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finkwell.gif (1080 bytes)Textos - A cultura da irresponsabilidade

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João Caiado Guerreiro
Hoje, em lugares cimeiros poucos são aqueles que assumem responsabilidades, que apontam objectivos, traçam rumos e tomam e executam decisões. E que aceitam que se não conseguiram, se não atingiram os seus objectivos, são eles os responsáveis.

in Semanário Económico - Portugal


Uma mulher ou um homem que se proponha determinadas metas e que, se as não atingir, diga «a culpa é minha», é coisa rara. O normal transformou-se em extraordinário.

Sob os nomes de “diálogo”, “tolerância” e “solidariedade” fomenta-se uma cultura de indecisão. De permissividade e laxismo. Em suma, de irresponsabilidade.

Os hospitais têm milhares de pessoas em listas de espera: a culpa é do sistema. A TAP é um buraco financeiro; a culpa é da Swissair, do mercado, de todos… menos dos gestores. O Estado gasta dinheiro a mais e a produtividade do sector público é baixíssima: aumentam-se os impostos sob a capa de uma reforma fiscal. Os portugueses que paguem a crise e os custos da má gestão. O governo não têm nada que ver com isso. Contrataram-se cinquenta mil novos funcionários públicos mas os serviços públicos não melhoraram nem um bocadinho; ninguém se acusa.

Há um problema para resolver, a solução mágica é ... o “diálogo”. Estudar, trabalhar, tomar decisões, pagar os custos de decidir e executar, porque decidir e executar tem custos: isso é que não.

Nós, portugueses, somos pouco exigentes com os nossos governantes. Os “brandos costumes” têm este lado mau. Esta tendência para perdoar o imperdoável. Para aceitar que é impossível acabar uma obra pública dentro do prazo, resolver um problema, fazer uma reforma.

Ora, a tendência para, na expressão popular, «fugir com o rabo à seringa» sempre existiu. Acontece que, em determinados períodos, houve quem tentasse lutar contra isso. Agora não. Quem é responsável e devia dar o exemplo faz o contrário: não assume as suas responsabilidades. Portugal foi “repreendido” pela Comissão Europeia pelo seu mau desempenho económico: o governo não tem nada que ver com o assunto.

O sistema educativo funciona mal, os alunos não aprendem, os professores não têm condições para ensinar. É assim a vida. A violência nas escolas aumenta todos os anos. Vem logo algum especialista explicar que isso também acontece noutros países. A insegurança é cada vez maior, arranja-se logo outro especialista para explicar que no estrangeiro também é assim. Em vez de se procurar resolver os problemas, justifica-se a sua existência.

Esta cultura de irresponsabilidade, que grassa por aí, é o oposto da excelência, do esforço constante de fazer mais e melhor, de tentar ir mais longe, de estabelecer objectivos ambiciosos e assumir as culpas de não os atingir. A irresponsabilidade protege a mediocridade e é sintoma de decadência.


Sucede que já não estamos sós. Competimos num mercado global. As novas tecnologias trouxeram a competição à escala mundial. Se nós, portugueses, não fizermos nem produzirmos, outros, mais bem preparados e esforçados, tomarão o nosso lugar. Teremos médicos e enfermeiros espanhóis; dentistas brasileiros; engenheiros dos países de leste. Os nossos produtos perderão os seus mercados. As nossas empresas serão compradas por estrangeiros ou desaparecerão. Ficaremos todos mais pobres.

O exemplo que se está á dar aos jovens é um logro. Em vez de um sistema de educação exigente, adaptado às realidades, preparando os alunos para um mundo cada vez mais competitivo, aposta-se no facilitismo. Sucede que a realidade é a mesma, ainda que se esforcem por a esconder ou dourar. Os custos vão ser pagos por quem vier a seguir. Sobretudo pelas novas gerações. Aquelas que não preparámos para o futuro. A quem não explicamos que a liberdade só pode ser vivida com responsabilidade. Apetece citar Lincoln: «É possivel enganar todas as pessoas por algum tempo; até é possivel enganar algumas pessoas todo o tempo, mas não é possivel enganar todas as pessoas durante todo o tempo».

P.S. - Segunda-feira, já depois de ter fechado esta coluna, soube do drama da queda da Ponte de Entre-os-Rios, consequência trágica da falta de responsabilização daqueles que gerem a administração pública. Pena que seja preciso haver mortes para que se assuma a responsabilidade política.

Sugeriram-me que desse um nome a esta página. Ao rever mais de um ano de frutuosa colaboração com o Semanário Económico, reparei que, apesar de numerosos e-mails de apoio, escrevia quase sempre contra a opinião publicada dominante e nem sempre sobre negócios. Daí o nome “Negócios à parte”. Achei que se aplicava. Quando escrevo, recordo-me quase sempre do poema de José Régio: «“Vem por aqui” – dizem-me alguns com / olhos doces, estendendo-me os braços, e / seguros de que seria bom que eu os ouvisse / quando me dizem “ Vem por aqui”./ Eu olho-os com os olhos lassos há nos meus / olhos ironias e cansaços) e cruzo os braços, / e nunca vou por ali ... (...)».