INTRODUÇÃO
Esta é uma das
mais importantes escrituras de Yoga, na verdade uma das principais obras da
humanidade. Muitos a classificam como um tipo de bíblia da religião hindu, no
que discordo plenamente. Há uma tendência a se intitular de religiões os
muitos modos de vida, esta é uma mania, ou um ponto de vista pobre e vicioso.
Se temos de admitir que o legado cultural da civilização milenar indiana seja
uma religião então temos de aceitar também que Americanismo seja uma religião
ou melhor, que Bahianismo, se é que isto existe, também seja outra religião,
porque afinal, no Estado da Bahia, no Brasil, existe o misticismo e tem até uma
fama de “Bahia de Todos os Santos”. O Bhagavad-Gita, não é uma obra
religiosa, é do patrimônio universal da humanidade, lida apenas com os
aspectos universais do ser humano. Se existem religiões que adotaram-no como
parte de seu acervo sagrado, isto é algo totalmente à parte.
Deixo bem claro,
que o Bhagavad-Gita que aqui está traduzido diretamente do sânscrito para o
português, o que é raro, está sendo apresentado como uma escritura yogui e não
como uma obra religiosa. É parte de minha tradição espiritual, minha sucessão
discipular oriunda de Dattatreya Avadhuta e Shri Shankaracharya, tradição esta
que foi responsável por manter e evoluir os conhecimentos e textos yoguis desde
milhares de anos antes do Senhor Cristo. Nesta tradição yogui o Bhagavad-Gita,
o Brahma Sutra e os cento e oito Upanishads, bem como os estudos clássicos
complementares destes, que formam riquíssima literatura, tais como,
Avadhuta-Gita de autoria de Dattatreya, Yoga Vasishita, Astravaka-Gita, Viveka
Shudamani de Shamkaracharya; e outros muitos textos formam o principal compêndio
de tal tradição.
Esta obra em mãos
também é denominada GITOPANISHAD, é tida como sendo um Upanishad. Upanishad
em sânscrito quer dizer “sentar-se junto e aprender”, são escrituras que
registram a experiência dos grandes Gurus yoguis da velha Índia e se
caracterizam por serem em forma de diálogo entre Guru-Shirshia, ou seja, Guru e
discípulo. Não são apenas textos yoguis, mas também, obras universais de
filosofia, metafísica, estória e psicologia aplicada de inigualável quilate e
inestimável valor prático. Bhagavad-Gita, significa ao pé da letra, Canção
Divina; como obra literária deixa uma marca de soberbo requinte artístico e
magia transcendental fortíssima, ao ler, ouvir ou estudar tal obra, sem dúvida
nossas vidas são automaticamente afetadas, obviamente para melhor; o simples
fato de tê-lo em mãos, sob o travesseiro, nas edificações como lar,
trabalho, escola, etc. já o torna um senhor objeto de proteção e cuidados
para com a saúde; composto em versos, foi cantado ao ser criado e recitado,
possui em si uma incrível e soberba sonoridade que afeta positivamente os
centros do sistema nervoso e ativa áreas do cérebro, além de transmitir
sabedoria e encantos diversos. Que senhora obra! Tal obra transcende a
criatividade artística dos mortais e ressalta na natureza de sua magnitude,o
toque do Mestre Supremo de toda criação. É uma obra, assim como a criação,
cuja autoria pertence a não outro senão o Ser Sublime e Criador de todos os
artistas, do inventor da própria criatividade. Gitopanishad é também
conhecido por SHRUTI. Os shrutis são obras que foram transmitidas oralmente de
Guru para discípulo, também quer dizer canção. Embora Bhagavad-Gita seja
mais comumente traduzido por Canção Divina, prefiro usar um termo que
transmite melhor seu significado mais profundo: “Canção da Alma”.
Ao estudar O
Gitopanishad, estude-o também de outros tradutores, se possível leia-o em sânscrito,
você verá que é muito melhor. Ora, sânscrito não é tão difícil, se
passar alguns anos na Índia, principalmente no norte, aprenderá o idioma mais
falado que é o Hindi (pronuncia Rindi), este é mais da metade sânscrito e seu
alfabeto só possui umas pouquíssimas letras de diferença. No mais,
afortunadamente os Upanishads em geral estão em uma forma muito simples e falam
muito com poucas palavras. O sânscrito utilizado é o falado no período védico,
o sânscrito védico, não é o chamado sânscrito clássico. Mais importante do
que conhecer o sânscrito védico é estar familiarizado aos termos yoguis e
suas conotações, esta é a parte mais trabalhosa e pode levar anos de dedicação.
As traduções do mencionado idioma para qualquer outra língua, principalmente
as latinas, é um fato de verdadeiro pioneirismo.
O Gita, nome que
lhe é mais comum aos íntimos, é parte do maior e um dos mais populares épicos
indianos, composto de duzentos mil versos em média, intitulado o Maha-Bharat.
Esta escritura está composta de DASHA PARVA, ou seja de Dez Partes. A parte que
nos interessa no caso é esta aqui BHISHMA PARVA, a Sexta Parte, no seu terceiro
capítulo encontramos este sob o título de BHAGAVAD-GITA, que por sua vez
possui dezoito capítulos em si, não sei se deveríamos chamar de sub-capítulos.
É muito difícil
encontrar alguma obra traduzida do Maha-Bharat que tenha em si o Guita completo,
aliás, de que se tenha notícia, esta obra completa, nos seus dezoito livros,
ou seja o Maha-Bharat completo foi traduzido em sua totalidade nos anos de
1834-1839 em Calcutá, a partir daí foram apresentadas muitas passagens desta
obra primeva aqui e ali, repetidas vezes. Mas foi à partir dos anos sessenta no
século vinte, que outras traduções apareceram,tendo por destaque a que foi
realizada por KISARI MOHAN, publicada na Índia em 1975 por Munshiram Mancharlal.
Outra tradução importante foi a efetuada recentemente pela Universidade de
Chicago a cargo de J. Van Butenen.
Até os dias
atuais,não existe nenhuma obra completa em outro idioma ocidental do
Maha-Bharat, que não seja o inglês. Mérito de destaque vai aos alemães que
se prepararam para tal empreita. Foi em 1808 que Frederic Schegel publicou um
trabalho sobre o idioma sanskrit, com extratos do Ramayana e do Maha-Bharat, bem
como do código de Manu. Entretanto nosso herói alemão Frederic Shlengel,
morreu antes de concluir a sua tradução completa do Maha-Bharat. Está aqui
lançado o desafio para o nosso idioma. Destacamos porém resumos feitos por B.
DUPRAT para o idioma francês e para o italiano feita por CARLO FORNICHI,
publicada em 1933.
Em português,
resumos do Maha-Bharat começaram a aparecer na década de cinqüenta e foram
oriundos da primeira obra realizada em Calcutá, que teve ali a sua última edição
em 1933. Importante e relevante resumo foi de JULIO PARDILLA para o espanhol,
editado em Barcelona no ano de 1984, composto de dois livros ou Tomos, num total
de mais de mil e duzentas páginas, assim mesmo, não encontramos o Gita
completo ali.
O Gita que temos
em mãos, foi um trabalho que fiz como uma relevante prática yogui e
principalmente porque me foi solicitado por meu Guru Paramhamsa Satyananda, o término
desta obra, que ocorreu a 25 de janeiro de 1996, coincidiu com a comemoração
dos vinte anos desde a única visita de PARAMHAMSAJI ao Brasil e com meus vinte
anos de sannyasa e magistério da ciência do Yoga, o qual realizei em cinco
idiomas em muitas partes do mundo, incluindo a Índia. A tradução do sânscrito
me levou treze anos de trabalho, treze anos de pleno contentamento e inexpressável
experiência espiritual de quem conhece o amor e benção de Shri Krishna, o
mais perfeito dos yoguis. Agradeço a Ele a graça concedida por aceitar meus
serviços e de me ter dado a oportunidade de completar esta tradução com vida
suficiente para tal e com amor e dedicação consagrados com exclusividade.
Conhecedor dos segredos das maravilhas e riquezas dos mundos e da soberba vida
em si, esta prática de Yoga me trouxe muito mais do que qualquer experiência
ou aquisição me forneceria e com extasiante elevação embriagante, aquisições
estas que o mundo com seu roda moinho de momentos não é capaz de roubar ou ter
acesso. O Gita é algo assim,contagiante! É uma corrente cósmica de
felicidade, quem o lê ou lida com ele se contagia para sempre.
Convém ainda
ressaltar que a língua portuguesa consta entre as dez mais faladas no mundo e
merece uma boa tradução, ou melhor, boas traduções do Gita.
O Gita é um
guia prático para o dia a dia, uma prática de yoga útil é ler um
“stansa” (versículo) por dia, sempre. Ou ainda estuda-lo mais e mais,
progressivamente. Tomaremos o Gita, desta forma, como um ponto de referência
que irá indicar nossa evolução, apontar nossos atuais limites e as
verdadeiras conquistas, sendo um elemento de auto-conhecimento por excelência.
Na dificuldade de se estar num convívio mais assíduo com os discípulos, tendo
em vista a transmissão de conhecimentos e formação espiritual que se adquire
principalmente com o convívio junto ao Guru e/ou associação junto a yoguis
experientes, o Gita será sempre um santo remédio para tal impedimento.
Existem muitas
práticas para se efetuar com o Gita, como por exemplo, seus mantras, Gita
Dhyanan; ou meditação cantando-o em sânscrito, etc.; todas, técnicas yoguis
de alto gabarito.Mas isto é um caso a ser resolvido entre Guru e discípulo,
relação esta que é a essência do Bhagavad-Gita em si, se a analisarmos
devidamente.
Sob o ponto de
vista de Bhakti Yoga, quando ouvimos a narração de algum sábio, divindade ou
grande yogui, Mahatma, como se diz; estamos recebendo as bênçãos deste e ao
mesmo tempo mantendo a mente voltada para o Supremo Ser, isto jamais pode ser
considerado perda de tempo, pois a evolução existencial e seu progresso são
ativados em todos os níveis, além do fato de elevar a mente e o estado de espírito.
Todo o Bhagavad-Gita está em torno de Shri Krishna, Arjuna e o autor desta
obra; Ved-Vyasa.
Assim como Shri
Krishna revela, no transcorrer do Gita, Sua natureza e verdadeira identidade
Suprema, Arjuna e outros também são encarnações divinas, não são pessoas
comuns. Se estudarmos yoga mais a fundo e observarmos os fluxos vitais do corpo
humano, que são denominados Nadis, equivalentes aos meridianos de acupuntura,
os veremos catalogados nas escrituras yoguis tradicionais, como sendo setenta e
dois mil Nadis no ser humano que coordenam junto aos chakras a vitalidade a nível
físico, mental, emocional, espiritual e metafísico. [A existência dos Nadis e
Chakras já foi constatado cientificamente no Japão por Dr. Hiroshi Motoyama e
seu livro com estes estudos denomina-se “A teoria dos Chakras” ,
afortunadamente foi publicado em português.] Iremos constatar então que os
nomes de muitos personagens do Maha-Bharat são os mesmos de muitos Nadis. Por
um lado Krishna é a Consciência, o Atma, ou espírito e Arjuna é a manifestação
do líder dos Devas, seres divinos, ou seja INDRA, que é a vitalidade, o PRANA
que flui nos Nadis e a dinâmica do Gita e do Maha-Bharat é a vida em si, em
seu caminho para unir-se à origem,
o Ser Sublime. Nisto temos as práticas de Yoga, que objetivam o conhecimento da
vida, sua maravilhosa magia e encantos, em elevação, encantada com Shri
Krishna.
Por outro lado,
estudos de arqueologia e estória, na Índia, revelam que tudo no Maha-Bharat
realmente existiu, os lugares dos acontecimentos ainda estão ali, são de
conhecimento popular. O evento do Gita ocorreu a aproximadamente cinco mil anos
atrás e foi um marco no tempo ainda mais preciso do que o atual ponto de referência
do nascimento do Senhor Cristo. Assim como existem, nos movimentos dos corpos
celestes, da terra e de outros planetas a marcação do tempo, por exemplo, as
quatro estações, verão, primavera, etc., da mesma forma há movimentos mais
complexos na dinâmica dos astros que marcam períodos característicos para a
terra e ciclos, que em sânscrito, termo técnico yogui universal, são as
chamadas Yugas, abordaremos este item no ponto deste “adendo” entitulado
Shri Krishna Avatar. Ocorre que Shri Krishna é um excelente JYOTISHA, ou seja,
versado em Astrologia, Astronomia e ciências advinhatórias, estes três formam
o que em Yoga se conhece por JYOTISHA, com este conhecimento, quando em pleno
combate na grande guerra que houve em Kuru-Kshetra, próximo a Delhi na Índia,
em uma noite, à meia noite, Shri Krishna anuncia o início de um ciclo cósmico,
ou seja a entrada de Kali Yuga, a Idade de Ferro e isto foi a aproximadamente
cinco mil anos atrás e irá durar no total, quatrocentos e trinta e dois mil
anos. Cada um dos quatro ciclos tem características muito definidas na vida
humana da Terra e nos mundos em geral.
Enquanto a
aproximadamente quinhentos anos atrás o europeu não sabia se a terra era
quadrada ou redonda e precisou navegar muito para descobrir que era circular, na
antiga e avançada civilização indiana já se sabia a milênios que a terra
era como ela é, não só isto, mas a sua distância em relação ao Sol, tinham
conhecimentos de constelações, galáxias, etc. Nos Puranas, escrituras yoguis
clássicas que formam enorme compêndio literário e já traduzidos para o inglês,
vemos onde JYOTISHA é mencionado, cálculos matemáticos de ordem astronômica,
que até hoje se desconhece no ocidente.
Não foi feito
aqui um comentário do Gita, limitei-me a traduzi-lo e apresentá-lo, temos um
trabalho de introdução. É um outro trabalho o seu comentário, para uma próxima
oportunidade, quem sabe. É importante ressaltar que todas as escrituras
tradicionais yoguis, são de rica e inteligente simbologia arquetipica e uma lição
de humanidade sublime, fato que marca alicerces de civilização universal, símbolo
este que designa mais a própria humanidade e sua natureza essencial. Quando
ativamos esta simbologia, agimos com a mente mais profunda, ou seja o
subconsciente; damos vida a circuitos cósmicos vitais e dinâmicos, intrínsecos
da natureza, de forma imperceptível. Notamos porém; claramente, os resultados
em trezentos e sessenta graus nas nossas vidas e pós-vidas. Quando os yoguis
ainda são imaturos para entenderem e assimilarem algumas realidades, os mestres
lhes ensinam de maneira simbólica e é uma tática didática de mestre, de alto
nível e não acadêmica, extremamente proveitosa para o discípulo. Tal tática
consta aqui, por isto dispensa-se qualquer comentário sobre a obra.
O AUTOR
Dentre os
grandes Yoguis e Sábios da terra da sabedoria, a nossa velha e sagrada Índia,
quem recebeu o mérito de autor do Maha-Bharat e consequentemente do
Bhagavad-Gita (pronuncia-se Bhagavad-Gita), foi Bhagavan Ved-Vyasa, o primeiro a
pensar em compilar os Vedas de forma sistemática. É também o autor dos livros
Puranas e muitas outras obras ou Granthas. Todos são textos de volumes
respeitosos e de importância ímpar no c0mpêndio escrito da ciência yogui.
Fazem parte da mais requintada relíquia da sabedoria e filosofia universal,
muitos são registros preciosos das conquistas e estória da humanidade.
Ved-Vyasa, ao expressar o seu trabalho, não o fez voltado apenas a um ou alguns
países. Sempre lidando com os mais elevados valores universais do ser humano,
ensinado-os, difundindo-os, imprimiu sua própria imortalidade por meio de suas
obras e demonstrou ser a nossa memória ancestral coletiva destes ideais e
atributos que divinizam a natureza de nossa espécie. Ao nos lembrar de Vyasa
Deva, como também é conhecido, agradecemos eternamente à longínqua Índia
que lhe serviu como berço materno.
Na Lua cheia de
Julho, comemoramos o dia de Ved-Vyasa e de todos os Gurus, é dia de
GURU-PURNIMA, tal dia é repleto de posições favoráveis dos astros, os
mestres ficam acessíveis e abençoam seus discípulos, devotos, alunos,
seguidores e simpatizantes, há uma forma adequada para fazê-lo. É um dia
importante para yoguis do mundo inteiro nos dias atuais. Os dias e meses que se
seguem após GURU-PURNIMA e VYASA-PUJA, ou seja invocação de Ved-Vyasa ou do
Guru yogui, são ideais para se dar início a novas práticas ou disciplinas,
pois favorecem o seu sucesso. A mencionada Lua cheia, é o dia propício para
chegar-se à presença física de um autêntico Guru e receber iniciação
espiritual, tais como MANTRA-DIKSHA, ou iniciação em mantra.
Ved-Vyasa era
filho de um grande sábio de nome PARASHARA, o Maha-Bharat narra também sobre a
vida de ambos. Ved-Vyasa meditou por muitos anos em contato com a natureza no
Himalaya, percebeu que em KALI-YUGA a mente humana sofreria grande degeneração
e estando por ser anunciada esta “era negra”, teve o amoroso cuidado de
colocar em escrita para a posteridade a sabedoria universal, pois os homens já
não mais teriam a capacidade de memorizar, ou decorar simplesmente, épicos de
duzentos mil versos e obras magnânimas como antes ocorria. Era sem dúvida,
necessário que alguém escrevesse. Mas quem poderia escrever tanto e com precisão
absoluta? Com sua habilidade yogui invocou Brahma e ao estar em Sua presença,
Brahma lhe recomendou que propiciasse o Senhor Ganesha, filho do Senhor Shiva,
que preside sobre a correta compreensão das escrituras, e Lhe solicitasse para
ser o escriba do Maha-Bharat, e portanto do Bhagavad Gita também. O sábio
Vyasa meditou em Shri Ganesha que lhe apareceu prontamente, Vyasa o recebeu com
o devido respeito, dizendo-lhe.
-
Senhor Ganesha, irei ditar a estória do Maha-Bharat e Lhe rogo para que possa,
em Sua graça, estar satisfeito em escrevê-la.
Houve um diálogo
entre Shri Ganesha e Vyasa, após o qual, o Senhor Ganesha, que possui a cabeça
de um elefante, extraiu um de seus marfins e com ele pôs-se a escrever. Se
observarmos as imagens representativas do Senhor Ganesha, veremos que está
sempre retratado como se tivesse somente um marfim em sua boca. Assim é
evidente que sua boca diz com esta atitude, a estória aqui narrada e o fato da
narração do Bhagavad-Gita para todos.
Tudo ocorreu
muito antes dos tempos da memória informatizada e até mesmo da imprensa gráfica,
quando a memória dos sábios era o único registro do que hoje são textos, ou
SHASTRAS, como os chamamos. Vyasa primeiro ensinou este épico a seu filho, o sábio
yogui Suka. Posteriormente o transmitiu a muitos outros discípulos. Não fosse
assim, o texto haveria se perdido das futuras gerações.
É dito
tradicionalmente, que o grande NARADA contou a estória do Maha-Bharat e do Gita
nele contido, para os seres divinos, enquanto Suka os ensinou aos gandharvas,
rakshashas e yakshas, ou seja a espíritos e outras entidades mais sutis. É bem
conhecido o fato de que o sábio VAISAMPAYANA, um dos principais discípulos de
Vyasa revelou o épico para a humanidade e seu benefício. JANAMEJAYA, filho do
grande rei PARIKSHIT, conduziu um importante YAGUIA, ou seja, sacrifício junto
ao fogo, no qual VAISAMPAYANA, a pedido do rei narrou a estória. Em seguida, da
mesma maneira como foi contada por VAISAMPAYANA, SUTA recitou-a na floresta de
NAIMISA para uma assembléia de sábios que se achavam sob a liderança do Rishi
SAUNAKA.
SUTA,
dirigindo-se a esta assembléia disse:
-
Eu tive a extraordinária boa sorte de ouvir a estória do Maha-Bharat, composta
por Ved Vyasa, que instrui sobre dignidade e elevação, como também outros
itens importantes da vida humana e gostaria de narrar esta maravilha para vocês.
Ao ouvir estas
palavras, os sábios ali presentes, com grande entusiasmo, acercaram-se à sua
volta. SUTA então continuou.
-
Ouvi a estória principal do Maha-Bharat, o Bhagavad Gita e os episódios ali
contidos, como foi-me revelado por VAISAMPAYANA durante o YAGUIA conduzido pelo
rei JANAMEJAYA. Logo em seguida, fiz uma extensa peregrinação a vários locais
sagrados e visitei também o campo de batalha KURUKSHETRA, onde ocorreu a grande
batalha descrita no épico e agora venho ao encontro de todos vocês.
Ele então
procedeu em contar toda a estória do Maha-Bharat para a grande assembléia.
SHRI
KRISHNA AVATAR
O aparecimento de uma expressão da
Consciência Cósmica, ou do Ser Supremo como um ser humano, ocorre com todos os
da espécime humana, cada um de nós, sem exceção, somos nada mais do que
isto. Quando a nossa personalidade vira um veículo de manifestação desta
realidade divina, pouco a pouco, mais divina e menos mundana, mais eterna e
menos transitória, mais universal e menos limitada, mais feliz e menos
incompleta; aí se diz que tal pessoa é um grande Ser, um Mahatma, um sábio,
um yogui, um iluminado, mestre, etc. Ainda assim a intensidade de manifestação
do Ser Absoluto sempre varia de um para o outro. Quando isto ocorre
progressivamente, notamos graus de iluminação no yogui, que se intensifica a
cada novo aprimoramento de sua disciplina e esforços.
Entretanto há casos em que a
manifestação divina já aparece de maneira muito intensa e amadurecida logo a
partir do momento do nascimento, ou até em seu período pré-natal ainda como
um feto. Yoguis chamam tal pessoa de BALA-YOGUI, que já nasceu yogui. Há também
o caso do aparecimento de uma manifestação, ou melhor nascimento de um aspecto
do Ser Divino em pessoa. Não temos que considerar tal “pessoa” como um
indivíduo qualquer, ou com valores meramente humanos, por mais que apareçam em
circunstâncias humanas. Suas vidas, em tudo, expressam o transcendental e seus
nascimentos físicos são de reflexos metafísicos e não uma aventura, romance,
ficção ou qualquer conjunto efêmero de eventos. Não são, nem mesmo, heróis
ou vencedores de causas nobres, também não são vanguardistas nem lideres políticos,
muito menos grandes artistas, adivinhos ou desportistas. Em resumo, não os
consideramos de forma efêmera e mundana.
No caso de Shri Krishna, o Guru Yogui
do Bhagavad-Gita, temos o aparecimento de um AVATAR de VISHNU, o aspecto do
Absoluto que é quem mantém a continuidade da existência até mesmo do próprio
Criador, ou Brahma. Na Índia o nascimento de um AVATAR já é conhecido
milhares de anos antes de seu aparecimento, o que nos livra felizmente do
empecilho do charlatanismo de falsos messias e líderes espirituais enganosos,
como ocorre principalmente no ocidente. Cálculos de JYOTISHA e astrologia nos
indicam com precisão o aparecimento de AVATARES e BALA-YOGUIS também, em ambos
os casos há marcas características nas linhas dos pés e mãos e muitos outros
sinais designados nos livros que ensinam JYOTISHA, que não são poucos nem são
novidades para o mundo. Shri Krishna é o AVATAR que revela o aparecimento do
grau mais intenso de presença e concentração da energia divina do Ser
Absoluto. Na minha tradição yogui, temos ao Senhor Shiva como nosso padroeiro
e origem dos conhecimentos yoguis, técnicas, sabedoria e aparecimento de nossa
tradição. Temos em SHIVA a figura do inigualável yogui, Guru e sábio, à Sua
esposa e a Ele. Porém dentre os yoguis, jamais houve um que fosse dotado de uma
manifestação mais rica, intensa e variada como o Senhor Krishna, que abraçando
uma vida humana e personalidade riquíssima, atuou em todos os aspectos humanos,
como nenhum outro homem, yogui, Guru ou Mahatma e ainda assim utilizou-se de
todas as circunstâncias para impregná-las da mais soberba graça e sabedoria,
amor e elevação. Tudo em Suas mãos se torna um recurso yogui, uma ciência,
uma yoga específica e nada se apresenta como um impedimento ou adversidade. É
a Luz absorvendo as trevas dos negativismos na nossa realidade humana, tão
carente e sofrida por natureza, para todos nós.
Como já citei, há o evento cósmico
do momento exato do aparecimento de um AVATAR e a astrologia não o ignora.
Sinais propícios entram em comunhão no universo inteiro e em sintonia, a
natureza reflete-os com seus encantos que se tornam pura poesia transcendental
ao vivo, à cores e multi-dimensional. Galáxias e espaços insondáveis
refletem suas magnitudes em constelações, que por sua vez, entram em direta
sintonia com estrelas específicas que são especializadas em anunciar tais
eventos incomuns, por intermédio de suas aparições visíveis aos olhos
humanos. Grandes yoguis vêem tudo isto com seu olho da sabedoria ou o terceiro
olho. Planetas participam do ato sublime em posições de gala em relação uns
aos outros, os satélites, corpos celestes de todas as formas e magnitudes
correspondem. Tal momento cósmico que se pronuncia como o aparecimento do
AVATAR, deixa uma marca, uma impressão, um registro benéfico e transcendental
para todo o sempre e bem aqui agora em nós mesmos.
Existe um tratado astronômico intitulado
KHAMANIKYA, que descreve com precisão de detalhes a dinâmica exata das
constelações do momento de manifestação de Shri Krishna. Ocorreu à meia
noite, quando a Lua estava no oitavo dia do quarto minguante. O sol transitava
no signo de Leão.
Vamos agora mergulhar em um estudo
mais frio e racional nesta etapa de descrição e iremos encarar alguns números
de razão astronômica.
O conceito AVATAR é algo que molda os
alicerces da teologia hindu, bem como, da mitologia yogui. Segundo tal conceito,
o Ser Absoluto manifesta-se de forma animal ou humana, representando a evolução
da consciência ou do espírito encarnado e não possui qualquer semelhança com
a teoria evolucionista de C. Darwin. O propósito desta manifestação, é o de
propiciar a continuidade da evolução existencial da vida na Terra, eliminando
seus empecilhos quando estes atingem proporções alarmantes. Talvez seja esta a
imagem arquetípica que deu origem à fantasia mental que são os super heróis
infantis. O aparecimento do AVATAR, nos induz a um estudo do movimento dos
corpos celestes e a uma compreensão cósmica por excelência. Quando o Sol
surge no ponto oriental do horizonte, move-se para o seu poente e vai-se embora
da abóbada celeste, conclui o espaço de tempo de um dia, isto é um movimento
dos corpos celestes apenas e mais nada. Este movimento, no entanto, cria a noção
de tempo em nossas mentes. Nada mais lógico do que marcar o tempo e momentos
específicos, pelos movimentos siderais. Com os estudos apropriados dos astros,
os aparecimentos dos AVATARES são determinados com precisão no tocante a local
e data.
De acordo ao Bhagwat Purana, Brahma, o
Criador, é o efeito do período de criação predominante e da dissolução do
universo. Há um período em que o universo se apresenta manifesto e por tempo
equivalente, imanifesto. Isto é de pleno acordo ao conceito ocidental atual.
Cada período de criação, ou KALPA, é igual a um dia de Brahma e cada tempo
de imanifestação ou dissolução, PRALAYA, é o equivalente a uma noite na
vida de Brahma.
Em cada Kalpa encontramos mil ciclos
constituídos de quatro YUGAS, ou seja idades ou eras, cada um. Cada ciclo de
quatro YUGAS é completado em quatro milhões trezentos e vinte mil anos. Os
nomes das YUGAS são; SATYA, TRETA, DWAPARA e KALI. Na SATYA-YUGA, onde todas as
virtudes humanas possuem força total e os males são desconhecidos, a duração
é de um milhão setecentos e vinte e oito mil anos. A duração de TRETA-YUGA
é de um milhão duzentos e noventa e seis mil anos e as virtudes humanas já
perdem um quarto de sua potencialidade. A DWAPARA-YUGA é de oitocentos e
sessenta e quatro mil anos e nela as virtudes são quebradas pela metade.
KALI-YUGA dura apenas quatrocentos e trinta e dois mil anos e sobra apenas um
quarto da força das virtudes e esta é encontrada no coração e é a força de
vontade, o amor divino, bem como as demais qualidades do coração,
sobressaindo-se a determinação e sua força. Assim um Kalpa é constituído de
quatro mil YUGAS.
Cada Kalpa encontra-se dividido em
quatorze MANVANTARAS, ou períodos específicos, cada qual tem a duração de
setenta ciclos de quatro YUGAS, o título de MANU é dado a quem preside em cada
um dos MANVATARAS. Portanto em cada KALPA, quatorze MANUS aparecem em sucessão,
cada um presidindo um MANVANTARA.
Os AVATARES que são considerados mais
significativos são dez e denominados DASHAVATAR, ou seja dez AVATARES. Eles
iniciam sua manifestção primeiro como um peixe, depois um javali, em seguida vão
evoluindo até a forma humana e o próximo já é de corpo humano e cabeça de
leão. Daí em diante, os AVATARES são de aspecto humano e nobre no nascimento.
Shri Krishna foi o oitavo AVATAR e o Senhor Buddha o nono. Virá ainda o décimo
destes mais significativos e terá o nome de KALKI, virá para terminar
KALI-YUGA e tomará a forma de um guerreiro, lutará contra os opressores do
planeta e da humanidade que serão os governantes, após seu surgimento
estaremos na melhor das épocas, SATYA-YUGA.
KALI-YUGA é por um lado a pior das
eras, porém é a mais fácil de se conseguir a transcendência, a emancipação
espiritual! Portanto, aqui temos em mãos, os ensinamentos e bênçãos de Shri
Krishna Maha-Avatar na forma do Bhagavad-Gita.
APRESENTAÇÃO
DE OUTRAS TRADUÇÕES
E COMENTÁRIOS DO BHAGAVAD-GITA
O Bhagavad-Gita, como escritura yogui,
tradicionalmente é parte do estudo de VEDANTA e de Guiana Yoga. Há duas tradições
muito antigas no que se refere ao estudo de VEDANTA, uma é composta do
Gitopanishad, outro nome do Bhagavad-Gita, e outros Upanishads, dos quais, além
do Gita, dez recebem maior destaque, nesta tradição há ainda um compêndio
literário e tradições discipulares de milênios, bem como práticas e técnicas
yoguis que lhes são próprias, esta é a tradição que outorga a exposição
desta obra aqui presente e portanto, é dentro desta realidade, que serão
mencionadas à seguir, outras apresentações do Bhagavad-Gita. Não pretendo
fazer recurso do negativismo da arrogância, em determinar que a minha tradição
é a única dona da verdade, não a
julgo melhor, pior e nem mesmo igual à nenhuma outra, tal crítica seria uma
atitude por demais pequena frente a algo tão grandioso, do qual me posiciono
como um mero veículo e como praticante de Yoga, ou um SADHAKA.
A outra tradição que estuda o
Bhagavad-Gita e a ciência VEDANTA, não o faz pelos mesmos textos, tradições
discipulares, valores e formas e o estudo Vedântico é efetuado pelo vasto compêndio
do Shrimad Bhagavatan. Não faz parte desta forma de estudo a escritura tântrica
intitulada “SHRIMAD DEVI BHAGAVATAN”.
Um dos motivos da presente tradução
do Gita, vem do fato de que nenhuma das que li em português me satisfez para
indicar seu estudo à meus alunos, discípulos, seguidores e compatriotas.
Durante os muitos anos que vivi junto à meu Guru PARAMHAMSA SATYANANDA, durante
a feliz convivência que tive a bênção de ter junto à muitos outros grande
yoguis e mestres, estudei várias traduções em muitos idiomas, inclusive
assisti a exposições e comentários feitos por autoridades conceituadíssimas.
Peregrinei por locais onde o Gita menciona sua passagem, vivi e fiz SADHANA em
VRINDAVAN, onde Shri Krishna deixou sua marca mais vívida no Sub-Continente asiático.
Transcorridas estas últimas três décadas de estudo prático do Gita,
apresento minhas recomendações em breve resumo a seguir:
Em primeiríssimo lugar consiga o seu
Gita por indicação de seu instrutor, mestre, Guru ou professor de sua maior
consideração, seu coração saberá lhe dizer quem ele é, quando esta chance
ocorrer. Na minha opinião, domine antes outros idiomas, primeiro o inglês,
este por sua vez é terrível para expressar os textos sânscritos, porém é o
mais utilizado e repleto de bons trabalhos já feitos. O idioma português
revelou-se um rico veículo de expressão para traduções direta do sânscrito
védico, porem é pobre em obras de qualidade; até o momento, pelo menos.
O idioma HINDI (que se pronuncia RÍNDI)
é rico em obras e muito expressivo, possui o mesmo alfabeto sânscrito, o
DEVANAGARI, como é chamado.
Estes dois idiomas são os que mais
aconselho. As vezes, por sorte, podemos encontrar em espanhol boas obras, a
editora KYER de Buenos Aires, Argentina; possui respeitosa reputação em
publicações vedânticas. Nos USA há uma livraria especializada, é a VEDANTA
PRESS da Califórnia, onde não faltam bons trabalhos para o idioma inglês.
Em ingles posso indicar algumas traduções
do Gita, como as que aqui se seguem- BHAGAVAD GITA: THE SONG OF GOD, de Swami
Prabhavananda...-BHAGAVAD GITA, de Chidbhavananda...- BHAGAVAD GITA, de Sargeant....E
principalmente GITABHASYA OF RAMANUJA.
O Bhagavad-Gita Basya é o que tem
comentários do mais conceituado sábio indiano do assunto, que viveu a
aproximadamente dois mil anos atrás e deu um rumo definitivo ao estudo de
Vedanta na Índia, deixando obras Tântricas e Yoguis de valor incomparável.
Tradução para o idioma inglês, encontramos uma excelente, elaborada por
RAMAKRISHNA MISSION que tem sua sede em DAKSHINISHUAR,
muito próximo a Calcutá, no Estado de Bengal, ali obras em Vedanta se sentem
em casa e há várias em inglês, todas excelentes.
Não há como deixar de indicar, ou
mencionar sobre a cidade de GORAKPUR, THE GITA PRESS na Índia, que é
especializada na publicação do Bhagavad-Gita, na minha simpatia este está em
primeiro lugar, é o mais aceito Gita de toda Índia, fazem edições de bolso e
publicações em mais de trinta e quatro línguas e bateram o recorde mundial de
publicações do Gita.
Há inúmeros trabalhos em inglês e
outros idiomas que merecem respeito, apenas citei os mais conhecidos e aprovados
pela esmagadora maioria de estudiosos e eruditos. Existem comentários do Gita
excelentes e riquíssimos, conhecidos e muitos desconhecidos, alguns até
perdidos no curso do tempo e outros que ainda, afortunadamente, hão de vir e
quem sabe por este grande Ser que aqui assimila agora esta apresentação.
No Brasil, o Bhagavad-Gita já foi
apresentado e comentado diretamente do seu original na década de 80, pelo
conhecido e conceituado Shri Swami TILAKJI, por ele em pessoa, Guru indiano que
tinha conhecimento dos idiomas português, sânscrito, como muitos outros; yogui
querido por nós no Brasil, meu amigo e Guru de muitos brasileiros. Swamiji
TILAKJI, obteve MAHASAMADHI na
mesma década na Espanha, ou seja, ali deixou definitivamente o seu corpo. Foi o
fundador de JNANA MANDIRAM, ou O Templo da Sabedoria, em Brasília e não sei se
seus discípulos gravaram ou mesmo escreveram a apresentação feita pelo próprio
em português.
Coloco a seu cargo a continuação
deste trecho em buscar e indicar mais outras obras do Gita para todos nós e
desde já, de coração, muito obrigado. E ao se lançar no estudo, não perca a
objetividade, não nos importa outra coisa senão manter a mente no Ser Sublime,
para isto nos ocupamos, sempre e continuamente. Esteja consciente.
CAPÍTULO I
hari om tat sat
A
YOGA DO DESALENTO DE ARJUNA.
O Rei Dhratarashtra disse:
1 - Sanjaya, o que fazem os meus
filhos e os filhos de Pandu, em assembléia em Kurukshetra; o campo sagrado de
batalha? Compelidos a guerra! E Sanjaya, dotado de visão divina, narrava o início
da batalha ao rei Dhratarashtra, que era cego e possuía seu exército e reino
envolvidos no combate a ter início, responde ao rei:
2 - Neste momento, vendo o exército
dos Pandavas em preparo para combate e aproximando-se de Dronacharya, o príncipe
Duryodhana falou-lhe com estas palavras:
3 - Contemplo Mestre, o majestoso exército
dos filhos de Pandu alinhados para a batalha pelo seu talentoso aluno,
Dhrishitadyumna, o filho de Drupada.
4 - Há nesta armada heróis
excelentemente armados com seus arcos e de proeza militar igual a de Bhima e
Arjuna, tais como Satyaki e Virata bem como o Maharathi (grande carro de guerra)
de Drupada;
5 - Dhrishitaketu, Chekitana e o
valente rei de Kashi e Purujit, Kuntibhoja e Saibya o melhor dos homens;
6 - E o grande Yudhamanyu, o valente
Uttamaya, Abhimanyu; o Filho de Subhadra, os cinco Filhos de Draupadi, todos em
Maharathis (grandes carros de guerra).
7 - Oh! melhor dos Brahmans, conheça
também quem são os principais combatentes ao nosso lado, os generais de meu exército.
Para sua informação, os menciono a seguir:
8 - A sua própria pessoa, Bhisma,
Karna e Kripa; que é sempre vitorioso em luta, bem como o são Aswatthama,
Vikarna e Bhurishrava; o Filho de Somadatta.
9 - E muitos outros heróis, equipados
com vários armamentos e mísseis e que apoiam suas vidas à minha e todos
escolados e experientes em assuntos de guerra.
10 - Este nosso exército,
completamente protegido por Bhisma, é invencível, enquanto o oponente,
guardado de todas as maneiras por Bhima; é fácil de ser derrotado.
11 - Portanto à postos, todos em suas
respectivas posições em todas as frentes, protejem Bhisma, em particular, por
todos os lados.
12 - O grande e velho homem da raça
dos Kauravas, o glorioso tio avô deles; Bhisma, rejubilando Duryodhana, rugiu
terrivelmente como um leão e fez soar sua concha (instrumento sonoro
equivalente a função do clarim em manobras bélicas).
13 - Logo então, conchas, tambores de
diversos tipos e sons, clarinetas, trombetas, repentinamente soaram ao mesmo
tempo e o barulho foi tumultuoso.
14 - Então, estabelecido em uma
carruagem gloriosa puxada por cavalos brancos o Senhor Krishna e Arjuna soaram
suas conchas celestiais.
15 - Shri Krishna soou sua concha
denominada Panchajanya; Arjuna, sua concha entitulada Devadatta; ao passo que
Bhima, homem de feitos incríveis, soou sua magnífica concha Paundra.
16 - O rei Yudhishthira; Filho de
Kunti, soou sua concha Anantavijaya; enquanto Nakula e Sahadeva soaram as deles
de nomes Sughosha e Manipush Paka, respectivamente.
17 - E o rei de Kashi, o exímio
arqueiro e Shikhandi, o Maharathi (grande carro guerreiro), Dhishitadyumna,
Virata e o invencível Satyaki; fizeram o mesmo.
18 - OH senhor da Terra, Drupada, bem
como os cinco filhos de Draupadi e o bem armado Abhimanyu; Filho de Subhadra,
todos eles soaram com ênfase as suas respectivas conchas.
19 - O terrível som vibrou os corações
dos Filhos do rei Dhritarashtra, ecoando pelos céus e Terra.
20-21 - Agora, Oh senhor da Terra,
vendo os seus Filhos alinhados contra ele, enquanto mísseis estavam já prontos
para serem lançados; Arjuna, Filho de Pandu, empunhou seu arco e então
transmitiu as seguintes palavras para Shri Krishna: Krishna, coloque minha
carruagem entre os dois exércitos. - E mantenha-o ali até que eu tenha
observado cuidadosamente estes guerreiros preparados para a batalha e tenha
visto com quem irei travar o combate.
23 - Examinarei os aliados de
Duryodhana, de mente demoníaca, que aqui se encontram em assembléia nesta
guerra prontos para a luta!
24-25 - Sanjaya disse: Oh rei, assim
atendendo a solicitação de Arjuna, Shri Krishna colocou a magnífica carruagem
entre os dois exércitos em frente a Bhisma, Drona e todos os reis e disse:
Arjuna, contemple esses Kauravas aqui em assembléia.
26-29 - Agora, estacionado ali, Arjuna
viu em ambos os exércitos seus tios e tios avós, tios por parte materna, irmãos
e primos, filhos e netos, amigos, sogros e seus bem feitores. Vendo todos estes
relacionamentos ali presentes, foi possuído de extrema compaixão e emitiu
estas palavras com profunda tristeza. Arjuna disse: Krishna, diante da visão
destes entes queridos preparados e aguardando ansiosos o momento de combate,
meus membros estremecem, meu queixo cai; decididamente minha chama sapeca e
sacode e o cabelo eriçado, está em pé.
30 - O arco Gandiva cai de minhas mãos,
minha pele queima em toda parte, com a minha mente perturbada, não consigo nem
mesmo ficar em pé.
31 - E, Keshava (Krishna), vejo sinais
de mau agouro, não percebo nenhuma vantagem, nem bondade em matar meus entes
queridos e familiares em batalha.
32 - Krishna, não estou cobiçando
vitória, nem reinado, nem prazeres. Govinda (Krishna), que valor tem para nós
o reinado, luxurias ou até mesmo a vida?
33 - 34 - Aqueles pelos quais nós
cobiçamos o trono, as luxurias e os prazeres, - professores, tios e até mesmo
tios-avôs, tios por parte de mãe, sogros, netos, cunhados e outras relações,
estão aqui agrupados e alinhados no campo de batalha apoiados por suas vidas e
fortunas.
35 - Krishna, eu não quero matá-los,
mesmo que eles possam matar-me, nem que fosse para governar os três mundos
(espiritual, físico e mental), quanto mais por essa Terra.
36 - Krishna, que prazer há em
liquidar os Filhos do rei Dhritarashtra? Apenas destruição seria o que nos
perseguiria como resultado por matar estes desesperados.
37 - Portanto, Krishna, não cabe a nós
matar nossos amigos, os Filhos do rei Dhritarashtra. Pois, como nós ficaremos
felizes por matar nossos entes queridos?
38-39 - Mesmo que estas pessoas, com
as mentes cegas pela cobiça, não percebam o mal da destruição de sua própria
raça e o negativismo desencadeado por inimizade pelos amigos, Krishna, nós que
podemos ver claramente o dano envolvido em destruir nossa própria família,
porque não pensamos em sair deste crime?
40 - Antiquíssimas tradições de família
desaparecem com a destruição de uma família e a virtude tendo sido perdida, o
mal se instala em toda a família.
41 - Com a preponderância do vício,
Krishna, as mulheres da família tornam-se corruptas; com a corrupção das
mulheres, Varshneya (Krishna, literalmente - o descendente de Vrishi), decorre a
mistura das camadas sociais.
42 - A mistura das diversas camadas
sociais destroi a raça causando sua miscigenação e instabilidade sócio-cultural
e termina por conduzir toda a raça à sua própria extinção e desalento, ao
caos. Desprovidos de suas oferendas de água e arroz, o nome da raça também
desaparece.
43 - Em meio a estas destruições
todas e miscigenação social, os conhecimentos, tradições seculares e
costumes das famílias dos destruidores da raça, se extinguem.
44 - Krishna nós ouvimos que os
homens que perderam suas tradições de família se reúnem no inferno por período
indefinido de tempo.
45 - Alas! Mesmo sendo possuidores de
inteligência, nós voltamos as nossas mentes para cometer tamanho erro, pela
cobiça de sentar em um trono e gozar o fato de ter matado todos aqueles que nos
são caros.
46 - Seria melhor para mim se os
filhos do rei Dhritarashtra, bem armados, me matassem em batalha enquanto eu
estivesse desarmado e sem opor resistência.
Sanjaya disse:
47 - Arjuna com a sua mente agitada e
abatida por depressão em meio ao campo de batalha, tendo assim falado
despojou-se de seu arco e flechas e colocou-se no canto mais escondido de sua
carruagem.
Assim, no Upanishad cantado pelo
Senhor, a ciência de Brahma (iluminação), a escritura sobre Yoga, o diálogo
entre Shri Krishna e Arjuna, termina o seu primeiro capítulo, intitulado “A
YOGA DO DESALENTO DE ARJUNA”.
OM TAT SAT
Comentário
sobre o Capítulo n.t. (nota do tradutor)
Observem a ordem dos capítulos e seu
contexto em toda a obra.
O primeiro capítulo, a Yoga do
Desespero, é onde inicia a prática de Yoga. Em meio a batalha sagrada da vida
com o peso de todo conflito sobre os ombros, em uma verdadeira agonia de guerra.
De acordo a este ponto de ensinamento,
Yoga inicia em nossos momentos mais cruciais de desespero e caos mental, depressão
e stress.
Note bem que o problema é a mente.
Volto a elucidar que na “Yoga do
Desalento” o maior inimigo do homem é o problema de sua própria mente.
O problema é a mente!
Yoga é consciência, iniciamos por
conscientizar nosso inimigo, nossos limites antes de superá-los.
Aí começa Yoga e conscientização.
CAPÍTULO II
hari om tat sat
“SANKHYA
YOGA, A YOGA DA SABEDORIA”
1 - Shri Krishna então, endereçou as
seguintes palavras a Arjuna, que estava dominado pela piedade, com lágrimas nos
olhos, agitado e cheio de mágoa.
Shri Bhagavan disse:
2 - Arjuna, como foi que esta loucura
tomou conta de sua mente numa hora tão peculiar como esta? Nobres almas não se
afetam desta maneira, agindo assim você não conquistará nem o Céu nem a
fama.
3 - Não se submeta à covardia Arjuna;
você se tornaria doente, livre-se desta timidez insignificante. Oh eliminador
de inimigos, levante-se!
Arjuna disse:
4 - Krishna, como posso matar Bhishma
e Drona no campo de batalha com flechas? Ambos estão em posição de reverência,
Oh destruidor de inimigos.
5 - É preferível viver de esmolas
neste mundo, do que matar estes nobres já idosos, pois se os matarmos nós
apenas gozaremos de prazeres manchados de sangue, na forma de riqueza e
gratificações para os sentidos.
6 - Não sei o que é preferível:
Lutar ou não. Nem sei se iremos ganhar ou se eles nos vencerão. Os filhos de
Dhrtarashtra estão com as tropas formada contra nós.
7 - Com o meu próprio ser estando
corrompido pelos vícios da timidez e minha mente relutante em relação à
minha obrigação, eu Lhe pergunto; diga-me qual a melhor opção? Sou seu discípulo.
Rogo que me instrua, estou buscando refúgio em ti!
8 - Pois mesmo obtendo-se soberania
indisputada, reinado afluente nesta terra e domínio sobre os deuses; não vejo
nada que possa levar para longe o pesar que está secando os meus sentidos.
Sanjaia disse:
9 - Oh rei, tendo portanto falado com
Shri Krishna, Arjuna novamente disse a Ele: “Não lutarei”! E se silenciou.
10 - Então Oh Dhrtarashtra; Shri
Krishna, como que sorrindo, dirigiu as seguintes palavras para Arjuna bem entre
os dois exércitos alinhados.
Shri Bhagavan disse:
11 - Arjuna, você se aflige com o que
não merece lágrimas e ainda fala como os estudados; os sábios não se
entristecem com os mortos nem com os vivos.
12 - Na verdade, nunca houve o tempo
em que Eu não existisse ou quando você e estes reis também não. Nem é real
o fato de que no futuro deixemos de existir.
13 - Da mesma forma que a infância a
juventude e a idade adulta são atribuídas à alma através deste corpo. O
homem sábio não se ilude com isto.
14 - Oh filho de Kunti, os contatos
entre os sentidos e os objetos de sua experiência, que fazem surgir as sensações
de calor e frio, prazer e dor, etc., são transitórios e efêmeros; portanto
Arjuna, não os considere como importantes.
15 - Arjuna, os sábios para quem dor
e prazer são iguais e não são atormentados por estes contatos, se tornam,
desta forma, eleitos para a imortalidade.
16 - O irreal não tem existência e o
real nunca deixou de ser, a realidade de ambos tem sido assim percebida pelos
que vêem a Verdade.
17 - Saiba que a substância pelo qual
tudo isto é ocupado é imperecível; ninguém é capaz de fazer acontecer a
destruição desta essência indestrutível.
18 - Todos estes corpos pertencentes
ao Ser imperceptível e eterno, diz-se serem perecíveis, portanto Arjuna lute!
19 - São ambos ignorantes; aqueles
que acham que o Ser, ou seja, a alma, é capaz de matar, bem como aqueles que a
consideram morta; pois na verdade, a alma não morre nem mata.
20 - A alma nunca nasce e não morre,
nem passa a ser somente ao vir a existir. Pois nunca nasceu, é eterna, é perpétua
e primordial e mesmo que o corpo morra, o Ser não morre.
21 - Arjuna, como irá o homem que
sabe que o Ser é imperecível, eterno e livre de nascimento e apodrecimento,
causar a morte a alguém, ou mesmo matar alguém?
22 - Da mesma maneira que uma pessoa
se livra das roupas usadas e consegue outras novas, a alma em corpo, rejeita os
corpos usados e entra em outros novos.
23 - As armas não a podem cortar e
nem o fogo queimar. A água não a pode encharcar e nem o vento soprar.
24 - Pois alma é impossível de ser
cortada, é a prova de fogo, é impermeável para a água e também não seca. A
alma é eterna, onipresente, inalterável, constante e interminável.
25 - Esta alma é imanifesta, inconcebível
e é considerada imutável. Portanto, conhecendo-a desta forma, você não
deveria ter pesar.
26 - E Arjuna, mesmo se você
considerasse a alma sempre nascendo e morrendo constantemente, você não
deveria sofrer assim.
27 - Pois neste caso a morte daquele
que nasce é certa e o renascimento de quem morre é inevitável. Portanto, não
lhe cabe se magoar sobre um evento inevitável.
28 - Arjuna, todos os seres eram
imanifestos antes de nascer e se tornarão imanifestos quando morrerem, eles são
manifestos apenas em um estágio intermediário, Qual ocasião então, para
lamentações?
29 - Quase ninguém percebe esta alma
como maravilhosa, poucos, da mesma forma, falam sobre ela como maravilhosa e
raros ouvem falar que é maravilhosa; enquanto existem outros que conhecem-na
sem nunca terem ouvido falar dela.
30 - Arjuna, esta alma residindo no
corpo de todos nunca pode ser morta, por isto não lhe compete se entristecer
por nenhum ser existente.
31 - Além disto considerando o seu próprio
dever, você não deveria hesitar; pois não há nada mais bem vindo para um
homem da classe guerreira do que uma guerra justa.
32 - Arjuna, apenas as pessoas de
sorte entre os guerreiros, conseguem uma oportunidade insolicitada para a
guerra, que é uma porta aberta para o céu.
33 - Agora, se você não agir em tal
guerra honrada e abandonar o seu dever e perder sua reputação, você cairá em
erro.
34 - As pessoas despejarão infinitas
infâmias sobre você e infâmias sobre um homem com estima popular é pior do
que a morte.
35 - E os grandes guerreiros, que o
consideravam tanto, agora te desconsiderarão, achando que você desistiu da
batalha por medo.
36 - E seus inimigos, disparando o seu
poder, falarão muitas palavras indesejáveis e o que pode ser mais angustioso
do que isto?
37 - Mesmo morrendo na batalha você
atingirá o céu, ou sendo vitorioso gozará de soberania na terra. Arjuna, então
levante-se, determinado para lutar!
38 - Tratando da mesma forma o prazer
e a dor, ganho ou perda, a vitória e a derrota, prepare-se para a luta; assim
lutando não incorrerá em erro.
39 - Arjuna, esta atitude da mente,
foi apresentada do ponto de vista de SANKHYA YOGA, a Yoga da sabedoria. Agora ouça
o mesmo, apresentado, sob o ponto de vista da Yoga da Ação, KARMA YOGA.
Equipado com esta atitude mental, será capaz de se livrar completamente das
algemas oriundas do jogo de ações e reações denominado KARMA.
40 - No caminho da ação impessoal de
KARMA YOGA, não há perda de esforço e nem há o medo do resultado contrário.
Até mesmo pouca prática desta disciplina protege a pessoa de grandes medos.
41 - Arjuna, neste caminho abençoado,
o intelecto fica determinado e direcionado para um só propósito, ao passo que
a mente do indeciso, do homem ignorante que é movido à custa dos desejos, está
dispersado em varias direções e infinitamente diversificada.
42-43-44 - Arjuna, aqueles que estão
obssecados pelo desejo e devotos ao último dos vedas, que consideram o céu
como o objetivo supremo e argumentam que não há nada além do céu, não são
sábios. Eles recitam palavras floreadas, recomendando ações de vários tipos
para aquisição de prazeres e prosperidade com renascimento como seu fruto.
Aqueles cujas mentes são levadas por estas palavras e que estão profundamente
apegados aos prazeres e prosperidade do mundo, não podem atingir uma mente
determinada, forte e concentrada no Ser.
45 - Arjuna, os Vedas, assim versam
sobre as três Gunas, ou qualidades da natureza e suas evoluções em forma de
prazeres mundanos, assim como as formas de aquisição destes prazeres; seja
indiferente à estes prazeres e seus meios, se elevando para além dos pares
opostos como prazer e dor, etc., estabeleça-se na existência eterna do Ser,
absolutamente indiferente aos suprimentos das vontades e da preservação do que
já foi adquirido, com a mente totalmente sob controle.
46 - À uma pessoa que já atingiu a
iluminação, os Vedas (escrituras antigas versando sabedoria) tem o mesmo uso
que um pequeno reservatório de água em um local alagado por todos os lados.
47 - Sob o ponto de vista da YOGA DA AÇÃO,
ou Karma Yoga, o seu direito é de apenas agir, trabalhar, mas nunca sobre os
frutos gerados. Não deixe os frutos da ação serem o seu objetivo, nem se
deixe apegar à inatividade.
48 - Arjuna, faça todas as ações
relacionadas ao YOGA abandonando os apegos e indiferente ao sucesso ou o
fracasso; equanimidade é YOGA.
49 - A ação com um propósito egoísta
é muito inferior a esta yoga na forma de equanimidade mental. Busque refúgio
nesta tranqüilidade da mente Arjuna; pois pobres são aqueles que pretendem o
fruto das ações.
50 - Dotado com equanimidade a pessoa
experimenta na vida o bem e o mal. Por isto, esforce-se com esta YOGA DA
EQUANIMIDADE. A habilidade na ação está em praticar esta YOGA.
51 - Pois o homem sábio, dotado de
equanimidade, renunciando o fruto das ações e livre das amarras do nascimento,
atinge o supremo estado de contentamento
52 - Quando sua mente atravessar o
lamaçal da ilusão, você então crescerá indiferente ao que foi escutado e o
que ainda está para se escutar sobre este mundo ou o próximo.
53 - Quando sua mente, confusa por
ouvir afirmações conflituosas, permanecer firme e estabelecida em meditação
no Ser, você então atingirá união com o Ser.
Arjuna diz:
54 - Krishna, qual é o sinal de uma
alma, com compreensão do Ser, de mente estável e estabelecida em Samadhi, ou
seja perfeita estabilidade e tranqüilidade mental? Como um homem de mente estável fala, como ele sente, como anda?
Shri
Bhagavan responde:
55 - Arjuna, quando alguém abandona
completamente todos os desejos da mente e está satisfeito com a constante
experiência do Ser, através do Ser, então é considerado de mente estável.
56 - O sábio cuja mente não se
perturba nas tristezas, cuja sede por prazeres desapareceu completamente e que
é livre de paixões, medo e ira é considerado de mente estável.
57 - Aquele que é desapegado de tudo,
ao se deparar com o bem e o mal nem se regozija e nem se recua; é tido como de
mente estável.
58 - Como a tartaruga, que recua e
esconde seus membros de todas as direções, desligue os sentidos dos objetos
dos sentidos e torne-se de mente estável (alusão à prática de meditação).
59 - Os objetos dos sentidos cessam
para quem não se alegra com seus sentidos, mas o sabor por eles persiste. Este
gosto também desaparece no caso do homem de mente estável quando ele vê o
Supremo.
60 - Turbulento por natureza, os
sentidos até mesmo do sábio, que pratica auto disciplina yogui, forçosamente
carrega sua mente, Arjuna.
61 - Portanto, havendo controlado
todos eles e concentrando sua mente, deve-se sentar para meditar, dedicando seu
coração e seu ser para Mim. Pois aquele, cujos sentidos estão controlados, a
mente se tornou estável.
62 - O homem habitando os objetos dos
sentidos, desenvolve apego por eles; do apego surge o desejo e do desejo não
realizado surge o ódio e insatisfação.
63 - Do ódio e insatisfação,
aparece a paixão; da paixão, a confusão de memória; da confusão de memória,
a perda da razão; e da perda da razão vai-se à ruína completa.
64 - Porém o praticante de auto-
disciplina, mesmo desfrutando dos objetos dos sentidos, que estão disciplinados
e livres de gostar e rejeitar, atinge tranqüilidade mental.
65 - Ao atingir tal serenidade mental,
todas as suas tristezas chegam ao fim e o intelecto de tal pessoa de mente tranqüila,
logo se desligando de todos os lados, torna-se firmemente estabelecido no Ser
Sublime.
66 - Aquele que não disciplinou sua
mente e sentidos, não consegue ter uma razão determinante e a pessoa assim tão
indisciplinada não consegue ter fé, ou acreditar no que faz. O homem descrente
e inseguro não tem paz e como pode haver paz para uma pessoa que não tem tranqüilidade
mental?
67 - Da mesma forma que o vento
carrega o barco sobre as águas, assim também os sentidos desgovernados levam a
mente que está apegada a eles.
68 - Portanto, Arjuna, aquele cujos
sentidos estão completamente disciplinados com relação aos objetos, possui
mente estável.
69 - Aquilo que é noite para todos os
seres, naquele estado de contentamento supremo e sabedoria divina, o yogui com a
consciência do Ser, permanece desperto. E aquilo, que sempre muda, a satisfação
mundana transitória, na qual todos os demais se mantém acordados, é noite
para os que vêem.
70 - Assim como as águas de
diferentes rios vão para o mar, que apesar de cheio por todos os lados
permanece inalterado, da mesma forma, aquele em que todas as alegrias
desembocam, atinge paz e não aquele que anseia os prazeres.
71 - Ele, que renuncia a todos os
prazeres e se move livre de apegos, egoísmos e sede de prazer, atinge a paz.
72 - Arjuna, tal é o estado de um ser
com percepção e consciência do Ser, tendo atingido tal estado, ele
ultrapassou a ilusão. E estabelecido neste estado, até o último instante,
atinge a felicidade estável e perfeita com o contentamento em Brahma.
Assim, no Upanishad, cantado por
Krishna, a ciência de Brahma, a escritura sobre yoga, o diálogo entre Guru e
discípulo, termina o segundo capítulo intitulado “SANKHYA YOGA, A YOGA DA
SABEDORIA”.
CAPÍTULO III:
hari om tat sat
“KARMA
YOGA, ou A YOGA DA AÇÃO”
Arjuna perguntou:
1 - Krishna, se o Senhor considera a
Sabedoria como sendo superior a Ação, porque então me pede para efetuar algo
tão horrível, Keshava (Krishna)?
2 - Suas palavras estão embaraçando
minha mente com estes jogos de expressões semelhantes. Portanto diga-me
decisivamente aquela única disciplina pela qual o bem mais elevado possa ser
obtido. Shri Bhagavan (Krishna) lhe respondeu:
3 - Arjuna, neste mundo foram
enunciados por Mim no passado, dois tipos de Sadhana (disciplina espiritual). No
caso do Sankhya Yogui, a Sadhana procede-se pelo caminho da Sabedoria, enquanto
no caso do Karma yogui, pelo caminho da Ação.
4 - O homem não consegue libertar-se
de suas ações (culminação do caminho da Ação) sem efetuar alguma ação,
nem mesmo consegue ele conquistar perfeição (culminação do caminho da
Sabedoria) por mera renúncia às ações.
5 - Com toda certeza, ninguém
consegue permanecer inativo nem mesmo por um momento, todos são inevitavelmente
impelidos a agirem por qualidades inerentes à própria natureza.
6 - Aquele que com uma atitude
exterior, refreia os órgãos dos sentidos (olfato, paladar, visão, etc.) e das
ações (mãos, boca, etc.) e sentando-se para meditar continua mentalmente
ativo com os objetos dos sentidos (o que se vê, se toca, se sente, o aroma,
etc.), este homem de intelecto diluído é denominado um hipócrita.
7 - Por outro lado, aquele que
controlando os órgãos dos sentidos e das ações por meio da mente e
permanecendo desapegado (sem deixar que a mente seja profundamente afetada),
tomando assim da Yoga da Ação (Karma Yoga) através destes órgãos Arjuna;
este yogui ninguém supera.
8 - Portanto, execute a sua tarefa
permitida; pois a ação é superior a inatividade. Desistindo da ação, você
não poderia nem mesmo manter vivo o corpo.
9 - O homem é aprisionado pelas
algemas do Karma (ação e suas reações), apenas quando se entretém com ações
que não sejam aqueles trabalhos efetuados com a finalidade de sacrifício
(dedicação ao Supremo). Portanto Arjuna, execute eficientemente a sua função
livre de apego, com a finalidade única e exclusiva de sacrifício.
10 - Tendo criado a humanidade com o
espírito de sacrifício no início da criação, o Criador Brahma disse-lhes:
“Multipliquem-se por meio disto (sacrifício) e com isto consigam o regozijo
que buscam.
11 - Nutram os deuses por meio disto
(sacrifício); e deixem que eles os alimentem. Assim ajudando-se uns aos outros
desinteressadamente (com o intuito exclusivo de sacrifício), vocês irão
atingir o mais elevado bem.
12 - Nutridos pelo sacrifício os
deuses irão sem falta, dar-lhes sem mesmo ter de pedir, todas as regalias e
regozijo que desejarem. Aqueles que desfrutam dos presentes divinos recebidos,
sem dar nada em retorno, é sem nenhuma sombra de dúvida um ladrão”.
13 - O virtuoso que se nutre das
sobras dos sacrifícios, é absolvido de todos os seus negativismos ou sombras.
Aquelas pessoas que agem negativamente, que cozinham seus alimentos com o mero
intuito de nutrirem os seus corpos, apenas ingerem o negativismo.
14-15 - Todos os seres evoluíram a
partir do alimento; a produção de alimento depende da chuva; a chuva é
proveniente do sacrifício e sacrifício por sua vez está baseado na ação.
Saiba que a ação possui a sua origem nos Vedas e que os Vedas encontram a sua
procedência no indestrutível (Essência Primordial); portanto o infinito
onipresente está sempre presente nos sacrifícios.
16 - Arjuna, aquele que não segue a
roda da criação que assim se encontra em movimento neste mundo (por exemplo,
abstendo-se das ações cotidianas), cheio de negativismo e sensualidade este,
vive em vão.
17 - Entretanto quem busca seu
entretenimento apenas no Ser e sente-se gratificado com o Ser, encontra-se
contido e contente no Ser; este não possui outra responsabilidade nem tarefa
senão esta.
18 - Neste mundo tal “grande alma”
(Maha-Atma; Mahatma) não tem nenhuma utilidade para qualquer coisa que seja
feita nem mesmo é útil para qualquer coisa que não tenha sido feita; tampouco
possui dependência pessoal de qualquer tipo de criatura.
19 - Portanto sempre com eficiência,
execute suas obrigações e tarefas sem apego. Trabalhando sem apego o homem
atinge o Supremo.
20 - Foi apenas por meio da ação
(sem apego) que Janaka e outros sábios atingiram perfeição. Mantendo sempre
um olho voltado para a manutenção da ordem no mundo, você deve recorrer a ação.
21 - Porque seja lá o que for que um
grande homem faça, aquela mesma coisa os outros também fazem, seja qual for a
situação que ele monte, a generalidade dos homens a seguem.
22 - Arjuna, não há nada nos três
mundos para Mim que ainda esteja por ser feito nem mesmo há algo que valha a
pena ser atingido ou que seja inatingível por Mim mas mesmo assim continuo a
trabalhar.
23 - Em qualquer momento se Eu
despreocupadamente parasse de agir, grande mal sobrecairia sobre o mundo porque
Arjuna, os seres humanos seguem o Meu caminho em todas as matérias.
24 - Se Eu não efetuar nenhuma ação,
estes mundos irão desaparecer ai então Eu serei o autor da confusão entre
todas as classes sociais e o destruidor de todas estas pessoas.
25 - Arjuna, da mesma maneira que age
o ignorante com apego, desta mesma forma deve atuar o sábio, buscando a manutenção
da ordem no mundo; entretanto com desapego.
26 - Um sábio estabelecido em mim, não
deve confundir a mente dos ignorantes que são apegados às ações, mas deve
inspirá-los a efetuarem todas as suas obrigações através de exemplo próprio.
27 - Todas as ações são levadas a
cabo por meio das oscilações e modos da Natureza (Prakriti, Matéria
Primordial). O ignorante cuja mente encontra-se desintegrada pelo egoísmo,
considera a si próprio como sendo o agente das ações.
28 - Entretanto, aquele que conhece a
realidade das respectivas esferas das Gunas (os modos de prakriti, a Natureza) e
das ações, sustentando a percepção de que são as Gunas (na forma dos
sentidos, da mente, etc.) que movem entre as Gunas (objetos de percepção dos
sentidos), não se afeta nem se apega a elas Arjuna.
29 - Aqueles que estão completamente
diluídos pelas Gunas (modalidades) de Prakriti, permanecem apegados e afetados
àquelas Gunas e ações; o homem de sabedoria perfeita não deve perturbar a
mente daqueles pobres coitados de sabedoria insuficiente.
30 - Portanto, dedicando todas as ações
para Mim, com a sua mente fixa em Mim, o Ser de todos os que são, foram e virão
a ser, livre de qualquer expectativa e do sentimento de posse e curado de sua
febre mental, lute!
31 - Até mesmo aqueles que com uma
mente devotada e sem objeções frívolas, sempre seguem esta Minha doutrina, se
libertam dos efeitos aprisionantes de todas as ações.
32 - Por outro lado, aqueles que
encontram falhas com esta Minha doutrina e não a seguem, conheça-os como sendo
destituídos em matéria de sabedoria, sem sentido e perdidos.
33 - Todos os seres seguem a sua
natureza; até mesmo o sábio se comporta de acordo à sua própria natureza. No
que poderia ajudar as restrições?
34 - Atração e repulsão
encontram-se em todos os objetos percebidos pelos sentidos. O homem não deve
nunca permanecer neste domínio, porque eles são os principais bloqueios no
caminho que trilha.
35 - As obrigações próprias de cada
um, mesmo que sejam sem mérito algum, são mais satisfatórias do que as obrigações
de terceiros bem executadas. Mesmo a morte alcançada no transcorrer de realizações
das obrigações respectivas de cada qual, traz bênçãos. Entretanto executar
a ação de outros é temeroso.
36 - Arjuna indagou: Agora Krishna, o
que impele um homem ao erro, mesmo que seja involuntariamente, como se tivesse
sido tomado por alguma força?
37 - Shri Bhagavan (Shri Krishna)
esclareceu: É o desejo, é um páreo duro, proveniente do elemento de Rajas,
insaciável e que é atraído por coisas rudimentares; conheça-o como sendo o
inimigo neste caso.
38 - Assim como as chamas do Fogo
encontram-se envolvidas pela fumaça, o espelho pela poeira e o embrião pelo líquido
aminiótico, da mesma maneira a Sabedoria é envolvida pelo desejo.
39 - Assim Arjuna, a Sabedoria
encontra-se coberta por este eterno inimigo do sábio; o Fogo insaciável na
Forma de desejo.
40 - Os sentidos (olfato, paladar, visão,
tato e audição), a mente e o intelecto, possuem a reputação de ser a pousada
deste inimigo; por meio deles envolve-se e oculta-se a Sabedoria, ao mesmo tempo
em que dilui nisto o espírito presente no corpo.
41 - Por isto Arjuna, primeiro
controlando os sentidos, elimine este enfraquecido desejo que obscurece Guiana
(Sabedoria do Absoluto Imanifesto ou Brahma) e Viguiana (Sabedoria do Absoluto
como Divindade manifesta).
42 - Os sentidos são tidos como mais
poderosos e elevados do que o corpo; mas mais forte e mais elevado ainda do que
os sentidos é a mente. Mais poderoso do que a mente é o intelecto e mais
elevado e poderoso do que o intelecto é o Ser, como pura consciência e existência.
43 - Assim Arjuna, conhecendo aquilo
que é mais elevado do que o intelecto e subjugando a mente pela razão (ação
do intelecto), elimine este inimigo na forma de Desejo, o qual é duro de ser
ultrapassado.