POESIAS A DEDO

Pintura de Salvador Dali

Bulha - Adélia Prado
Solar - Adélia Prado
A Solidão do Corpo - Affonso Romano de Sant`anna
Eppur Si Muove - Affonso Romano de Sant`anna
Ismália - Alphonsus de Guimarães
Por que Mentias ? Álvares de Azevedo
Tu Queres Sono - Despe-te dos Ruídos - Ana Cristina César
Versos Intimos - Augusto dos Anjos
Psicologia de um Vencido - Augusto dos Anjos
Os Ombros Suportam o Mundo - Carlos Drummond de Andrade
As Sem-Razões do Amor - Carlos Drummond de Andrade
O Navio Negreiro - Castro Alves
O Adeus de Teresa - Castro Alves
A Valsa - Casimiro de Abreu
Motivo - Cecília Meireles
Lua Adversa - Cecília Meireles
Oferta - Aos Novos que Poetizam - Cora Coralina
Vida Obscura - Cruz e Souza
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras - Cruz e Souza
Traduzir-se - Ferreira Gullar
Não Há Vagas - Ferreira Gullar
Tabacaria - Fernando Pessoa
Poema em Linha Reta - Fernando Pessoa
Amar - Florbela Espanca
Eu - Florbela Espanca
Canção do Exílio - Gonçalves Dias
Sátira - Gregório de Matos
O Cão sem Plumas - João Cabral de Melo Neto
Amor é um Fogo que Arde sem se Ver - Luis de Camões
Vou-me Embora Pra Pasárgada - Manuel Bandeira
Poética - Manuel Bandeira
Lembranças do Losango Cáqui - Mário de Andrade
Quarenta Anos - Mário de Andrade
Estatística - Mario Quintana
Olho as Minhas Mãos - Mario Quintana
Nel Mezzo Del Camin... - Olavo Bilac
In Extremis - Olavo Bilac
Mal Secreto - Raimundo Correia
As Pombas - Raimundo Correia
Enganei-me, Enganei-me - Paciência - Tomás Antônio Gonzaga
Soneto da Fidelidade - Vinicius de Moraes
Para Viver um Grande Amor - Vinicius de Moraes

			Versos Intimos						
Vês ! Ninguém assitiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão - esta pantera - Foi tua companheira inseparável ! Acostuma-te à lama que te espera ! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro A mão que afaga é a mesma que apedreja Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga Escarra nessa boca que te beija Augusto dos Anjos
Retorna ao Índice

		   PSICOLOGIA DE UM VENCIDO					
Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênesis da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme - este operário das ruínas - Que o sangue podre das carnificinas Come, e á vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra ! Augusto dos Anjos
Retorna ao Índice


		AMOR É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER				
Amor é um fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer; é um não querer mais que bem querer; é solitário andar por entre a gente; é um não contentar-se de contente; é cuidar que se ganha em se perder; é um estar-se preso por vontade; é servir a quem vence o vencedor; é um ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode o seu favor nos mortais corações conformidade, sendo a si tão contrário o mesmo amor ? Luís de Camões
Retorna ao Índice


		        MAL SECRETO						
Se a cólera que espuma, a dor que mora n`alma e destrói cada ilusão que nasce; tudo o que punge, tudo o que devora o coração, no rosto se estampasse. Se se pudese espírito que chora ver através da máscara da face, quanta gente talvez que inveja agora nos causa, então piedade nos causasse ! Quanta gente que ri, talvez consigo guarda um atroz, recôndito inimigo, como invisível chaga cancerosa ! Quanta gente que ri, talvez existe cuja ventura única consiste em parecer aos outros venturosa ! Raimundo Correa
Retorna ao Índice


			AS POMBAS							
Vai-se a primeira pomba despertada... Vai-se outra... Inda mais outra ... Enfim dezenas de pombas vão-se dos pombais, apenas raia sangüínea e fresca a madrugada. E à tarde, quando a rígida nortada sopra, aos pombais, de novo, elas serenas, ruflando as asas, sacudindo as penas, voltam todas em bando e em revoada. Assim, nos corações onde abotoam, os sonhos um por um céleres voam, como voam as pombas dos pombais. No azul da adolescência as asas soltam, fogem... Mas aos pombais as pombas voltam e eles aos corações não voltam mais. Raimundo Correia
Retorna ao Índice


			VIDA OBSCURA						
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, ó ser humilde entre os humildes seres, embriagado, tonto dos prazeres, o mundo para ti foi negro e duro. Atravessaste no silêncio escuro a vida presa a trágicos deveres e chegaste ao saber de altos saberes tornando-se mais simples e mais puro. Ninguém te viu o sentimento inquieto, magoado, oculto e aterrador, secreto, que o coração te apunhalou no mundo. Mas eu que sempre te segui os passos sei que cruz infernal prendeu-se os braços e o teu suspiro como foi profundo ! Cruz e Souza
Retorna ao Índice


				AMAR							
Eu quero amar, amar perdidamente ! amar só por amar: aqui... além... mais este e aquele, o outro e toda a gente... Amar ! Amar ! E não amar ninguém ! Recordar ? Esquecer ? Indiferente ! Prender ou desprender ? É mal ? É bem ? Quem disse que se pode amar alguém durante a vida inteira é porque mente. Há uma primavera em cada vida: é preciso cantá-la assim florida, pois se Deus nos deu voz foi p'ra cantar. E se um dia hei de ser pó, cinza e nada que seja a minha noite uma alvorada, que me saiba perder... p'ra me encontrar... Florbela Espanca
Retorna ao Índice


		ENGANEI-ME, ENGANEI-ME - PACIÊNCIA			
Enganei-me, enganei-me - paciência ! Acreditei as vozes, cri, Ormia, que a tua singeleza igualaria à tua mais que angélica aparência. Enganei-me, enganei-me - paciência ! Ao menos conheci que não devia pôr mãos de uma externa galhardia o prazer, o sossego e a inocência. Enganei-me, cruel, com teu semblante, e nada me admiro de faltares, que esse teu sexo nunca foi constante. Mas tu perdestes mais em me enganares: que tu não acharás um firme amante, e eu posso de traidoras ter milhares. Tomás Antonio Gonzaga
Retorna ao Índice


	TABACARIA							
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. Á parte issto, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam ?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagnes de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de osssos na ida. Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu. Estou hoje dividido entre a lealdade que devo Á Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro. Falhei em tudo. Como não fiz propóstio nenhum, talvez tudo fosse nada. A aprendizagem que me deram, Desci dela pela janela das traseiras da casa. Fui até ao campo com grandes propósitos. Mas lá encontrei só ervas e árvores, E quando havia gente era igual á outra. Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar ? Que sei eu do que serei, euque não sei o que sou ? Ser o que penso ? Mas penso ser tanta coisa ! E há antos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos ! Gênio ? Neste momento Cem mil cérebros se concebem em sonho gënios como eu. E a história não marcará, quem sabe ?, nem um, Nem hávera senão estrume de tantas conquistas futuras, não, não creio em mim. Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas ! Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo ? Não, nem em mim... Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando ? Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -, E quem sabe se realizáveis, Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente ? O mundo é para quem nasce para o conquistar E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão. Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez. Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidade do que Cristo, Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu. Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, Ainda que não more nela; Serei sempre o que não nasceu para isso; Serei sempre só o que tinha qualidades; Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta, E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, E ouviu a voz de Deus num poço tapado. Crer em mim ? Não, nem em nada. Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha. Escravos cardíacos das estrelas, Conquistamos todo o mundo antes de nos levanar da cama; Mas acordamos e ele é opaco, Levantamo-nos e ele é alheio, Saímos de casa e ele é a terra interia, Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido. (Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come ! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vid.) Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei A caligrafia rápida destes versos. Pórtico partido para o Impossível. Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas, Nobre ao menos no gesto largo com que atiro A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas, E fico em casa sem camisa. (Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas, Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva, Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta, Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida, Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua, Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais, Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -, Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inpirar que inspire ! Meu coração é um balde despejado. Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco A mim mesmo e não encontro nada. Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta. Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam, Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam, Vejo os cães que também existem, E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo, E tudo isto é estrangeiro, como tudo.) Vivi, estudei, amei, e até cri, E hoje não há mendigo que eu nao inveje só por não ser eu. Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira, E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso); Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo E que é rabo para aquém do lagarto, remexidamente. Fiz de mim o que não soube, E o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, Estava pegada à cara. Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido. Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. Deitei fora a máscara e dormi no vestiário Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo E vou escrever esta história para provar que sou sublime. Essência musical dos meus versos inúteis, Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse, E não ficasse sempre defronte da Tabacia de defronte, Calcando aos pés a consciência de estar existindo, Como um tapete em que um bêbado tropeça Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada. Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e fiou à porta. Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada E com o desconforto da alma mal-entendendo. Ele morrerá e eu morrerei. Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos. A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também. Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, E a língua em que foram escritos os versos. Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu. Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra, Sempre o impossível tão estúpido como o real, Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície, Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra. Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco ?) E a realiade plausível cai de repente em cima de mim. Semiergo-me enérgico, convencido, humano, E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário. Acendo um cigarro ao pensar em escreveê-los E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. Sigo o fumo como uma rota própria, E gozo, num momento sensitivo e competente, A libertação de todas as especulações E a consciência de que a metafísica é uma consequencia de estar mal disposto. Depois deito-me para trás na cadeira E continuo fumando. Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando. (Se eu cassasse com a filha da minha lavadeira Talvez fosse feliz.) Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou `a janela. O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algiberia das calças?). Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica. ( O Dono da Tabacaria chegou à porta.) Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me. Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus, ó Esteves!, e o universo Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu. Fernando Pessoa como Álvaro de Campos
Retorna ao Índice


         		   CANCÂO DO EXÍLIO						
Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que atis não encontro eu cá; Em cismar - sozinho, à noite - Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontre por cá; Sem qu'ainda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. Gonçalves Dias
Retorna ao Índice


			NEL MEZZO DEL CAMIN...					
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada E triste, e triste e fatigado eu vinha. Tinhas a alma de sonhos povoada. E a alma de sonhos povoada eu tinha. E paramos de súbito na estrada Da vida: longos anos, presa à minha A tua mão, a vista deslumbrada Tive da luz que teu olhar continha. Hoje, segues de novo... Na partida Nem o pranto os teus olhos umedece, Nem te comove a dor da despedida. E eu, solitário, volto a face, e tremo, Vendo o teu vulto que desaparece Na extrema curva do caminho extremo. Olavo Bilac
Retorna ao Índice


	                 IN EXTREMIS							
Nunca morrer assim ! Nunca morrer num dia Assim ! de um sol assim ! Tu, desgrenhada e fria, Fria, postos nos meus os teus olhos molhados, E apertando nos teus os meus dedos gelados... E um dia assim ! de um sol assim ! E assim a esfera Toda azul, no esplendor do fim da primavera ! Asas, tontas de luz, cortando o firmamento ! Ninhos cantando ! Em flor a terra toda ! O vento Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo... E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto ! e este medo! Nós dois...e, entre nós dois, implacável e forte, A arredar-me de ti, cada vez mais, a morte... Eu, com o frio a crescer no coração, - tão cheio De ti, mesmo no horrer do derradeiro anseio ! Tu, vendo retorcer-se amarguradamente A boca que beijava a tua boca ardente, A boca que foi tua ! E eu morrendo ! e eu morrendo, Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo Tão bela palpitar nos teus olhos, querida, A delícia da vida ! a delícia da vida ! Olavo Bilac
Retorna ao Índice

				EU							
Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem sorte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e frote, Impele brutalmente para a morte ! Alma de luto sempre imcompreendida !... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber por quê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou Alguém que veio ao mundo pra me ver E que nunca na vida me encontrou ! Florbela Espanca
Retorna ao Índice

	
		Os ombros Suportam o Mundo					
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Emvão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice ? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação. Carlos Drummond de Andrade
Retorna ao Índice

	
		O CÃO SEM PLUMAS						
IV (Discurso do Capibaribe) Aquele rio está na memória como um cão vivo dentro de uma sala Como um cão vivo dentro de um bolso Como um cão vivo Debaixo dos lençóis, debaixo da camisa, da pele. Um cão, porque vive, é agudo. O que vive não entorpece. O que vive fere. O homem, porque vive, choca com o que vive. Viver é ir entre o que vive. O que vive incomoda de vida o silêncio, o sono, o corpo que sonhou cortar-se roupas de nuvens. O que vive choca, tem dentes, arestas, é espesso. O que vive é espesso como um cão, um homem, como aquele rio. Como todo o real é espesso. Aquele rio é espesso e real. Como uma maçã é espessa. Como um cachorro é mais espesso do que uma maçã. Como é mais espesso o sangue do cachorro do que o próprio cachorro. Como é mais espesso um homem do que o sangue de um cachorro ! Como é muito mais espesso o sangue de um homem do que o sonho de um homem. Espesso como uma maçã é espessa. Como uma maçã é muito mais espessa se um homem a come do que se um homem a vê. Como é ainda mais espessa se a fome a come. Como é ainda muito mais espessa se não a pode comer a fome que a-vê. Aquele rio é espesso como o real mais espesso. Espesso por sua paisagem espessa, onde a fome estende seus batalhões de secretas e íntimas formigas. E espesso por sua fábula espessa; pelo fluir de suas geléias de terra; ao parir suas ilhas negras de terra. Porque é muito mais espessa a vida que se desdobra em mais vida, como uma fruta é mais espessa que sua flor; como a árvore é mais espessa que sua semente; como a flor é mais espessa que sua árvore, etc. etc. Espesso porque é mais espessa a vida que se luta cada dia, o dia que se adquire cada dia (como uma ave que vai cada segundo conquistando seu vôo). João Cabral de Melo Neto
Retorna ao Índice


		AS SEM-RAZÕES DO AMOR						
Eu te amo porque te amo. Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. Eu te amor porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor. Carlos Drummond de Andrade
Retorna ao Índice


			Motivo								
Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão ds coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: - mais nada. Cecília Meireles
Retorna ao Índice


			Lua Adversa						
Tenho fases, como a lua. Fases de andar escondida, fases de vir para a rua... Perdição da minha vida ! Perdição da vida minha ! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha. Fases que vão e que vêm, no secreto calendário que um astrólogo arbitrário inventou para meu uso. E roda a melancolia seu interminável fuso ! Não me encontro com ninguém (tenho fases, como a lua...) No dia de alguém ser meu não é dia de eu ser sua... E, quando chega esse dia, o outro desapareceu... Cecília Meireles
Retorna ao Índice


			A Solidão do Corpo						
Na solidão, o corpo pode gritar ou fincar-se como um mastro, que nem a dor e o alíseo vento lhe trarão de volta a chave. nada há de pélagos e escarpas no senho do que se esculpiu de trevas, antes, é liso e verde como um fruto inteiro. Parece que dorme. Há um desalinho nos braços e cabelos. As partes despojadas sobre o branco pasto do lençol. Parece de pedra com sua andadura móvel nas calçadas e um senho opaco em meio às roupas. Um corpo só, é como fruto na pirâmide: - não vinga. Se queima em seus desertos e arde suas dormências, mas não conhece reflexo. É opaco como se alheio às artimanhas nos telhados, aos veludos na calçada e alheio à luva sobre a chave. Um corpo só, é duro como a rocha que não se penetra de espadas, que não se penetra de falas, que não se penetra de asas. A um corpo só, nem raios lhe abrem o riso, nem seus cabelos dão ninhos. Um corpo só, é quando amadurece a própria morte. Affonso Romano de Sant'anna
Retorna ao Índice


			EPPUR SI MUOVE						
para Leonardo e Clodovis Boff Não se pode calar um homem. Tirem-lhe a voz, restará o nome. Tirem-lhe o nome e em nossa boca restará a sua antiga fome. Matar, sim, se pode. Se pode matar um homem. Mas a sua voz, como os peixes, nada contra a corrente a procriar verdades novas na direção contrária à foz. Mente quem fala que quem cala consente. Quem cala, às vezes, re-sente. Por trás dos muros dos dentes, edifica-se um discurso transparente. Um homem não se cala com um tiro ou mordaça. A ameaça só faz falar nele o que nele está latente. Ninguém cala ninguém, pois existe o inconsciente. só se deixa enganar assim quem age medievalmente. Como se faz para calar o vento quando ele sopra com a força do pensamento ? Não se pode cassar a palavra a um homem, como se caçam às feras o pêlo e o chifre na emboscada das savanas. Não se pode, como a um pássaro, aprisionar a voz humana. A gaiola só é prisão para quem não entende a liberdade do não. Se a palavra é uma chave, que fala de prisão, o silêncio é uma ave - que canta na escuridão. A ausência da voz é, mesmo assim, um discurso. É como um rio vazio, cujas margens sem água dão notícia de seu curso. No princípio era o Verbo - bem se pode interpretar: no princípio era o Verbo e o Verbo do silêncio só fazia verberar. Na verdade, na verdade vos digo: mais pertubador que a fala do sábio é seu sábio silêncio, com-sentido. O que fazer de um discurso interrompido ? Hibernou ? Secou na boca, contido ? Ah, o silêncio é um discurso invertido modo de falar alto - proibido. O silêncio depois da fala não é mais inteiro. Passa a ter duplo sentido. É como o fruto proibido, comido não pela boca, mas pela fome do ouvido. Se um silêncio é demais, quando é de dois, geminado, mais que silêncio - é perigo, é uma forma de ruído. Por isto que o silêncio da consciência, quando passa a ser ouvido não é silêncio - é estampido. Affonso Romano de Sant`anna
Retorna ao Índice


			TRADUZIR-SE

		Uma parte de mim
		é todo mundo:
		outra parte é ninguém:
		fundo sem fundo.

		Uma parte de mim
		é multidão:
		outra parte estranheza
		e solidão.

		Uma parte de mim
		pesa, pondera:
		outra parte
		delira.

		Uma parte de mim
		almoça e janta:
		outra parte
		se espanta.

		Uma parte de mim
		é permanente:
		outra parte
		se sabe de repente.

		Uma parte de mim
		é só vertigem:
		outra parte,
		linguagem.

		Traduzir uma parte
		na outra parte
		- que é uma questão
		  de vida ou morte -
		  será arte ?

		Ferreira Gullar 		

Retorna ao Índice



			NÃO HÁ VAGAS

		O preço do feijão
		não cabe no poema. O preço
		do arroz
		não cabe no poema.
		não cabem no poema o gás
		a luz o telefone
		a sonegação
		do leite
		da carne
		do açúcar
		do pão

		O funcionário público
		não cabe no poema
		com seu salário de fome
		sua vida fechada
		em arquivos.
		como não cabe no poema
		o operário
		que esmerila seu dia de aço
		e carvão
		nas oficinas escuras

		- porque o poema, senhores,
		  está fechado:
		  "não há vagas"

		Só cabe no poema
		o homem sem estômago
		a mulher de nuvens
		a fruta sem preço

			O poema, senhores,
			não fede
			nem cheira

		      Ferreira Gullar

Retorna ao Índice


		OFERTA - AOS NOVOS QUE POETIZAM				
Poeta, poetisa teu caminho. pega, segura com os dedos da velha musa o que resta de poesia na transição da hora que passa. Cuida bem da inspiração que se despede por inútil. Cuidado com o adjetivo: traiçoeiro, corriqueiro, se insinua libidinoso, nu, esfarrapado, sem pudor. Olha a rima indigente, forçada, forçando tropeçante. O verso desvalido, maltrapilho. A palavra truncada. O palavrão da moda. O jargão. A frase feita. O advérbio desgastado pedindo esquecimento e posterior recuperação. Atenção, muita atenção ! Sem ser chamada - a palavra vulgar, esmolambada, sabereta vem, e vem para ficar. A palavra pobre... (coitadinha da palavra pobre !) Também tem o seu direito de figurar no verso. Tudo isso, mais um conteúdo miúdo que seja e serás Poeta. Cora Coralina
Retorna ao Índice


			ISMALIA							
Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu, Na torre pôs se a cantar... Estava perto do céu, Estava longe do mar... E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu, Queria a lua do mar... As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar... Alphonsus de Guimarães
Retorna ao Índice


		VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA					
Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar ! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d`água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar - Lá sou amigo do rei - Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Manuel Bandeira
Retorna ao Índice


			POÉTICA			
Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente [ protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho [vernáculo de um vocábulo Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo. De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com [cem modelos de cartas e as diferentes [maneiras de agradar às mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbados O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. Manuel Bandeira
Retorna ao Índice


		ESTATÍSTICA								
As crianças, sem um tiro aliás, e isso é que tornava o caso ainda mais espantoso, morriam mais do que índios nos filmes norte-americanos. E quando a gente acaso perguntava, para se mostrar atencioso: "Quantos filhos a senhora tem, Comadre ?" a comadre respondia, com ternura: "Eu tenho quatro filhos e nove anjinhos..." Mario Quintana
Retorna ao Índice


		       OLHO AS MINHAS MÃOS					
Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo [do mar... Fechá-las, de repente, Os dedos como pétalas carnívoras ! Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável [do tempo, Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o [pensamento Como tecem as teias as aranhas. A que mundo Pertenço ? No mundo há pedras, baobás, panteras, Águas cantarolantes, o vento ventando E no alto as nuvens improvisando sem cessar. Mas nada, disso tudo, diz: "existo". Porque apenas existem... Enquanto isto, O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses E, cheios de esperança e medo, Oficiamos rituais, inventamos Palavras mágicas, Fazemos Poemas, pobres poemas Que o vento Mistura, confunde e dispersa no ar... Nem na estrela do céu nem na estrela do mar Foi este o fim da Criação ! Mas, então, Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ? Quem faz - em mim - esta interrogação ? Mario Quintana
Retorna ao Índice


		LEMBRANÇAS DO LOSANGO CÁQUI				
Meu Deus como ela era branca ! ... Como era parecida com a neve ... Porém não sei como é a neve, Eu nunca vi a neve, Eu não gosto da neve ! E eu não gostava dela ... Mário de Andrade
Retorna ao Índice


		QUARENTA ANOS					
A vida é para mim, está se vendo, Uma felicidade sem repouso; Eu nem sei mais si gozo, pois que o gozo Só pode ser medido em se sofrendo. Bem sei que tudo é engando, mas sabendo Disso, persisto em me enganar ... Eu ouso Dizer que a vida foi o bem precioso Que eu adorei. Foi o meu pecado ... Horrendo Seria, agora que a velhice avança, Que me sinto completo e além da sorte, Me agarrar a este vida fementida. Vou fazer do meu fim minha esperança, Ôh sono, vem ! ... Que eu quero amar a morte Com o mesmo engano com que amei a vida. Mário de Andrade
Retorna ao Índice

			BULHA

Às vezes levanto de madrugada, com sede,
flocos de sonho pegados na minha roupa,
vou olhar os meninos nas suas camas.
O que nestas horas mais se é: morre-se
Incomoda-me não ter inventado este dizer lindíssimo:
"ao amiudar dos galos". Os meninos ressonam.
Com a nitidez perfeita, os fragmentos:
as mãos do morto cruzadas, a pequena ferida no dorso.
A menina que durante o dia desejou um vestido
está dormindo esquecida e isto é triste demais
porque ela falou comigo: "Acho que fica melhor com babado"
e r iu meio sorriso, embaraçado por tamanha alegria.
Como é possível que a nós, mortais, se aumente o brilho nos
							olhos
porque o vestido é azul e tem um laço ?
Eu bebo a água e é uma água amarga
e acho o sexo frágil, mesmo o sexo do homem. 

	      Adélia Prado
Retorna ao Índice


		SOLAR

	Minha mãe cozinhava exatamente:
	arroz, feijão, molho de batatinhas.
	Mas cantava.

	     Adélia Prado

Retorna ao Índice


			O NAVIO NEGREIRO					
Tragédia no Mar I Estamos em pleno mar...Doido no espaço Brinca o luar - dourada borboleta - E as vagas após ele correm ... cansam Como turba de infantes inquieta. Estamos em pleno mar... Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acente as ardentias - Constelações do líquido tesouro... Estamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dois é o céu ? Qual o oceano ?... Estamos em pleno mar ... Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares Como roçam na vaga as andorinhas... Donde vem ? ... Onde vai ?... Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço ? Neste Saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço. Bem feliz quem ali pode nest' hora Sentir deste painel a majestada!... Embaixo - o mar... em cima - o firmamento... E no mar e no céu - a imensidade ! Oh! que doce harmonia traz-me a brisa ! Que música suave ao longe soa ! Meu Deus ! Como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa ! Homens do mar ! Ó rudes marinheiros Tostados pelo sol dos quatro mundos ! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos ! Esperaoi ! Esperai ! deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia ... Orquestra - é o mar que ruge pela proa, E o vento que nas cordas assobia ... ..................................................................... Por que foges assim, barco ligeiro ? Por que foges do pávido poeta ? Oh! quem me dera acompnhar-te a esteira Que semelha no mar - doido cometa ! II Que importa do nauta o berço, Donde é filho, qual seu lar ? ... Ama a cadência do verso Que lhe ensina o velho mar ! Cantai ! que a noite é divina ! Resvala o brique à bolina Como um golfinho veloz. Presa ao mastro da mezena Saudosa bandeira acena Ás vagas que deixa após. Do espanho as cantilenas Requebradas do languor, Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor. Da Itália o filho indolente - Terra de amor e traição - Ou do golfo no regaço Relembra os vesos do Tasso Junto às lavas do Vulcão ! O inglês - marinheiro frio, Que ao nascer no mar se achou (Porque a Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou), Rijo entoa pátrias glórias, Lembrando orgulhoso histórias De Nelson e de Aboukir. O francês - predestinado - Canta os louros do passado E os loureiros do porvir ... Os marinheiros helenos, Que a vaga iônia criou, Belos piratas morenos Do mar que Ulisses cortou, Homens que Fídias talhara, Vão cantando em noite clara Versos que Homero gemeu... ... Nautas de todas as plagas ! Vós sabeis achar nas vagas As melodias do céu... III Desce do espaço imenso, ó águia do oceano ! Desce mais, inda mais ... não pode o olhar humano Como o teu mergulhar no brigue voador. Mas que vejo eu ali... que quadro de amarguras ! É canto funeral !... Que tétricas figuras !... Que cena infame e vil !... Meu Deus ! meu Deus! Que horror ! IV Era um sonho dantesco... O tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho, Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar do açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras, moças ... mas nuas, espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs. E ri-se a orquestra, irônica, estridente... E da ronda fantástica a sepente Faz doidas espirais... Se o velho arqueja ... se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais... Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia E chora e dança ali ! ..................................................................... Um de raiva delira, outro enlouquece... Outro, que de martírios embrutece, Cantando, geme e ri ! No entanto o capitão manda a manobra E após, fitando o céu que se desdobra Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros ! Fazei-os mais dançar!..." E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da roda fantástica a serepente Faz doidas espirais ! Qual num sonho dantesco as sombras voam... Gritos, ais, maldições, preces ressoam ! E ri-se Satanás! ... V Senhor Deus dos desgraçados ! Dizei-me vós, Senhor Deus ! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus... Ó mar! por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão ? ... Astros ! noite ! tempestades ! Rolai das imensidades ! Varrei os mares, tufão ! ... Quem são estes desgraçados, Que não encontram em vós, Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz ? Quem são ? ... Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa musa, Musa libérrima, audaz ! São os filhos do deserto Onde a terra esposa a luz. Onde voa em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combate na solidão... homens simples, fortes, bravos... Hoje míseros escravos Sem ar, sem luz, sem razão... São mulheres desgraçadas Como Agar o foi também, Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, Nalma - lágrimas e fel. Como Agar sofrendo tanto Que nem o leite do pranto Têm que dar para Ismael... Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, nasceram - crianças lindas, Viveram - moças gentis... Passa um dia a caravana Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus... ... Adeus! ó choça do monte !... ... Adeus! palmeiras da fonte !... ... Adeus ! amores... adeus!... Depois o areal extenso... Depois o oceano de pó... Depois no horizonte imenso Desertos... desertos só... E a fome, o cansaço, a sede... Ai ! quanto infeliz que cede, E cai pra não mais s`erguer!... Vaga um lugar na cadeia, Mas o chacal sobre a areia Acha um corpo que roer... Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormindo à toa Sob as tendas d` amplidão Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar... Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje...cúmulo de maldade Nem são livres pra... morrer... Prende-os a mesma corrente - Férrea, lúgubre serpente - Nas roscas da escravidão. E assim roubados à morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoite... Irrisão !... Senhor Deus dos desgraçados ! Dizei-me vós, Senhor Deus ! Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus... Ó mar, por que não apagas Co`a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão ? ... Astros! noite! tempestades ! Rolai das imensidades ! Varrei os mares, tufão!... VI E existe um povo que a bandeira empresta Pra cobrir tanta infâmia e covardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria !... Meu Deus ! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea trípudia ?! ... Silêncio! ... Musa ! chora, chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra, E as promessas divinas da esperança... Tu, que da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança, Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha! ... Fatalidade atroz que a mente esmaga ! Extingue nesta hora o brique imundo O trilho que Colobombo abriu na vaga Como um íris no pélago profundo!... ... Mas é infâmia demais... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo... Andrada! arranca este pendão dos ares ! Colombo! fecha a porta de teus mares ! Castro Alves
Retorna ao Índice


		O "ADEUS" DE TERESA					
A VEZ PRIMEIRA que eu fitei Teresa, Como as plantas que arrasta a correnteza, A valsa nos levou nos giros seus... E amamos juntos... E depois na sala "Adeus" eu disse-lhe a tremer co`a fala... E ela, corando, murmurou-me: "adeus". Uma noite... entreabriu-se um reposteiro... E da alcova saía um cavaleiro Inda beijando uma mulher sem véus... Era eu... Era a pálida Teresa ! "Adeus" lhe disse conservando-a presa... E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!" Passaram tempos... sec`los de delírio Prazeres divinais... gozos do Empíreo... ... Mas um dia volvi aos lares meus. Partindo eu disse - "Voltarei ! ... descansa ! ..." Ela, chorando mais que uma criança, Ela em soluços murmurou-me: "adeus! " Quando voltei ... era o palácio em festa ! ... E a voz d`Ela e de um homem lá na orquestra Preenchiam de amor o azul dos céus. Entrei ! ... Ela me olhou branca... surpresa ! Foi a última vez que eu vi Teresa ! ... E ela arquejando murmurou-me: "adeus! " Castro Alves
Retorna ao Índice


	            POEMA EM LINHA RETA						
NUNCA CONHECI quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tendo sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tendo sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar. Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida ... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil ? Ó príncipes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo ? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra ? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear ? Eu, que tenho sido vil, literalmente viu, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. Fernando Pessoa como Álvaro de Campos
Retorna ao Índice

			Soneto da Fidelidade						
De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao meu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, pôsto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. Vinicius de Moraies
Retorna ao Índice



	Para viver um grande amor, preciso é muita concentração
e muito siso, muita seriedade e pouco riso - para viver um grande
amor.
	Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma
só mulher; pois ser de muitas, poxa ! é de colher ... - não tem 
nenhum valor.
	Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se 
cavalheiro e ser de sua dama por inteiro - seja lá como for. Há que 
fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada 
e postar-se de fora com uma espada - para viver um grande amor.
	Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como
o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para 
iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer
que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre 
preparado para chatear o grande amor.
	Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da
verdade de que não existe amor sem fieldade - para viver um grande
amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da 
liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
	Para viver um grande amor, il faut, além de fiel, ser bem 
conhecedor de arte culinária e de jud^0 - para viver um grande amor.
	Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas 
bom sujeito; é preciso também ter muito peito - peito de remador. É
preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada
e sua viúva t ambém, amortalhada no seu finado amor.
	É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no
florista - muito mais, muito mais que na modista ! - para aprazer ao 
grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo. É de
amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo
conta ponto a favor...
	Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões,
sopinhas, molhos, estrogonofes - comidinhas para depois do amor. E
o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha
com uma rica e gostsoa farofinha, para o seu grande amor ?
	Para viver um grande amor é muito, muito importante viver
sempre junto e até ser, se possível, um só defunto - pra não morrer de 
dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também
com a mente, pois qualquer "baixo"seu, a amada sente - e esfria um 
pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador
sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia - para viver um grande
amor.
	É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se 
arrisque !) e ser impermeável ao diz-que-diz-que - que não quer nada com
o amor.
	Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e
desvairada não se souber achar a bem-amada - para viver um 
grande amor.

			Vinicius de Moares     

Retorna ao Índice


	     Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
                 dos restos do dia, tira da tua boca
                 o punhal e o trânsito, sombras de
                 teus gritos, e roupas, choros, cordas e

                 também as faces que assomam sobre a 
                 tua sonora forma de olhar, e os outros corpos
                 que se deitam e se pisam, e as moscas
                 que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)

                 que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
                 esqueceram teus braços, e tantos movimentos
                 que perdem teus silêncios, e os ventos altos

                 que não dormem, que te olham da janela,
                 e em tua porta penetram como loucos
                 pois nada te abandonas e nem tu ao sono.

			Ana Cristina César

Retorna ao Índice

		A Valsa								
Tu, ontem, Na dança Que cansa, Voavas Co'as faces Em rosas Formosas De vivo, Lascivo Carmim; Na valsa Tão falsa, Corrias, Fugias, Ardente, Contente, Tranqüila, Serena, Sem pena De mim! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... - Não negues, Não mintas... - Eu vi!... Valsavas: - Teus belos Cabelos, Já soltos, Revoltos, Saltavam, Voavam, Brincavam No colo Que é meu; E os olhos Escuros Tão puros, Os olhos Perjuros Volvias, Tremias, Sorrias, P'ra outro Não eu! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... - Não negues, Não mintas... - Eu vi!... Meu Deus! Eras bela Donzela, Valsando, Sorrindo, Fugindo, Qual silfo Risonho Que em sonho Nos vem! Mas esse Sorriso Tão liso Que tinhas Nos lábios De rosa, Formosa, Tu davas, Mandavas A quem ?! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... - Não negues, Não mintas,.. - Eu vi!... Calado, Sózinho, Mesquinho, Em zelos Ardendo, Eu vi-te Correndo Tão falsa Na valsa Veloz! Eu triste Vi tudo! Mas mudo Não tive Nas galas Das salas, Nem falas, Nem cantos, Nem prantos, Nem voz! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... - Não negues Não mintas... - Eu vi! Na valsa Cansaste; Ficaste Prostrada, Turbada! Pensavas, Cismavas, E estavas Tão pálida Então; Qual pálida Rosa Mimosa No vale Do vento Cruento Batida, Caída Sem vida. No chão! Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... - Não negues, Não mintas... Eu vi! Casimiro de Abreu
Retorna ao Índice


  		POR QUE MENTIAS ?						
Por que mentias leviana e bela ? Se minha face pálida sentias Queimada pela febre, e se minha vida Tu vias desmaiar, por que mentias ? Acordei da ilusão, a sós morrendo Sinto na mocidade as agonias. Por tua causa desespero e morro... Leviana sem dó, por que mentias ? Sabe Deus se te amei ! sabem as noites Essa dor que alentei, que tu nutrias ! Sabe esse pobre coração que treme Que a esperança perdeu por que mentias ! Vê minha palidez - a febre lenta Esse fogo das pálpebras sombrias... Pousa a mão no meu peito ! Eu morro ! eu morro Leviana sem dó, por que mentias ? Álvares de Azevedo
Retorna ao Índice


			SÁTIRA								
Que falta neste cidade ? Verdade. Que mais por sua desonra ? Honra. Falta mais que se lhe ponha ? Vergonha. O Demo a viver se exponha, Por mais que a fama exalta, Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha. Quem a pôs neste necroscio ? Negócio. Quem causa tal perdição ? Ambição. E no meio desta loucura ? Usura. Notável desaventura De um povo néscio e sandeu Que não sabe o que se perdeu Negócio, ambição, usura. Quais são seus doces objetos ? Pretos. Tem outros bens mais maciços ? Mestiços. Quais destes lhe são mais gratos ? Mulatos. Dou ao Demo os insensatos, Dou ao Demo o povo asnal, Que estima por cabedal Pretos, mestiços, mulatos. Quem faz os círios mesquinhos ? Meirinhos. Quem faz as farinhas tardas ? Guardas. Quem as tem nos aposentos ? Sargentos. Os círios lá vêm aos centos E a terra fica esfaimando porque os vão atravessando Meirinhos, guardas, sargentos. E que justiça a resguarda ? Bastarda. É gratias distribuída ? vendida. Que tem que a todos assusta ? Injusta. Valha-nos Deus, o que custa O que El-Rei nos dá de graça, Bastarda, vendida, injusta. Gregório de Matos
Retorna ao Índice


		Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
		De luares, de neves, de neblinas !...
		Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
		Incenso dos turíbulos das aras...

		Formas do Amor, constelarmente puras,
		De Virgens e de Santas vaporosas...
		Brilhos errantes, mádidas frescuras
		E dolências de lírios e de rosas...

		Indefiníveis músicas supremas,	
		Harmonias da Cor e do Perfume...
		Horas de Ocaso, trêmulas, extremas,
		Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

		Visões, salmos e cânticos serenos,
		Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
		Dormências de volúpicos venenos
		Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

		Infinitos espíritos dispersos,
		Inefáveis, edêncios, aéreos,
		Fecundai o Mistério destes versos
		Com a chama ideal de todos os mistérios.

		Do Sonho as mais azuis diafaneidades
		Que fuljam, que na Estrofe se levantem
		E as emoções, todas as castidades
		Da alma do Verso, pelos versos cantem.

		Que o pólem de ouro dos mais finos astros
		Fecunde e inflamem a rima clara e ardente...
		Que brilhe a correção dos alabastros
		Sonoramente, luminosamente.

		Forças originais, essência, graça
		De carnes de mulher, delicadezas...
		Todo esse eflúvio que por ondas passa
		Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

		Cristais diluídos de clarões alacres,
		Desejos, vibrações, ânisas, alentos,
		Fulvas, vitórias, triunfamentos acres,
		Os mais estranhas estremecimentos...

		Flores negras do tédio e flores vagas
		De amores vãos, tantálicos, doentios...
		Fundas vermelhidões de velhas chagas
		Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

		Tudo ! vivo e nervoso e quente e forte,
		Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
		Passe, cantando, ante o perfil medonho
		E o tropel cabalístico da Morte...

				Cruz e Sousa
Retorna ao Índice


Envie esta página para alguém especial. Após enviar, retorne usando o botão "back" do seu navegador.
De  Email:
Para: Email:

Veja as poesias do lobo