VIDA PLENA E FELIZ NO CÉU

Referente às questões sobre o que será aquela possibilidade sombria, chamada inferno, em geral, as pessoas parecem ter respostas muito claras. O imaginário religioso descreveu aquela possibilidade com exatidão e ricos detalhes.

Quando, porém se trata de céu, as descrições, em geral, permanecem sem cor e o imaginário religioso fica muito vazio. A iconografia apresenta-nos anjos jubilosos e coros entoando aleluia; os pintores recorrem ao ouro e o máximo que muitas pessoas conseguem imaginar é um tipo de corte celestial, funcionando como a de algum imperador do passado ou de algum monarca contemporâneo.

Com isso, a imaginação pára e o homem moderno, acostumado à democracia e participação, ou sonhando em construir estruturas igualitárias e participativas, pergunta-se o que ele vai fazer na pompa de uma tal corte.

Aqueles que gostam de coros gregorianos, ainda podem imaginar-se como integrantes de algum coral celeste, enquanto que os adeptos do hard-rock ficam meio desapontados diante da questão, pensando como os seus ritmos preferidos poderiam ser encaixados naquelas cerimônias majestosas.

O resultado de toda essa situação: a maioria dos cristãos, no fundo, não sabe como imaginar aquilo que a sua religião lhes apresenta como o seu último destino, como resposta a todos os seus anseios e cume de toda a sua existência, isto é, a situação de céu. Por causa da falta de alguma verdadeira descrição, este céu, para muitos, não apresenta grandes atrativos e em vez de preocuparem-se com ele, preferem organizar a sua vida terrena de maneira mais agradável possível. O céu, "deixam para os pássaros e os padres", assim como o famoso poeta Heine tinha costume de dizer.

É diante de todo esse quadro decepcionante, que se formula com vigor renovado a necessidade de refletir sobre aquilo que a religião cristã nos apresenta como o nosso destino final. Como imaginar aquilo que Deus tem planejado como último e eterno fim de nosso ser?

A linguagem religiosa fala de vida em plenitude. Como saber o que é vida em plenitude? Vale a pena recorrer às nossas próprias experiências de vida, para que possamos compreender melhor o profundo significado das expressões com as quais se tenta falar de céu: "vida eterna", "vida plena", "felicidade sem fim".

Caso a nossa vida se apresente marcada por dores, problemas, doenças, tensões e desgraças, ninguém falaria de uma vida em plenitude. Isso significa que todas aquelas situações negativas e toda e qualquer outra experiência negativa que podemos imaginar, não podem fazer parte daquilo que é céu. Quando ficamos sozinhos, isolados, em situação de solidão ou abandono, não temos a impressão de viver em plenitude. Uma vida em plenitude deve ser diferente. É o mínimo que podemos esperar. Na realidade, porém, devemos esperar o máximo e além do máximo.

O grande visionário autor do Apocalipse descreve esse máximo numa visão grandiosa que resume tudo aquilo que imaginamos ser a situação existencial de céu: Eis a morada de Deus com os homens. Ele habitará com eles. Eles serão seu povo e ele será o Deus que está com eles. Ele enxugará toda lágrima de seus olhos. Já não haverá morte. Não haverá mais luto, nem clamor, nem sofrimento, pois o mundo antigo desapareceu (Ap 21, 3-4).

Aqui não se fala nem de cortejos nem de cânticos, mas de convivência harmoniosa entre pessoas, de vida sem desgraças e de comunhão com aquele que nos ama, Deus, o eterno apaixonado por nós, os seus filhos amados. Esta convivência não é descrita como sujeita a rituais litúrgicos e regras de estratificação social, mas como comunhão e participação das pessoas, não só com Deus, mas também entre si. Não haverá ódio nem inveja nem rejeição de uns pelos outros.

Em vez disso, retrata-se uma convivência harmoniosa, marcada pela experiência de ser amado, de ser amparado na ternura de um Deus apaixonado, sem nenhuma estratificação, nem conforme critérios sociais, nem de santidade nem de dignidade: eis a situação de céu. Nas vezes em que o próprio Jesus descreve tal estado, ele recorre a imagens de festa, de casamento e de banquete.

VIDA PLENA

Quando Jesus evoca a imagem de banquete e de festa de casamento, ele imagina aquilo que vivia em sua cultura: festa, transbordando de alegria, à qual todos estão convidados. Celebração da vida, sem marginalização nenhuma. Consumação e plenificação de todos os anseios do coração humano: assim devemos imaginar céu. Uma situação de vida plena, onde ninguém será excluído e ninguém abaixado. Comunhão e participação de todos os seres humanos, sem distinção de classes e raças, onde não haverá nem senhores nem escravos, nem chefes e subordinados, nem privilegiados e marginalizados, mas irmãos e irmãs.

E esses irmãos e irmãs não serão almas sem estrutura, mas pessoas plenas, inteiras. Cada uma com as suas características e as suas capacidades. Todas as potencialidades plenamente evoluídas. Cada um aceito por todos e todos aceitando cada um, assim como ele ou ela é. Enfim, cada um poderá ser ele mesmo, sem máscaras e sem rejeição. E essa comunhão e participação de todos, é culminada pelo fato de Deus também fazer parte dela. Presente e visível a todos, de tal maneira que, nele, enfim, todos os anseios do coração, jamais satisfeitos, serão saciados.

Nessa harmonia plena, da qual a harmonia estática de dois namorados só é uma pequena imagem, nesta harmonia consigo mesmo, com Deus e com todos os seus irmãos e todas as suas irmãs, o homem, enfim, terá condição de realizar tudo aquilo que sempre sonhou. Existindo de nova maneira, abaixo de um novo céu e numa nova e transformada terra (Ap 21,5; Is 65,17-19), cada um chegará à realização plena de sua própria personalidade. O artista será artista em plenitude, o matemático será matemático em plenitude, e o pescador, por que não?, poderá pescar como sempre sonhou.

O universo inteiro, na sua imensidão, vai se oferecer para ser descoberto. E, quem sabe, não só o universo como o imaginamos, mas inúmeros outros universos paralelos, dos quais a cosmologia, hoje, só fala em termos hipotéticos. E todos esses universos estarão transparentes para aquele que está atrás de tudo: Deus, o seu criador. Descobrindo os universos, descobriremos sempre novas faces dele. E descobrindo Deus, explorando Deus, perdendo-nos em Deus e apesar disso permanecendo aquilo que somos, viveremos o êxtase de vida plena.




PÁGINA PRINCIPAL