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PREVENIR É MELHOR QUE REMEDIAR:
ou trabalhando a prevenção de drogas na família e na escola *
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Ana Lúcia Pottes **

“PALAVRAS–CHAVE: PREVENÇÃO, DROGAS, ADOLESCENTES, FAMÍLIA, ESCOLA, REDES SOCIAIS”


RESUMO

O uso abusivo de drogas têm se revelado como um problema crescente dentro do mundo contemporâneo. As ações preventivas muitas vezes esbarram em práticas enganosas quanto a forma de lidar com a situação. Dizer que “a droga é o flagelo da humanidade” é colocar sobre uma substância muito mais poder do que o real. Negar que a substância psicoativa (droga) é uma fonte de prazer, significa a adoção de um discurso falso. É como fonte de prazer que ela vem sendo inserida em diferentes espaços, os quais deveriam estar sendo ocupados, de maneira efetiva, pelos diversos grupos sociais. O abuso de drogas permeia esse contexto revelando aspectos individuais, sociais e econômicos. Solicita ações preventivas mais coesas, encetadas pelos múltiplos agentes sociais objetivando, entre outros aspectos, a qualidade de vida, a conscientização e a construção da cidadania.

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Entende-se a prevenção como sendo uma ação educativa e, como tal, deve considerar que o uso abusivo de drogas é um problema cuja origem perpassa toda a sociedade. Entendido por esse aspecto, os projetos nesta área devem considerar os múltiplos determinantes da situação, o que irá solicitar ações em esferas mais abrangentes.

Inicialmente houve um predomínio de um modelo de controle social onde o aumento do consumo estaria relacionado com a diminuição desse controle. Neste rastro, surgiram nos Estados Unidos, as iniciativas de grupos organizando as “casas de sobriedade” e, mais adiante, os “movimentos de temperança”. Todos estes voltados para o uso abusivo do álcool.

Segundo Contrim (1999), as sociedades modernas tiveram fortalecidos seus recursos contra as substâncias químicas, a partir do uso abusivo do álcool e suas conseqüências - como a preocupação com as condições de saúde e bem-estar dos trabalhadores. É sabido que tais movimentos não atingiram as escolas nem os meios de comunicação da época.

Atualmente vê-se uma preocupação crescente com as substâncias ilícitas (ou seja, aquelas proibidas por lei) enquanto proliferam movimentos sociais e pressões dos governos, através de campanhas envolvendo a repressão, a educação e o tratamento de pessoas que fazem uso indevido de drogas (Contrim,1999).

Dentro do modelo de controle social, compete à sociedade, por meio de uma educação mais rígida, colocar os limites sobre os jovens, fortalecendo o apelo à responsabilidade. Subtende-se, nessa postura, uma atitude conservadora frente ao problema.

Ao se analisar o fenômeno da dependência como perpassando a qualidade de vida dos grupos e da população, o foco é desviado da substância em si para problemas e tensões sociais que, alimentado pela cultura do prazer momentâneo, levaria os jovens a buscar nas drogas o prazer não alcançado ou cerceado pelos desníveis sociais.

Segundo Cavalcante (1998), fatores como a dificuldade de ser inserido no mercado de trabalho, a inadequação do sistema educacional e a falta de opções de lazer, encontram-se entre aquelas situações de risco que mobilizaria o jovem para o uso e a busca do prazer através das substâncias químicas.

Pensar sobre prevenção envolve hoje um olhar abrangente acionando e valorizando a ação das redes sociais. A identificação e o fortalecimento dessas redes atuam como ponto de apoio tanto para os profissionais, como para a pessoa que está envolvida com a droga, por meio do estabelecimento ou resgate de vínculos saudáveis e da criação de um novo espaço de ação conjunta.

Trabalhar as redes significa ressignificar a ação utilizando grupos de encontro que envolvem pais, líderes, famílias, jovens e educadores, compartilhando sentimentos e somando esforços na busca de soluções criativas.

Segundo Sudbrack (2000), isso implica em uma mudança do modelo tradicional, que tem por base a repressão e o amedrontamento, além de trazer como conseqüências a estigmatização do usuário e a gênese do terror, para o modelo sistêmico cujo foco encontra-se dirigido para a educação e para a saúde, ressaltando aspectos como a valorização da vida e a participação da comunidade.

Modelo do medo

  • Preocupação em controlar a oferta de drogas ilícitas, com pretensão de acabar com as drogas. (controle da oferta)
  • Criminalização do usuário de drogas, com abordagem policial centrada nas drogas ilícitas. (controle externo)
  • Ênfase no medo e nas ameaças, promovendo impotência e a inércia. (amplificação da violência que gera insegurança e paralisia)
  • Prevenção centrada na fuga do problema, usando um discurso estereotipado e amedrontador, impondo posturas e decisões autoritárias. (repressão)
  • Envolvimento com drogas visto como um problema pessoal, tratado como um processo patológico individual. (questão individual)
  • Isolamento dos usuários do convívio social, transferindo o problema para os especialistas. (soluções hierarquizadas e parciais)
  • Problema reduzido `a questão do produto, atribuindo poder a substância, sem considerar o sujeito e o contexto. (abordagem isolada)

Modelo sistêmico

  • Preocupação em reduzir a procura por drogas, com limites para crianças e jovens no acesso `as drogas lícitas e ilícitas. (redução da demanda)
  • Conscientização da população sobre o uso indevido de drogas lícitas e ilícitas. (autonomia)
  • Ênfase na auto-estima e na autoconfiança, promovendo iniciativas para soluções criativas. (ampliação do conhecimento e compe- tência para a ação)
  • Prevenção centrada no conhecimento da realidade, quebrando tabus, reconhecendo situações de risco promovendo a opção pela saúde e pela vida. (educação)
  • Envolvimento com drogas visto como um problema de relações, tratado como processo de mudanças no contexto sociofamiliar. (questão relacional)
  • Mobilização dos recursos comunitários, construindo vínculos afetivos e redes sociais e integrando diferentes saberes. (soluções participativas e contextualizadas)
  • Problema definido a partir do encontro de uma pessoa com um produto, num contexto sociocultural. (abordagem integrada)

Na visão sistêmica o produto (droga) é, em si, inofensivo, não tendo “poder” de influenciar as pessoas. Esta força pertence às pessoas e a elas cabem decidir se tornar-se-ão usuárias de substâncias químicas ou não. A capacidade de decisão é própria do ser humano, entretanto, a clareza como ele pode identificar situações de risco e lidar com elas de forma construtiva, encontra-se diretamente associada ao seu grau de conhecimento acerca da realidade, separando o “joio” do “trigo”, ou seja, o “mito” e a verdade ligada às substâncias químicas.

Seguindo-se este modo de pensar, passa-se também a ver o uso abusivo de drogas como um sintoma da qualidade das relações afetivas e sociais (Sudbrack, 2000), onde os grupos responsáveis pela socialização primária apontam como fundamentais.

Refletindo sobre o pensamento de Ackerman (1986), vê-se que a família ocupa um papel preponderante no desenvolvimento afetivo e social da criança e do adolescente. Como um sistema aberto, ela é capaz de possibilitar trocas com os diversos meios, alimentando o crescimento e a flexibilidade dos seus membros nos vários ciclos familiares. Tal movimento leva a que situações de conflito sejam naturalmente vivenciadas e tratadas, pois, ao estabelecer uma dinâmica de trocas saudáveis e adequadas, condizentes com os seus diferentes ciclos, este sistema oxigena-se, alimenta-se e reformula-se. As diversas solicitações e variações do ambiente, as mudanças relativas do crescimento dos membros de uma família (infância, adolescência, fase adulta, velhice) e os diversos compromissos associados a essas fases (escola, faculdade, namoros, casamentos, trabalhos, aposentadoria) repercutem nessas trocas interpessoais.

De acordo com Bronfenbrenner (1996), a ação das redes sobre a família é indireta, mas possibilita trocas, fornecendo maior liberdade e consciência para que seus membros possam tratar as situações de conflito.

A dinâmica familiar não se limitará, pois, só aos seus componentes e às relações entre si, abrangerá o levantamento de suas relações nas respectivas redes, bem como a análise dos pontos de intersecção. Estes se caracterizam pelas relações entre pares, que se tornam comuns ao subsistema familiar e que, funcionando como ressonantes das trocas afetivas envolvidas no reconhecimento e aprovação das escolhas, discernimento e confiança, revelam-se na aceitação do crescimento natural dos membros da família. Portanto, tais pontos tendem a facilitar os processos de trocas saudáveis, tornando o espaço familiar mais acolhedor e efetivo. Pressupõe ainda que, nessa visão interativa, estejam sendo alicerçados os fundamentos para potencializar as crianças, afetiva e socialmente (papel do primeiro agente socializador) e, de acordo com Bucher (1996), propiciar a complementação, de forma estruturante, do processo das relações sociais.

O contexto escolar diante do uso abusivo de substâncias psicoativas

Prevenir o abuso das drogas constitui–se em preocupação para as lideranças das nossas instituições. Como já foi delineado, em um primeiro momento, os movimentos preventivos voltaram-se para coibir o uso abusivo, com a preocupação exclusiva sobre o impacto que essas substâncias causam à saúde das pessoas.

Caracterizando-se na política de guerra às drogas, a visão implicava numa redução da oferta que na opinião de Del Olmo (1990), “só enfatizava o consumo como preocupação fundamental e assim continuava com o discurso médico e o estereótipo da dependência”.

Contrapondo-se a essa abordagem Bucher (1992), assinala: “a verdadeira ação preventiva passa pela educação.” Idéia correspondendo, dentro do modelo sistêmico, a proposta de colocar a educação a serviço de uma vida saudável, com ações voltadas para a orientação dos jovens na busca de uma maior qualidade de vida, trabalhando aspectos ligados não só à saúde física e mental, mas abordando as dimensões dos afetos, das relações sociais, culturais e religiosas.

A escola passa, então, a assumir relevância, não por ser possibilitadora de um conhecimento formal, e sim por consistir em um ambiente dirigido à formação integral das crianças e adolescentes, sendo responsável pela visão crítica do mundo, tão necessária ao desenvolvimento do ser humanizado.

Um ambiente escolar tolerante ao uso de drogas lícitas e preconceituoso e excludente aos usuários de drogas ilícitas, parece-nos incoerente, por não definir normas claras que possam ser internalizadas pelos jovens.

A clareza das normas de uma instituição, a estimulação de movimentos integradores entre escola, família e comunidade, são vistos, dentro da prática sistêmica, como propiciadores de conscientização, de cooperação e de solidariedade, auxiliando o adolescente a refletir sobre o seu papel como construtor da realidade.

Gasparini (1998) coloca com bastante propriedade a importância da escola na formação do jovem. Diz ela:

“ Embora a escola não tenha a finalidade de substituir a família, detém um papel de formação comparável àquele desempenhado pelo núcleo familiar de origem. (...) acrescentamos ainda que, em se tratando de famílias disfuncionais, freqüentemente a criança ou o adolescente passa a utilizar-se da escola como referência alternativa ao modelo familiar inadequado. O aluno, nestes casos, elege determinados professores como figuras substitutivas dos modelos parentais insuficientes ” (p. 50).

“ A proposta desse modelo, assenta-se na substituição da política repressora, pois uma escola hostil e excludente constitui-se em um fator que propicia o uso abusivo de drogas” (Contrim, 1999, p. 64 ). Continuando, a autora segue na reflexão de que a instituição escolar, pelo caráter de importância que adquire na vida das crianças e jovens, deve pressupor modelos de ações preventivas que enfatizem não só o conhecimento científico, mas que também envolva os aspectos afetivos e sociais. Ao contemplar em uma prática educativa fatores ligados ao ensino, à ecologia, a hábitos alimentares saudáveis, às relações interpessoais, ao incentivo ao desenvolvimento social, a escola estará construindo um ambiente atrativo e estimulante, proporcionando, por outros meios, a expansão da mente, o estímulo à criatividade e a possibilidade de novas sensações prazerosas, diminuindo o espaço para sentimentos de tédio e de desmotivação.

Para finalizar esta reflexão, tomo por empréstimo o seguinte pensamento de Eduardo Kalina (1991): “Numa vida onde os valores afetivos são deixados de lado, as substâncias que ‘estimulam’ substituem a estima, alimento essencial da vida”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACKERMAN, Nathan W. Diagnóstico e tratamento das relações familiares. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

BUCHER, Richard. Drogas e drogadicção no Brasil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

________. Drogas e sociedades nos tempos da AIDS. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

CAVALCANTE, Antonio Mourão.Drogas, esse barato sai caro: os caminhos da prevenção. Editora Rosa dos Tempos, 1998.

CONTRIM, Beatriz Carlini. A prevenção ao uso indevido de drogas nas escolas. In: SEIDL, Eliane Maria Fleury ( Org.). Prevenção ao uso indevido de drogas: diga sim à vida. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. 2 v.V. 1, 78p. p. 58-67.

DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990.

GASPARINI, Helena. Subgrupo G 3 – escola. In: RELATÓRIO DO 1O- FÓRUM NACIONAL ANTIDROGAS. 1998, Brasília : SENAD, 1999.

SUDBRACK, M. de Fátima Olivier. O trabalho comunitário e a construção de redes sociais: Uma nova forma de pensar e prevenir o uso indevido de drogas. In: SEIDL, Eliane Maria Fleury (Org.). Prevenção ao uso indevido de drogas: diga sim à vida. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. 2 v. V. 2, 71p. p. 24-32.

*Artigo publicado na Revista Lumen, FAFIRE, volume 10, número 2, jul a dez/2003.Voltar

**Psicóloga do Centro Eulâmpio Cordeiro de Recuperação Humana. Professora da Faculdade Frassinete do Recife (FAFIRE). Especialista em Administração de Recursos Humanos pela UPE. Mestra em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS. .Voltar