Diabetes tipo 1
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ENDOCRINOLOGIA - JOSIVAN LIMA



DIABETES TIPO 1

Lúcia Helena Coelho Nóbrega - Centro de Endocrinologia de Natal

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      Diabetes é um distúrbio metabólico caracterizado por deficiência de ação absoluta ou relativa da insulina.1 O diabetes pode ser primário sob a forma insulino-dependente (DMID) ou não insulino-dependente (DMNID obeso, não-obeso ou MODY) ou pode ser secundário a doença pancreática, distúrbios hormonais (Cushing, acromegalia), uso de drogas (corticóides, tiazídicos) ou síndromes genéticas como DISMOAD, diabetes lipoatrófico, além do diabetes gestacional. Oitenta por cento dos casos de diabetes são DMNID, 5-10% são DMID e o restante, são causas secundárias.1, 6
      A incidência de DMID sofre variação geográfica e étnica, desde 0,8/100.000 crianças ou adultos jovens a 30-40/100.000, sendo maior no norte da Europa. Pode acometer qualquer idade, no entanto atinge mais crianças e adultos jovens, sendo o pico de incidência entre11 e 14 anos.1

      ETIOLOGIA

      Há dois tipos de DMID: IA e IB. No tipo IA, postula-se que fatores ambientais como infecções virais (rubéola, caxumba e Coxsackie B) e agentes químicos, superpostos a fatores genéticos, induzem uma destruição auto-imune das células beta.1
      A predisposição genética é demonstrada pela incidência de 6% de DMID em filhos, 5% em irmãos e 33% em gêmeos idênticos de pacientes diabéticos, enquanto a incidência é de apenas 0,4% em pessoas sem história familiar. O gene que confere maior suscetibilidade está localizado no cromossoma 6p. Mais de 90% dos pacientes com DMID possuem DR3,DQB*0302 e/ou DR4,DQB*0302 sendo que os heterozigotos têm maior risco. Além disso, há os alelos protetores DRB1*0403 e DRB*0602/0303/0301 e 0403 que reduzem a incidência quando presentes.7
      As infecções virais induzem necrose aguda com lise das células beta ou produzem infecção persistente com redução da meia-vida celular. Além disso podem incorporar à membrana e induzir neoantígenos nas células beta que iniciam uma reação autoimune.2 Repetidas injúrias nas células beta são mais danosas quando há alelos diabetogênicos que se associam a uma baixa capacidade regenerativa.1
      O DMID tipo IB é menos comum (<10% dos DMID), acomete mais mulheres, mais tardiamente (30-50 anos) e é mais associado a HLA DR3, com persistência de altos títulos de anticorpos anti-ilhotas (ICA). Decorre de autoimunidade primária, sendo associado, muitas vezes, a outras patologias como Hashimoto, Graves, Addison, falência gonadal primária além de anemia perniciosa, miastenia gravis e doenças do tecido conectivo.1

      DIAGNÓSTICO

      O DMID evolui em estádios propostos por Eisenbarth.
      Estádio I: há apenas a suscetibilidade genética sem auto-agressão;
      Estádio II: há fator hipotético de auto-agressão (virose) em paciente suscetível.
      Estádio III: já há ICA positivo mas com tolerância à glicose e secreção insulínica normais.
      Estádio IV: ICA positivo e secreção insulínica diminuída, com glicemias normais;
      Estádio V: quadro clínico presente, ainda com secreção insulínica (peptídeo C presente);
      Estádio VI: secreção insulínica ausente (peptídeo C ausente) e ICA pode desaparecer.4

      FASE PRÉ-HIPERGLICÊMICA:

      O diagnóstico precoce é importante para evitar um início clínico traumático com cetoacidose assim como possibilita o tratamento para desacelerar a destruição das células beta e adiar a progressão para o diabetes clínico. Pode-se usar marcadores genéticos, imunológicos ou metabólicos. Marcadores genéticos como o DR3,DQB*0302 e/ou DR4,DQB*0302 (alelos diabetogênicos) são válidos especialmente em parentes de diabéticos, devendo-se, no entanto, considerar a presença de alelos protetores.8
      Os marcadores imunológicos mais utilizados são os anticorpos anti-ilhotas (ICA), anticorpos anti-insulina (IAA) e anticorpos anti-GAD. ICA está presente em 15-30% dos DMID e em 70-80% dos recém-diagnosticados e apenas 0,1-3% da população geral.1 IAA positivo sozinho não aumenta o risco de diabetes mas sim quando associado a ICA positivo. O anti-GAD positivo aumenta o risco de diabetes mesmo com IAA e ICA negativos, embora o risco seja maior quando associado a ICA positivo.8 Está presente em cerca de 80-90% dos pacientes com DMID recém-diagnosticado.1
      O marcador metabólico mais utilizado é a resposta aguda da insulina à infusão de glicose IV (0,5g/kg em 3 minutos). Dosa insulina nos tempos 1 e 3 minutos após a infusão e a soma é expressa em percentis. Esse valor sofre queda progressiva nos anos que precedem a doença. Uma vez no primeiro percentil (49uU/ml), não normaliza mais e evolui para doença manifesta em, no máximo, 2 anos.2, 8 Outra forma é dosar a pró-insulina em jejum que normalmente representa 15% da insulina circulante e, aumenta à medida que piora a função da célula beta. 8

      FASE HIPERGLICÊMICA:

      O DMID se manifesta clinicamente como insuficiência de produção de insulina, com retardo de crescimento na criança e hiperglicemia com conseqüente poliúria, polidipsia, perda de peso e polifagia. O início do quadro no tipo IA é mais abrupto, podendo ser sob forma de cetoacidose, enquanto no tipo IB é mais insidioso, sendo freqüente uma fase não insulino-dependente precedente.

      TIPO IA (90% dos DMID) TIPO IB (10% dos DMID)
      Associação com HLA DR4 DR3
      Idade de início crianças e adultos jovens 30-50 anos
      Sexo predominante Igual feminino
      DMNID antes de DMID raro freqüente
      IAA títulos altos títulos baixos
      Peptídio-C ausente presente
      ICA transitórios persistentes
      Endocrinopatia auto-imune ausente Presente (freqüente)
      Doença auto-imune na família ausente Presente (freqüente)

      O diagnóstico laboratorial de diabetes é feito com quadro clínico típico e glicemia jejum >126 mg/dl (novos critérios da ADA) em duas ocasiões ou >200mg/dl. De forma geral, não precisa do teste oral de tolerância à glicose (GTT) mas ele pode ser necessário quando a glicemia jejum é 110-126 mg/dl. Segundo a OMS, faz-se glicose oral (75g para adulto ou 1,75g/kg de peso ideal, com máximo de 75g, para criança). Valores após 2h entre 140-199mg/dl caracterizam o intolerante à glicose e valores >200mg/dl diagnosticam diabetes.1,2,4,6

      AVALIAÇÃO DO CONTROLE GLICÊMICO

      O controle a curto prazo pode ser feito através da glicemia e da glicosúria. A glicosúria (método indireto) tem suas falhas tanto por sua relação variável com a glicemia, como por não fornecer informações sobre hipoglicemia. O limiar renal para glicosúria é de 175 a 200 mg/dl; em grávidas e crianças este limiar é menor.2 A glicemia capilar ou HGT (método direto) através de fitas reagentes e glicosímetros pode ser usada em vários esquemas para monitorização domiciliar.
      O controle glicêmico a médio prazo é feito com as proteínas séricas glicosiladas e frutosamina. Elas refletem o controle glicêmico das duas últimas semanas e devem ser usadas em hemoglobinopatias ao invés da hemoglobina glicosilada (HbA1).
      O controle glicêmico a longo prazo com HbA1 é o indicador mais usado do controle metabólico, devendo ser feito 3-4 vezes/ano.3 Reflete glicemias dos últimos 60-90 dias, identificando pacientes de risco para complicações crônicas.

      PREVENÇÃO


      O tratamento na fase pré-hiperglicêmica para prevenir a evolução do diabetes e o tratamento no início do quadro clínico para prolongar a fase de "lua de mel" têm sido tentados com insulina, imunossupressores (azatioprina e ciclosporina) ou nicotinamida, a qual protege a célula beta de injúrias químicas e auto-imunes. Os resultados até agora são parcialmente positivos, com prevenção e remissão variáveis de 1-3 anos especialmente com nicotinamida e ciclosporina mas devendo-se considerar os seus efeitos adversos.8

      TRATAMENTO


      Baseia-se em dieta, atividade física e insulinoterapia e tem como objetivo o controle glicêmico, com baixa HbA1 e máxima prevenção de complicações agudas e crônicas, mantendo o crescimento e desenvolvimento normal das crianças e a sua segurança quanto à não ocorrência de hipoglicemia severa. É, portanto, fundamental uma dieta adequada, com freqüente monitorização glicêmica e ajuste da dose de insulina. Os níveis glicêmicos ideais pré-refeição são 80-120mg/dl e "bedtime" 100-140mg/dl devendo-se aceitar controle menos rígido para pacientes em extremos de idade, insuficiência renal terminal ou outra patologia com curta expectativa de vida.5

      DIETA:

      No DMID, o papel da dieta é sincronizar a ingesta com a ação insulínica, devendo ser distribuída em horários mais ou menos fixos.
      O valor calórico total (VCT) deve ser calculado pelo peso ideal do paciente assim como de acordo com as necessidades próprias à sua idade e atividade física. As proteínas devem ser 10-20% do VCT, devendo esta taxa ser reduzida para 10% ou 0,8g/kg/d quando houver nefropatia.3 As gorduras representam 35-45% do VCT sendo que as monosaturadas cis devem ser estimuladas (15-20% do VCT) ao invés das saturadas (10% do VCT), com colesterol não devendo ultrapassar 300mg/d, considerando a predisposição para dislipidemia e doença coronária dos diabéticos. Os carboidratos devem ser complexos (evitar os de absorção rápida) e junto com as fibras, representam os 40-50% restantes.

      EXERCÍCIOS:

      Devem ser instituídos apenas em pacientes compensados (glicemia <250mg/dl e sem cetonas), de forma lenta e gradual. A insulina deve ser ajustada reduzindo-se a dose com pico de ação no momento do exercício em 30-50% e em 20-30% quando incide no pós-exercício. Devem ser ingeridos carboidratos a cada 30-60 minutos de exercícios intensos.

      INSULINOTERAPIA:

      O método convencional usa insulina NPH com dose inicial de 0,3-0,5 U/kg de peso e ajusta a dose a cada 2-4 dias. Se necessário, divide a dose em 2/3 pela manhã e 1/3 à noite ou associa a insulina regular na proporção 2:1 (NPH:R) no horário necessário.
      O objetivo da insulinoterapia é alcançar uma glicemia o mais próximo do normal sendo que para tal, quase sempre é necessário o método intensivo com HGT antes das principais refeições e insulina regular de acordo com o HGT além de NPH "bedtime". O Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) mostrou que o tratamento insulínico intensivo alcançou uma média de hemoglobina glicosilada (HbA1) de 7-7,2% comparado com 9.0% do tratamento convencional, havendo uma diminuição da incidência de retinopatia em 76% e sua progressão em 54%, microalbuminúria em 39% e albuminúria em 54% e neuropatia em 60%.3,5,9 Porém, não deve ser utilizado em crianças pequenas pela baixa incidência de complicações crônicas nessa faixa etária e pelo risco de hipoglicemia severa ser 3 vezes maior que no tratamento convencional.
      Em 30-50% dos pacientes com DMID, após o ajuste da dose de insulina e controle metabólico, ocorre redução da sua necessidade ou mesmo a sua suspensão por semanas a anos, chamada de fase de "lua de mel". Deve-se manter a dieta sem carboidratos de absorção rápida e conscientizar o paciente que esta fase é transitória. A "lua de mel" só ocorre uma vez e se ocorrer redução da necessidade de insulina depois, deve-se suspeitar de falência poliglandular (tireóide; adrenal, hipófise) ou insuficiência renal.

      COMPLICAÇÕES DA INSULINOTERAPIA:

      Hipoglicemia é a complicação mais comum especialmente na fase de ajuste inicial da dose de insulina. Deve ser esclarecido ao paciente e familiares o seu significado e riscos e de como proceder na sua ocorrência.
      A alergia à insulina com necessidade de altas doses, decorre da produção de anticorpos anti-insulina, sendo menos comum na insulina purificada, humana e regular.
      A lipoatrofia é uma depressão localizada em área onde a insulina foi injetada, decorrente de atrofia subcutânea por mecanismo imune. Já a lipohipertrofia é localizada em regiões de aplicações repetidas de insulina pela sua atividade lipogênica e pode ser evitada com rotatividade dos locais de aplicação.
      Edema insulínico ocorre no paciente que inicia ou intensifica o uso de insulina pela retenção de sal induzida por esta. É auto-limitado e, se necessário, usam-se diuréticos.

      Bibliografia recomendada:
      1. LernMark, Ake. Insulin-Dependent (Type I) Diabetes: Etiology, Pathogenesis, and Natural History. In: DeGroot, Leslie J., Endocrinology. WB Saunders Company, Philadelphia. 1995, v 2:1423-35.
      2. Dib, S. A., Russo, E.M.K. & Chacra, A.R. Diabetes Melito Tipo I. In: Wajchenberg, B.L. Tratado de Endocrinologia Clínica. Roca, São Paulo. 1992, 683-706.
      3. Bergenstal, Richard & Rubenstein Arthur. Diabetes Mellitus: Therapy. In: DeGroot, Leslie J., Endocrinology. WB Saunders Company, Philadelphia. 1995, v 2:1482-505.
      4. Pupo, Armando A. Diabetes melito na criança e adolescente. In: Setian, Nuvarte. Endocrinologia Pediátrica. Sarvier, São Paulo. 1989, 173-210.
      5. American Diabetes Association. Standards of Medical Care for Patients With Diabetes Mellitus. Diabetes Care, 19:1, 1996.
      6. McCullock, David K. Definition and Classification of Diabetes Mellitus. UpToDate in Medicine 1996; 4:3.
      7. McCullock, David K. Pathogenesis of Type 1 (insulin-dependent) Diabetes Mellitus. UpToDate in Medicine 1996; 4:3.
      8. McCullock, David K. Prediction and Prevention of Type 1 (insulin-dependent) Diabetes Mellitus. UpToDate in Medicine 1996; 4:3.
      9. Diabetes Control and Complications Trial Research Group: The Effect of Intensive Treatment of Diabetes on The Development and Progression of Long-Term Complications in Insulin-Dependent Diabetes Mellitus. N Engl J Med 329: 977-986, 1993.