Site hosted by Angelfire.com: Build your free website today!

·.O.· ·.Dança.· ·.Música.· ·.Al-Manar.· ·.Dicas.· ·.Internet.· ·.Eventos.· ·.Catálogo.· ·.Dunia.· ·. [~|~] .· ·. [=] .· ·. @ .·

Suheir Zeki

 Fazendo o corpo cantar
 Suhair Zaki pode ter se aposentado, mas não perdeu sua aura de glamour

Texto original, de Francesca Sullivan: Cairo Times

Anwar Sadat, uma vez, a chamou de "the Umm Kulthoum da dança." "Da mesma forma que ela canta com a voz, você canta com o corpo", ele lhe disse. O presidente estadunidense Nixon a chamou de "Zagharit," quando soube que essa palavra é uma expressão de alegria. Ela recebeu elogios e medalhas do xá do Irã, do presidente da Tunísia e de Gamal Abdel Nasser.

Suheir Zeki

Uma pergunta: o que acontece com uma estrela depois de fazer seu último agradecimento à platéia, pendurar sua roupa pela última vez e fechar suas portas ao público? Após uma vida inteira de dança, sob o olhar do público, recebendo o carinho e amor de uma devotada audiência, ir para casa deve ser entediante.

Suhair Zaki mora a alguns passos de um dos cabarés que iluminava a rua das Pirâmides em seus dias de glória, quando nela se enfileiravam ricas casas - a maioria, agora, demolida para dar lugar a quarteirões de apartamentos - e o público dos bares noturnos ainda era a nata da sociedade egípcia. Quando Suheir estava em seu auge, os cabarés da Rua Haram cresciam em número para satisfazer os ricos clientes que vinham dos países árabes. Agora as luzes se atenuam, muitos desses lugares já não existem, substituídos por supermercados e cybercafes.

A apenas um quarteirão de distância da rua principal, o bairro não é mais que decadência. Mas entrando no apartamento de Suheir, ainda vemos grandiosidade: a sala de estar ostenta candelabros cintilantes e tapeçarias, iluminada lindamente como um set de cinema. Perfeitamente pontual para nossa visita, Suheir chega andando suavemente, vestida com um elegante terninho laranja e brilhantes jóias de turquesa. O cabelo bem arrumado, a maquiagem fresca. Pareço ouvi-la dizer "I’m ready for my close-up now, Mr. DeMille", só faltaria a escadaria. Mas ao invés disso, ela caminha com firmeza pela sala, segura de onde ficar ou sentar-se em frente à câmera. Quando comento isto ela sorri: "Não se esqueça que meu marido era câmera. Foi em um filme que nos encontramos", e posa para as fotos com toda a naturalidade. Mas espere... Se estamos interessados na vida de uma lenda, talvez seja melhor começar do início.

Suheir Zeki nasceu em Mansoura, onde ela e sua família viveram até seus nove anos, quando se mudaram para Alexandria. Música e dança não eram o forte da família: seu pai trabalhava no ramo de construção civil e sua mãe era enfermeira. Mas Suheir se apaixonou por ambos desde pequena e aprendeu sozinha a dançar, ouvindo o rádio. Seu talento natural se revelou cedo e ela era notada nas festas de aniversário e casamento de seus amigos e parentes.

"Eu ia direto da escola para o cinema, assistir a Tahia Carioca e a Samia Gamal na telona. Até cortei meu cabelo imitando a Fairuz", ela conta, se referindo à pequena atriz de cinema do cinema egípcio antigo. O desejo de Suheir de dançar em público superou a desaprovação de seu pai, mas talvez fosse parte de seu destino, já que seu pai morreu quando ela era ainda bem nova, e sua mãe casou-se de novo. Foi seu padrasto que deu um empurrão em sua carreira, arrumando sua orquestra e se tornando seu empresário.

"A melhor época de minha vida, quando olho para trás, foi nesses dias quando comecei a dançar em Alexandria. Eu estava desabrochando, tornando-me mulher, sentindo as mudanças no meu corpo, e no entanto não tinha preocupações e responsabilidades. Sempre tive, na minha carreira, alguém para cuidar da parte dos negócios, alguém dentro da família, que levava no coração os meus interesses e os de minha mãe".

Ela trabalhou regularmente nos bares de Alexandria, onde a audiência era heterogênia, com muitas pessoas da comunidade grega que dominava a cena dos bares naquela época. Fama e fortuna chegaram quando, em 1962, uma festa de celebridades em Alexandria foi transmitida em rede nacional, e a jovem Suheir apareceu ao lado de outros artistas locais. Ela foi notada pelo diretor de TV Mohammed Salem, que foi então em busca da "garota de cabelos longos".

"Eu era a única dançarina daquele tempo que não usava peruca nem muita maquiagem. Ele queria me transformar em apresentadora de TV, e eu fui à audição, mas não me saí bem. Minha voz não era boa, e, além disso, eu só queria dançar."

Mas Suheir foi para o Cairo, onde se apresentava em casamentos e bares até altas horas da madrugada. Sua fracassada audição para apresentadora acabou sendo apenas o começo de sua carreira na televisão.

"Haviam programas de TV semanais com apresentações de dança, como o On The Banks Of The Nile, Adwa’ Al Medina e Zoom. Eu era dançarina solo regular e também dançava o tableaux do coreógrafo Ibrahim Akef," ela diz. Akef, primo da dançarina e atriz Naima Akef e coreógrafo das melhores dançarinas das décadas passadas, ainda hoje leciona. "Ele ensaiaria as dançarinas do grupo; e eu viria na útlima cena. Eles costumavam dizer sobre mim, 'Suheir ouve a música uma vez, e dança sem ensaiar."

Seu preciso ouvido para a música era famoso. "Em toda minha carreira, nunca levantei a voz para um membro da orquestra. Se alguém tocava uma nota errada, eu sabia quem era mesmo se tivesse de costas para ele. Depois, eu o chamava num canto e lembrava exatamente em que parte da música ele tinha errado. Os músicos sempre respeitaram isso."

Embora a televisão tenha ajudado a fazer o nome de Suheir, foram as apresentações nos bares e casamentos que a sustentavam financeiramente. As dançarinas daquela época eram as estrelas dos cabarés, ao contrário de agora, quando os cantores se destacam.

"O primeiro bar em que dancei foi o Auberge, na Rua Haram. Minhas contemporâneas eram Ne’met Mokhtar e Zeinat Olwi, e na geração seguinte tínhamos Nagwa Fouad, Nahed Sabri e Zizi Mustafa. Fifi Abdou dançava um pouco abaixo na rua, no Arizona." Apesar de haver muito trabalho, a competição era acirrada, as dançarinas tentando superar umas às outras no tamanho da orquestra, na riqueza das roupas e assim por diante.

Minha maior rival era a Nagwa Fouad - competíamos ferozmente. Se íamos dançar no mesmo lugar na mesma noite, corríamos para vestir-nos e levar a orquestra ao palco antes da outra. Enquanto Nagwa adorava flashes e empompava tanto suas performances que elas pareciam shows de Las Vegas, Suheir era o extremo oposto. Raqia Hassam, renomada professora e coreógrafa que levou Suheir ao Oriental Dance Festival, reafirma sua popularidade:

"Suheir Zaki sintetiza a dançarina 'natural'. Saltava aos olhos sua simplicidade: ela traduzia a música com precisão e naturalidade, sem excessos e extravagâncias. Seus passos têm impressão duradoura e até hoje são ensinados. Ela sempre foi ela mesma em frente ao público - nunca representou. Tal qual você a vê, frente a frente, agora: calma, falando macio e educada, assim era ela em cima de um palco."

A imagem clichê da dançarina oriental - sensual, sedutora e impetuosa - entra em conflito com essa descrição. E, talvez por isso, explica por que Suheir Zaki manteve-se no controverso mundo da dança com sua reputação praticamente intacta. Ela orgulha-se de dizer que dançou nos casamentos das filhas de Gamal Abdel Nasser e Anwar Sadat; que foi constantemente escolhida para entreter os visitantes ilustres, desde o ministro da defesa russo até o presidente estadunidense, e que, quando se tornou a primeira dançarina que ousou interpretar as reverenciadas músicas de Umm Kulthoum no palco de um bar, contou com a aprovação da própria cantora.

"Numa noite, estávamos indo de um show para outro quando Inta Omri, de Umm Kulthoum, tocou no rádio. Eu disse que seria lindo dançar aquela música. Seu ritmo, sua melodia complexa, me fazem querer levantar e dançar. Apesar de fervorosas objeções, bati o pé fui em frente. Aconteceu do Mohammed Hassanein Heikal, que comandava o Al Ahram, estava na platéia naquela noite, e ele escreveu sobre isso no jornal. Logo fomos chamados para apresentar-nos em uma festa de elite em uma casa no Zamalek," lembra Suheir. "Assim qie começamos a tocar uma música da Umm Kulthoum, me deparo com essa senhora em pessoa entre o público! Eu e os músicos gelamos, rezamos para vir um terremoto e a terra nos engolir. Mas quando acabou o show, Umm Kulthoum veio até nós e nos parabenizou! Disse que tínhamos sido maravilhosos e que estava encantada com a banda, que tinha tocado a música tão bem, música que ela mesma tinha cantado algumas semanas antes, precisando de muitos ensaios com a orquestra. Foi o maior elogio que eu jamais poderia receber. Depois disso, fiquei famosa por dançar as músicas dela na televisão, e foi isso que realmente espalhou minha fama pelo mundo árabe."

É claro que o cinema também ajudou. Suheir fez mais de 100 filmes ao longo de sua carreira, ao lado de estrelas das telas como Farid Shawqi, Shokoukou e Shadiya. Ao contrário de dançarinas anteriores como Tahia Carioca, Naima Akef e Samia Gamal, ela nunca gostou muito de atuar. Seus papéis eram geralmente pequenos; ela ia para dançar. Mas ela garante, "se pusessem minha foto no pôster do filme, atraíam multidões." Ela encontrou seu marido, Mohammed Amara, em um set de cinema. Foi um casamento feliz, já que ele era de uma família acostumada às pressões do mundo artístico. O sogro dela, Ibrahim Amara, é tido como responsável por levar Abdel Halim Hafez para as telas em seu primeiro filme, Lahn Al Wafa’ (Canção da Sinceridade), e o tio do marido dela era o renomado diretor Hassan Al Seifi.

"Meu marido, por ser artista também, me compreendeu. Tínhamos muito em comum." No entanto, a vida de casados tinha que se espremer entre seus compromissos com os bares, TV e cinema, e custaram muito a conseguir formar uma família.

"Engravidei várias vezes, mas sempre sofria aborto, talvez por causa das pressões do trabalho. Só consegui ter um filho quando já começava a ficar tarde demais. E isso o torna ainda mais importante para mim." Como se tivéssemos combinado, o filho de Suheir, Hamada, entra no quarto. Ele tem quinze anos, e está estudando muito para as provas. "Para o ano, inshallah, ele irá para a faculdade nos Estados Unidos", diz Suheir.

No final dos anos 80, o cenário da dança começou a mudar, e Suheir, vendo o andar da carruagem, começou a pensar em despedir-se dignamente. Grandes mudanças já se faziam na maneira que a sociedade via a dança. "Um dos dias mais tristes da minha vida foi quando a dança foi tirada da televisão. Foi Deus que me deu a fama, mas foi a televisão que me levou às casas das pessoas. Lembro de ouvir o anúncio, no rádio, das celebrações de aniversário da televisão, e não haveria dançarinas. Eu tinha participado daquele evento todos os anos, desde que começou. Chorei muito."

Houveram outras razões, também, para que Suheir decidisse se aposentar. O visual das dançarinas estava mudando. Veja as roupas, por exemplo. No meu tempo, usávamos volumosas saias de chiffon e parecíamos princesas. De repente, tudo virou lycra. Quando você gira, a lycra não se move com você, ela gruda. Ser dançarina não é mostrar seu corpo e posar num palco. É mostrar a arte de dançar. Eu nem olhava direto para alguém da audiência antes de acabar o show e agradecer." Apesar dessa afirmação, filmagens antigas de Suheir entregam que ela gostava de usar seus olhos tanto quanto seu corpo. E se você apontar a câmera em sua direção, ela mira a lente com um olhar penetrante e carismático.

O fluxo de dançarinas estrangeiras para o mercado - que só começou quando Suheir deixou a cena, também não a impressionou. "Às vezes parece ter uma invasão das russas. Se eu fosse um empresário egípcio levando clientes para um bar, por que pagaria uma nota alta para assistir uma estrangeira dançar? Na abertura do festival do ano passado, vi algumas estrangeiras dançando no palco. Fiquei impressionada vendo a música fazendo uma coisa e elas fazendo outra completamente diferente!"

Sair pela cidade é coisa rara dela fazer agora, ela diz. Fica em casa, cuidando da família e os poucos amigos íntimos. O que nos traz de volta a questão inicial. Como é virar as costas a algo que você amou por tanto tempo?

"Da primeira vez que larguei a dança e resolvi aposentar, fiquei deprimida muito tempo, e pesava mais de oitenta quilos. Meu marido estava preocupado e me levou ao médico - o marido da atriz Hind Rostum. Ele me olhou e disse, 'É simples: você sente saudades da vida que tinha, assim como Hind. Você era festejada e adorada, e agora ninguém está te vendo.'", diz Suheir. "Ele me preparou uma dieta, e eu comecei a exercitar-me. Vou ao clube regularmente, caminho, e como bem pouco. Meu maior conselho, se você quer parecer jovem: durma o máximo que puder. Eu durmo pelo menos 9 horas por noite." Suheir Zeki no Festival Ahlan Wa Sahlan

Quando foi convidada para participar do festival por Raqia Hassam, Suheir relutou em aceitar. "Mas fui persuadida por colegas, que disseram que seria bom para mim e para a dança." Raqia ficou impressionada pelo impacto que a presença de Suheir causou nos agendamentos. "Só quando a agenda começou a lotar que eu pude compreender o quão adorada a Suheir é no mundo todo. Quase toda dançarina que veio ao festival fez a incrição para o workshop dela."

Talvez o evento tenha mostrado para Suheir o tamanho do impacto que sua carreira fez na dança. Ou isso é algo que ela já sabe mas prefere não valorizar demais. Como diz uma famosa canção de Umm Kulthoum, "Então você quer voltar aos velhos tempos? Tente pedir a eles que voltem como eram."

"Aqueles dias nunca voltarão - a atmosfera, os convidados. Onde estão agora? A Dança Oriental foi minha vida. Tenho meu filho, meu marido. Mas as melhores lembranças de todas são da dança."

Dança do Leste > Biblioteca da Dança > Dançarinas Famosas > Suheir Zeki