após uma agressão à glândula e remite espontaneamente em 2 a 8 semanas sendo postulado que o trauma físico precipita uma resposta inflamatória.

      - Hashitoxicose: hipertireoidismo associado à doença de Hashimoto, sendo considerada por alguns autores apenas uma variante do Graves. 1

      ADENOMA TÓXICO:

      É um adenoma único ou múltiplo hiperfuncionante que se inicia como nódulo morno que evolui para quente. A taxa de descompensação alcança 20% nos nódulos de mais de 3 cm ou até 50% se o TSH estiver suprimido.2 Diferencia-se do Graves por atinge faixa etária mais avançada e predominam os sintomas cardíacos do hipertireoidismo além da ausência de oftalmopatia, dermopatia ou acropatia.

      Diagnóstico: baseia-se nas características do bócio, quadro clínico e exames complementares. As dosagens hormonais podem mostrar T3 e T4 elevados ou apenas o T3 mas sempre com TSH suprimido. A cintilografia mostra um único adenoma tóxico com supressão do tecido paranodular e contralateral (geralmente impalpáveis).

      O diagnóstico diferencial com ausência congênita do lobo contralateral ou nódulo hipertrófico (de sustentação) é feito com teste de supressão com T3 (25 mcg 2 vezes/dia) por 10 dias havendo supressão na região do nódulo.

      Tratamento é a ablação com radioiodo ou cirurgia.

      *Iodoterapia: Quando o tecido paranodular não está completamente suprimido ou quando o nódulo é morno, faz T3 (50mcg/d) uma semana antes para certificar-se que o isótopo não será captado por células normais. Usualmente, 30 mCi é suficiente.

      *Cirurgia: Raramente é utilizada e, quando o é, decorre de preferência do paciente ou em casos de nódulos muito grandes. Complicações no nódulo único são desprezíveis e hipotireoidismo não é mais freqüente que com radioiodo. Quando são múltiplos nódulos, deve ser tireoidectomia subtotal e as complicações podem ser mais freqüentes assim como o hipotireoidismo. Alguns autores fazem T4 para evitar hiperplasia compensatória pós ablação.

      DOENÇA DE GRAVES:

      Consiste na presença de tireotoxicose; bócio; oftalmopatia e/ou dermopatia. Juntamente com a atrofia tireoidiana primária e a tireoidite de Hashimoto, constitui a tríade de processos tireoidianos auto-imunes. É a causa mais comum de tireotoxicose e pode ocorrer em qualquer idade mas com pico entre 20 e 40 anos)3 sendo mais comum em mulheres (7-10:1).1

      ETIOLOGIA:

      É doença auto-imune de causa desconhecida com fatores genéticos e ambientais.

      Há uma tendência familiar para Graves (15% têm um parente próximo também doente e 50% dos parentes têm autoanticorpos anti-tireóide circulantes). Nos brancos, há relação com HLA-DR3 e DQA1*0501, em japoneses com HLA-A2 e DPB1*0501,em chineses, com HLA-B46,B5 e DR9 e em negros HLA-B17.1 Também há associação com outras doenças auto-imunes endócrinas (DMID e Addison) e não endócrinas (anemia perniciosa, miastenia, artrite reumatóide, Sjogren, vitiligo e hepatite crônica ativa).

      Alguns fatores ambientais são desencadeadores da resposta imune no Graves como: gravidez , excesso de iodo (em áreas deficientes); terapia com lítio; infecções virais (induzem expressão DR4 em células foliculares) ou bacterianas (Yersinia enterocolitica faz reação cruzada com antígenos tireoidianos) e uso de corticóides.1

      DIAGNÓSTICO

      * QUADRO CLÍNICO : Constitui-se de bócio, tireotoxicose e oftalmopatia.

      -- O bócio é a manifestação mais comum embora possa faltar em 3% dos casos e nos idosos, em 20%.1 É difuso, simétrico (pode ser assimétrico), com superfície lisa e consistência parenquimatosa. É móvel à deglutição, indolor e sem adenopatia satélite. Além disso, pode ter frêmito nos pólos superiores e sopro audível na sístole.

      -- A tireotoxicose é um quadro sistêmico. O paciente apresenta pele quente e úmida, ruborizada. Pode haver eritema palmar, vitiligo ou aumento difuso da pigmentação (hipersecreção de ACTH devido à recirculação aumentada do cortisol) mas sem pigmentação bucal. O cabelo é fino, de difícil ondulação, com áreas de alopécia. As unhas são moles e friáveis e pode haver "unhas de Plummer" (separação da margem distal da unha do seu leito ungueal). Os olhos mostram retração da pálpebra superior, com olhar brilhante com ou sem lid-lag (pálpebra superior atrasa em relação ao globo ocular quando olha para baixo, e o globo ocular atrasa quando olha para cima), com pálpebras trêmulas.

      O sistema cardiovascular é hiperdinâmico com pulso amplo, hiperfonese de B1 e B2, com B3 e sopro por hiperfluxo. Taquicardia sinusal e arritmias supraventriculares são comuns(10% tem fibrilação atrial, mais os idosos)1,3 e pode haver disfunção diastólica. Raramente, pode ocorrer miocardiopatia dilatada pela tireotoxicose, recentemente atribuída à presença ectópica do receptor do TSH no miocárdio.

      Há polifagia com emagrecimento. A motilidade é aumentada com má absorção de gorduras e esteatorréia. A diarréia é rara mas as fezes são mal formadas e há maior freqüência de evacuações. Em 1/3 há anticorpos anti-células parietais e 3% têm anemia.3

      No sistema nervoso observa-se nervosismo, labilidade emocional e hipercinesia além de hiperreflexia profunda e tendência à psicose decorrentes da ação direta hormonal ou fino tremor de mãos, língua ou pálpebras pela maior ação adrenérgica. São freqüentes fadiga e fraqueza muscular proximais, podendo chegar à incapacidade de levantar-se(miopatia tireotóxica). Esta ocorre mais em homens mas a associação Graves e miastenia gravis, que ocorre em 3 a 5% dos casos de miastenia, ocorre mais em mulheres.

      No sistema esquelético, há um maior turnover ósseo, mais da reabsorção, com desmineralização e fraturas ósseas, hipercalciúria e fosfatúria. Aumento do cálcio, fosfatase alcalina simulam hiperpara primário mas o PTH é baixo. Anovulação e irregularidade menstrual são freqüentes, podendo ocorrer por insuficiência ovariana primária auto-imune associada ou por hipogonadismo central secundário à doença sistêmica. No homem, a maior transformação de andrógenos em estrógenos produz ginecomastia em alguns.

      Metabolicamente, há tendência à hiperglicemia e curva glicêmica anormal ou até mesmo diabética além de estímulo da síntese e mais ainda da degradação de triglicerídeos e colesterol, com aumento de ácidos graxos livres e glicerol e diminuição do colesterol.

      -- A oftalmopatia ocorre em 50% dos casos e segue curso independente do aspecto tireotóxico e é em grande parte não influenciada pelo seu tratamento.4 Os sinais oculares são classificados pela associação americana de tiróide. Na classe I há espasmo da pálpebra superior com tireotoxicose e resolve-se com o controle tireoidiano. As classes de 2 a 6 são doença infiltrativa verdadeira. Na classe II há envolvimento de tecidos moles com edema periorbital, congestão e edema da conjuntiva (quemose). A proptose caracteriza a classe III e na classe IV há envolvimento muscular (mais o reto inferior e o reto medial) associada a inflamação mais intensa. Na classe V há ceratite e na classe VI, perda da visão por compressão do nervo óptico.4

      * COMPLEMENTAR: No hipertireoidismo, a captação do radioiodo é aumentada, T3 e T4 totais e livres são elevados, com TSH baixo. Os anticorpos anti-tireoidianos e anti-microssomais podem estar presentes mas são de pouca importância clínica. Altos títulos identificam a coexistência de Hashimoto o que indica que hipotireoidismo irá seguir a terapia ablativa mais rapidamente que o usual mas não influenciam a resposta ao tratamento clínico.

      Quando há oftalmopatia sem hipertireoidismo ultra-sonografia, tomografia e ressonância (RMN) mostram o aumento dos músculos e paresia, confirmam proptose e afastam outras patologias orbitárias ou intracranianas causadoras. A RMN também avalia se a oftalmopatia é progressiva ou não o que é importante para se submeter a uma cirurgia corretiva de proptose (melhor resultado quando tem mais fibrose que inflamação).

      TRATAMENTO

      Há três grandes tratamentos (drogas antitireoidianas, cirurgia e radioiodo), sendo que a escolha inicial depende da experiência local. De forma geral, recomendamos iniciar com tratamento farmacológico. Se altas doses são requeridas e se a glândula não diminui com o tratamento, o radioiodo pode ser utilizado. Em glândulas grandes (>150g) ou multinodulares ou ainda se a paciente deseja engravidar logo após o tratamento, tireoidectomia é uma boa opção assim como nos nódulos frios em pacientes com Graves pela maior incidência de malignidade.

      AGENTES ANTIREOIDIANOS - Propiltiouracil, metimazol e carbimazol.

      São mais usados em jovens com bócio pequeno e doença leve. Inibem a síntese hormonal em várias etapas como o acoplamento das iodotirosinas e a formação de MIT e DIT. O propil ainda inibe a conversão de T4 em T3 periférica e, dessa forma, tem ação mais rápida enquanto o metimazol é mais usado quando se deseja uma única dose/dia.

      A resposta terapêutica ocorre após um período de latência pois eles inibem a síntese e não a liberação hormonal. Estudos mais recentes têm demonstrado que doses menores são tão eficientes quanto doses maiores, exceto nos casos de hipertireoidismo severo (T3 >800 ng/dl e T4 > 20 mcg/dl). Na maioria dos casos, iniciamos com 15 a 20mg/dia de metimazol (preferível em relação ao propiltiouracil por poder ser usado em dose única diária e ter menos efeitos colaterais). A remissão ocorre em aproximadamente 40% dos casos mas é necessário um a dois anos de controle para que se pense em remissão. Obtém-se uma taxa de remissão maior quando a tiróide retorna ao tamanho normal; se o controle é feito com doses baixas; se anticorpos anti-receptor do TSH não são mais detectáveis no soro; se a glândula torna-se supressível. Quando há recorrência após um primeiro curso (75% em 3m da suspensão da droga e 90% em 2 anos) a remissão após um segundo curso é tão baixa que indica-se tratamento definitivo.

      * Reações adversas:

      As reações alérgicas ocorrem desde rash (5%) tratado com antihistamínicos até agranulocitose (0,02%) que requer imediata interrupção da droga, antibióticos e escolha de terapêutica alternativa (geralmente radioiodo).4 A agranulocitose se manifesta como faringite e febre, com recuperação após a suspensão da droga em cerca de 10 dias podendo este período ser abreviado com o uso de "Filgastrin" (rCSF-G). Outras reações raras são: icterícia colestática, edema angioneurótico, hepatotoxidade e artralgia aguda e também requerem suspensão da droga.

      RADIOIODOTERAPIA:

      Preferimos doses mais altas (em média 15 mCi) determinadas de acordo com cada caso. Não consideramos os tradicionais cálculos feitos pelo peso da glândula pois estas doses não diminuem o risco de hipotireoidismo a longo prazo, demoram a atuar e têm maior recorrência. Nos pacientes com oftalmopatia severa, podem ser usadas doses ainda maiores (ablativas) no sentido de anular a antigenemia responsável pela manifestação extratireoidiana. Para evitar a piora transitória da oftalmopatia pós-radioiodo, pode-se usar prednisona (30mg/d) iniciando-se 15 dias antes até 15 dias após a dose, assim como o uso combinado de L-T4 com antitireoidiano de síntese nos primeiros 6 meses pós-dose.

      Se o paciente não está em eutiroidismo (sem drogas) em 6 meses do radioiodo, uma segunda dose está indicada. A maior complicação é o hipotireoidismo que ocorre em 80% ou mais dos casos, devendo ser reposto hormônio tireoidiano. A tempestade tireoidiana pode ocorrer como complicação do radioiodo mas é rara (0,3%).4

      TRATAMENTO CIRÚRGICO:

      A tireoidectomia subtotal é o tratamento de escolha para pacientes com bócios grandes ou multinodulares. A total geralmente não é necessária a menos que o paciente tenha severa oftalmopatia. No paciente descompensado, mesmo sem tratamento prévio, o controle da tireotoxicose pode ser atingido rapidamente (em 2-3 dias) com o esquema de múltiplas drogas: propiltiouracil (600mg/d); propranolol (120mg/d); solução de iodo (telepaque, 500mg 6/6h) e dexametasona (0,5mg 6/6h). Deixa-se 2-3g de tecido em cada lobo para evitar recorrência. As complicações (hipoparatiroidismo e paralisia do recorrente)são raras (1%).


      Bibliografia recomendada:

      1. Mckenzie, J. Maxwell & Zakarija, Margita, Hyperthyroidism. In DeGroot, Leslie J., Endocrinology. WB Saunders Company, Philadelphia. 1995, v 1:676-711.

      2. Gharib. H. American College of Endocrinology. Seattle, 1996.

      3. Ingbar, Sidney H., A Glândula Tireóide. In Wilson, Jean D & Foster, Daniel W., Williams Tratado de Endocrinologia. WB Saunders Company, Philadelphia. 1988, v1: 926-67.

      4. Greenspan, Francis S. The Thyroid Gland. In Greenspan, Francis S., Baxter, John D., Basic & Clinical Endocrinology.Prentice-Hall International Inc., Connecticut. 1994, p 200-10.