Arcadismo
O século XVIII (século das luzes),
em especial a segunda metade, é um momento de grandes transformações
na Europa, tornando-se conhecido como o período do Iluminismo (ou
Ilustração), no qual se desenvolve uma visão científica
do mundo com o racionalismo dirigindo a investigação científica
e o enciclopedismo dirigindo o culto ao saber.
O homem, deste momento, crê no poder da ciência
como elemento transformador da condição de vida e capaz de
afastar o sentimento sobrenatural, tão presente no Barroco. O credo
neoclássico propaga a prioridade da razão para desfazer as
desigualdades sociais e estabelecer uma nova ordem centrada na liberdade
individual, na defesa da propriedade e no predomínio da burguesia,
que era o grupo social emergente.
Este momento apresenta uma série de elementos
característicos:
-
valorização da ciência;
-
espírito racionalista;
-
análise crítica dos valores sociais e religiosos;
-
confiança na capacidade do homem como promotor do
progresso;
-
esforço de libertação da arte da tutela
da religião.
O
termo arcadismo, dado à escola, advém de Arcádia,
região montanhosa do Poloponeso(Grécia), habitada por pastores.
Deste sentido bucólico e ligado à natureza resulta a principal
característica do período que é a constante busca
do verossímil. A poesia pastoril, no pensar de Antônio
Cândido, tem raízes na própria formação
urbana que se inicia, pois o homem natural passa a encarar
o campo como refúgio para o artificialismo vivido na corte. Retomando
este pensamento, afirma Alfredo Bosi:
O bucolismo foi para todos o ameno artifício
que permitiu ao poeta fechado na corte abrir janelas para um cenário
idílico onde pudesse cantar, liberto das constricções
da etiqueta, os seus sentiemntos de amor e de abandono ao fluxo da existência.
(BOSI: 1970, p. 64)
França e Inglaterra, especialmente a primeira, são
apontadas como focos irradiadores desta tendência. Em 1751 começa
a ser publicada a Enciclopédia, com a colaboração
de Voltaire, Diderot, Rousseau e Montesquieu, que inicia um movimento de
renovação, culminando com a Revolução Francesa
em 1789 que modificou o conceito de classe social trazendo ao topo do poder
os burgueses. É um momento de profundas transformações
sociais e políticas, girando em torno do pensamento cietífico
e da perspectiva de progresso.
Era o esboço de uma classe mediana que, disposta
a defender seus próprios interesses, adotou a ideologia liberal
burguesa vinda da França: o Iluminismo. A difusão do pensamento
iluminista que apregoava a liberdade de propriedade e a igualdade de poderes,
criticando o estado absolutista, tinha as suas palavras de ordem: Liberdade,
Igualdade, Fraternidade.
Como expressão artística da burguesia,
o Arcadismo veicula também certos ideais políticos e ideológicos
dessa classe. Os iluministas foram pensadores que defenderam o uso da razão,
em contraposição à fé cristã, e combateram
o Absolutismo. Embora não sejam a preocupação central
da maioria dos poetas árcades, idéias de liberdade, justiça
e igualdade social estão presentes em alguns textos da época.
O Arcadismo em Portugal
Portugal é atingido por estes postulados reformadores
durante o reinado de D. João V (1707-1750), porém cabe a
D. José promover a grande reforma no império lusitano, ao
nomear Pombal como ministro. O ambiente cultural, em Portugal, torna-se
intenso, graças a medidas tomadas pelo ministro Pombal:
-
expulsão dos jesuítas;
-
incentivo aos estudos científicos;
-
reforma do ensino;
-
diminuição da repressão, através
do enfraquecimento da Inquisição.
Este ambiente intelectualizado é propício para
a criação da Arcádia Lusitana (1756-1774) que marca
o início do período arcádico em Portugal, com o desenvolvimento
acentuado da poesia como uma reação ao gongorismo
barroco. A busca da simplicidade e a renovação da cultura
greco-latina dão a este momento uma conotação de classicismo,
o que determina a denominação de neoclassicismo, como
termo utilizado para indicar o arcadismo. O momento final desta estética
é marcado pela publicação de Camões,
poema de Almeida Garrett em 1825, dando início ao romantismo português.
O Arcadismo no Brasil
O arcadismo brasileiro tem início com a fundação
da Arcádia Ultramarina que coincide com a publicação
de Obras poéticas de Cláudio Manuel da Costa no ano
de 1768. Pode-se considerar como término da voga desta estética,
no Brasil, a chegada da Família Real no ano de 1808. Porém
em termos literários o arcadismo somente será superado a
partir de 1836 com a publicação de Suspiros Poéticos
e Saudades de Gonçalves de Magalhães.
Alfredo Bosi distingue
dois momentos do arcadismo: o primeiro é poético e
consoante com a tradição clássica de sentimentos bucólicos
e forma simples; o segundo é ideológico, refletindo
uma crítica da burguesia aos abusos do clero e da nobreza. Esta
segunda tendência evolui para um sentimento reformista que
se reflete na obra de Basílio da Gama, e passa a uma tendência
crítico-satírica como a das Cartas Chilenas de Tomás
Antônio Gonzaga.
Como ideal estético, o arcadismo repudia o barroco
e volta-se para o classicismo e, através dele, busca inspiração
na cultura greco-latina. Assim, Camões e os grandes poetas clássicos
são revigorados e tomados como modelos. No arcadismo houve também
muita prosa,especialmente histórica e moralista, mas é
a poesia que se torna o canal de divulgação da estética
vigente.
Características do Arcadismo brasileiro
A natureza brasileira, ou mais precisamente o ambiente
mineiro do século XVIII, é descrito com uma dose de autenticidade
pelos poetas árcades. O sentimento do amor consegue escapar, em
muitos momentos, aos controles da razão neoclássica e transforma
o lirismo bucólico num exagero emocional bem mais próximo
do romantismo, que logo segue.
Tomando os postulados Iluministas presentes na Europa,
os autores brasileiros procuram adaptar o arcadismo português ao
ambiente colonial brasileiro, buscando produzir aqui uma literatura a altura
daquela produzida na metrópole. São apontados como fatores
de caracterização do arcadismo:
-
Apego aos valores da terra - A simplicidade
na poesia e a idéia de abolir as inutilidades (inutilia truncat)
foram, também, objetivos dos árcades brasileiros. O ambiente
peculiar oferecido pela localização geográfica do
"grupo mineiro" fez brotar um nativismo que incorporou os valores da terra
ao ideário da estética bucólica, em voga no Arcadismo.
Emerge a natureza brasileira como pano de fundo para a poesia dos "pastores".
-
Incorporação do elemento indígena.
A valorização do índio foi importante no Arcadismo
brasileiro: ele reflete o ideal do "bom selvagem", tão caro aos
iluministas (o pensamento de Rousseau baseado na premissa de que a natureza
fez o homem feliz e bom, mas a sociedade o corrompe e o transforma). A
incorporação do índio como elemento literário
dará um colorido diferente do europeu ao Arcadismo brasileiro.
-
Sátira política. A redação
e a circulação de manuscritos anônimos (as Cartas Chilenas)
de nítida sátira política aos tempos difíceis
da exploração portuguesa e à corrupção
dos governos coloniais, foi elemento bem distinto do Arcadismo brasileiro.
A tomada de consciência política do "grupo mineiro" foi sem
precedentes na história do Brasil. Impulsionados pelo exemplo da
independência norte-americana e da Revolução Francesa,
todos os elementos componentes do grupo participaram da Conjuração
Mineira, que acabou em 1789.
-
Fugere urbem. A base material do progresso consubstanciava-se
nas cidades. Mudava o mundo, modernizavam-se as cidades e, conseqüentemente,
redobravam os problemas dos conglomerados urbanos. A natureza acenava com
a ordem nos prados e nos campos, os indivíduos resgatavam sentimentos
roídos pelo progresso. Os árcades buscavam uma vida simples,
bucólica, longe do burburinho citadino, resultando na valorização
das cenas campestres, de pastores e da vida tranqüila no campo;
-
Abaixo o exagero: inutilia truncar A frase em latim
resume grande parte da estética árcade. Ela significa que
"as inutilidades devem ser banidas" e vai ao encontro do desprezo pelo
exagero e pelo rebuscamento, característicos do Barroco. Por isso,
outros modelos eram buscados pelos árcades: paradigmas clássicos
e renascentistas, que significavam a simplicidade e o equilíbrio.
-
Neoclassicismo. Nessa disposição de
coisas é que se revela a outra tendência árcade - o
Neoclassicismo. Seguindo o exemplo da Arcádia Romana (agremiação
italiana fundada em 1690, imitada pela Arcádia Lusitana, fundada
em 1756), os poetas árcades elegeram como ideais as condições
de criação que supunham ser as dos poetas-pastores que habitavam
a legendária Arcádia, região da Grécia. São,
portanto, neoclássicos na busca da espontaneidade e da simplicidade.
-
Pseudônimos pastoris. Fingir que são
pastores foi a saída encontrada pelos árcades para realizar
(na imaginação) o ideal da mediocridade dourada (aurea mediocritas),
ou seja, as louvações à vida equilibrada, espontânea,
pobre (em contato com a natureza).
-
Carpe diem. Aproveitar o dia, viver o momento
presente com grande intensidade, foi uma atitude inteiramente assumida
por esses poetas - pastores, cuja noção de que "o tempo não
pára e por isso deve ser vivido em todos os sentidos" era muito
forte.
O arcadismo, para a nossa literatura, não apresenta
valor como produtor de grandes obras, mas firma-se entre nós como
formador de uma cultura letrada, abrindo caminha para a criação
de um ambiente culto e de um público leitor para o romantismo. A
presença das academias pode ser interpretada como uma forma da incipiente
intelectualidade brasileira se proteger do ambiente hostil, vigente na
colônia.