O
que é um buraco negro?
De forma muito simplista, um buraco negro é uma região do espaço que contém tanta massa concentrada que nenhum objeto consegue escapar de sua atração gravitacional. Como a melhor teoria gravitacional no momento ainda é a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, somos obrigados a mergulhar em alguns dos resultados preditos por essa teoria para entender os detalhes de um buraco negro, mas vamos começar devagar, pensando sobre a gravidade em circunstâncias relativamente simples.
Suponha que
você está na superfície de um planeta. Você atira uma pedra direto para
cima. Supondo que você não atire a pedra muito forte, ela subirá por algum
tempo, mas eventualmente a aceleração devida à gravidade do planeta vai fazê-la
descer de novo. Se você atirar a pedra com força suficiente, no entanto, você
poderia fazê-la escapar inteiramente da gravidade do planeta. A pedra
continuaria a subir para sempre. A velocidade com que é necessário atirar a
pedra para que ela escape da atração gravitacional do planeta é chamada de
"velocidade de escape". Como seria de esperar, a velocidade de escape
depende da massa do planeta: se o planeta for extremamente massivo, sua
gravidade é muito intensa, e a velocidade de escape muito elevada. Um planeta
mais "leve" teria uma velocidade de escape inferior. A velocidade de
escape também depende da distância a que você se encontra do centro do
planeta: quanto mais perto você estiver, maior a velocidade de escape. A
velocidade de escape da Terra é de 11,2 km/s (cerca de 40.000 km/h), enquanto
que a velocidade de escape da Lua é de apenas 2,4 km/s (cerca de 8.600 km/h).
Imagine
agora um objeto com tamanha massa, concentrada num raio de tal forma pequeno,
que sua velocidade de escape seja maior que a velocidade da luz. Neste caso, uma
vez que nada pode se deslocar mais rapidamente que a luz, nada poderá escapar
do campo gravitacional desse objeto. Mesmo um raio de luz seria puxado de volta
pela gravidade e não teria como escapar.
A idéia de
uma concentração de massa tão densa que até mesmo a luz ficasse aprisionada
vai bem ao passado, até Laplace, no século 18. Quase imediatamente em seguida
de Einstein ter desenvolvido a relatividade geral, Karl Schwarzschild descobriu
uma solução matemática para as equações daquela teoria que descreviam um
tal objeto. Foi somente muito mais tarde, com o trabalho de cientistas como
Oppenheimer (o mesmo do Projeto Manhattan, da bomba atômica americana), Volkoff
e Snyder, na década de 30, que se começou a pensar seriamente na possibilidade
de que tais objetos pudessem realmente existir no Universo. Esses pesquisadores
mostraram que, quando uma estrela suficientemente massiva consome todo seu
combustível, ela perde a capacidade de sustentar o encolhimento devido à sua
própria atração gravitacional, e então desaba sobre si própria na forma de
um buraco negro.
Na
relatividade geral, a gravidade é uma manifestação da curvatura do espaço-tempo.
Objetos massivos distorcem as dimensões de espaço e tempo de tal forma que as
regras normais da geometria não se aplicam mais. Perto de um buraco negro essa
distorção do espaço é extremamente intensa, provocando o aparecimento de
certas propriedades muito estranhas. Em particular, um buraco negro tem algo que
se chama "horizonte de eventos", que é uma superfície esférica que
marca as fronteiras do buraco negro. Você pode passar através do horizonte de
eventos no sentido de entrada, mas depois não pode sair mais. Na verdade, uma
vez cruzado o horizonte de eventos, você está inexoravelmente fadado a se
aproximar cada vez mais da "singularidade" localizada no centro do
buraco negro.
Você pode
pensar no horizonte de eventos como um lugar em que a velocidade de escape é
igual à velocidade da luz. Fora do horizonte de eventos, a velocidade de escape
é menor do que a da luz, de modo que se você acionar seus foguetes com força
suficiente poderá obter a energia necessária para escapar do buraco negro. Mas
se você se encontrar para dentro do horizonte de eventos, não importa quão
potentes sejam seus foguetes, pois você não poderá escapar.
O horizonte
tem algumas propriedades geométricas realmente estranhas. Para um observador
que esteja imóvel a alguma distância do buraco negro, o horizonte parece ser
uma superfície esférica tranqüila e estática. Mas à medida que você se
aproximar do horizonte, perceberá que ele está se movendo a uma velocidade
espantosa. Na verdade, está se expandindo
à velocidade da luz! Isto explica porque é tão fácil atravessar o horizonte
na direção para dentro, mas impossível retornar. Como o horizonte está se
movendo à velocidade da luz, para poder escapar de volta através dele você
teria que viajar a uma velocidade superior
à da luz. Como você não poder viajar mais rápido do que a luz, você não
pode escapar do buraco negro.
(Se toda
esta história estiver soando muito estranha, não se preocupe. Ela é
estranha. O horizonte é estático, num certo sentido, mas noutro sentido está
se deslocando à velocidade da luz. É um pouco como aquela história de Alice
no País das Maravilhas: ela tinha que correr tão rápido quanto possível,
apenas para permanecer no mesmo lugar.)
Uma vez
dentro do horizonte, o espaço-tempo é tão distorcido que as coordenadas que
descrevem distância radial e tempo trocam suas posições. Ou seja, a
coordenada que descreve a sua distância do centro, "r", passa a ser
uma coordenada do tipo tempo, e a coordenada "t" passa a ser do tipo
espacial. Uma conseqüência disto é que você não consegue mais evitar seu
deslocamento no sentido de valores cada vez menores de r,
da mesma forma como normalmente você não consegue evitar o deslocamento da
coordenada de tempo na direção do futuro (ou seja, no sentido de valores
maiores de t). Eventualmente você vai
atingir a singularidade, localizada em r=0. Você pode tentar evitá-la
acionando seus foguetes, mas é inútil: não importa qual a direção em que
você tente fugir, não conseguirá evitar seu futuro. Tentar evitar o centro de
um buraco negro depois de ter atravessado seu horizonte é como tentar evitar a
próxima segunda-feira.
Por falar
nisso, o nome "buraco negro" foi inventado por John Archibald Wheeler,
e parece ter ficado mesmo por ser muito mais atraente dos que os anteriores.
Antes de Wheeler aparecer, esses objetos eram conhecidos como "estrelas
congeladas". A explicação está adiante.
Qual
é o tamanho de um buraco negro?
Há pelo
menos duas maneiras diferentes de descrever o tamanho de alguma coisa. Podemos
especificar que massa essa coisa tem, ou podemos especificar o espaço que ela
ocupa. Primeiramente, vamos falar da massa dos buracos negros.
Em princípio,
não existe limite nem superior nem inferior para a massa de um buraco negro.
Qualquer quantidade de matéria pode, em teoria, se transformar num buraco
negro, se for comprimida a uma densidade suficiente. Suspeita-se que a maioria
dos buracos negros existentes no Universo tenham sido criados na morte de
estrelas massivas, e por isso calcula-se que sua massa seja igual à dessas
estrelas. A massa típica de um desses buracos negros estelares seria da ordem
de 10 vezes a massa do Sol, ou cerca de 10^{31} quilogramas. (Aqui está sendo
usada a notação científica:10^{31} significa 1 seguido de 31 zeros, ou
10,000,000,000,000,000,000,000,000,000,000.) Os astrônomos também suspeitam
que muitas galáxias abriguem buracos negros extremamente massivos em seus
centros. Esses buracos negros teriam massas um milhão de vezes maiores que a do
Sol, ou 10^{36} quilogramas.
Quanto mais
massivo for um buraco negro, mais espaço ele ocupa. Na verdade, o raio de
Schwarzschild (que representa o raio do horizonte de eventos) e a massa são
diretamente proporcionais: se um buraco negro tem massa dez vezes superior à de
um outro, seu raio é dez vezes maior. Um buraco negro com massa igual à do Sol
teria um raio de 3 quilômetros. Assim, um buraco negro típico com 10 massas
solares teria um raio de 30 quilômetros, e um buraco negro de centro de galáxia
com um milhão de massas solares teria um raio de 3 milhões de quilômetros.
Este tamanho pode parecer muito grande, mas não o é em termos astronômicos. O
Sol, por exemplo, tem um raio de cerca de 700.000 km, e assim um tal buraco
negro supermassivo teria um raio apenas cerca de quatro vezes maior que o Sol.
O que me
aconteceria se eu caísse num buraco negro?
A princípio,
você não sente nenhuma força gravitacional. Uma vez que você está em queda
livre, todas as partes do seu corpo, e mais todas as partes da nave, estão
sendo puxadas da mesma forma, e portanto você tem a sensação de ausência de
peso. (Isto é exatamente o que se passa com astronautas em órbita da Terra:
mesmo que tanto os astronautas quanto a nave estejam sendo puxados pela
gravidade da Terra, eles não sentem nenhuma força gravitacional, porque tudo
está sendo puxado exatamente na mesma proporção.) À medida que você se
aproxima cada vez mais do buraco negro, no entanto, você começa a sentir forças
gravitacionais do tipo "de maré". Imagine que seus pés estejam mais
próximos do centro do buraco negro do que sua cabeça (como se você estivesse
caindo "em pé"). O puxão gravitacional fica mais intenso quanto mais
você se aproxima do buraco negro, de forma que seus pés sentem uma força mais
intensa do que sua cabeça. Como resultado, você se sente "esticado".
(Esta força é chamada de força "de maré" porque é exatamente esse
tipo de força que causa as marés na Terra.) Estas forças de maré ficam mais
intensas à medida que você se aproxima do centro do buraco negro, e
eventualmente você será feito em pedaços por elas.
Para um
buraco negro de grandes dimensões como aquele onde você está caindo, as forças
de maré só são perceptíveis a partir de 600.000 km de distância do centro.
Atenção ao fato de que, neste caso, esta distância está já para dentro do
horizonte de eventos. Se você estivesse caindo num buraco negro menor, digamos
um com a mesma massa do Sol, as forças de maré seriam perceptíveis a cerca de
6.000 km de distância do centro, e portanto você seria desfeito muito antes de
cruzar o horizonte de eventos desse buraco. (Essa é a razão porque imaginamos
que o buraco negro do exemplo deveria ser grande, em vez de pequeno: para que
você sobreviva pelo menos até cruzar o horizonte de eventos.)
O que é que
você vê à medida que cai? Por surpreendente que pareça, nada de muito
interessante será visto, necessariamente. As imagens dos objetos distantes
podem ficar distorcidas de maneiras estranhas, uma vez que a gravidade do buraco
negro desvia a luz, mas não muito mais do que isso. Em particular, nada de
especial acontece no momento em que você cruza o horizonte de eventos. Mesmo
depois de cruzá-lo, você continua a ver objetos do lado de fora: afinal, a luz
proveniente deles ainda pode chegar até você. Ninguém do lado de fora, no
entanto, poderá vê-lo, naturalmente, já que a luz de dentro não consegue
escapar para fora do horizonte.
Quanto tempo
dura todo o processo? Bem, é claro que isso depende da distância a que você
estava quando começou. Digamos que se partisse do repouso num ponto situado a
uma distância da singularidade igual a dez vezes o raio do buraco negro. Neste
caso, para um buraco com um milhão de massas solares, você levaria cerca de 8
minutos para atingir o horizonte. Depois de atingido esse ponto, em apenas sete
segundos você atingirá a singularidade! Como essas contas são diretamente
proporcionais ao tamanho do buraco negro, se você estivesse se dirigindo a um
buraco negro muito menor, morreria muito mais depressa.
Uma vez
cruzado o horizonte, nos sete segundos restantes você poderia entrar em pânico
e acionar seus foguetes, numa tentativa desesperada de evitar a singularidade.
Infelizmente isso é inútil, pois a singularidade está localizada no seu
futuro (variável t crescente), e é impossível evitar o seu futuro. Na verdade,
quanto mais os foguetes forem acionados, tanto mais depressa você se dirigirá
para a singularidade. A melhor (e única) coisa a fazer é apreciar a viagem.
Minha
amiga está a uma distância segura, observando minha queda em direção ao
buraco negro. O que ela vê?
Ela vê as
coisas de forma muito diferente que você. À medida que você se aproxima do
horizonte, ela o vê mover-se cada vez mais devagar. Na verdade, independente de
quanto tempo ela esperar, nunca o verá atingir precisamente o horizonte.
Isto é mais
ou menos a mesma coisa que se pode dizer sobre o material do qual o buraco negro
foi formado inicialmente. Suponha que o buraco negro se formou a partir do
colapso de uma estrela. À medida que a estrela que vai formar o buraco negro
entra em colapso, sua amiga a vê cada vez menor, aproximando-se mas nunca
chegando ao seu raio de Schwarzschild. É por esta razão que os buracos negros
originalmente eram chamados de estrelas congeladas: porque pareciam se
"congelar" num tamanho um pouco apenas maior do que o raio de
Schwarzschild.
Porquê ela
vê as coisas dessa maneira? Talvez a melhor explicação seja que se trata de
uma ilusão de óptica. O buraco negro não leva um tempo infinito para se
formar, assim como você não leva um tempo infinito para cruzar o horizonte de
eventos. (Se não acredita, tente você mesmo! Você estará do outro lado do
horizonte em oito minutos, e morto esmagado em uns poucos segundos a mais.) À
medida que você se aproxima do horizonte, a luz emitida por você levará cada
vez mais tempo para chegar até a sua amiga. Com efeito, a luz que for emitida
no momento exato em que você cruzar o horizonte ficará suspensa eternamente no
horizonte, e nunca chegará até a sua amiga. Muito tempo pode já se ter
passado depois de você cruzar o horizonte (e possivelmente morrido), os sinais
luminosos emitidos por você que seriam a evidência daquele fato nunca chegarão
à sua amiga.
Há uma
outra forma de encarar toda esta questão. Num certo sentido, o tempo realmente
passa mais devagar perto do horizonte do que longe dele. Suponha que você leve
sua espaçonave até um ponto muito próximo do horizonte, e permaneça ali
estacionado por algum tempo (queimando uma quantidade enorme de combustível
para evitar cair no buraco negro). Depois, você retorna e se encontra de novo
com sua amiga. Você descobrirá que ela envelheceu muito mais do que você
durante todo o processo; o tempo passou mais devagar para você do que para ela.
Então, qual
destas duas explicações (a da ilusão de óptica e a da desaceleração do
tempo) é realmente a correta? A resposta depende do sistema de coordenadas que
for usado para descrever o buraco negro. Segundo o sistema usual de coordenadas,
chamado de "coordenadas de Schwarzschild", você cruza o horizonte de
eventos quando a coordenada de tempo t
tiver valor infinito. Portanto, nestas coordenadas realmente o tempo gasto para
cruzar o horizonte de eventos é infinito. Mas a razão para isso é que as
coordenadas de Schwarzschild oferecem uma visão muito distorcida do que está
acontecendo no horizonte, ou próximo dele. De fato, no próprio horizonte as
coordenadas estão infinitamente distorcidas (ou, para usar a terminologia
apropriada, são "singulares"). Se você escolher um sistema de
coordenadas que não sejam singulares no horizonte, então você verá que o
tempo ao cruzar o horizonte é realmente finito, mas o tempo em que sua amiga vê
você a cruzar o horizonte é infinito, pois a radiação levou um tempo
infinito para chegar até ela. No fundo, é permitido usar qualquer dos sistemas
de coordenadas, e portanto ambas as explicações são válidas. São apenas
maneiras diferentes de dizer a mesma coisa.
Na prática,
você vai efetivamente se tornar invisível à sua amiga bem rapidamente, pela
simples razão de que a luz emitida por você vai sofrer desvios para o vermelho
à medida que se afasta do buraco negro. A luz que você emitir num certo
comprimento de onda será vista por sua amiga com um comprimento de onda maior.
Os comprimentos de onda vão se tornando cada vez maiores à medida que você se
aproxima do horizonte. Eventualmente, você simplesmente deixará de ser visível:
a luz emitida estará desviada para o infravermelho, depois para ondas de rádio.
A partir de um certo ponto, os comprimentos de onda serão tão grandes que ela
deixará de poder observá-los. Além disso, lembre-se que a luz é emitida em
pacotes individuais chamados fótons. Suponha que você esteja emitindo fótons
ao atravessar o horizonte. Num certo ponto, você emitirá o último fóton
antes de cruzar o horizonte. Aquele fóton vai chegar à sua amiga num tempo
finito - tipicamente menos de uma hora para um buraco negro de um milhão de
massas solares - e depois disso ela nunca mais verá nada de você (afinal,
nenhum dos fótons emitidos por você depois
de cruzar o horizonte jamais chegarão a ela).
Se um
buraco negro existisse, ele terminaria por sugar toda a matéria do Universo?
De jeito
nenhum. Um buraco negro tem um "horizonte", que significa uma região
da qual você não pode escapar. Se você cruzar o horizonte, está fadado a
eventualmente atingir a singularidade. Mas se você ficar longe do horizonte,
você pode perfeitamente evitar ser sugado para dentro do buraco negro. Na
verdade, para alguém a uma distância muito grande do horizonte, o campo
gravitacional estabelecido por um buraco negro não tem nenhuma diferença do
campo gravitacional estabelecido por qualquer outro objeto com a mesma massa. Em
outras palavras, um buraco negro de uma massa solar não tem diferença nenhuma
de qualquer outro objeto com uma massa solar (como por exemplo o próprio Sol),
no que diz respeito à capacidade de "sugar" objetos distantes.
E se o
Sol se tornasse num buraco negro?
Bem, em
primeiro lugar, deixe-me assegurar-lhe que o Sol não tem nenhuma intenção de
o fazer. Somente estrelas com massa consideravelmente superior à do Sol
terminam suas vidas como buracos negros. O Sol vai permanecer mais ou menos como
está por ainda uns cinco bilhões de anos. Em seguida, vai passar por uma rápida
fase como uma estrela gigante vermelha, durante a qual vai se expandir até
englobar as órbitas (e os próprios planetas) de Mercúrio e Vênus, e ainda
tornar a vida na Terra bastante desconfortável (oceanos em fervura, atmosfera
escapando para o espaço, coisas assim). Depois disso, o Sol vai terminar a vida
como uma mera estrela anã branca. Se eu fosse você, faria planos de mudança
para algum lugar muito distante antes que qualquer dessas coisas aconteça. Ah,
e também não compraria nenhum daqueles títulos do governo resgatáveis em 8
bilhões de anos.
Mas voltemos
ao assunto. E se o Sol se tornasse mesmo
um buraco negro por alguma razão? O efeito principal seria que tudo ficaria
muito escuro e frio por aqui. A Terra e os outros planetas não seriam sugados
para o buraco negro; ficariam, isto sim, exatamente nas mesmas órbitas em que
hoje estão. Porquê? Porque o horizonte do buraco negro seria muito pequeno -
apenas uns 3 km - e, como observamos acima, desde que você fique longe do
horizonte eventual, a gravidade do buraco negro não tem diferença daquela de
qualquer outro objeto de mesma massa.
Existe
alguma evidência de que os buracos negros realmente existam?
Sim. Você não
pode ver um buraco negro diretamente, claro, pois a luz não sai do seu
horizonte de eventos. Isto quer dizer que temos que confiar em evidências
indiretas da existência de buracos negros.
Suponha que
você tenha encontrado uma região do espaço onde você pense que possa haver
um buraco negro. Como é que se pode verificar se ele está mesmo lá? A
primeira coisa a medir seria a massa existente na tal região. Se você
encontrou uma massa muito grande concentrada num volume muito pequeno de espaço,
e se a massa é escura, então as chances são boas de você ter encontrado
mesmo um buraco negro. Existem dois tipos de sistemas onde os astrônomos
encontraram objetos desse gênero, massivos, compactos e escuros: o centro das
galáxias (inclusive, talvez, a nossa própria Via Láctea), e sistemas binários
emissores de raios X na nossa galáxia.
Várias galáxias
já foram detectadas como candidatas por conterem objectos massivos e escuros
nos seus centros. As massas dos núcleos dessas galáxias vão de um milhão a vários
bilhões de massas solares. Essas massas são medidas pela observação das
velocidades orbitais das estrelas e do gás interestelar em torno do núcleo da
galáxia: quanto maior a velocidade, maior a força gravitacional necessária
para manter as estrelas e o gás nas suas órbitas. (Esta é a forma mais comum
de medir massas em astronomia. Por exemplo, medimos a massa do Sol pela observação
da velocidade dos planetas em órbita dele, e medimos a quantidade de matéria
escura nas galáxias medindo a velocidade orbital de objectos nos limites da galáxia.)
Pensa-se que
esses objectos escuros nos núcleos galácticos sejam buracos negros por pelo
menos duas razões. Primeiro, é difícil pensar em qualquer outra coisa que
eles pudessem ser: são muito densos e escuros para serem estrelas ou
agrupamentos de estrelas. Segundo, a única teoria razoável na explicação dos
objectos enigmáticos conhecidos como quasares (do inglês quasar, "quasi-stellar
objects", objectos quase-estelares) e das galáxias ativas postula que
tais galáxias contêm buracos negros supermassivos em seus núcleos. Se esta
teoria estiver correta, então uma fração significativa das galáxias - todas
as que hoje são ou já foram ativas - devem ter buracos negros supermassivos em
seus núcleos. Tomados em conjunto, estes argumentos sugerem fortemente que os núcleos
destas galáxias contêm buracos negros, mas não constituem prova absoluta.
Duas
descobertas muito recentes suportam ainda mais fortemente a hipótese acima.
Primeiro, descobriu-se uma galáxia ativa próxima que contém um maser
de água (um amplificador natural de radiação de microondas baseado em moléculas
de água; o termo maser vem do inglês
"Microwave Amplification
by Stimulated
Emission
of Radiation")
próximo do seu núcleo. Usando a técnica de interferometria de linha de base
muito longa, um grupo de pesquisadores conseguiu determinar a distribuição de
velocidades no gás com resolução muito fina. Com efeito, foram capazes de
medir a velocidade a uma distância menor do que meio ano-luz do núcleo da galáxia.
A partir dessas medidas, puderam concluir que o objeto massivo no centro dessa
galáxia tem menos do que meio ano luz de raio. É difícil imaginar qualquer
outra coisa a não ser um buraco negro que tenha tanta massa concentrada num
volume tão pequeno. (Esses resultados foram apresentados no volume 373, pág.
127, da edição da revista Nature de 13 de Janeiro de 1995.)
Uma segunda
descoberta oferece prova ainda mais conclusiva. Astrônomos de raios X
detectaram uma linha espectral de um núcleo galáctico que indica a presença
de átomos perto do núcleo que se movem a uma velocidade muito elevada (cerca
de um terço da velocidade da luz). Além disso, a radiação desses átomos foi
desviada para o vermelho exatamente da mesma maneira prevista para a radiação
emitida das proximidades do horizonte de eventos de um buraco negro. Seria muito
difícil explicar isso de qualquer outra forma a não ser com um buraco negro e,
se estas descobertas forem comprovadas, então a hipótese de que alguns núcleos
galácticos contêm buracos negros supermassivos estaria praticamente
assegurada. (Estes resultados foram apresentados no volume 375, pág. 659, da
edição da revista Nature de 22 de Junho de 1995.)
Uma classe
completamente diferente de candidatos a buracos negros pode ser encontrada na
nossa própria galáxia. Trata-se de buracos negros muito menores, de massas de
ordem estelar, que pensa-se que sejam formados quando uma estrela massiva
termina sua vida numa explosão de supernova. Se um tal buraco negro estelar
estivesse sozinho por aí, não teríamos muita chance de achá-lo. Entretanto,
muitas estrelas existem na forma de sistemas binários - pares de estrelas uma
em órbita da outra. Se uma das estrelas num tal sistema binário se tornar um
buraco negro, poderíamos detectá-lo. Em particular, em alguns sistemas binários
contendo um objeto compacto como um buraco negro a matéria do outro objeto é
sugada e forma um assim chamado "disco
de acreção" que fica girando em torno e caindo na direção do
buraco negro. A matéria do disco de acreção fica muito aquecida à medida que
cai para o buraco negro, emitindo intensas quantidades de radiação, na sua
maior parte na faixa do espectro correspondente aos raios X. Muitos desses
"sistemas binários de raios X" são conhecidos, e pensa-se que alguns
sejam fortes candidatos a buracos negros.
Suponha que
você tenha encontrado um sistema binário de raios X. Como pode saber se o
objeto não visível é mesmo um buraco negro? Uma das coisas certamente necessárias
de estimar é a massa do objeto. Através da medida da velocidade orbital da
estrela visível (junto com mais outros parâmetros), pode-se deduzir a massa da
companheira invisível. (A técnica é muito semelhante àquela descrita acima
para buracos negros supermassivos em núcleos galácticos: quanto mais rápido a
estrela se mover, maior a força gravitacional necessária para mantê-la na órbita,
e portanto mais massa tem a companheira invisível.) Se
concluir que a massa do objeto compacto é muito, muito grande, entra
novamente em cena o argumento de não se conhecer outro objeto que pudesse ser
senão um buraco negro. (Uma estrela normal com a mesma massa seria visível. Os
restos de uma estrela tal como uma estrela de neutros não seriam capazes de
impedir o próprio encolhimento gravitacional, e entrariam em colapso até
formar um buraco negro.) A combinação dessas estimativas de massa com estudos
detalhados da radiação do disco de acreção pode fornecer evidência
circunstancial suficiente para decidir que o objeto em questão é mesmo um
buraco negro.
Muitos
desses sistemas binários de raios X são hoje conhecidos, e em alguns casos a
evidência a favor da hipótese dos buracos negros é bastante forte. Num artigo
publicado na edição de 1992 da Revista Anual de Astronomia e Astrofísica,
Anne Cowley resumiu a situação dizendo que havia três sistemas conhecidos na
altura (dois na nossa galáxia e um na vizinha Grande Nuvem de Magalhães) para
os quais existe evidência muito forte de que a massa do objeto invisível é
grande demais para ser qualquer outra coisa que não seja um buraco negro.
Existem muitos outros objectos que se pensa sejam buracos negros com apoio em
evidência menos convincente. Além disso, este campo de pesquisa tem estado
muito ativo desde 1992, e o número de candidatos fortes atualmente é muito
maior que três.
Como é
que um buraco negro se evapora?
Na verdade,
ninguém sabe realmente com certeza o que se passa nos últimos estágios da
evaporação de um buraco negro: alguns pesquisadores pensam que pelo menos um
minúsculo, porém estável, remanescente permanece. Nossas teorias correntes
simplesmente não servem para nos dizer com certeza qual é a suposição
correta. E já que estou antecipadamente apresentando desculpas, convém
acrescentar que, no fundo, todo o assunto da evaporação dos buracos negros é
extremamente especulativo. Ele envolve a realização de cálculos de mecânica
quântica (ou melhor, de teoria de campos quânticos) em espaço-tempos curvos,
o que é uma tarefa consideravelmente complexa, e cujos resultados são
virtualmente impossíveis de testar sem experimentos reais. Os físicos pensam
que têm as teorias corretas para fazer previsões sobre a evaporação de
buracos negros, mas sem testes experimentais é impossível ter certeza.
Porém,
porque os buracos negros se evaporam? Eis uma forma de encarar este fato que é
apenas levemente inexata (não creio que seja possível fazer muito melhor do
que isso, a menos que você queira alguns passar anos aprendendo teoria de
campos quânticos em espaços curvos). Uma das conseqüências do princípio da
incerteza de Heisenberg na mecânica quântica é que é possível que a lei de
conservação da energia seja violada, mas apenas por curtíssimos períodos de
tempo. É possível produzir massa e energia no Universo a partir do nada, mas
apenas se aquela massa ou energia desaparecerem logo em seguida. Uma forma
particular em que este estranho fenômeno se manifesta recebe o nome de flutuações do vácuo. Pares constituídos de partículas e
antipartículas podem aparecer do nada, existir por um curtíssimo período de
tempo e em seguida aniquilarem-se mutuamente. A lei de conservação da energia
é violada quando as partículas aparecem, mas é restaurada quando elas se
aniquilam. Por mais absurdo que pareça, existem confirmações experimentais de
que essas flutuações do vácuo acontecem na realidade.
Agora,
suponha que uma dessas flutuações do vácuo aconteça justamente na fronteira
do horizonte de eventos de um buraco negro. Pode ser então que uma das duas
partículas caia para dentro do horizonte, enquanto que a outra escapa. Aquela
que escapar carrega consigo energia do buraco negro e pode ser detectada por
algum observador distante. Aquele observador terá a impressão de que o buraco
negro acaba de emitir uma partícula. Como este processo acontece continuamente,
o que o observador vê é um feixe contínuo de partículas emanando do buraco
negro.
Um buraco
negro embaixo de mim não se evaporaria antes de eu cair nele?
Já
observamos que, do ponto de vista da sua amiga que está segura fora do alcance
do buraco negro, você leva um período infinito de tempo para cruzar o
horizonte eventual. Também já observamos que os buracos negros se evaporam
através da assim chamada radiação de Hawking num tempo finito. Não se
poderia passar, então, que quando você atingisse o horizonte o buraco negro já
se tivesse todo evaporado?
Nem pensar.
Quando dissemos que sua amiga o veria a tomar um tempo infinito para cruzar o
horizonte, estávamos falando de um buraco negro não-volátil. Se o buraco
negro se estiver evaporando, as coisas mudam de figura. Sua amiga o verá a
cruzar o horizonte no exato momento em que ela vir o buraco negro evaporar-se.
Deixe-me tentar descrever porquê isto é assim.
Lembre-se do
que foi dito antes: sua amiga está sendo vítima de uma ilusão de óptica. A
luz que você emite quando está muito perto do horizonte (mas ainda do lado de
fora) leva um tempo muito longo para atingi-la. Se o buraco negro durar para
sempre, então a luz pode levar um tempo arbitrariamente longo para chegar a
ela, e esta é a razão porque ela não o vê cruzando o horizonte por um tempo
que pode ser muito longo (até mesmo infinito). Mas, assim que o buraco negro se
evaporar, não há mais nada para impedir a luz que leva a informação da sua
passagem pelo horizonte de chegar até a sua amiga. Na verdade, essa luz vai
atingir sua amiga exatamente no mesmo momento do último feixe de radiação de
Hawking. Claro que nada disso terá importância para você, que estará morto já
há muito tempo desde que efetivamente cruzou o horizonte e foi esmagado na
singularidade. Pedimos desculpas por isso, mas você devia ter refletido sobre o
assunto antes de pular no buraco negro.
O que é
um buraco branco?
As equações
de relatividade generalizada têm uma propriedade matemática interessante: elas
são simétricas no tempo. Isto que dizer que você pode tomar qualquer solução
das equações e imaginar que o tempo flui ao contrário, e vai obter um novo
conjunto de soluções perfeitamente válidas das equações. Se você aplicar
esta regra ás soluções que descrevem os buracos negros, o resultado final é
o que se chama de buraco
branco. Já que um buraco negro é uma região do espaço de onde nada
escapa, a versão invertida no tempo disso é uma região do espaço onde nada
pode cair. Na verdade, assim como um buraco negro somente absorve tudo, um
buraco branco somente expele tudo.
Buracos
brancos são uma solução matemática perfeitamente válida das equações de
relatividade generalizada, mas isto não quer dizer que eles realmente existam
na natureza. É quase certo, aliás, que eles não
existam, uma vez que não há como produzi-los - produzir um buraco brando é tão
impossível quanto destruir um buraco negro, já que os dois processos são cópias
invertidas no tempo um do outro.
O que é
um buraco de minhoca (wormhole)?
Até agora,
somente consideramos buracos negros do tipo comum. Especificamente, estivemos
falando de buracos negros desprovidos de movimento de rotação e de carga elétrica.
Se considerarmos buracos negros que têm movimento de rotação e/ou carga elétrica,
as coisas se complicam. Em particular, é possível cair num tal buraco negro e
não atingir a singularidade. Com efeito, o interior de um buraco negro
rotacional ou carregado pode chegar a se "unir" com um buraco branco
correspondente de forma tal que você poderia cair no buraco negro e sair pelo
buraco branco. Esta combinação de buracos negros e brancos é chamada de
buracos de minhoca.
O buraco
branco pode mesmo estar a uma distância enorme do buraco negro; pode até estar
num "universo diferente" - ou seja, uma região do espaço-tempo que,
à excepção do próprio buraco de minhoca, não tem nenhuma conexão com a
nossa própria região. Um buraco de minhoca convenientemente localizado
poderia, assim, oferecer um meio de transporte rapidíssimo a distâncias
gigantescas, ou mesmo transporte para um outro Universo. Talvez a saída do
buraco de minhoca esteja até mesmo localizada no passado, de modo que você
poderia viajar ao passado atravessando-o. Tudo isto soa muito interessante, não
é?
Mas antes
que você apresente uma proposta de bolsa de investigação para procurar
buracos de minhoca, existem algumas coisinhas que você deve saber. Primeiro de
tudo, esses buracos quase certamente não existem. Como dissemos acima na seção
sobre buracos brancos, simplesmente porque a solução matemática das equações
é válida não quer dizer que ela exista na natureza. Em particular, buracos
negros que se formam a partir do colapso de matéria comum (o que inclui todos
os buracos negros que pensamos existir atualmente) não formam buracos de
minhoca. Se você cair num desses, não vai sair num outro lado qualquer. Vai é
atingir a singularidade, e pronto.
Além disso,
mesmo se um buraco de minhoca se formasse, pensa-se que ele não seria estável.
Até a menor perturbação (inclusive aquela causada pela sua tentativa de
viajar através do buraco) poderia provocar o seu colapso.
Finalmente, mesmo que buracos de minhoca existam e sejam estáveis, são lugares muito pouco agradáveis para se viajar. A radiação que cai no buraco de minhoca, proveniente de estrelas próximas, radiação de microondas cósmica de fundo, etc., vai sofrendo desvios para o azul, portanto para freqüências muito elevadas. Ao tentar passar pelo buraco de minhoca você vai é terminar frito por esses raios X e gama.