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O ensaio a seguir foi escrito por Me'ira (EUA), e fala das danças que existiram e existem na região do Oriente Médio.. É importante lembrar - sempre - que quando falamos de Dança na antigüidade não estamos falando da Dança do Ventre, e sim das danças que existiam na época, que podem ou não ter influenciado, ao longo de tanto tempo, na formação do que hoje conhecemos como dança do ventre...

Uma História Mundial da Dança Oriental

Grécia Antiga e Macedônia
Referências Bíblicas
Índia
Dança no Egito Antigo
Egito Medieval e as Ghawazee
Turquia e o Império Otomano
Música árabe na Pérsia e Espanha

 Grécia Antiga e Macedônia

Os gregos participavam de ritos religiosos esotéricos que incluíam dança. Os ritos de Dionísio e Baco são os mais comentados, mas havia muito mais deidades, especialmente as de fertilidade. No santuário da deusa Ártemis no sul da Grécia, corais de garotas cantavam e dançavam em sua honra. Em Esparta, moças vinham ao santuário de Ártemis e executavam danças desenfreadas de êxtase para a deusa, vestindo apenas roupa íntima. No templo de Ártemis na Ásia Menor também há menção a mistérios onde as sacerdotisas donzelas entravam em "danças extáticas".

Havia também a deusa Hécate, deusa misteriosa das artes mágicas. Ela tinha poder sobre os mortos e era adorada à noite, em ritos secretos que sem dúvida incluíam dança. Pã, o antigo deus da natureza, também era adorado em mistérios e danças noturnos no mundo grego. Havia também mistérios celebrados em honra a Afrodite, deusa do amor e fertilidade humanos na ilha de Chipre. Danças extáticas e obscenas ao som do tímpano (um tipo de címbalo) faziam parte desses ritos. E havia também os mistérios maiores celebrados perto de Atenas, para Deméter e Perséfone.

Os gregos "tomaram emprestado" muitos desses cultos da Trácia, Síria, Frígia, e Ásia Menor em geral. Eles eram muito caracterizados por danças noturnas de frenesi, com gritos enlouquecidos, ao estimulante acompanhamento de flautas estridentes, tímpanos, snujs, castanholas de madeira, cerâmica ou metal, chifres e chocalhos. Também há menção a manuseio de cobras, transes, profecias e até auto-mutilação. Alguns eram executados abertamente e outros apenas em segredo. Nessas situações, música e dança eram usadas como forma de "remédio" para males do corpo e do espírito, como é visto em cultos de "dança de transe" que ainda sobrevivem em muitas partes do Oriente Médio.

Pouco se sabe dos ritos onde Felipe da Macedônia (pai de Alexandre, o Grande) encontrou sua futura esposa, Olímpia. Mas eles são registrados como ocorridos à noite, assistidos por transgressões dionisíacas. Os cultos eram muito antigos, provavelmente fenícios de origem, e arraigados na adoração à natureza. O misterioso ritual era conduzido por luz de tochas. Olímpia era uma princesa do lugar do antigo oráculo de Dodona, e devia ser-lhe familiar o misticismo dos cultos das fronteiras do sul e oeste do mundo grego. Ela é, de fato, dita sacerdotisa de Dionísio que levava suas seguidoras a ritos orgiásticos onde cobras aparentemente tinham um papel importante. Um autor antigo escreveu do hábito dela de tirar cobras domesticadas de cestas de vime e "permitir-lhes enrolar ao redor dos torsos das mulheres de modo a aterrorizar os homens". Diz-se que Felipe eventualmente ficava tão nervoso com as práticas religiosas de sua mulher que sua afeição esfriou, e "raramente vinha dormir com ela".

Enquanto os gregos de tempos clássicos deploravam o "profissionalismo" de qualquer tipo, é bem provável que membros das classes mais baixas constituíssem dançarinos e músicos "profissionais". A transição de religiosa para profana é uma grande mudança para a dança em todo lugar que acontece. As "symposia" ou dançarinas cortesãs de jantares eram chamadas para divertir. Em vasos gregos eram pintadas com pouca roupa, ou totalmente nuas, dançando animadamente ao som de flauta. Essas cortesãs também dançavam uma variedade de dança com elmo, escudo e lança. As assim chamadas "Danças Iônicas" são associadas às cortesãs, tidas como notórias por sua leveza e lascividade.

Os passos e números que as cortesãs gregas faziam se parecem muito com aqueles associados às danças de comédia. Incluídos nesse gênero estavam vários números cuja característica essencial era uma rotação de quadris e abdômen; o mesmo movimento foi encontrado nas danças das cortesãs. Um número ou dança como essa é denominada "makter" ou "maktrismos", ambas palavras derivadas de "maktra". Sabemos que envolvia um lascivo balanço de quadril. Uma dança similar chamava variadamente "igde, igdis, igdisma", derivados da palavra para "a mortar", que remete a um verbo que significa "moer, triturar". Essa dança deve ter incluído tanto uma rotação de quadril quanto um ocasional puxão brusco, sugerindo triturar. Era com certeza uma performance profana, e não um tipo de "dança folclórica" sobre a moagem de comida, como alguns estudiosos sugeriram. Só falta o nome para ser uma alegre versão da nossa "dança do ventre".

Do séc. IV até os tempos greco-romanos encontra-se na literatura grega queixas de que a dança é deteriorante. "Em tempos antigos...os dançarinos moviam-se modestamente, e seguravam suas roupas com decência. A ênfase era nos pés e gestos de mãos." Com a popularidade do cristianismo, muitos dos dançarinos foram forçados a retirar-se da capital para cidadezinhas, e alguns foram para o leste, para Constantinopla, onde espetáculos e danças ainda eram populares.

 Referências Bíblicas

Qualquer discussão de referências a dança na bíblia será, necessariamente, polêmica. E qualquer "prova" que algum pesquisador possa mostrar, uma dúzia de outros pode refutar. Contudo, apresento o seguinte como um comentário sobre a função da dança na cultura do Oriente Médio.

O Cântico de Salomão tem tido várias interpretações por estudiosos da bíblia que explicam a fundo coisas como a relação da igreja com deus, etc. Mas Carlos Suares conseguiu uma aproximação única em sua interpretação, explorando o significado de cada palavra pelo código da cabala, além do significado normal. A linha da canção que geralmente é traduzida como "suas coxas roliças são como jóias" foi traduzida por Suares como "As curvas de seus quadris parecem tormentar a si mesmas." Ele observa que a palavra hebréia "yerekh" significa tanto quadril quanto coxa e a tradução de hhalaeem como "jóias" é errada na versão ortodoxa. A raiz de hhalaeem, ele afirma, é "hhal" que significa "cair, escrever, dançar ou tremer". Logo, "as curvas de seus quadris parecem tormentar a si mesmas", que é uma descrição perfeitamente sensata de dança do ventre. No cântico de Salomão há referências à fertilidade de Sulamita, uma "guarda das vinhas", e referências à lua, um antigo símbolo feminino. Como se não bastasse, nossa Sulamita usa véus. O Cântico de Salomão, seja qual for seu simbolismo cristão, traz grande similaridade com antigas canções de amor egípcias, tanto em estilo quanto em espírito. É, em todo caso, uma composição muito antiga.

A segunda passagem pertinente na bíblia é a conhecida estória de Salomé, que, diz-se, dançou pela cabeça de João Batista. Antes de discutirmos essa estória de novo, considere que no tempo da bíblia estórias eram criadas. A maior competição pelo coração das pessoas era as muitas religiões pagãs que já existiam, muitas das quais eram cultos de fertilidade ou à Grande Mãe. Há numerosas referências a esses cultos, se entendermos que eles freqüentemente continham árvores sagradas ou bosques de árvores onde os rituais eram conduzidos. Também se encontra na bíblia muitas referências a "bosques", e montar altar em bosques, onde o protagonista é condenado. É possível que a história de Salomé seja uma interpretação cristã de uma lenda pagã, cujo objetivo era só condenar os adoradores pagãos.

Com isso em mente, Buonaventura sugere outra interpretação dessa estória. Uma das antigas lendas da deusa Ishtar, deusa babilônica do amor e fertilidade, conta sua ida ao Submundo, o que gerou as estações. Quando Ishtar desceu por seis meses do ano, a terra morreu e nada nascia; quando seu marido desceu por outros seis meses, a terra renasceu e tudo celebrou o seu retorno. Quando Ishtar é forçada a visitar o submundo, ela passa por sete vezes sete portões. A cada sétimo portão ela deve despir-se de um de seus "atributos" (riqueza, poder, beleza) de modo que chegue nua e indefesa, como realmente todas as pessoas que morrem passam pela morte. A "Dança dos 7 véus" simboliza os 7 portões pelos quais Ishtar (Inanna, Deméter/Perséfone) teve que passar em sua jornada ao submundo. A palavra hebréia "Shalom" significa "bem vindo", logo "Salomé" podia muito bem ter feito uma versão de uma antiga dança pagã de boas vindas. Se essa dança aconteceu, ou se é meramente uma recontagem simbólica, deixo para os estudiosos da bíblia debaterem. Mas é outra ligação entre os cultos de fertilidade do mundo antigo e o mundo da bíblia.

 Índia

Muitas estatuetas de dançarinas de argila foram escavadas das cidades antigas de Mohenjo Daro e Harappa. Apesar de ser impossível determinar se essas primeiras dançarinas estavam conectadas a ritos religiosos, é com certeza verdade que foram parte importante da religião da Índia hoje. É impossível determinar se essas primeiras dançarinas dos vales hindus estavam envolvidas em alguma forma de prostituição de templo. Os séculos IX e X viram o mais glorioso período de arquitetura de templo, e a beleza deles era complementada pelas devadasis (lit. "servas de deus"). Essas mulheres eram tidas com muita consideração, abrigadas em quartos luxuosos e presenteadas com terras livres de impostos. Cada uma delas tinha se submetido a treinamento intensivo em música e dança, sabiam falar outras línguas, e tinham se 'casado' com a deidade do templo.

Esses "casamentos de templos" eram considerados de sorte para uma garota, já que ela nunca seria viúva. Sua presença, então, em ocasiões prósperas como casamentos e nascimentos era tida como essencial. Muito semelhantes à gueixa do Japão posterior, e às Almeh do Egito, essas mulheres eram de boa educação e boas maneiras e podiam oferecer a seus amos simulações intelectuais, o que suas mulheres não conseguiriam fazer.

A instituição de dançarinas, portanto, se tornou uma parte aceita da sociedade indiana, até depois de se tornar uma sociedade muçulmana na era Mughal. Dançarinas que não eram de templo, conhecidas normalmente como tavaifs, não eram devadasis, mas eram cortesãs sofisticadas e poços de cultura e refinamento. No entanto, as tavaifs também eram "casadas" com árvores e flores no mesmo sentido em que as dançarinas de templo eram casadas com a deidade. A instituição era tão aceita que nenhuma esposa respeitável admitiria estudar canto e dança porque estes só eram necessitados por dançarinas de castas inferiores. Mais tarde, essas dançarinas também ficariam conhecidas como "Bayaderes" e apareceriam em outros países.

Em alguns lugares do sul da Índia e as Altas Cortes de Madras, era permitido a dançarinas de templo adotar filhas de outra profissão ou casta, que então era legalmente intitulada herdeira de sua mãe adotiva. Na sociedade indiana, o nascimento de um filho era bem vindo porque ele poderia herdar a riqueza da família. No entanto, outra opção estava aberta às famílias se só houvessem filhas. Eles poderiam "casar" uma filha ao templo, ela serveria por um tempo como uma devadasi, depois do qual ela voltaria para casa e assumiria todos os privilégios de um filho e herdeiro. A ela seria dado até o importante dever de aplicar a tocha funeral às piras de sua mãe e pai. As devadasis foram ilegalizadas no início do século XIX pelos ingleses, que queriam evitar os abusos do sistema, como raptar garotas para encher os templos. Ainda assim, essas dançarinas são as responsáveis por preservar tanto da cultura e dança indiana como existe hoje.

A dança indiana envolvia formas de dança codificadas e diferentes do que nós conhecemos como dança do ventre. Mas essas dançarinas indianas influenciaram a dança no Egito e nos seus arredores. Também há uma relação óbvia entre a dança do norte da Índia e a dança persa, mas é difícil dizer se os persas influenciaram os indianos ou vice-versa. O declínio do império Mughal e a ascensão do poder europeu nos séculos seguintes viram a gradual decadência de uma forma de dança indiana, a Kathak. Ela caiu, de uma dança puramente religiosa, para uma dança mais voluptuosa, realizada por mulheres de baixa reputação. Foi essa forma distorcida de Kathak que os aventureiros europeus chamaram de "nautch", que era uma corruptela da palavra indiana "naach", que significa dança. Essa infâmia feriu até a reputação das dançarinas de templo e contribuiu para o seu declínio.

Curt Sachs considera a Índia uma possível fonte dos ritmos orientais, tendo a história mais antiga e um dos mais sofisticados desenvolvimentos em ritmo. A outra fonte possível considerada por Sachs é a antiga civilização da Suméria, que influenciou os fenícios e culturas próximas. Não deve ser por acidente que no sânscrito, língua da Índia, não há acento pré-determinado sob sílabas longas ou curtas; os acentos são determinados pelo jeito que caem na frase. O sânscrito nasceu no primeiro milênio a.C.. Cada seção do antigo livro sagrado, o Rigaveda, tem um ritmo diferente associado, de modo que os dois aspectos são aprendidos como um só.

Dançarinas indianas clássicas não usam snujs à maneira das dançarinas do ventre porque suas mãos estão ocupadas fazendo as mudras sagradas. No entanto, snujs ainda são usados em algumas danças folclóricas. Uma variação particularmente interessante ainda é executada pela tribo Kamara. Snujs indianos, chamados de "manjira" são amarrados a partes diferentes do corpo, e é normalmente usado por duas ou três mulheres que sentam no chão. A face da dançarina é coberta com um véu, uma espada desembainhada segurada entre os dentes, um jarro decorado equilibrado na cabeça, e os manjira segurados nas mãos. Então as mulheres equipadas sentam no chão e produzem vários sons, batendo nos manjira amarrados ao corpo. A dançarina permanece no chão, movendo-se e arrastando-se enquanto faz complexos movimentos de braço. Isso é considerado um ritual de fertilidade pelos Kamara, apesar de ter os mesmos elementos de uma dança.

 Dança no Egito Antigo

Para os egípcios antigos, a dança era uma parte essencial da cultura. Pessoas de todas as classes sociais eram expostas à música e à dança. Dançarinos de rua entretinham os passantes, grupos de dança estavam disponíveis para contratos de apresentação, algumas mulheres de haréns ricos eram treinadas em música e dança. No entanto, nenhuma egípcia bem-nascida dançaria em público. Egípcios ricos mantinham escravos para recepcionar em seus banquetes e oferecer uma diversão prazeirosa a seus donos. A mesma idéia é relatada pelos que estudam os países do oriente médio hoje: quanto mais responsabilidade uma mulher tem, menos ela vai dançar. Na verdade, ela deve dançar apenas em alguma ocasião específica, como o noivado de um filho ou filha, para tornar o acordo oficial.

Há pouca informação sobre dançarinas errantes de rua. Mas temos uma lenda interessante sobre o nascimento dos reis da Quinta Dinastia. A estória nos conta como o deus Rá estava prestes a se tornar pai de trigêmeos. A mãe, Ruditdidit, era esposa de Rausir, sacerdote de Rá. Rausir não sabia que o pai da criança era seu amado Rá. Quando Ruditdidit sentiu as dores do trabalho de parto, Rá enviou quatro deusas (Isis, Néftis, Maskhonuit e Hiquit) e o deus Khnumu para ajudá-la. Para chegar sem serem reconhecidas, as deusas se disfarçaram de músicas e dançarinas de rua. O deus Khunumu assumiu o papel de hammal. Quando o grupo chegou e foi informado de que a senhora da casa estava sofrendo as pontadas do parto, eles responderam, "deixe-nos entrar, por Io, somos parteiras treinadas."

Essa estória levanta uma questão interessante. As dançarinas de rua realmente tinham um emprego alternativo como parteiras? E seria esse um desenvolvimento lógico da associação da dança com cultos de fertilidade? Edward Lane, que visitou o Egito no século XIX, descreveu o procedimento para o ritual de tatuagem facial de meninas no Egito, e acrescentou que isso era comumente feito por ciganas itinerantes. Assim como a prática de aplicar desenhos de henna em noivos, tatuar também tem um significado protetor e mágico para os povos das tribos.

A nudez fazia parte da sociedade egípcia. No Antigo e Médio Reino, as mulheres vestiam freqüentemente saias muito curtas e dançavam com os peitos desnudos. Elas freqüentemente dançavam totalmente nuas, exceto pelos cinturões e talvez jóias. Henna era usada para tingir as mãos e unhas, para embelezar e por suas propriedades medicinais e mágicas.

As mulheres do harém eram conhecidas como as "adornadas". Elas estavam lá para agradar e deliciar seus mestres. Mulheres de harém e senhoras da sociedade eram instruídas em canto e dança. Elas também aprendiam a tocar alaúde, lira, harpa e principalmente sistro, que era um instrumento religioso. Danças de harém e banquete eram mais refinadas e sofisticadas do que danças de rua. Elas continham danças solo, de duas, trio ou de grupo. Isso quer dizer que elas criavam coreografias ao invés de simplesmente improvisar. Havia um sistema definido de notação coreográfica. Esses passos e gestos tinham nomes como "o califa, a pesca-bem-sucedida-no-barco, o tocar-de-um-animal, a formosa-captura-da-beleza, a tomada-do-ouro".

Para a sorte de pesquisadores atuais, as danças acrobáticas e em pares do Egito antigo foram descritas por um jovem de Siracusa, que visitou Mênfis no final do século IV a.C.. Ele escreveu a seguinte carta descrevendo o entretenimento oferecido num banquete privado:

"De repente eles desapareciam e em seu lugar adianta-se um grupo de dançarinos que pulavam em todas as direções, reuniam-se novamente, subiam um no outro com uma destreza inacreditável, montando nos ombros e cabeças, formando pirâmides que alcançavam o teto do salão, e então desciam de repente um após o outro para executar novos pulos e admiráveis saltos mortais. Estando em constante movimento, ora eles dançavam sob suas mãos, ora se juntavam em pares, um pondo sua cabeça entre as pernas de seu parceiro, então eles se erguiam mutuamente e retornavam à posição original, cada um sendo alternadamente erguidos e, após cair, erguendo seu parceiro."

Então ele descreve um homem e uma mulher dançando com castanholas de madeira:

"Ora avistei de um bando de músicos, vindo com vários instrumentos musicais em suas mãos, em que reconheço harpas, violões, liras, flautas simples e duplas, pandeiros e címbalos. Estávamos constantemente maravilhados por músicas que eram muito educadamente aplaudidas pela audiência. Então, a um sinal dado, o meio do salão foi tomado por um dançarino e uma dançarina, munidos de castanholas. Estas eram feitas por dois pedacinhos de madeira redondos e côncavos, localizados nas palmas, e davam ritmo aos passos da dança quando bruscamente batidos um contra o outro. Esses dois dançarinos dançavam separadamente ou juntos em harmoniosas configurações, misturadas com piruetas, logo separando-se e aproximando-se em seguida; o jovem dançarino correndo atrás de sua parceira e seguindo-a com expressões de tenro desejo, enquanto ela fugia dele constantemente, girando e dando piruetas, como se recusando seus esforços após a aproximação amorosa. Essa performance era feita com leveza e energia em posturas harmoniosas, e me parecia extremamente divertida."

Lexova diz que algumas dessas castanholas foram preservadas na coleção do museu de Berlim. Elas são pequenas, de modo que "possam ser seguradas nas mãos de forma a não serem percebidas em gravuras." Lexova teoriza que em gravuras onde a mão da dançarina está de punhos cerrados, ela está provavelmente segurando castanholas. Os outros instrumentos de ritmo que davam grande liberdade de movimento eram baquetas de madeira, osso ou marfim, de vários formatos e tamanhos. Dançarinas do Novo Reino aparecem usando pandeiros e castanholas.

Um outro acessório interessante usado pelas dançarinas era um pequeno bastão curvo, ou bengala, entalhada com pequenas cabeças de gazela. Dada a popularidade de vários instrumentos de ritmo, incluindo chocalhos, Lexova afirma que esses eram provavelmente bengalas com chocalhos na ponta. Como as dançarinas egípcias modernas também realizam uma "dança da bengala", essa é uma conexão muito interessante com a antiga cultura egípcia.

De seus estudos dos desenhos das tumbas, Lexova identifica um passo como sendo fundamental para os passos egípcios: um que as dançarinas modernas chamam de "cavalo de pau". Num "cavalo de pau" o quadril abaixa quando o pé abaixa. Isto é muito mais difícil de fazer, e menos natural, do que uma "batida", quando o quadril sobe ao pisar. Esses "cavalos de pau" egípcios são enfatizados pelo pé, que não é simplesmente colocado reto no chão, mas primeiro com a ponta e depois o calcanhar.

Na dança egípcia, os pés estavam sempre descalços, com passos baseados em movimentos naturais. Um grande número de movimentos era familiar às dançarinas: tudo quanto é pulo, salto e piruetas, parecidas com as do ballet. Elas usavam caminhadas simples ou vigorosas, batendo os pés no chão, corridinhas, saltinhos, ou pulos. Faziam giros de 180 graus. As mãos eram geralmente leves, relaxadas e abertas. Mas também havia movimentos onde os pulsos ficavam cerrados, ou as palmas rígidas e geométricas. Irena Lexova descreveu os movimentos de corpo assim: "os movimentos do tronco podem ser classificados como inclinações para frente, para trás e para os lados, círculos de quadril, cintura e ombro. As dançarinas podem combinar esses movimentos e executá-los mantendo a coluna reta ou inclinada para frente ou para trás, executados na velocidade normal, nuances e lento". Em outras palavras, as primeiras danças egípcias tinham um número muito maior de movimentos do que os permitidos pela tradicional "dança do ventre".

Mas, ao crescer, a civilização egípcia se tornou mais sofisticada e foi influenciada por outras culturas. Eles sofreram influências da Fenícia, Síria, Palestina, Núbia, Sudão, Etiópia e dos beduínos. Costumes estrangeiros e riqueza tomaram conta do Egito. Por volta de 1500 a.C. os egípcios trouxeram as Bayaderes, que eram as elegantes dançarinas de templos da Índia. Como descreve um antigo texto, as danças estavam se tornando menos parecidas com marchas e mais elegantes.

Depois do Novo Reino houve várias invasões: Líbios, Sudaneses, Assírios e Persas, todos influenciaram o Egito. Em 30 a.C. o Egito se tornou uma província romana. Dançarinas do Nilo eram enviadas a Roma. A cultura egípcia, cujo desenvolvimento tinha sido influenciado por seus vizinhos, também foi exportada para influenciar o novo Império Romano.

Um dos mais antigos registros de um contrato de dança pode ser encontrado nos arquivos de papiros gregos adquiridos pela Universidade de Cornell. O seguinte contrato, escrito em coiné (o grego usado no período helenístico), data de 206 d.C.:

"Para Isadora, dançarina de castanholas da Artemísia da vila de Filadélfia. Desejo contratar seus serviços, com duas outras dançarinas de castanholas, para se apresentarem no festival na minha casa por seis dias começando em 24 do mês de Payni [26 de maio - 24 de junho] de acordo com o velho calendário, você recebe como pagamento 36 dracmas por dia e pelo período todo quatro artabas de cevada e 20 pares de pães, e quaisquer vestuários ou ornamentos de ouro que traga, nós os guardaremos em segurança; e te forneceremos dois burros quando você vier e o mesmo número para quando você voltar à cidade. Ano 14 de Lucius Septimius Severus Pius Pertinax e Marcus Aurelius Antonius Pius, Augusti, e Publicus Septimus Geta Caesar Augustus, 16 de Payni."

[fig 1] A dançarina Isadora é referida como uma "krotalistria", enquanto o termo que se usa para uma dançarina na grécia é "orchestria". Portanto, Isadora era uma especialista em dançar com castanholas. (Fig 1 mostra um tipo de "dançarina de castanholas"). A ela era fornecido transporte e seguro contra perda de sua fantasia e acessórios. Dado que o pagamento padrão para pedreiros da mesma época era em média 2,5 dracmas por dia, e para um tecelão qualificado 7,5 dracmas por dia, o pagamento de 36 dracmas por dia para as dançarinas era bastante alto.

As castanholas egípcias existiam em dois modelos: O primeiro, em forma de uma pequena bota de madeira, cortado no meio longitudinalmente e sulcado na parte da perna, enquanto a ponta do pé serve de alça. O segundo modelo era mais semelhante às atuais castanholas espanholas; porém menos plano e parecia mais com uma castanha, de onde, provavelmente, veio o nome. Nenhum dos modelos é verdadeiramente egípcio. As melhores eram gregas, e podem ter vindo originalmente da Fenícia. A tradição de dançarinas de castanhola era muito alastrada pelo mundo antigo.

 Egito Medieval e as Ghawazy

As conhecidas Ghawazy do Egito (e Ueled Nail do norte da África), não são documentadas até a época em que estrangeiros europeus começam a viajar no Oriente Médio e escrever sobre as exóticas e escandalosas dançarinas do Egito. A razão deve ser a mesma de não haver registros escritos dos garotos e garotas que dançavam em Istambul: simplesmente não eram respeitáveis e/ou importantes o suficiente para que escrevessem sobre eles numa sociedade onde só a nata da elite sabia escrever. Portanto, discutiremos o que esses estrangeiros acharam quando escreveram sobre elas, ainda que nada date de antes de 1600. Da prévia história da cultura egípcia, é bem claro que de fato existiam dançarinas profissionais desde os tempos antigos, e que a dança era parte do dia-a-dia. Como essas primeiras dançarinas errantes devem ter se vestido, ou se chamado, não temos registro.

Em 1798 a primeira expedição organizada para o Egito foi empreendida por um poder europeu: Napoleão chegou lá buscando uma rota alternativa para a Índia. No Cairo, seus soldados encontraram as Ghawazee, conhecidas como as banat el beled. As Ghawazy (que significa "invasoras do coração") eram ciganas. Eram encontradas em povoados ao longo do baixo Nilo e também no Cairo, onde rapidamente descobriram uma nova fonte de renda - os soldados franceses. Os generais de Bonaparte as comparavam a uma peste e sugeriram que fossem afogadas caso fossem encontradas vadiando. De fato, o escritor Auriant conta de 400 Ghawazy que foram capturadas e decapitadas, e depois seus corpos empacotados em sacos e jogados ao Nilo. O general Billier então sugeriu ao governo que deveriam encontrar emprego digno para as Ghawazy. Num nível mais prático, os franceses mais tarde implantaram bordéis licenciados na cidade. As mulheres não só poderiam ser consultadas por médicos, mas também podiam cobrar-lhes impostos.

A atitude dos próprios egípcios em relação às dançarinas era muito diferente. Durante o reinado de Harun Al Rashid no Egito no século IX, elas ultrapassaram a tal ponto o número de cantores que foi decidido treinar plenamente algumas delas nas artes musicais. Estas ficaram conhecidas como Almeh (Alimah, do árabe, mulher erudita). As Almeh não foram vistas pelo exército de Napoleão, pois tinham tanto nojo dos estrangeiros que se retiraram da cidade e não voltaram até que Napoleão saiu. Exceto para ocasiões especiais, era considerado impróprio ter Ghawazy em casa, que eram a "ralé" das mais respeitáveis Almeh. As Almeh eram constantemente parte de haréns privados, e ensinavam as artes do amor através de suas danças sensuais.

[fig 2] Apesar de esses primeiros estrangeiros terem achado as Ghawazy bastante obscenas, suas pinturas mostram mulheres vestindo túnicas justas com um corpete decotado, saias largas e cheias, e lenços volumosos ao redor de seus quadris (fig 2). A túnica, com decote no corpete, parece ser derivada das túnicas persas/turcas como vistas pelas senhoras da corte Otomana. Outro traço caracterítico associado às Ghawazy são as mangas até o cotovelo com uma peça decorativa de tecido a partir daí; estas são logicamente derivadas do casaco persa, que tinha mangas destacáveis, e mangas que eram tão longas quanto pouco práticas e puramente decorativas. Elas também foram mostradas vestindo casacos justos que batiam na metade do quadril. Outra versão ainda é a blusa simples, com coletinho justo, e uma saia longa e cheia começando dos quadris (fig 12). Uma calça "hareem" turca muito cheia pode ser vista também, ao invés da saia.

[fig 12] Existe hoje no Egito uma família que declara ser descendente verdadeira das "Ghawazy". Diz-se que elas se concentraram em Esna, Qena, ou Luxor. Os atuais descendentes moram em Luxor, e são conhecidos como Banat Mazin, ou a família Mazin. O Egyptian National Folkloric Group usou pesquisas feitas com essa família para coreografar danças "Ghawazy" para a nova tradição folclórica. É interessante que as dançarinas Mazin falam de sua dança como "raqs sha'abi", 'dança popular', ao invés de "raqs sharqi" ou dança do ventre. "Elas disseram que as dançarinas orientais se deslocavam mais, e tinham um repertório mais variado, especialmente de movimentos de braço. Dançarinas Orientais dançavam a música "oriental" com instrumentos clássicos médio-orientais, uma sessão de taqsim (lento/arrítmico); enquanto as músicas próprias para a das Ghawazy eram folclóricas no mizmar e tabla baladi, ou talvez a rebaba (um instrumento de corda). Dançarinas Orientais vestiam roupas decotadas de tecidos delicados, espalhafatosos; Ghawazy vestiam roupas mais pesadas e complicadas que, dizem, não dá muita liberdade de movimentos." (fig. 12)

Quanto ao estilo de dança dessas Ghawazy do séc. XIX, quem vê as atemporais dançarinas elegantemente entalhadas de Edward Lane esquece que ele não pretendia nada do tipo! Quamar diz que um entalhador do séc. XIX disse que a dança tinha "pouca elegância; tendo como peculiaridade principal uma vibração de quadril muito rápida, de um lado para outro". Qamar diz que o movimento padrão da dança Ghawazy era um shimis de um lado para outro executado extensivamente numa batida 4/4 muito rápida, e era o movimento básico para o qual as dançarinas voltavam sempre. As dançarinas não só dançam, como também cantam, contam piadas e interagem com a platéia. Esse aspecto da performance teria se perdido para os estrangeiros, que não entendiam a língua.

[fig 5][fig 4] Outro tipo de dança associado ao folclore egípcio é a dança do bastão masculina, ou da bengala, mostrada na fig 5. O Tahtib é a mais antiga arte marcial egípcia que sobreviveu, intacta, desde os primórdios da antigüidade, segundo Magda Saleh. O primeiro teatrólogo egípcio de dança popular, Mahmoud Reda, relata ter visto representações dela pintadas nos grandes monumentos e tumbas em Luxor (fig 4). O bastão comprido usado no Tahtib no Egito - cajado grosso e maciço de bambu - é conhecido como Asa ou Asaya, shum ou Nebbut. Como disse Edward Lane: "O Nebbut é uma arma formidável e é muito visto com os camponeses egípcios, que geralmente o carregam numa jornada; particularmente quando viajam à noite." O tahtib é favorito em qualquer ocasião festiva, como casamentos, festas de boas-vindas e festivais de colheita. É também praticado pelos homens como passatempo e usado em defesa pessoal.

[fig 3][fig 6] Também se tornou costume para dançarinas dançar com um bastão, de maneira muito mais delicada (fig 3 e 6), que pode incluir equilibrar o bastão, segurá-lo e fazer shimis, e girá-lo abaixo e acima do nível da cabeça. Dizem que a dança do bastão feminina é uma "paródia" ou "gozação" da masculina. No entanto, a dança do bastão ghawazy testemunhada por Qamar incluía um passo bem interessante e distinto: um saltinho (fig 6), que o National Folkloric Group chama de "tawalli". O passo é basicamente um salto num pé só, levantando a outra perna com a coxa em paralelo ao chão na altura do quadril, dobrada no joelho. Além de ser um passo muito folclórico, também é muito similar ao saltinho mostrado em gravuras de garotos e garotas turcos dançando.

Dançarinas modernas também executam danças com espada, para equilibrá-la. Eva Cernik, uma dançarina profissional que viaja regularmente ao Egito e Turquia, conta essa anedota sobre dançar com espada: "Houve um tempo na história do Egito em que dançarinas eram vendidas como escravas para as cortes, ou como propriedade dos ricos. Algumas se adaptavam bem, mas outras mantinham sua independência de uma forma muito especial. Elas pegavam espadas geralmente usadas em batalhas para dançar. Elas não a brandiam como na luta, à maneira dos homens, mas ao invés disso a equilibravam delicadamente na cabeça, dançando destemidas, se expressando embaixo da espada. 'Vocês podem controlar minha vida, vocês seguram a espada em cima da minha cabeça, mas vocês não controlam meu espírito.'" Verdade ou não, é uma bela estória :)..

 Turquia e o Império Otomano

Os turcos vieram da Ásia Central e se fixaram no planalto da Anatólia Central. Eles estavam lá séculos antes de ganhar possessão de outras partes da Anatólia, capturar Istambul e avançar sobre Europa, África e Ásia para criar um império. A Península da Anatólia é a ponte entre Ásia e Europa e muitos dos principais migrantes a atravessaram. Durante um período de mais de dois mil anos ela foi habitada por várias civilizações - Hititas, Gregos, Frígios, Lídios, Capadócios e Bizantinos para citar alguns. Apesar de não haver uma dança nacional turca, há milhares de danças populares que incorporam elementos de muitas dessas culturas. Proibições muçulmanas de dançar afetaram mais os cidadãos, e não os camponeses nas vilas isoladas.

Metin And, um especialista turco em danças folclóricas turcas diz que há grandes similaridades entre muitas danças folclóricas turcas e as danças dos Bálcãs (Iugoslávia, Romênia, Bulgária e Grécia), e que algumas danças ditas gregas na verdade podem ter vindo dos turcos. Isso é veementemente negado pela maioria dos estudiosos gregos. O Sr. And cita um estilo de dança chamado "zeybek" (turco) que os gregos chamam de "zeybeckikos". A palavra turca para "Ciftetelli" é também o nome de uma dança executada na Grécia. Ele atribui isso à herança comum vinda das planícies da Anatólia. O ciftetelli, ambas versões rápida e lenta, são familiares a todas as dançarinas que usam músicas turcas. O ritmo ciftetelli rápido é mais exclusivamente turco do que o lento.

Muitas referências a práticas de danças folclóricas turcas aludem ao significado de muitos acessórios de dança usados por dançarinas do ventre. Na cerimônia de casamento turca, há uma cerimônia de henna apresentada para a noiva na noite, que inclui uma grande dança de círculo onde os participantes portam velas acesas em pratos. Considera-se que tanto a decoração de henna quanto as velas têm função mágica de proteção. Homens e mulheres vão a festas de henna separadas para a noiva e o noivo. A tradição exata varia de região pra região: Em Arapkir, as únicas mulheres que podem dançar com velas acesas em pires são as que estão felizes no casamento e só se casaram uma vez. Tipos parecidos de danças podem ser encontrados em outros países que foram expostos à influência muçulmana como a Pérsia, Norte da África e Malaia, onde a dança é chamada de "menari hinei". As cerimônias de casamento também utilizam uma espada como um objeto mágico de proteção; por exemplo, nas danças de espada realizadas à frente de procissões de casamento. Há também uma dança síria da noiva, onde a espada lembra o noivo de dar à noiva o devido respeito!

Metin And classificou as danças da Turquia em três categorias: dança religiosa, para prazer próprio (como em danças folclóricas), e de espetáculo. Sob a categoria de dança religiosa, a longa e honorável história das danças Sufis emerge. A dança também era parte da vida cotidiana das pessoas comuns, que dançavam para seu próprio prazer. Mas a instituição de dançarinas profissionais era tão altamente desenvolvida que merece um olhar mais detalhado.

As danças turcas se desenvolveram em dois planos diferentes, e em dois contextos culturais: Istambul, capital do Império Otomano, algumas outras cidades grandes, e as vilas rurais. O Sr. And sustenta que o isolamento geográfico de vilarejos remotos ajudou a preservar mais de mil danças folclóricas. Esses camponeses são os fragmentos incertos das hordas nômades que vagavam para a Ásia Menor na Idade Média, alguns dos quais ainda são semi-nômades. O segundo nível de desenvolvimento foi a influência da corte no tempo do Império Otomano. O menor acontecimento na corte afetaria a população inteira: o nascimento de um novo príncipe, a cerimônia de circuncisão, um casamento, a ascensão de um novo governante, ou simplesmente o cingir da espada do sultão. Tudo fazia necessária uma cerimônia pública.

Essas festividades aconteciam em grande escala, incluindo festivais de espetáculo com jogos de combate entre muçulmanos e cristãos, várias peças, atos circenses, fogos, corridas de cavalo, dança e música. Uma miniatura remanescente mostra garotos dançando na água, cada um em pé numa pequena jangada redonda que é equilibrada por contra-pesos sob a água. Os dançarinos são amarrados à jangada por um mastro vertical escondido por baixo de suas saias longas. Levni, um pintor de miniatura do século XVIII, mostra claramente as cordas usadas para manipular essas pequenas jangadas. O sultão assiste à performance da praia. É impossível dizer quando essa dança deve ter nascido.

Em Istambul essas festividades ocorreriam no mesmo Hipódromo onde as festividades do Império Bizantino foram realizadas. Haviam também os feriados comuns de aniversário, religiosos, comemorativos e patrióticos que incluíam a dança como parte de suas celebrações. Estas teriam tido comerciantes e grupos de dança amadores e profissionais. Infelizmente, sabe-se muito pouco das danças feitas por dançarinas profissionais que trabalhavam nesses eventos. As informações específicas que estão disponíveis desses espetáculos datam dos séculos XVI a XIX, porque os visitantes estrangeiros que viram essas danças escreveram muita coisa sobre elas.

Os dançarinos e dançarinas são uma instituição reconhecida através do Oriente Próximo; eles eram os atores e atrizes da época. No entanto sabe-se tão pouco sobre eles porque a dança era tida pelos escritores estudiosos do passado como um "esporte impróprio e pecaminoso", especialmente quando curtido por profissionais. O nome para ambos dançarinos e dançarinas é da origem dessa palavra, similar à palavra "ingene", que significa cigano. A maioria desses dançarinos eram, de fato, ciganos. Há mais duas palavras para dançarinos: "kÕek" (e sua música kÕekÕe), e "tav~anÕa". A dança "tavsan rasan" (tavsan = coelho) se refere às caretas, contorções faciais, passos leves, pulos, e expressões que imitavam o coelho. A diferença de tav~an e kÕek era mais na maneira de vestir, segundo Metin And.

Os kÕek, ou dançarinos, eram organizados em diferentes associações ou companhias de artistas denominados"kol". Em meados de 1600 dizia-se existir cerca de três mil desses dançarinos, em aproximadamente doze companhias. Eles eram normalmente ciganos, armênios ou judeus, já que os turcos não deveriam entrar numa profissão tão degradante. Seja como for, esses dançarinos eram tão queridos por suas audiências que poetas cantavam seus louvores em versos, louvando sua beleza física e suas habilidades.

Os dançarinos eram jovens cuja dança e aparência sugeriam feminilidade. Às vezes deixavam seu cabelo crescer, decoravam seus cachos com ornamentos e usavam chapéus de ponta. Em algumas ocasiões até se vestiam como garotas. A dança deles consistia em andares casuais, estalar os dedos, movimentos lentos, gestos sugestivos, cambalhotas, luta-livre, rolar no chão e outras formas de mímica. Os garotos dançavam enquanto mantivessem sua boa aparência e pudessem ocultar suas barbas. Esse costume que tanto pasmou viajantes ocidentais cresceu por causa das proibições islâmicas contra associação com mulheres. Os dançarinos eram um substituto seguro para as garotas e mulheres proibidas, e qualquer relação sexual que pode ter resultado era forte parte da cultura, mesmo se não considerada respeitável.

As dançarinas também tiveram um séqüito. Foram muito faladas por serem muito populares e um encanto de ver. Um kol ou companhia de engi consistia da Kolba~i, a líder da companhia, sua assistente, e normalmente doze dançarinas e quatro músicas denominadas straci, uma das quais tocava violino, outra um tambor duplo denominado nekkare e as outras duas pandeiros. O limite de idade era de trinta a trinta e cinco. A Kolba~i e sua assistente eram mais velhas. A dança delas era descrita como contorções sugestivas, um punhado de brincadeiras com a barriga e torções de corpo, cair sobre os joelhos com o tronco inclinado (um cambrê) ao ponto em que os espectadores eram encorajados a por uma moeda na testa delas. Esse é o mesmo costume observado no Egito denominado "nukoot". Cada músculo e ambos os ombros eram tremidos (um shimis) e tudo isso era alternado com poses graciosas e afetações femininas. Às vezes elas fariam uma pantomímica de amor físico com expressão de paixão retraída; recuando como que alarmada ou humilhada e às vezes tomando atitudes assanhadas, fingindo jogar seu peito ou lábios aos espectadores.

As tendências homossexuais que ocorriam entre os dançarinos também ocorriam entre as dançarinas engi, que às vezes se apresentavam em Hamman. Havia um nome especial para esse tipo de dançarina, Zrefa ("graciosa"). Havia um tipo especial de lenço e uma língua simbólica especial para revelar suas inclinações. Assim como os dançarinos incorporavam dançarinas, as dançarinas ocasionalmente incorporavam homens, como elas sempre fizeram quando as mulheres faziam peças no isolamento do harém. Outro aspecto interessante das performances de harém é que os músicos que tocavam para as dançarinas do harém do Sultão deveriam tocar de olhos vendados.

Um acessório das dançarinas era um lenço de seda. Segurando as duas pontas do lenço de seda em seus dedos, elas representariam tanto a donzela tímida quanto a cortesã flertante; torciam um lenço colorido e o colocavam ao redor da cabeça ou pescoço, ou ainda segurariam o lenço em frente ao rosto como um véu, por isso os nomes da dança que sobreviveram são "kaytan oyunu" ou "tura Oyunu" (kaytan e tura significam corda de seda, trança, lenço com nós). Foi descrito como um pantomimo em relações amorosas executado acompanhado de pandeiro. Dançarinas modernas, imitando essa prática, usam véus grandes retangulares ou semi-circulares.

[fig 6] O estudo de desenhos de miniatura estilizados dessas dançarinas mostra um passo de dança tipicamente turco que sobrevive na dança folclórica turca hoje como "batida de pé" (Fig. 6): Pode-se achar incontáveis figuras com bastões calpara nas mãos, um braço sobre a cabeça e um pé levantado com a sola paralela ao chão, como se pronta para bater o pé. É totalmente provável que as duas populações distintas, urbana e camponesa, tenham influenciado uma à outra. Outros dois movimentos de dança tipicamente turcos, listados por Metin And, são agachar ou ajoelhar e batidas de pé.

Os autores de um tratado Francês da Dança Turca datado de 1583 comentam que muitos escritores acreditam que o estilo de dança engi se originou na Espanha. Metin And comenta que isso é bem provável, já que houve um movimento migratório de judeus da Espanha para a Turquia no fim do século XV e início do XVI. Uma descrição de dança publicada em 1759 também fez a comparação: "a agilidade das danças é regada a várias posturas indo contra a modéstia. Algumas dançavam à maneira da Espanha, com sofrível seriedade, e com castanholas nas duas mãos. A banda consistia em flautas, e tambores de diferentes tamanhos, em que batiam na parte de cima com um bastão, e na de baixo com uma bola, gerando com esse recurso sons diferentes." Isso foi mais provavelmente uma reocorrência de miscigenação cultural, já que ambas as danças vêm de raízes orientais.

Na Europa, o Sr. And comenta, a dança engi é invariavelmente chamada de dança do ventre (belly dancing ou danse du ventre), apesar do uso dos músculos pélvicos ou abdominais ser apenas uma das formas da dança cengi. Na opinião dele, dança do ventre é mais usado para referir-se a uma forma alastrada e degenerada de dança cômica da Anatólia.

[fig 8][fig 7] A maior contribuição da cultura turca para a dança do ventre é rítmica. O estalo de dedos turco (um estalo especial, com duas mãos) é comum a danças ciganas e do oriente em geral. A Turquia tem história de manufatura de címbalos de metal de todos os tamanhos, que eram usados com fins bélicos. O Sr. And também comenta que ambos dançarinos e dançarinas marcavam tempo com estalos de dedos, baquetas ou castanholas de metal denominadas 'zil'. Em certa hora snujs pequenos eram tocados com um par em cada mão à maneira moderna por dançarinos e artistas. De fato, a palavra mais comum para os snujs modernos é "zill", que é a palavra turca para eles (Fig. 8) (a palavra árabe é sagat). Eles também usavam baquetas, um par em cada mão, como visto em vários desenhos em miniatura. Estes eram chamados de "carpara" ou "calpara", derivado da palavra persa "chalpara", que significa literalmente "4 peças" (fig. 7). Eles tinham até um instrumento similar ao antigo crotales, que era um conjunto simples de pinças de três braços (ou zilli masa), com pequenos címbalos atados a eles. Era chamado de egane.

Além disso, a música turca tem padrões de ritmo complexos e incomuns, como o "asak" que são polirítmicos e assimétricos como 9/8, 9/4, 10/8, 7/8. O ritmo 9/8, ou karslima (ou kashlima) é muito usado como ritmo de entrada por dançarinas do ventre. A palavra "karslima" significa "defronte", e o Sr. And diz que essa dança era do gênero folclórico onde duas filas de dançarinas se encaravam.

 Música Árabe na Pérsia e Espanha

A música árabe atingiu seu auge durante o reinado de Harun-al-Rashid e seus sucessores, os Abássidas, que eram muito influenciados pelos persas. Durante seu reinado foi organizado um festival onde dois mil escravos se juntaram para cantar. Um de seus sucessores, Al-Amin, manteve a tradição: O músico Ibn Sadaka conta que um belo dia ele entrou no palácio de Al-Mamun, "Haviam doze escravos bizantinos presentes, vestidos em roupas de seda, com cinturões, cruzes douradas nos pescoços, e levando ramos de palma e oliveira nas mãos. O califa ordenou que Ibn Sadaka cantasse e tocasse enquanto os escravos bizantinos dançavam algumas de suas danças nativas. Tudo isso levou o Califa ao ponto de ficar bêbado e dar a Ibn Sadaka mil moedas de ouro." Os cidadãos ricos de Bagdá e outras cidades grandes do império mantinham igualmente escravos talentosos para fins de divertimento.

Quando os árabes chegaram à península ibérica em 711, trouxeram com eles as proibições à música e dança impostas pelo Islã. A lei religiosa que impuseram aos nativos espanhóis considerava que apenas a "escravos e infames" caberia ser músico. Seu testemunho não era legal em tribunais, e livros sobre música não podiam ser vendidos legalmente. Também era proibido alugar uma casa se pretendia-se tocar flauta ou "bandola" lá. Mas, como no Império, a música eventualmente prevaleceu e até mulheres respeitáveis estabeleciam escolas de canto em suas casas. Artistas treinados, como a cantora alaudista Ajfa, foram trazidas do oriente para a corte de Abdu'r-Rahman I em Córdoba. Abdu'r-Rahman II estava tão enamorado das cantoras orientais que tinha três mulheres trazidas da escola de Medina (Fadal, Alam, e Kalam), com seção própria de quartos em seu palácio. Fadal tinha sido escrava de uma das filhas de Harun Al-Rashid e crescido em Bagdá. Logo, as mesmas músicas e instrumentos eram usados na Espanha e no Oriente em meados do século IX d.C.

No século XII, poetas nômades e errantes e músicos que vagavam de cidade em cidade na Península Ibérica eram tão numerosos que havia uma designação especial para eles, "ahdab". Isso significava pessoas que gostavam de piadas, casos, e versos alegres, muitos dos quais eram bem obscenos. Isso é comparado aos menestréis da Europa. Quando Granada caiu nas mãos dos cristãos em 1492,os artistas mouros continuaram a ser apreciados, mesmo que muitos mouros, ciganos e judeus eram escoltados aos portões e expulsos do país.

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