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Fernando Pessoa

 

"Não evoluo, viajo"

" Sê plural como o Universo !"

" Eu vejo-me e estou sem mim"

 

 


 

Vida de Fernando Pessoa

ÍNDICE

Fernando Pessoa nasceu em Lisboa a 13 de Junho de 1888, no seio de uma família com origens na pequena nobreza. A mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira, era uma mulher culta e inteligente, com preocupações intelectuais. O pai era, igualmente, um homem culto e sensível, tendo desempenhado as funções de crítico musical no Diário de Notícias. Morreu em 1893, vítima de tuberculose, tinha Fernando Pessoa 6 anos. Este facto interrompeu uma infância feliz do poeta e obrigou a sua família a vender a casa e a mudar-se para uma habitação mais modesta. Um ano depois, morre também o seu irmão mais novo.Em 1895, a sua mãe casa com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul, acontecimento este que obriga a família, a abandonar Portugal. Durante cerca de dez anos, Fernando Pessoa faz os seus estudos no convento de West Street e no liceu de Durban, obtendo sempre excelentes classificações e ganhando inclusivamente um prémio, o Queen Victoria Memorial Prize, prémio este relativo a um ensaio em inglês. Apesar do sucesso escolar, Fernando Pessoa era um jovem introspectivo e melaa publicou também poemas, folhetos, manifestos, textos de natureza diversa, desde religiosos até de natureza económica ou policiais e, em 1934, a Mensagem.

Embora não tendo casado, Fernando Pessoa namorou com Ofélia Queirós durante alguns meses, em 1920 e, mais tarde, entre 1929 e 1930. Os seus últimos anos foram marcados pela solidão, por uma grande perturbação psicológica e por um excesso de álcool, que esteve na origem de uma grave crise hepática, a qual lhe provocaria a morte, a 30 de Novembro de 1935. Fernando Pessoa está, como Camões, sepultado no Mosteiro dos Jerónimos.

 


Apresentação humana de Fernando Pessoa

ÍNDICE

Desde a sua adolescência que Fernando Pessoa dialogou, entre o orgulho e a agonia, com a convicção de ter sido marcado pelo génio, e quis realizar uma obra de superior destino, que antepôs a qualquer satisfação possível. Sendo Fernando Pessoa um sonhador, este facto sustentou-lhe a escolha de uma existência à margem da sua classe natural e oposta à da sua família, à qual, sempre permaneceu vinculado por um formalismo comedido e aristocrático que não cumpria extremamente. Dentro do exílio, que foi o da sua vontade, a sua diferença, inclinou-se a pretexto da sua força oculta, a de ser poeta, e quotidianamente cumpriu exemplarmente a função de escrever. Foi um homem que se contentou com uma história sem brilhos e sem misérias espetaculares, e que preferiu uma vida secreta e sem importância, em poesia, como em vida, cumpriu, enganou-se, falhou, sabendo-o sempre, com a incómoda evidência da previsão e comentário com que se julgava, e nem sequer teve ilusões satisfatórias fosse até acerca da glória que finalmente desejava para o que escrevia. A sua presença sempre se volveu estranha, pela forma de reserva inesperada, pelas bruscas confidencias intempestivas, pelo pudor defendido como uma aparência às avessas, e temperado com um humorismo irónico, de desencanto e defesa. Foi o próprio Fernando Pessoa que revelou, à luz desfavorável do artifício e do exagero, os seus tiques e os seus hábitos com que a censura se entretivesse no que ter à dizer dele. Gostava de manter intocáveis a sua intimidade e a vida privada, limpa, facilitando o pitoresco e a anedota com que o desconhecessem sem, contudo, o mentirem.

No entanto o cenário que o rodeou e a personagem na qual se transformou aos poucos, são adaptáveis à ideia do tipo que nós fazemos da sua existência de homem de letras, embora singular. Sem que seja preciso grande esforço ou grande imaginação, reencontramos a atmosfera dos cafés habituais da Baixa cidade de Lisboa, que ele frequentava como cliente modesto entre as horas de presença dos escritórios próximos, e como intelectual às horas dos intelectuais. Aí o distinguimos, vestido de escuro e refugiado no gesto imóvel de cruzar os pés sob a mesa, e inclinar a cabeça a qual apoiava numa das mãos. Reconhecemos o seu ar de secreta e vaga ausência, a sua distraída contemplação, o seu lento sorriso silencioso ou uma pequena gargalhada nervosa. A imagem assim obtida, leva-nos do autor à obra e da obra ao autor, num vaivém de interferencias do conhecimento que temos. Qualquer decifração que se pretenda fazer incidir sobre a personalidade humana que permitiu uma tal personalidade literária, está por força presa à declarada relevância da segunda sobre a primeira.

Fernando Pessoa na sua convenção de atitudes e aparências, no processo da literatura, é deduzível da interpretação do seu génio.

 


A "Mensagem" de Fernando Pessoa

ÍNDICE

A "Mensagem" é um poema lírico-épico que tem como receptor o próprio país, repetindo e trasfigurando a história da pátria portuguesa como sendo o mito do nascimento, vida e morte, que será seguida de um renascimento. De certa forma, podemos considerá-la uma versão moderna e espiritualista dos Lusíadas, onde Fernando Pessoa demonstra o seu caractér patriótico, sebastianista e regenerador. Embor esta epopeia tenha sido considreada durante muito tempo fascista, ela não serve nenhum ideal político, nem se restringe a nenhum tempo particular. A sua concepção mitológica e histórica transporta uma realidade que vive para além das cordenadas de tempo.

O Português surge nesta obra como um herói épico, que procura desvendar e dominar o Mundo que não conhece, dominado por um sentimento de insatisfação permanente.

Valeu a pena?Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena

Os Mitos expressos poeticamente na "Mensagem", são aqueles levados a cabo durante os Descobrimentos. Ao real captado pelo poeta desde as origens, corresponderá igualmente uma viagem espiritual de um sujeito poético que estará presente em toda a obra, o próprio Fernando Pessoa. Subjacente a toda a obra, estará uma carga pessoal de confissão do sentimento do poeta.

As poesias que pertencem a esta obra foram escritas entre 1913 e 1934, ano da sua publicação, sendo esta a única obra publicada ainda em vida do poeta.

A obra está dividida em três partes, Brasão, Mar Português, O Encoberto, tendo cada uma das partes cerda de dez a vinte poemas, numa estrutura circular a nível da estrutura interna. Da primeira parte fazem parte poemas sobre o período áureo português e sobre as figuras míticas da história. No Mar Português aparecem poemas relacionados com a época dos Descobrimentos e que demonstram a importância da Nação Portuguesa. Na terceira parte, que se denomina de O Encoberto, o poeta espera um Messias que retire o país do declínio e do marasmo em que se encontra, provocado pela própria sociedade.

Considerando a estrutura da "Mensagem" como a de um mito da teoria das Idades do Mundo, poder-se-á dividir a estrutura de uma forma tripartida. O Brasão representará os fundadores e o nascimento da Pátria Portuguesa, numa análise da missão profética de Portugal. O Mar Português será a realização e a vida desse herói épico, que passa por provas e sofrimentos para "dar novos Mundos ao Mundo". O O Encoberto é o fim das energias, a morte que já contém em si o novo ciclo que se anuncia, o Quinto império. Desta forma, esta terceira parte surge com um aviso do poeta, para que o país modifique as mentalidades e saía do declínio.

E a nossa grande Raça partirá em busca de um Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas "daquilo que os sonhos são feitos".

 


Explicação da heterónímia

ÍNDICE

Heterónimo é uma palavra de origem grega que significa, literalmente, "outros (heteros) nomes (onyma)", mas, na realidade, designa outras personalidades. Aquelas que a imaginação de Fernando Pessoa concebeu. Ou seja, o poeta divide-se em poetas, cada um com uma personalidade e uma obra própria. Enquanto o pseudónimo é um nome atrás de um nome falso, o heterónimo é algo muito mais complexo, pois implica a invenção de uma biografia totalmente nova para um poeta, com um estilo e uma visão de mundo muito específica.

  • Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de indole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo de Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis).
    Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro - de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira - foi em 8 de Março de 1914 - acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, "O guardador de Rebanhos". E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro.
    Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a "Chuva Oblíqua", de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
    Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir - instinta e subconscientemente - uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o "via". E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de esvrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a "Ode Triunfal" de Álvaro de Campos - a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
    Criei, então, uma "coterie" inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Guardei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou
     
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    independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão entre Ricardo Reis a Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.
    (Extracto de uma carta a Adolfo Casais Monteiro - 1935)
  • Qual seria a razão para Fernando Pessoa inventar heterónimos?

    O próprio Fernando Pessoa confessa que, enquanto criança, tinha uma grande tendência para simular. Como menino solitário que era, inventou companheiros para brincar, um dos quais Chevalier de Pas. Mas esta explicação é insuficiente e não resolve o problema. Para muitos estudiosos os heterónimos poderiam ser autenticas máscaras (como curiosidade note-se que o sobrenome do poeta vem da palavra latina persona, que significa "máscara"). Escondido atrás dela, o poeta oculta a sua personalidade para revelar aspectos múltiplos da realidade. A consequência disto é que Fernando Pessoa passou a vida a inventar heterónimos. Para além dos mais conhecidos, que são Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, salientam-se Bernardo Soares, Alexander Search (o qual só escrevia em inglês), Vicente Guedes, António Mora, entre muitos outros.

     


    Alguns heterónimos de Fernando Pessoa

    Alberto Caeiro

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    O grau zero da escrita

    Alberto Caeiro é um dos heterónimos de Fernando Pessoa.

    De acordo com o seu criador, nasceu em Lisboa em Abril de 1889, mas viveu quase toda a sua vida no campo, na quinta do Ribatejo que pertencera aos pais. Como não teve profissão viveu de uns pequenos rendimentos, morreu tuberculoso na cidade de Lisboa em 1915.

    Fernando Pessoa cria uma biografia de Caeiro que se encaixa com perfeição na sua poesia. Escreve com uma linguagem simples e com o vocabulário limitado de um poeta camponês pouco ilustrado. Só com a instrução primária. Antimetafísico, pratica o realismo sensorial, numa atitude de rejeição às elucubrações do Simbolismo. Afirma que "pensar é estar doente dos olhos", e quer apenas sentir a natureza. Em perfeita consonância com a sua busca de simplicidade, escreve versos livres e brancos. Agnóstico, escreve um poema ousado sobre o menino Jesus. Destituído de santidade, Cristo é representado como criança normal: espontânea, levada, brincalhona e alegre. Nisso está a religiosidade de Caeiro.

    Há dois Caeiro, o poeta e o pensador, sendo o primeiro que se desdobra no segundo, em teoria. Segundo a imagem que dá dele próprio, vive de impressões, sobretudo visuais, e goza em cada impressão o seu conteúdo original. Não admite a realidade dos números e não quer saber de passado nem de futuro, pois considera que recordar é atraiçoar a Natureza.

    No Poema dum Guardador de Rebanho declara-se pastor por metáfora. O andar constante e sem destino, absorvido pelo espetáculo da inesgotável variedade das coisas. Os seus pensamentos não passam de sensações. Limita-se a existir, com um sorriso de existir e não de nos falar.

    Caeiro surge, pois, como lírico espontâneo, instintivo, inculto, impessoal e forte, mas muitas vezes, a simplicidade quase infantil do estilo, pobre de vocabulário, consegue exprimir a infinita diversidade, as incontáveis metamorfóses do mundo. A sua poesia, na caracterização que dela faz o próprio Fernando Pessoa, «é de estilo bucólico e de espécie complicada».

     


    Ricardo Reis

    ÍNDICE

    Ricardo Reis nasceu no Porto. Foi educado num colégio de jesuítas, é médico e vive no Brasil desde 1919, pois expatriou-se espontâneamente por ser monárquico. Latinista por educação alheia e um semi-helenista por educação própria. Discípulo de Alberto Caeiro, Ricardo Reis retoma o fascínio do mestre pela natureza pelo viés do Neoclassicismo. Insiste no Locus Amoenus e no Carpe Diem. A sua linguagem é clássica e o vocabulário, erudito. Apropriadamente, os seus poemas são metrificados e têm uma sintaxe tortuosa. Traduz o agnosticismo de Alberto Caeiro em paganismo, recorrendo aos deuses gregos nos seus poemas.

    Ricardo Reis não é um homem de ressentimento e cálculo, experimenta a dor da

    nossa miséria estrutural, sofre as ameaças da velhice e da morte. Vai à conquista do prazer relativo, sempre moldado pela tristeza de saber o que é. Sente-se estrangeiro no mundo, incomunicável, recolhe-se com orgulho ao castelo interior. Assim, angustiado perante um Destino mudo que o arrasta na voragem, Ricardo Reis procura na sabedoria dos antigos gregos e romanos um remédio para os seus males. Confessa nas suas poesias que prefere o presente precário a um futuro que teme porque desconhece.

    Na poesia de Ricardo Reis é constante a desconfiança perante a Fortuna, os sentimentos fortes, o prazer. Diz a sabedoria antiga que a Fortuna é traiçoeira e nada devemos esperar que não provenha de nós próprios. Assim a felicidade consiste em gozar ao de leve os instantes volúveis, procurando o mínimo de dor ou gozo. É contemplativo ,extremamente pobre de calor afectivo, sem amizades que transpareçam na poesia, e sem a capacidade para o amor autêntico.

    Ricardo Reis parece existir apenas em função do problema crucial de remediar o sentimento da fraqueza humana e da inutilidade de agir por meio de uma arte de viver que permita chegar à morte de mãos vazias e com um mínimo de sofrimento.

     


    Álvaro de Campos

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    O Engenheiro e o Poeta

    Heterónimo de Fernando Pessoa. Nasceu em 1890 segundo criação do autor, poeta «sensacionista». Oscila entre o estilo torrencial em que canta as sensações da vida moderna, mecânica, febril, caindo depois na sonolência, no tédio, em que se interroga sobre o absurdo da existência.

    Álvaro de Campos é considerado o mais moderno dos heterónimos de Fernando Pessoa. Engenheiro naval, possuidor de três fases: a do Opiário; a mecanicista, whitmaniana; e a do sono e cansaço, a partir de " A Casa Branca, Nau Preta", poema escrito em 11 de outubro de 1916.

    A primeira fase, é composta pelo poema Opiário e por dois sonetos. A segunda fase compõe-se dos seguintes poemas: Ode Triunfal, Dois Excertos de Odes, Ode Marítima, Saudação a Walt Whitman e Passagem das Horas. Com exceção do segundo poema, predomina nesta fase o espírito nietzschiano, a inspiração de Walt Whitman e do Futurismo italiano de Marinetti , que se aclimata ao caso português através do Sensacionalismo, concebido em resumo como intelectualização da sensação.

    Características marcantes da segunda fase, foram as de desordem de sensações, a inquietude do após-guerra, dinamismo e a integração na civilização da máquina. Homem da cidade, Álvaro de Campos desumaniza-se, ao tentar explicar a lição sensacionista de Alberto Caeiro ao mundo da máquina. Não consegue acompanhar como um super-homem a pressa mecanicista, e deprime-se, chegando a escrever um poema dedicado a Alberto Caeiro, apesar do respeito ao mestre, apresenta-lhe queixas.

    Surge a terceira fase de Campos sobretudo devido à falta de adaptação às teorias de Caeiro e à desilusão própria após-guerra. Esta fase é marcada pela revolta, pelo inconformismo, enternecimento moralista, senso de fragilidade humana e senso do real, desprezo ao mito do heroísmo, torpor expresso em sono e cansaço e a preocupação com o existencial. Em resumo esta é a imagem de uma das personalidades mais expressivas de Fernando Pessoa.

     


    Bernardo Soares

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    É um semi-heterónimo de Fernando Pessoa "porque - como afirma o seu próprio criador - não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade."

    Desde 1914 que Pessoa escrevia fragmentos de cariz confessional, diarístico e memorialista aos quais, já a partir dessa data, deu o título de "Livro do Desassossego" - obra que o ocupou até ao fim.

    Há aspectos "biográficos" que o aproximam de Pessoa: é ajudante de guarda livros em Lisboa e trabalha em escritórios modestos na Baixa pombalina. Se pelo carácter deambulatório se aproxima de Cesário Verde, se a sua prosa, muitas das vezes poética, recheada de pensamentos e de preocupações metafísicas, o irmana de Pessoa na perspectiva de Álvaro de Campos, se a sua escrita fragmentária e de tom diarístico, labiríntica e lúcida face à consciência de si e do Mistério, presente até o que há de mais insignificante, faz pensar no Húmus de Raul Brandão, podemos então olhar o Livro do Desassossego como um dos pilares da prosa moderna portuguesa.

    Bernardo Soares, no meio de todos os heterónimos e sub-heterónimos pessoanos, aquele que mais se aproxima do próprio Pessoa.

     


    Inserção Histórica

    ÍNDICE

    DO LIBERALISMO À REPUBLICA

    As novas ideias políticas dos filósofos franceses do século XVIII começam a entrar em Portugal no tempo do Marquês de Pombal. A censura, a polícia e a Inquisição não conseguem travar o aumento do número de «jacobinos» e dos «afrancesados», entre os quais figuram nobres e, sobretudo, homens de letras.

    A luta da Inglaterra contra a França revolucionária envolve-nos na campanha do Rossilhão e obriga-nos a não acatar o Bloqueio Continental, decretado por Napoleão, sendo o nosso país invadido pelos exércitos franceses entre 1808 e 1810. Não conseguem, porém, nem prender a família real, que embarcara para o Brasil, nem subjugar a Nação, que se levanta em armas e, ajudada pelo exército inglês, vence os invasores em Roliça, Vimeiro, Porto, Buçaco, Linhas de Torres e outros lugares, e os obriga a retirar. As invasões francesas deixam o país arruinado e ocupado pelo exército inglês. O descontentamento alastra, reforçado pela propaganda das ideias liberais.

    Após a malograda conspiração de 1817, comandada por Gomes Freire, triunfa a Revolução de 1820, organizada no Porto, sob a direcção de Manuel Fernandes Tomás, sendo eleita uma Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, destinada a governar em nome do rei e a reunir Cortes Constituintes.

    A Constituição de 1822 transforma a monarquia absoluta em monarquia liberal. Ao domínio soberano do rei substitui três poderes: o poder legislativo, atribuído às Cortes, formadas por deputados eleitos; o poder executivo, concedido ao monarca e aos ministros; o poder judicial, confiado aos juízes. D. João VI regressa, jura a Constituição e enceta nova fase governativa. No Brasil, D. Pedro, que ali ficara com a categoria de regente, recusa-se a voltar a Portugal e proclama a independência em 1822.

    A situação política portuguesa deu origem à formação de dois partidos rivais: absolutistas ou realistas, que pretendiam a continuidade das instituições anteriores e liberais ou constitucionais, defensores da ordem nova. À primeira revolta realista de Trás-os-Montes, seguiram-se os pronunciamentos militares de Vila-Francada e da Abrilada comandados pelo infante D. Miguel. D. Pedro, considerado herdeiro do trono, outorga ao País uma Carta Constitucional em1826, destinada a substituir a Constituição de 1822, e abdica nome da sua filha. Durante a menoridade desta, D. Miguel deveria governar de harmonia com a Carta. Os seus partidários, porém, aclamam-no «rei de Portugal», enquanto os liberais formam na ilha Terceira um governo oposicionista, apoiado por D. Pedro, que deixara o Brasil. É organizada uma expedição que vai desembarcar no Mindelo. Desencadeada a guerra, são vencidas as forças de D. Miguel e assinada a Convenção de Évora Monte em 1834.

    Os liberais voltam definitivamente ao poder e continuam a decretar as reformas iniciadas por Mouzinho da Silveira. D. Maria II, que subiu ao trono após a morte de seu pai, viu-se logo de início em sérias dificuldades para manter o equilíbrio entre os partidos que dividiam os liberais, uns defensores da Constituição de 1822 , os «radicais» ou «vintistas», outros da Carta Constitucional, apelidados de «conservadores» ou «cartistas». Daqui resultaram uma série de lutas, que perturbam o seu reinado: Revolução de Setembro e Belenzada em1836, Revolta dos Marechais em 1837, Revolta de Costa Cabral em 1842, Revolução da Maria da Fonte em 1846 e a Regeneração em 1851.

    A acalmia foi-se restabelecendo lentamente, acompanhada de medidas de vasto alcance, entre as quais se distinguem as de Costa Cabral na agricultura, comunicações, cultura e administração, as de Fontes Pereira de Melo nos caminhos de ferro, estradas, telégrafo, instrução agrícola e industrial, e as de Passos Manuel na instrução primária e ensino liceal. É igualmente neste época que é abolida a escravatura e a pena de morte. É também importante referir o nome de Sá da Bandeira e as suas importantes providências de interesse para as colónias.

    Em meados do séc. XIX, o continente negro começa a despertar a atenção das potências, que favorecem expedições de exploradores e cientistas. Portugal acompanha este movimento: às viagens do começo do século, como a de Silva Porto, seguem-se as de Capelo e Ivens, Serpa Pinto e António Maria Cardoso.

    As grandes potências, começam, entretanto, a disputar a posse da África e, em especial, dos nossos domínios. A Conferência de Berlim, em 1884, fixa determinados princípios basilares que levam os Estados a delimitarem as fronteiras das colónias. A Inglaterra, não concordando com as nossas alegaçõe em favor da posse do território situado entre Angola e Moçambique, impõe-nos a sua vontade pelo Ultimato de 1890. Só então Portugal inicia as campanhas de ocupação africana, nas quais se distinguem Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Alves Roçadas e João de Almeida.

    O fim da monarquia liberal é precipitado pela crise que sucedeu ao Ultimato. Renasce a agitação política, e o Partido Republicano, revigorado mercê dessa crise, organiza uma revolução que rebenta no Porto a 31 de Janeiro de 1891, sem, no entanto, conseguir triunfar.

    As lutas partidárias tornam-se mais violentas. D. Carlos fecha o Parlamento e confia o governo a João Franco, mas é assassinado em 1908. D. Manuel II procura então evitar, sem o conseguir, a derrocada da monarquia, sendo proclamada a 5 de Outubro de 1910.a República.

    I REPÚBLICA

    Em seguida à vitória republicana as figuras da propaganda conheceram uma consagradora popularidade. Neste bilhete postal encimado pelo busto da República, figurandoBernardino Machado e José Relvas, Ministro do Governo provisório e Manuel de Arriaga o primeiro presidente da República, eleito em Agosto de 1911

    Após a proclamação do novo regime, constitui-se um governo provisório sob a presidência de Teófilo Braga. É Eleita uma Assembleia Nacional Constituinte, que vai discutir e aprovar a Constituição Política promulgada em 21 de Agosto de 1911, que estabelece um regime parlamentar. Ao Parlamento são atribuídos latos poderes, que podem levar à demissão do governo e à destituição do presidente da República.

    O primeiro presidente eleito é Manuel de Arriaga. Mas a fragilidade do poder, as ambições e rivalidades partidárias , a instabilidade política e económica, certas medidas de carácter radical e laicista, tudo contribui para desacreditar as instituições. De facto esta é uma altura de grande instabilidade, consequência da existência de inúmeros partidos, tais como o Partido Democrático, chefiado por Afonso Costa, o Partido Evolucionista, dirigido por António José de Almeida, e o Partido Unionista, liderado por Brito Camacho. Ao mesmo tempo é uma época conturbada, de revoltas monárquicas e agitação social. Recorria-se até à greve, reconhecida por decreto de 6.12.1910, para protestar contra causas importantes, como e elevado número de desempregados. E, de certa forma, a instabilidade governativa e os governos efémeros contribuíam para aumentar o descontentamente popular. Por outro lado, as medidas de carácter laicista só contribuíam para desacreditar o governo. A devoção à Religião, usual no povo, contrastava com a lei de separação da Igreja e do Estado, expulsão de ordens religiosas e a confiscação dos seus bens, o reconhecimento do divórcio.

    Em contrapartida, realizam-se importantes reformas no campo social, como a criação do crédito agrícola, o desenvolvimento da assistência pública e da protecção à infância, e no campo educativo é criada a Universidades de Lisboa.

    A geração de Fernando Pessoa

    É dentro de um clima político e social agitado por golpes e contragolpes que Fernando Pessoa se forma intelectualmente, circundando por uma das mais brilhantes gerações de Portugal. Entre os seus companheiros de espírito salientam-se Mário de Sá-Carneiro e José Almada Negreiros.

    Sá-Carneiro (1890-1916) era prosador e poeta, um poeta egocêntrico e alucinado, Sá-Carneiro talvez reflita na sua obra a inquietação do homem moderno, dividido entre os grandes sonhos com o Absoluto e a realidade estúpida que o esmaga. A sua poesia alucinada, cheia de imagens estranhas, parece uma eterna busca de uma totalidade impossível: "Um pouco mais de sol - eu era brasa, / Um pouco mais de azul - eu era além./ Para atingir, faltou-me um golpe de asa.../ Se ao menos eu permanecesse aquém...".

    Almada-Negreiros (1893-1970), dono de um talento múltiplo, dividiu-se entre a poesia, a pintura, o desenho, o romance e o teatro. Sendo rebelde, impulsivo, notabilizou-se pelos manifestos, através dos quais se insurgiu contra o academicismo e contra o passadismo. Almada Negreiros acabou por produzir uma obra desigual valorizando o caráter primitivo do homem, obra esta que marcou profundamente a sua geração.

     


    O Modernismo

    ÍNDICE

    O Modernismo português é um movimento estético de vanguarda, iniciado e impulsionado pela geração do "Orpheu", no qual a literatura aparece associada às artes plásticas e é por elas influenciada. Este movimento surgiu com o objectivo de levar a poesia Portuguesa a traçar caminhos ousados e originais, os quais já seguia no resto da Europa.

    Para além da inspiração individual, as correntes literárias são susceptíveis de influenciar mais agudamente a sociedade. Eis uma das razões por que Fernando Pessoa tenta criar algumas correntes cujo poder destrutivo, das formas e sentimentos convencionais, sugerisse o âmbito pessoal. Ou as criou, ou nelas se integrou - sendo aqui de sublinhar que as influências sobre pessoa (de Walt Whitman, de Marinetti ou de Lautréamont), estas mais não são do que escolhas de movimentos destrutivos para uma fase dialéctica da sua obra.

    Paúlismo

    Fernando Pessoa tentaria bem cedo aquilo a que chamou o estilo paúlico (do poema "Paúlis"). Poetas paúlicos foram também, entre outros, Luís de Montalvor, Armando Cortes-Rodrigues, notando-se ainda claros vestígios de pós-simbolismo. O Paúlismo caracteriza-se por uma voluntária confusão do subjectivo e do objectivo, uma associação de ideias desconexas, utilização de frases nominais exclamativas, aberrações de sintaxe, vocabulário expressivo de tédio, do vazio da alma, do anseio de outra coisa, do vago, pela utilização de maiúsculas, que traduzem a profundidade espiritual de certas palavras.

    Interseccionismo

    O Interseccionismo é um processo do Modernismo com ligação à pintura futurista nas suas sobreposições do aqui e do além, do agora e do passado, exemplificado por Pessoa no segundo número da revista Orpheu nos seis momentos do poema Chuva Oblíqua, onde a inteligência estética se conjuga com a natural capacidade do poeta inovador. Como estão divididos o tempo e o espaço, também está dividida a alma do poeta e, daí, as sensações que transmite. Este processo lúdico pessoano foi de curta duração.

    Sensacionismo

    Visto por fora, o sensacionismo é a vivência das sensações tanto do sujeito poético como das pessoas e das coisas que o rodeiam, isto numa plenitude total, até o paroxismo (apogeu). Depois do contacto com as coisas ou com os factos e notícias, a única realidade em nós, segundo o sensacionismo, é a sensação, acto de conhecimento, fenómeno psíquico e, por isso, dotado de uma certa abstracção. Esta é uma teoria de difícil entendimento e mesmo quase contraditória. Esta sensação não é um dado imediato de consciência, até porque os sentidos facultam apenas um conhecimento muito fragmentário. À sensação associam-se outros dados já anteriormente adquiridos pela memória, pelos hábitos. Deste modo, a actividade sintética da consciência é fruto de uma elaboração mental feita por selecções e associações, realiza-se a partir de um processo interseccionista.

     


    Orpheu

    ÍNDICE

    O Orpheu foi uma revista de efémera duração, que iniciou em Portugal o movimento modernista. Apesar de terem sido apenas publicados dois números, os dos meses de Março e Junho de 1915, esta foi das mais importantes revistas deste periodo. O primeiro número, dirigido por Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho, corresponde ao primeiro trimestre desse ano, e provocou escândalo e troça, como era desejo dos seus responsáveis. Englobava textos de importantes escritores: Mário de Sá-Carneiro com "Para os Indícios de Oiro", "Poemas" de Ronald de Carvalho, Fernando Pessoa com "O Marinheiro" e "Drama estático em um quadro", "Opiário" e "Ode Triunfal" do seu heterónimo Álvaro de Campos, "Treze Sonetos" de Alfredo Pedro Guisado e Almada Negreiros com "Frisos" e contos.

    Orpheu 2, sob a direcção de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, corresponde ao segundo trimestre do ano de 1915. Incluía ilustrações de Santa-Rita Pintor, poemas de Ângelo de Lima, "Poemas sem Suporte" e"Manicure" de Mário Sá-Carneiro, "Poemas" de Eduardo Guimarães, Raul Leal com "Atelier - novela vertígica", poemas de Vyolante de Cysneiros, "Narciso" de Luís de Montalvor e Fernando Pessoa com "Chuva Oblíqua"-poemas interseccionistas- e "Ode Marítima" do seu pseudónimo "Álvaro de Campos". A reacção foi semelhante à do primeiro número, e Fernando Pessoa já preparava o terceiro número, que dizia ser "a soma e a síntese de todos os movimentos literários modernos", mas a revista não pôde prosseguir por falta de verba.

     


    Poemas de Fernando Pessoa e seus heterónimos

    ÍNDICE

    Fernando Pessoa

     

    Mensagem

    Nevoeiro

    Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
    Define com perfil e ser
    Este fulgor baço da terra
    Que é Portugal a entristecer
    Brilho sem luz e sem arder,
    Como o que o fogo-fátuo encerra.

    Ninguém sabe que coisa quere.
    Ninguém conhece que alma tem,
    Nem o que é mal nem o que é bem.
    (Que ansia distante perto chora?)
    Tudo é incerto e derradeiro.
    Tudo é disperso, nada é inteiro.
    Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

    É a Hora!

          Quando é que o cativeiro

    Quando é que o cativeiro

    Acabará em mim,

    E, próprio dianteiro,

    Avançarei enfim?

    Quando é que me desato

    Dos laços que me dei?

    Quando serei um facto?

    Quando é que me serei?

    Quando, ao virar da esquina

    De qualquer dia meu,

    Me acharei alma digna

    Da alma que Deus me deu?

    Quando é que será quando?

    Não sei. E até então

    Viverei perguntando:

    Perguntarei em vão.

     

     

    Ricardo Reis

    No ciclo eterno das mudáveis coisas

    No ciclo eterno das mudáveis coisas
    Novo inverno após novo outono volve
    À diferente terra
    Com a mesma maneira.
    Porém a mim nem me acha diferente
    Nem diferente deixa-me, fechado
    Na clausura maligna
    Da índole indecisa.
    Presa da pálida fatalidade
    De não mudar-me, me fiel renovo
    Aos propósitos mudos
    Morituros e infindos

        A flor que és

    A flor que és, não a que dás, eu quero,
    Porque me negas o que te não peço.
    Tempo há para negares
    Depois de teres dado.
    Flor sê-me flor! Se te colher avaro
    A mão da infausta esfinge, tu perene
    Sombra errarás absurda,
    Buscando o que não deste.

    Álvaro de Campos

    O binómio de Newton é tão belo

    O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
    O que há é pouca gente para dar por isso.

    óóóó---óóóóóó óóó--- óóóóóóó óóóóóóóó

    (O vento lá fora.)

    Há mais de meia hora

    Há mais de meia hora
    Que estou sentado à secretária
    Com o único intuito
    De olhar para ela.
    (Estes versos estão fora do meu ritmo.
    Eu também estou fora do meu ritmo.)
    Tinteiro grande à frente.
    Canetas com aparos novos à frente.
    Mais para cá papel muito limpo.
    Ao lado esquerdo um volume da "Enciclopédia Britânica".
    Ao lado direito -
    Ah, ao lado direito
    A faca de papel com que ontem
    Não tive paciência para abrir completamente
    O livro que me interessava e não lerei.

    Quem pudesse sintonizar tudo isto!

     

     


    Extractos do "Livro do Desassossego"

    ÍNDICE

    Omar Khayyam

    Omar tinha uma personalidade; eu, feliz ou infelizmente, não tenho nenhuma. Do que sou numa hora na hora seguinte me separo; do que fui num dia no dia seguinte me esqueci. Quem, como Omar, é quem é, vive num só mundo, que é o externo; quem, como eu, não é quem é, vive não só no mundo externo, mas num sucessivo e diverso mundo interno. A sua philosophia, ainda que queira ser a mesma que a de Omar, forçosamente o não poderá ser. Assim, sem que deveras o queira, tenho em mim, como se gossem almas, as philosophias que critique; Omar podia rejeitar a todas, pois lhe era externas, não as posso eu rejeitar, porque sou eu.

    p.27

    Amo, pelas tardes demoradas de verão, o socego da cidade baixa, e sobretudo aquele socego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulício. A Rua do Arsenakl, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha separada dos cães quedos - tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjuncto. Vivo uma era anterior aquela em que vivo; goso de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim, não outros versos como os d'ele, mas a substância igual à dos versos que foram d'ele.

    Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a d'essas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu. Não há diferença entre mim e as ruas para o lado da Alfândega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que nada valha, ante o que é a essencia das cousas. Há um destino igual, porque é abstracto, para os homens e para as cousas - uma designação igualmente indiferente na algebra do mistério.

    Mas há mais alguma cousa... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma cousa externa, que não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em cousas, não para me substituirem a realidade, mas pare se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o eléctrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador nocturno, de não sei que cousa, que se destaca, toda arabe, como um repuxo subito, da monotonia do entardecer!

    Passam casaes futuros, passam os pares das costureiras, passam rapazes com pressa de prazer, fumam no seu passeio de sempre os reformados de tudo, a uma ou outra porta reparam em pouco os vadios parados que são donas das lojas. Lentos, fortes e fracos, os recrutas sonanbulizam em molhas ora muito ruidosos, [?] ora mais que ruidosos. Gente normal surge de vez em quando. Os automoveis ali a esta hora não são muito frequentes; [...] No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação.

    Passa tudo isso, e nada de tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu sentir, [...] quando o acaso deita pedras, echos de vozes incógnitas - salada colectiva da vida.

    O cansaço de todas as ilusões e de tudo o que há nas ilusões - a perda d'elas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perde-las, a mágoa de as ter tido, a vetonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.

    A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligencia. Há inteligências inconscientes... brilhos do espírito, correntos do entendimento, vozes [...] e philosophias que tem o mesmo entendimento que os reflexos corporeos, que a gesão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.

     


    Opinião pessoal

    ÍNDICE

    Fernando Pessoa era um poeta de múltiplas personalidades, desdobrando-se cada uma num sujeito poético distinto.

    Fernando Pessoa ortónimo expressa nos seus poemas a obsessão da análise, num permanente sofrer de angústia e busca da felicidade. A consciência do absurdo da existência leva-o a recusar a realidade, desdobrando-se em oposições: o sentir opõem-se ao pensar, a esperança é o oposto de desilusão e a vontade sobrepõem-se ao pensamento. Fernando Pessoa é o poeta do anti-sentimentalismo, da evocação da infância como símbolo da felicidade perdida e do fingimento enquanto alienação de si próprio e processo criativo. A fragmentação do eu e a perda da identidade levam-no à procura, ao absurdo. À profunda lucidez e inteliência intuitiva, junta-se a inquietação perante a impossibilidade de decifrar o enigma do mundo.

    Alberto Caeiro é o Mestre Ingénuo. Para ele as coisas devem ser sentidas como são, representando portanto uma tendência crescente para objectivismo absoluto. Os poemas de Alberto Caeiro são o retorno à infância, o regresso à inconsciência. A recusa à subjectividade e à instrospecção, transformam-o num poeta do real objectivo, que vive no presente de uma forma instintiva, espontânea e ingénua. A identificação com a Natureza conduz a uma vida baseada no seu ritmo e a defender a existência antes do pensamento.

    Ricardo Reis é o discípulo de Caeiro. Tal como ele, aceita a calma da ordem das coisas. A sabedoria consiste em gozar a vida através da razão e vivê-la num estilo campestre. Devido ao seu carácter filosófico, é aquele que mais se aproxima de Pessoa ortónimo. É directamente influênciado pelos poetas clássicos greco-latinos, seguindo o modelo Horaciano que defende a aurea mediocritas (ver que o tempo passa e não pode ser parado, vivendo uma vida tranquila num ambiente bucólico). Faz igulamente o elogio do epicurismo (busca de felicidade através do prazer) e do estpoicismo (reger-se pelas leis do destino).

    Nos poemas de Álvaro de Campos predomina a emoção espontânea e torrencial. É um poeta dependente de todas as excentricidades, o que introduz nos seus poemas uma atitude de escândalo e choque e o leva a acolher todas as sensações. O poeta tenta-se libertar-se da presença de um Eu fragmentado, resultado talvez do seu isolamento, solidão e casaço existêncial. Outro aspecto comum nos seus poemas, é a apologia da civilização mecânica, da técnica e da indústria, numa sociedade que priveligie o progresso, a velocidade e a força.

    A personalidade de Bernardo Soares é quase indentica à de Fernando Pessoa. De facto, a sua única obra, não é mais do que um livro de carácter confessional e memorialista, com aspectos biográficos que aproximam de Fernando Pessoa.

    Através do legado de Fernando Pessoa conclui-se o seu carácter imaginativo, de sentimentos vários e fictícios. Este poeta exprimir-se-ia através de uma multiplicidade de personagens unificadas em dois aspectos fundamentais, que o poeta nunca conseguiu alcançar: a busca de felicidade e o fim da angústia.

     

    Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.

     

     


    Bibliografia

    ÍNDICE

     

    BAPTISTA, Vera; PINTO, Elisa; GOMES, Assunção - Signos, 12º Ano Português B - 1997 - Lisboa

    Internet:

    Foram consultadas várias páginas para a realização deste trabalho:

    Autor:

    André

    Domingo, 21 de Fevereiro de 1999