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A mulher de barro jazia sobre o altar central. Os deuses, reunidos em círculo ao seu redor, ajustavam mentalmente a intensidade de suas vibrações num acorde uníssono. Uma energia poderosa começou a impregnar o local. E, no momento certo, Zeus aproximou-se do altar e estendeu as mãos sobre a criatura de barro.
- Ó Grande Espírito, que comanda os mundos visíveis e invisíveis, que engendrou a luz e as trevas, eu convoco sua força criadora. Faça de mim um veículo de sua energia e que seja eu capaz de insuflar a vida nesta criatura. Que seja ela um ser vivente, um corpo capaz de abrigar um espírito divino.
E deixou verter sobre a criatura o sangue rubro de um touro sacrificado. O sangue escorreu pela mulher e foi logo absorvido pelo barro. Suas feições foram se tornando mais suaves e o barro tomou uma cor rosada.
- Receba o sangue vivido que a tornará um ser vivente. Que o barro se transforme ao contato com o sangue do sacrifício, que se torne carne, fibras, músculos, ossos, nervos, entranhas e órgãos.
A criatura de barro desapareceu totalmente e deu lugar a um corpo humano feminino perfeito e belíssimo.
Hélio aproximou-se, trazendo nas mãos um vaso dourado, cheio de fogo sagrado e despejou-o sobre a moça. Esperou que a energia ígnea escorresse pelos canais sutis de seu organismo e se dividisse em duas partes, indo uma para o coração e outra para a base da coluna. Em seguida curvou-se, chegou seus lábios aos lábios da jovem ainda inerte e falou:
- Eu lhe insuflo o sopro divino.
Uniu seus lábios aos dela e soprou. No mesmo instante, ela deu um suspiro profundo e abriu os olhos.
Os deuses continuavam concentrados. A vibração do momento continuava intensa, fazendo ver que o ritual ainda não terminara.
Zeus, então, voltou-se para os deuses e disse:
- Aproximem-se, um de cada vez, e transmitam a esta mulher todos os atributos que deve possuir para que seja bela e fascinante aos olhos de qualquer um que dela se aproximar.
Ártemis deu um passo à frente e estendeu a mão direita sobre a moça.
- Que seja para sempre a depositária da graça e da leveza.
Voltou para seu lugar, sendo substituída por Atena.
- Eu lhe confiro a inteligência e o dom da arte da tecelagem.
Cobriu-a com sua manta e ofereceu-lhe o próprio cinto adornado de pedraria.
Afrodite se aproximou.
- Eu lhe ofereço a beleza e mais que a beleza, o desejo que atormenta os sentidos.
Um a um, os deuses foram se aproximando e dotando a jovem com todos os dons. E, por último, chegou Hermes. Aproximou-se dela com um sorriso matreiro nos lábios. Estendeu a mão direita e falou:
- Eu encho o seu coração com a mentira, com a astúcia, com as artimanhas, com o fingimento e com o cinismo.
Por fim, Zeus tomou-a pela mão e fez com que se levantasse.
- Erga-se e ingresse no mundo dos deuses. Seu nome é Pandora.
Pandora levantou-se e colocou-se no círculo, entre os deuses. A vibração continuava cada vez mais intensa. O ritual ainda não terminara.
De frente para o altar, Zeus abriu os braços em cruz.
- Neste momento e com o poder de que estou investido, faço adormecer em sono profundo todos os seres humanos, geração de Prometeu.
Prometeu, atado à pedra, ouviu o chamado de seu nome. Abriu os olhos e viu os homens caírem ao solo, profundamente adormecidos. Sua divina intuição lhe disse que algo os ameaçava. Tornou a fechar os olhos e procurou relaxar. Em sua tela mental foi surgindo a silhueta dos deuses reunidos no ritual. Respirou fundo e, mentalmente, foi separando seu corpo espiritual do físico, dorido, sofrido, amarrado à pedra escarpada. Leve, flutuou no espaço e, rapidamente, dirigiu-se ao Santuário dos Santuários. Ficou parado, no alto, procurando compreender o significado da cerimônia. Zeus continuava a falar, mergulhado em meio a uma energia dourada:
- Deste momento em diante, divido os seres humanos em duas partes. Numa delas, torno o aspecto masculino e, na outra, o aspecto feminino. Ao despertarem não serão mais andróginos, mas serão machos e fêmeas.
Com um gesto, chamou Pandora e colocou a mão sobre sua cabeça. Continuou:
- Às fêmeas, transmito todos os dons que lhe foram legados, Pandora.
Fechou os olhos, por instantes, em concentração. Depois voltou a abrir os braços em cruz.
- E aos homens e às mulheres determino que jamais voltem a encontrar seu oposto complementar, inibido, dentro de si. Deste momento em diante estão os seres humanos condenados a só procurarem o oposto que os complementará fora de si.
Neste instante, o espírito de Prometeu flutuou no ar e pousou, muito leve, em frente a Zeus.
- Por favor, Zeus, eu lhe suplico! Não condene os seres humanos a tão duro sofrimento. Eles não têm culpa de serem como são. O erro foi meu, que os criei cheios de imperfeições e já estou sendo punido por isto. Ao criá-los, pretendi que evoluíssem em inteligência e espírito, até transformarem-se em deuses. Por favor, Zeus, dê a eles ao menos uma chance.
Zeus olhou a figura etérea à sua frente e teve pena da tristeza que viu estampada em seu rosto.
- Está bem – disse por fim -, não mudarei o que foi feito, mas determino que somente o ser humano que for capaz de encontrar seu oposto complementar dentro de si mesmo, terá oportunidade de evoluir até transformar-se em um deus. E assim deixo gravada a minha Vontade.
A imagem fluídica de Prometeu sumiu por completo, a vibração do local foi se tornando suave. O ritual terminara.
No céu, Selene já procurava a linha do horizonte para recolher seu carro de prata e Hélio partiu, apressado, pois os dedos rosados de Aurora já tinham aberto as cortinas da noite para deixar sair sua carruagem de fogo.

Extraído do livro "OLIMPO, A SAGA DOS DEUSES", de Márcia Villas-Bôas, editora Siciliano.