Site hosted by Angelfire.com: Build your free website today!

SALINIZAÇÃO DE SOLOS EM ÁREAS COM IRRIGAÇÃO POR SUPERFÍCIE

  Gustavo Haddad Souza Vieira. Engenheiro Agrônomo, M.Sc. Engenharia Agrícola, Irrigação e Drenagem. Professor do CEFET Januária M.G.

 

I – INTRODUÇÃO

 

A escolha do método de irrigação a ser usado em cada área deve ser baseada na viabilidade técnica e econômica do projeto e nos seus benefícios sociais. Em geral, os sistemas de irrigação por superfície são os de menor custo por unidade de área, os de aspersão de custo médio e os de gotejamento de maior custo, (BERNARDO, 1995).

Deve se considerar o tipo de solo da área a ser irrigada. Solos com baixa capacidade de retenção de água exigem irrigações leves e freqüentes, as quais são de difícil manejo na irrigação por superfície e de fácil manejo na irrigação por aspersão e gotejamento, (BERNARDO, 1995).

A quantidade, qualidade e o custo da água também influem na escolha do método de irrigação, (BERNARDO, 1995).

Águas com concentrações mais elevadas de cloreto de sódio, quando usadas na irrigação, devem ser utilizadas pelo método de superfície ou em alguns casos por gotejamento, mas nunca por aspersão, isto porque haverá corrosão das tubulações, diminuindo sua vida útil, e queima da parte aérea dos vegetais, (BERNARDO, 1995).

A irrigação por superfície compreende os métodos de irrigação nos quais a condução da água do sistema de distribuição (canais ou tubulações) até qualquer ponto de infiltração, dentro da parcela a ser irrigada, é feita diretamente sobre a superfície do solo.

Existem vários tipos de sistemas de irrigação por superfície e há condições de que eles podem ser usados. Estes sistemas são combinações dos seguintes métodos de irrigação por superfície:

Irrigação por sulco;

Irrigação por faixa;

Irrigação por inundação.

A irrigação por sulco, em solos salinos ou com água salina, pode trazer graves problemas quando o manejo não for apropriado para estas condições. Os sais solúveis movimentam-se com a frente de umedecimento e tendem a se concentrar nos pontos mais elevados da superfície do solo. A concentração de sais na superfície do solo inibe a germinação de sementes e causa prejuízo às plantas sensíveis à salinidade. Para estas condições, os sulcos devem ser construídos com os bordos pouco inclinados e formando um pequeno “dique”, no meio do canteiro, entre dois sulcos adjacentes. O sal se concentrará neste dique, e o plantio deve ser feito na face lateral do sulco, próximo à água, conforme figura 1.

Figura 1 – Manejo de irrigação em sulco para controle de salinidade.

II – SALINIDADE

 

A principal conseqüência do aumento da concentração total de sais solúveis de um solo é a elevação do seu potencial osmótico, prejudicando as plantas em razão do decréscimo da disponibilidade de água daquele solo.

A salinização de um solo depende da qualidade da água usada na irrigação, da existência e do nível de drenagem natural e, ou, artificial do solo, da profundidade do lençol freático e da concentração original de sais no perfil do solo.

A concentração total de sais da água pode ser expressa em partes por milhão (ppm) ou em relação à sua condutividade elétrica (CE). Em razão da facilidade e rapidez de determinação, a condutividade elétrica (CE) tornou-se o procedimento-padrão, a fim de expressar a concentração total de sais para classificação e diagnose das águas destinadas à irrigação.

O decréscimo da capacidade de infiltração de um solo torna difícil a aplicação da lâmina de irrigação necessária, num tempo apropriado, de modo a atender a demanda evapotranspirométrica da cultura.

A capacidade de infiltração de um solo cresce com o aumento de sua salinidade e decresce com o aumento da razão de adsorção de sódio (RAS) e, ou, decréscimo de sua salinidade. Sendo assim, os dois parâmetros, RAS e salinidade, devem ser analisados conjuntamente para se poder avaliar corretamente o efeito da água de irrigação na redução da capacidade de infiltração de um solo.

 

A proporção relativa de sódio, em relação a outros sais, pode ser expressa adequadamente, em termos da razão de adsorção de sódio (RAS), e pode ser assim calculada:

Com as concentrações de Na, Ca e Mg, em miliequivalente por litro.

 

A salinização costuma ocorrer em certos solos localizados em regiões onde chove pouco e o calor é forte (o que faz a planta transpirar muito e o solo perder água por evaporação). Nessas regiões, existem terrenos que não deixam parte da água da chuva ou da irrigação penetrar fundo, em direção ao lençol freático, carregando consigo os sais aplicados na rega. No Brasil, em quase todo o Sudeste e nas regiões Norte, Sul e Centro-Oeste, os solos são muito pouco sujeitos à salinização. Porque nessas regiões chove muito e a água da chuva lava os sais que por ventura tenham se acumulado com a irrigação feita no período seco. O mesmo não acontece no Nordeste e parte do Norte de Minas Gerais, porque o clima favorece a salinização dos solos quando irrigados (BATISTA, 1990).

A existência de sais em águas utilizadas na irrigação do Nordeste, sem sombra de dúvidas, está relacionada com as características do substrato (natureza e tipo de solo) com o qual elas têm contato, ficando suas concentrações na dependência da evaporação existente em sua forma de jazimento.

WALTER, 1968 (citado por SUASSUNA, 2000), relaciona algumas teorias que explicam, de certa forma, as origens desses sais no solo:

1) Sal de rochas formadas por sedimentação marinha. Esse sal pode ser lixiviado pela água da chuva e transportado para as depressões. Nos desertos que possuem rochas sedimentares marinhas do Jurássico, Cretáceo ou da Era Terciária (por exemplo, o norte do Saara e o deserto egípcio), os solos salinos são comuns, ao passo que, nas regiões áridas com rochas magmáticas subjacente ou arenito, muito dificilmente se encontra algum solo salino.

2) Salinidade em áreas que, no mais recente passo geológico, eram leitos lacustres ou marinhos. São exemplos as áreas que cercam o Great Salt Lake, no Utah, em volta dos mares Cáspio e de Aral na Ásia Média, em volta do lago do Chad no centro norte da África e o Tuz Gölü, na Anatólia Central.

3) Água do mar finamente vaporizada pela força da arrebentação ao longo de costas áridas. As pequenas gotas secam e formam um pó salgado que pode ser soprado terra adentro. Esse sal, então, é levado para dentro do solo pela chuva ou simplesmente nele depositado. Um processo similar acontece também nas regiões úmidas, mas em tais regiões o sal está sendo continuamente lixiviado e devolvido ao mar via rios (sal cíclico). Nas regiões áridas sem escoamento, entretanto, o sal concentra-se e, por esse meio, origina uma salinidade igual à encontrada na parte mais externa do deserto da Namíbia e nas partes áridas do oeste da Austrália.

4) Água salgada vinda à tona nas nascentes, como acontece no norte das Terras Baixas Casparianas. Nesse caso, o sal origina-se em leitos marinhos que secaram em tempos geológicos anteriores e formaram grandes depósitos de sal a considerável profundidade.

Em nosso meio, podemos considerar a origem dos sais sobre três aspectos: através da dissolução ou intemperização (hidrólise hidratação, solução, oxidação e carbonatação) dos minerais primários existentes nas rochas e no solo (substrato), tornando-os mais solúveis; da concentração dos sais pela ação do clima e através do fenômeno do endorreismo que não facilita a drenagem, (SUASSUNA, 2000).

Ao nível das plantas, os sais têm efeito significativo em sua fisiologia. Normalmente elas extraem a água do solo quando as forças de embebição dos tecidos das raízes são superiores às forças de retenção da água exercida pelo solo. À medida em que a água é extraída do solo, as forças que retêm a água restante tornam-se maiores. Quando a água do solo é retida com força superior às forças de extração, inicia-se o estado de escassez de água na planta. A presença de sais na solução do solo faz com que aumentem as forças de retenção por seu efeito de osmose e, portanto, a magnitude de escassez de água na planta. (AYRES e WESTCOT, 1991).

Figura 2 - Localização das Bacias Sedimentares e do Escudo Cristalino

Os sais também causam redução na velocidade de infiltração da água no solo. Esta redução pode alcançar tal magnitude, que as raízes das plantas podem não receber água em quantidade suficiente entre os turnos de rega.

Outro fator importante da salinização é a toxidez de íons específicos (principalmente sódio, cloreto e boro) contidos no solo ou na água, os quais, acumulados nas plantas em concentrações suficientemente altas, podem causar danos e reduzir os rendimentos das culturas sensíveis. Estes sais também propiciam a corrosão excessiva dos equipamentos, aumentando os custos de manutenção e reparos (AYERS e WESTCOT, 1991).

LEPRUN (1983), destaca que a qualidade das águas superficiais no Nordeste brasileiro (composição química e, sobretudo, nível de concentração), está claramente relacionada, de um lado, com a natureza do substrato local, especificamente a natureza da rocha e tipo de solo e, de outro, com o seu modo de jazimento, sendo as águas dos lençóis notadamente mais concentradas do que as de superfície (rios e açudes, ainda que, para estes últimos observa-se uma grande diversidade de comportamento). O autor afirma que o tipo de solo e do subsolo é um dos principais fatores que explicam as variações de qualidade das águas dos riachos. Mostra, através do quadro 1, como varia a condutividade elétrica média da água escoada superficialmente, em função dos principais tipos de solos, permitindo ordená-los e compará-los para se chegar àqueles de maior perigo à salinização da água.

MOLINIER et alii (1989), trabalhando em parcela de solo Bruno não Cálcico Vértico, na região de Sumé (PB), situado nos Cariris Velhos da Paraíba, observaram que a água da chuva após escorrimento superficial, tem um acréscimo na concentração salina de até 4 vezes. No mesmo solo, após infiltração de 0,80 m, esta concentração pode alcançar níveis superiores a 50 vezes (quadro 2).

Quadro 1 - Condutividade elétrica (média) no riacho em função do solo da bacia.

Tipo de solo

 

Condutividade média (microsiemens/cm)

Areia Quartzosa

98

Latossolos

188

Podzólicos

226

Regosolos

-

Podzólicos Eutróficos

-

Bruno não Cálcico

329

Vertissolos

484

Litólicos Eutróficos

621

Solonetz

2817

Planossolos

4596

Fonte: SUASSUNA, 2000.

 
Quadro 2 - Concentração salina da água de chuva, após passar por diversos níveis do solo.

Obs: CTD = Carga Total Dissolvida em g/kg.

FATOR DE CONCENTRAÇÃO = Em ordem de grandeza.

Fonte: SUASSUNA, 20000.

Estas observações se revestem de vital importância e mostram a necessidade de se conhecer melhor a dinâmica dos mananciais que irão ser utilizados em futuras irrigações. Isto nos leva a crer, no caso específico de pequenos açudes, por exemplo, que a forma de como eles recebem água da chuva irá influir sobremaneira na qualidade da água a ser utilizada. Se no período das chuvas um açude recebe água através de escorrimentos superficiais, a água represada, provavelmente, apresenta-se com baixos teores salinos, ao passo que se ele recebe a água através de uma drenagem natural do solo, após ter passado por camadas mais profundas do substrato, a situação torna-se completamente diferente da anterior, com uma maior probabilidade de carreamento de sais e conseqüentemente maior risco de salinização, conforme observado por MOLINIER et alii (1989).

A demanda evaporativa no Semi-árido nordestino atinge patamares médios anuais da ordem de 2000 mm. Isto significa dizer que diariamente são evaporados em torno de 6 mm de água, correspondendo por sua vez a 500 mm ou 0,5 m em 3 meses.

Se fizermos uma reflexão, levando em consideração os efeitos da evaporação em um pequeno açude com lâminas de água (distância do espelho d'água ao fundo do reservatório) variando de 10; 2,5 e 1,6 m, conforme demonstra o quadro 3, iremos chegar a seguinte conclusão:

- Considerando "p" o peso inicial de sal existente na água dos pequenos açudes igual a 1 (unidade), "Vi" como sendo a situação do volume inicial do açude , "v" como sendo a situação do volume após 3, 6, 9 e 12 meses de evaporação e "F" como sendo o fator de concentração, observa-se que no primeiro caso, ou seja, um açude com 10 m de lâmina d'água, ao final de um ano, a concentração salina pode chegar a 25%. Isto é fácil de entender porquanto, na evaporação, o que é subtraído do açude é a água, aumentando, portanto, paulatinamente a concentração dos sais.

- No segundo caso, ou seja, um açude com 2,5 m de lâmina d'água, a concentração salina pode atingir 400% ao final de um ano, chegando a 1500% no terceiro caso, com a sua total exaustão. Este, por sinal, é um exemplo bem característico no Nordeste, não sendo difícil serem observados, em períodos secos, leitos de açudes completamente desprovidos de água, com a lama endurecida, rachada e tendo em sua parte mais profunda, uma mancha branca, que nada mais é do que a deposição dos sais da água naquele local (MOLLE e CADIER, 1992).

Figura 3 - Casos hipotéticos de açude sob o regime de evaporação, evidenciando o aumento da concentração salina.

 

Quadro 3 - Efeitos da evaporação na salinização de um pequeno açude.

Período em meses

03

06

09

12

Caso 1 (10,0 m)

Fator de Concentração

Aumento Concentração

9,5

1,05

5%

9,0

1,11

11%

8,5

1,18

18%

8,0

1,25

25%

Caso 2 (2,5 m)

Fator de Concentração

Aumento Concentração

2,0

1,25

25%

1,5

1,67

67%

1,0

2,50

150%

0,5

5,00

400%

Caso 3 (1,6 m)

Fator de Concentração

Aumento Concentração

1,10

1,45

45%

0,60

2,67

167%

0,10

16,00

1500%

Seco

-

-

     
 
 
 
 
 
 
 

Dados: Evaporação 6 mm/dia ou 0,5 m/em cada 3 meses.

p = 1 unidade (peso total de sal no início).

Vi = Situação do volume inicial Ci = p/Vi.

v = Situação qualquer após a evaporação c = p/v.

F = Fator de concentração F = c/Ci F = Vi/v.

Ci = Concentração inicial.

c = Ci x Fator de concentração.

III – Efeitos de sais no solo e na planta

 

III.1 – Efeitos dos sais no solo

 

Os efeitos dos sais sobre o solo ocorrem basicamente pela interação eletroquímica existente entre os sais e a argila. A intensidade deste fenômeno depende da natureza da argila e do cátion presente. A característica principal deste efeito é a expansão da argila quando umedecida e a concentração quando a água é evaporada ou retirada pelas plantas. Se a expansão for exagerada pode ocorrer a fragmentação das partículas provocando a dispersão da argila. De modo generalizado, altera-se o volume ocupado pela argila, reduzindo o tamanho dos poros e modificando a estrutura do solo, afetando significativamente suas propriedades físicas, (LIMA, 1997).

Os efeitos dos sais sobre as plantas podem ser causados pelas dificuldades de absorção de água pela planta, pela interferência dos sais nos processos fisiológicos, ou mesmo por toxidez similares àquelas de adubações excessivas, (LIMA, 1997).

A concentração das partículas de argila, com a redução da umidade do solo pode ser caracterizada pela curva de encolhimento que relaciona o volume ocupado pelo solo com a umidade. LIMA & GRISMER, 1990 (citado por LIMA, 1997), observaram que solos sódicos encolhem mais acentuadamente com a redução da umidade do que solos normais, apresentando densidade aparente maior, provavelmente como conseqüência da desestruturação do solo que elimina os poros. As diferenças notadas no encolhimento dos solos permitiram observar, através de análise computadorizada de imagens, que solos normais apresentaram, quando secos, cerca de 8% de sua superfície aberta na forma de fendas, enquanto nos solos sódicos esta área varia de 15 a 20% (LIMA & GRISMER, 1992, 1994, citado por LIMA, 1997).

Os solos cuja estrutura foi modificada pela sodicidade ou ausência de íons em solução, tendem a armazenar mais água quando expostos aos mesmos níveis de potencial matricial (RUSSO & BRESLER, 1980, citado por LIMA, 1997). As alterações na curva característica de água do solo são maiores para níveis de umidade próximos da saturação, podendo ocorrer mesmo sob baixos níveis de potencial como 1,5 MPa.

 

III.2 – EFEITOS DOS SAIS SOBRE AS PLANTAS

 

As plantas tolerantes à salinidade são designadas como plantas halófitas e sua tolerância pode atingir até cerca de 15 g.L-1 de NaCl, equivalente à metade da concentração da água do mar. Essas plantas absorvem, por exemplo, o cloreto de sódio em altas taxas e o acumulam em suas folhas para estabelecer um equilíbrio osmótico com o baixo potencial da água presente no solo. Este ajuste osmótico se dá com o acúmulo dos íons absorvidos nos vacúolos das células das folhas, mantendo a concentração salina no citoplasma em baixos níveis de modo que não haja interferência com os mecanismos enzimáticos e metabólicos e com a hidratação de proteínas das células. Este compartimento de sal é que permite às plantas halófitas viverem em ambiente salino.

Para esse ajuste osmótico, na membrana que separa o citoplasma e o vacúolo não há fluxo de um compartimento para outro, mesmo que haja elevado gradiente de concentração. O ajuste osmótico é obtido por substâncias compatíveis com as enzimas e os metabólitos ali presentes. Esses solutos são, na maioria, orgânicos como compostos nitrogênicos e, em algumas plantas, açúcares como o sorbitol (LAUCHI & EPSTEIN, 1984).

As plantas sensíveis à salinidade tendem, em geral, a excluir os sais na absorção da solução do solo mas não são capazes de realizar o ajuste osmótico descrito e sofrem com decréscimo de turgor, levando as plantas ao estresse hídrico por osmose. Embora o crescimento da parte aérea das plantas se reduza com o acentuado potencial osmótico do substrato onde vivem, a redução da absorção de água não é necessariamente a causa principal do reduzido crescimento das plantas em ambientes salinos. De fato, KRAMER (1983) aponta que plantas que crescem em substratos salinos mantêm seu turgor e chama atenção pelo fato de que suculência é uma característica comum entre as halófitas. Este fato sugere que essas plantas não percam água por salinidade como se estivessem em solos secos e também não recuperam-se, como fazem as plantas estressadas por falta de água, ao receberem água novamente. Assim, parece que o efeito no crescimento, de níveis similares de potencial osmótico e mátrico, é diferente. Esta inferência permite questionar o emprego da soma algébrica com a mesma ponderação para potencial gravitacional, matricial e osmótico ao calcular o potencial total da água no solo (LIMA, 1997).

Plantas muito sensíveis à salinidade também absorvem água do solo juntamente com os sais permitindo que haja toxidez na planta por excesso de sal absorvido. Este excesso promove desbalanceamentos e danos ao citoplasma resultando em danos principalmente na bordadura e no ápice das folhas, a partir de onde a planta perde, por transpiração, quase que tão somente água, havendo nestas regiões acúmulo do sal translocado do solo para a planta, e obviamente intensa toxidez de sais.

As plantas extraem a água do solo quando as forças de embebição dos tecidos das raízes são superiores às forças de retenção da água exercida pelo solo. À medida que a água é extraída do solo, as forças que retêm a água restante tornam-se maiores. Quando a água do solo é retida com força superior às forças de extração, inicia-se o estado de escassez de água na planta. A presença de sais na solução do solo faz com que aumentem as forças de retenção por seu efeito de osmose e, portanto, a magnitude do problema de escassez de água na planta. Por exemplo, tendo-se dois solos idênticos e com o mesmo teor de água, onde um está isento dos sais e outro não, é exatamente do primeiro que a planta extrairá e consumirá mais água. A explicação científica deste fenômeno é complicada. Em geral pode-se dizer que, devido à afinidade dos sais com a água, as plantas têm que exercer maior força de embebição para extrair do solo uma unidade de água com sais, que para extrair outra que seja isenta deles, (AYERS & WESTCOT, 1991).

 

IV – SOLUÇÕES DOS PROBLEMAS DE SALINIDADE

 

A finalidade mais importante do controle da salinidade é manter os rendimentos das culturas em níveis aceitáveis. No controle da salinidade existem várias alternativas que podem ser utilizadas separadamente ou em combinação, (AYERS & WESTCOT, 1991).

O manejo adequado dos solos afetados por sais é essencial para uma agricultura irrigada eficiente e sustentável. Compreende a recuperação de solos afetados por sais, geralmente causado por uma irrigação inadequada, e a manutenção ou prevenção dos solos irrigados não afetados e os recuperados. Envolve as aplicações das teorias e conhecimentos existentes da física e química do solo, como também das relações irrigação-salinidade e produção-salinidade, (SANTOS & HERNADEZ, 1997).

 

IV.1 – TÉCNICAS PARA RECUPERAÇÃO DE SOLOS COM PROBLEMAS DE SALINIDADE

 

Lavagem

Consiste na eliminação dos sais solúveis através da passagem pelo solo de certa quantidade de água que arrasta consigo os sais solúveis. A lavagem de sais pode se realizar com duas finalidades: 1) reduzir a alta salinidade inicial do solo até níveis toleráveis pelas culturas, denominado lavagem de recuperação; 2) impedir a ressalinização de solos recuperados ou prevenir a salinização de solos irrigados não afetados, que comumente é chamada de lavagem de manutenção (PIZARRO, 1978). Esta prática é necessária na recuperação tanto de solos salinos como de solos sódicos, (SANTOS & HERNADEZ, 1997).

 

Melhoramento químico

O emprego de melhoradores ou corretivos químicos se faz necessário nos solos sódicos, nos quais, sua capacidade de transmissão de água é fortemente afetada pelos teores elevados de sódio trocável. O uso de corretivos tem como finalidade fornecer cálcio ou liberá-lo, quando presente no solo, para substituir o sódio trocável do solo. São várias as opções existentes para a seleção do corretivo adequado, assim como, para sua aplicação no solo.

 

Drenagem

A drenagem do solo é um fator crítico para que a lixiviação dos solos seja efetiva. A drenagem inadequada, natural ou construída artificialmente, pode inviabilizar a lavagem, que, contrariamente, pode resultar numa elevação do lençol freático e conseqüentemente aumentar a salinização do solo e reduzir a aeração. Diversas observações de campo realizadas na Índia, Paquistão e nos Estados Unidos indicam que para prevenir os efeitos adversos sobre os rendimentos nas culturas de sorgo, milho, algodão, repolho e outras, é necessário que a profundidade do lençol freático esteja entre 0,6 e 1,0 m. O principal critério para estabelecer a profundidade adequada do lençol freático é manter a zona radicular bem arejada, geralmente, para mantê-la a 1,0 m, recomenda-se a instalação do sistema de drenagem entre 1,0 e 1,5 m. No entanto, algumas evidências sugerem que a localização dos drenos a profundidades maiores que 1,1 a 1,5 m, pode drenar os aqüíferos mais do que necessário. Nos solos aluviais do Nordeste, onde situa-se a maioria dos projetos de irrigação, a instalação dos drenos subterrâneos é limitada pelo pequeno desnível existente entre a superfície natural do terreno e seu desaguadouro.

 

Sistematização e nivelamento

A uniformidade de distribuição da água de irrigação favorece a lixiviação de sais no solo. Assim, a sistematização e nivelamento constituem práticas para uma boa distribuição da água, principalmente quando as lavagens são realizadas por inundação. A sistematização compreende cortes e aterros, transportando-se o solo das partes altas para as mais baixas do campo, com o objetivo de modificar e uniformizar as declividades. No nivelamento, a superfície do terreno é aplainada sem produzir mudanças de declividade. O nivelamento comumente se realiza anualmente ou nos períodos de mudança de culturas anuais, enquanto, a sistematização se realiza somente uma vez, na incorporação de terras à agricultura e ou instalação de sistemas de irrigação.

 

Lavras superficiais

As escarificações superficiais comumente realizadas para a eliminação de ervas daninhas, também quebram as crostas, soltam os primeiros centímetros do solo e aumentam sua rugosidade, que favorece a penetração da água, pelo retardamento de seu deslocamento e aumento do tempo de oportunidade de infiltração. Os efeitos destas práticas são de curta duração, mantendo-se durante uma ou duas irrigações, após as quais pode ser necessário repeti-las.

 

Aração profunda

Prática freqüente que se realiza antes da implantação das culturas e no caso de culturas perenes durante os períodos de repouso das mesmas, quando causam menos danos às raízes. A ruptura do solo e a formação de torrões favorecem a infiltração da água durante uma ou duas irrigações, diminuindo a salinidade na zona de semeadura, o que pode melhorar a germinação e desenvolvimento inicial das culturas, período em que geralmente são mais sensíveis à salinidade.

 

Subsolagem

É uma operação que tem como objetivo quebrar camadas de solo impermeáveis sem inverter as camadas, e reduz ou elimina os efeitos nocivos de camadas compactadas e adensadas que se encontram a mais de 30 cm de profundidade, aumentando a permeabilidade do solo. Seu efeito é temporário, permanecendo de um a dois anos.

 

Misturas com areia

Consiste na adição e mistura de areia a camadas de solos de textura fina com o objetivo de melhorar a permeabilidade e penetração das raízes no solo. Em conseqüência da melhoria das propriedades transmissoras da água, a lixiviação de sais é facilitada. Seu emprego é limitado pelas grandes doses requeridas (700 a 1000 Kg.ha-1).

 

Inversão de perfis

Consiste em enterrar o horizonte superficial, de características indesejáveis, com material proveniente de horizontes mais profundos que possuem melhores características físico-químicas.

 

Aplicação de resíduos orgânicos

A adição de estercos, resíduos de colheitas e resíduos industriais orgânicos no solo favorecem a estruturação do solo e melhoram a infiltração da água. Os resíduos podem ser deixados como cobertura na superfície ou incorporados no solo. Quando aplicados na superfície (mulch), reduzem a ascensão de água e movimento de is nos solos salinos e facilitam a lixiviação pelas chuvas de inverno em regiões semi-áridas. Para que as incorporações sejam eficientes, são necessárias adições de grandes quantidades de resíduos nos primeiros 15 cm do solo (10 a 30% em volume), de maneira que controlem a quantidade de água infiltrada em um tempo determinado (AYERS & WESTCOT, 1991). Os resíduos fibrosos de difícil decomposição (casca de arroz, palha de arroz, trigo, cevada, milho etc.) são mais eficazes que os resíduos de rápida decomposição e requerem incorporações periódicas nos cultivos.

 

Cultivos de elevada evapotranspiração

Estes cultivos provocam o abaixamento do lençol freático, facilitando a lixiviação de sais, além do que, a sombra produzida pelos cultivos reduz a evaporação pela superfície do solo. Se as condições de salinidade do solo permitem, podem ser usadas culturas como alfafa ou outras forrageiras, cana de açúcar, eucalipto, etc., que possibilitem algum retorno econômico.

 

 

IV.2 – RECUPERAÇÃO DE SOLOS SALINOS

 

O processo de recuperação de solos salinos consiste basicamente da adição ao solo de água em quantidade suficiente para lavar o excesso de sais solúveis do perfil. Compreende a dissolução dos sais presentes no solo e o  transporte dos íons resultantes, através da zona radicular, em profundidade, fora da área de influência das raízes das plantas. Desta forma, é possível reduzir a alta concentração de sais da solução do solo, característica dos solos salinos, para níveis suficientemente baixos que permitam eliminar ou minimizar as reduções de produção nas culturas pelo fator salinidade.

A lavagem de recuperação normalmente requer grandes quantidades de água e, quando a salinidade do solo é muito alta (CEes>10-15 dS.m-1), se realiza sem utilização agrícola do solo por um determinado período de tempo (semanas a meses). Quando a salinidade do solo não é muito elevada (CEes< 10-15 dS.m-1), a lixiviação de recuperação pode ser feita com água  extra, aplicada na irrigação de culturas tolerantes (AYERS & WESTCOT, 1991). A quantidade de água a ser usada, assim como, o tempo de recuperação de solos salinos, depende da salinidade inicial do solo, da qualidade da água de irrigação, da profundidade do solo a ser recuperada, das técnicas de irrigação utilizadas, etc.

Freqüentemente, o movimento da água através do solo apresenta problemas relacionados com a textura do solo (solos argilosos), drenagem interna (camadas impermeáveis e lençóis freáticos superficiais) que dificultam a capacidade de lixiviação dos sais pelas lavagens.

 

 

IV.2.1 – FUNDAMENTOS DA LAVAGEM

 

A necessidade de lavagem pode ser explicada conceitualmente através do balanço da água e de sais na zona radicular, os quais são baseados no ciclo agrohidrológico que descreve os fluxos de água no solo que afetam direta ou indiretamente os cultivos.

O ciclo agrohidrológico de um solo irrigado considera cinco subsistemas: a atmosfera, a superfície do solo, a água superficial, a zona radicular e a água subterrânea. A atmosfera influencia através da demanda de evapotranspiração dos cultivos. A superfície do solo recebe a água da chuva e de irrigação, descarregando os excessos por escoamento superficial, para os cursos d’água, lagos e finalmente o mar. A zona radicular, zona de absorção de água pelas culturas, recebe água infiltrada, a água que se eleva por capilaridade do lençol freático e descarrega por percolação profunda a água que excede sua capacidade de retenção. O lençol freático é recarregado pela água que percola no perfil do solo e por infiltrações laterais de aqüíferos confinados. Na presença de drenagem natural, a água se movimenta até aflorar na superfície do solo e juntar-se à água superficial. Os diferentes fluxos de água nesses subsistemas são ilustrados esquematicamente na figura 4.

Figura 4 – Ciclo agrohidrológico de um solo irrigado (adaptado de MARTINEZ, 1986)

V – MÉTODOS DE IRRIGAÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO DE SAIS NO PERFIL DO SOLO

 

A propagação da frente de molhamento no solo, proveniente da irrigação, pode diferir bastante de um sistema de irrigação para outro. Sistemas de irrigação por aspersão, inundação e faixa promovem uma infiltração quase uniformemente distribuída na superfície do solo e, conseqüentemente, uma propagação da frente de molhamento no perfil, caracterizada por um escoamento unidimensional para baixo, resultando uma distribuição de água relativamente uniforme em todo o perfil.

Sistemas de irrigação que não aplicam água uniformemente à superfície do solo, como a irrigação por sulco e localizada, induzem à propagação da frente de molhamento no plano (duas dimensões), como é o caso do sulco, e no espaço (três dimensões) como no caso do gotejamento. Como as frentes de molhamento provenientes destes sistemas propagam-se se modo não uniforme e, para onde propaga, a água leva os sais, estes sistemas promovem uma distribuição de sais no perfil do solo completamente heterogênea.


Figura 5 – Acumulação de sais nos pontos onde ocorre intensa evaporação da água aplicada por sulco e leito de plantio plano, e controle de salinidade com leitos de plantio inclinados.

A figura 5 apresenta estes tipos de perfis de salinidade para sistemas de irrigação por aspersão, inundação, faixa, sulco e gotejamento. Na figura 5 observa-se que, na irrigação por sulco, a salinidade aumenta com a profundidade e, ainda, acumula-se nas regiões onde termina a frente de molhamento. Também, uma parte dos sais desloca-se com a água capilar para a superfície do solo onde concentra-se à medida que a água evapora.

A uniformidade da lâmina de irrigação aplicada pelos sistemas de irrigação por superfície é função da velocidade e do tempo de infiltração. Dentro da mesma área, a velocidade de infiltração varia com as diferenças de textura e estrutura do solo, como também com as diferenças em compactação e composição química. O tempo de infiltração, por outro lado, é afetado pela distância entre o ponto em consideração e a fonte de água, pelos aspectos físicos que retardam seu deslocamento superficial, como por exemplo, densidade de plantio e outros, e pelo próprio projeto do sistema. Em geral, o tempo de infiltração na cabeceira das áreas irrigadas por estes métodos é maior que na parte baixa onde, conseqüentemente, a lâmina aplicada á também menor. A distribuição superficial da água é afetada pelas irregularidades do terreno, sendo os pontos altos os que recebem menos água (AYERS & ESTCOT, 1991).

Os sistemas convencionais de irrigação por superfície são mais apropriados para aplicar lâminas grandes, apresentando maior dificuldade e menor eficiência na aplicação de lâminas menores (80 a 100 mm). Devido a isso, as irrigações freqüentes, necessárias para reduzir os possíveis estados de escassez da água nas plantas, tendem a ser menos eficientes e criam problemas de drenagem. Ao contrário, os sistemas de irrigação por aspersão e gotejamento prestam-se melhor à prática de irrigações freqüentes (AYERS & ESTCOT, 1991).


Figura 6 – Perfil de acumulação de sais para irrigação por inundação, faixa, sulco e aspersão.

 

Figura 7 – As sementes germinam onde não há acumulação de sais.

 

 

 

VI – BIBLIOGRAFIA

 

·        AYERS, R. S. & WESTCOT, D. W., A qualidade da água na agricultura. Trad. Gheyi, H. R.; Medeiros de, J. F. & Damasceno, F. V. A., Campina Grande: UFPB, 1991. 218p. Estudos FAO: Irrigação e Drenagem, 29. Revisado 1.

·        BATISTA, M. de J., Manual de Irrigação-Guia Rural-Água. São Paulo, 1991. 170p.

·        BERNARDO, S., Manual de Irrigação. 6 ed. Viçosa: UFV, Impr. Univ., 1995. 657p.: il.

·        FERREIRA, P. A., Manejo de água-planta em solos salinos. Curso de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola. Viçosa: UFV, 1998. 93p.

·        LEPRUN, J. C. - Primeira Avaliação das Águas Superficiais do Nordeste: Relatório de fim de convênio de manejo e conservação do solo do Nordeste brasileiro, Recife, SUDENE-DRN, 1983, Pg. 91-141, Convênio SUDENE/ORSTOM.

·        LIMA, L. A., Efeitos de sais no solo e na planta. Anais do XXVI Congresso Brasileiro de Engenharia Agrícola – Manejo e Controle da Salinidade na Agricultura Irrigada, Campina Grande: UFPB, 1997. pg. 113 – 133.

·        MOLINIER, M; AUDRY, P; DESCONNETS, J.C.; LEPRUN, J.C.- Dinâmica da Água e das Matérias num Ecossistema Representativo do Nordeste Brasileiro: Condições de Extrapolação Espacial à Escala Regional,ORSTOM, Recife, 1989.

·        MOLLE, François; CADIER, Eric - Manual do Pequeno Açude: construir, conservar e aproveitar pequenos açudes, SUDENE/ORSTOM/TAPI, Recife, 1992.

·        SANTOS, R. V. dos & HERNANDEZ, F. F. F., Recuperação de solos afetados por sais. Anais do XXVI Congresso Brasileiro de Engenharia Agrícola – Manejo e Controle da Salinidade na Agricultura Irrigada, Campina Grande: UFPB, 1997. pg. 319 – 356.

·        SUASSUNA, J., O processo de salinização das águas superficiais e subterrâneas no Nordeste Brasileiro. Fundação Joaquim Nabuco.  http://www.fundaj.gov.br/docs/tropico/desat/orig2.html